segunda-feira, 11 de setembro de 2023

HONRAR PASTORES E DIGNIFICAR FILAS

 

Conduzir Pastores Alemães é quase instintivo para os donos, porque estes lupinos são “estupidamente obedientes”, são “cães de 1,2,3” – à terceira vez já aprenderam tudo! Isto não quer dizer que um condutor que obteve sucesso com um Pastor Alemão venha a ter o mesