Conduzir
Pastores Alemães é quase instintivo para os donos, porque estes lupinos são “estupidamente
obedientes”, são “cães de 1,2,3” – à terceira vez já aprenderam tudo! Isto não quer
dizer que um condutor que obteve sucesso com um Pastor Alemão venha a ter o
mesmo êxito com um cão de outra raça, porque o êxito obtido fica na maioria dos
casos a dever-se mais ao acerto do cão do que ao empenho ou excelência técnica do
seu condutor. Na presença de cães assim, os seus condutores são obrigados a
esmerar-se, a serem mais assertivos e a abraçarem uma maior acuidade técnica,
porque doutro modo estarão a desaproveitar o potencial dos cães que têm em mãos
– os Pastores Alemães exigem ser honrados! O Fila de São Miguel, para mim o cão
português mais versátil e completo, pelo que não tem igual no nosso panorama
canino, é capaz de disputar tudo com os melhores, revelando-se para quem não o
conhece numa agradável surpresa. Contudo, este alano-molosso, em paralelo com
as suas múltiplas aptidões, apresenta por vezes sérias dificuldades na
sociabilização inter pares, problema que deverá ser levado a sério e que nos
deverá remeter para a sua precoce sociabilização (antes da maturidade sexual) e
para os consequentes trabalhos de parceria, para que aprenda a trabalhar em
grupo e a abraçar o mesmo objectivo. Se assim procedermos, é possível
constituir-se uma frente antimotim eficaz sem corrermos o risco dos cães se virarem
à dentada uns aos outros, pelo que sociabilizar filas, para além de
obrigatório, é dignificá-los!
A
sociabilização entre Pastores Alemães em treino é quase automática e com
facilidade se constituem matilha. Porém, quando enfileirados para saltar o
mesmo obstáculo, poderão acontecer algumas indesejáveis perseguições, indesejáveis
porque são impróprias, atentam contra os propósitos escolares, quebram o ritmo
das aulas e obrigam a alterações no seu plano. Para que isso deixe de acontecer
e partindo-se do simples para o complexo, optei por colocar uma pastora após um
obstáculo, mas dentro da curvatura natural de salto, convidando depois outro
cão a executar aquele obstáculo assim composto.
Debaixo
do mesmo princípio e objectivo, solicitei a todos os Filas presentes um salto
idêntico ao requerido aos Pastores, só que desta vez sem o balizamento de um
obstáculo, para solicitar dos seus condutores maior empenho e superior
controlo. Tudo correu na “santa paz”, nenhum cão agrediu outro, apesar de terem
entre eles um histórico de encarniçados conflitos.
E
porque importa não deixar ninguém para trás e substituir dentro da medida do
possível as más experiências por experiências felizes, os cães mais novos e os subordinados
executaram este trabalho à trela para ajudá-los a vencer os seus medos e
proceder ao robustecimento do seu carácter. Nestas tarefas, os cães alternavam
de funções: ou saltavam por cima de outro ou consentiam que outros saltassem
por cima deles.
Há,
por razões ainda totalmente por esclarecer, uma incompatibilidade
psicossomática entre lupinos e molossos, que pode descambar em confrontos
directos, até porque uns e outros não se revêem mutuamente e optam pela
desconfiança quando se avistam. Apostado em ultrapassar esta dispensável
querela, com o auxílio dos condutores em exercício, convidei também os pastores
para este exigente trabalho de sociabilização.
Todos
sabemos que o andamento natural preferencial dos Pastores Alemães é a marcha (o
equivalente ao trote dos cavalos), andamento com o qual batem rapidamente muito
terreno por longos períodos de tempo, que é também indispensável à sua
musculação. Devido aos alongamentos que a sua marcha propicia, é-lhes possível ultrapassar
pequenos obstáculos sem transitarem de marcha, o que irá exigir-lhes maior
concentração. Apostado em valorizar os cães que me foram dados para instruir,
pedi ao dos Pastores Alemães presentes que transpusesse um Fila em marcha (foto
abaixo).
Na
continuação dos trabalhos de parceria, depois de ter posto os Filas a saltar
lado-a-lado, convidei-os para os mesmos obstáculos em sentidos opostos, alertando
os seus condutores para os riscos de colisão, adiantando-lhes os procedimentos
correctos e confiando na sua destreza técnica.
Procedi
também a cruzamentos em dois planos mediante a saída em simultâneo de dois
cães, no intuito de se acostumarem a não se deterem ou distraírem mediante a
aproximação de outro cão, abandonando assim o cumprimento das ordens e
transitando indevidamente para autocontrolo. Para que exercícios destes sejam
bem-sucedidos, é necessário que os cães estejam sociabilizados e não se temam
uns aos outros.
Entretanto,
um jovem Pastor Alemão foi convidado para ultrapassar uma vertical com 120 cm
de altura, com dois cães a evoluírem encostados ao seu corpo. O apego à dona
demonstrado pelo bicolor é-lhe suficiente para qualquer trabalho.
Mediante
o acerto ocorrido no trabalho à trela, que levou de vencida os medos naturais
dos cães e levou-os a melhor confiar nos seus donos, todos os animais em instrução
acabaram por executar os diversos exercícios de parceria confortavelmente em
liberdade.
Num
salto de parceria ou de sociabilização em sentidos opostos, quanto maior for a
altura de um obstáculo, maior precisão dos condutores irá ser exigida dos
condutores, porque os cães só detectam a presença do seu opositor na exacta
altura da transposição simultânea, isto se a vertical em questão não for crua
ou aberta, o que possibilitaria aos cães ver-se reciprocamente durante a
progressão.
Numa
postura de “AQUI
VAI SINTRA!”, a apontar para o céu como que a dizer
que “O ALTÍSSIMO HABITA
NAS ALTURAS”, o Paulo tudo fez para que o veterano CPA
Bohr ultrapassasse o “Lápis”, versão optimizada de um histórico obstáculo
militar resultante do ensarilhar das armas. Com tamanho empenho por parte do
dono, o lobeiro ultrapassou aquele obstáculo quase sem dar por ele.
O
que mais contribui para o sucesso dos cães de guarda é o factor surpresa,
pormenor para o qual o Fila de São Miguel se encontra bem apetrechado, uma fez
que a sua pelagem, ao ser naturalmente camuflada, permite-lhe ocultar-se nos
mais variados cenários, nomeadamente no meio de diferentes tipos de vegetação, ambientes
onde é rei e senhor e onde importa que se sinta confortável. Tendo isto em
consideração, numa parte descuidada da Pista Táctica, pedi aos binómios
presentes que evoluíssem pelo meio de canas e outras herbáceas (vê-se mais a
t-shirt branca do condutor que o corpo do cão – binómio operacional também se
estende ao trajar). Por outro lado, quando devidamente familiarizado com os
animais ou sociabilizado para o efeito (o ideal seria nascer no ecossistema a
guardar ou ir para lá desde muito novo), o Fila de São Miguel tem tudo para ser
um excelente cão de conservação.
O
adestramento ganha maior dimensão e a arte ouros subsídios quando um jovem
abraça esta actividade pedagógica e a ela se dedica de corpo e alma, criando e recriando
imagens que não deixam ninguém insensível pela sua beleza estética. Na foto,
entregue ao seu labor, eis o Afonso e o Thor.
Como
se calcula, fizemos muito mais coisas, mas estaria aqui toda a manhã a escrever
para narrá-las. O tempo não nos atraiçoou e o Plano de Aula foi cumprido, os
binómios aproveitaram e não perderam o apetite para o almoço. Participaram nos
trabalhos os seguintes binómios: Afonso/Thor; João
Mendonça/Bebé; Jorge/Gaia; José António/Doc; José Maria/Süße; José Maria/Yara; Maria/Dobby;
Paulo/Bohr e Svetlana/Vlad.
Este grupo escolar carece de compreender a importância que a recompensa tem para o sucesso no adestramento canino, porque doutro modo não deixaria de comprar biscoitos para os seus cães, não os deixaria em casa ou no carro e não consentiria que acabassem. A somar a isto, debaixo da desculpa que os seus não apreciam, a maioria dos animais não tem qualquer brinquedo e muito menos um da sua preferência, no que lembram crianças desprezadas de algum ignoto Bidonville (bairro da lata). Importa reverter quando antes esta situação. Se todos os cães tivessem um brinquedo da sua eleição, próprio para transmitir-lhes confiança em todo e qualquer lugar, certamente haveriam menos a sofrer da ansiedade da separação.
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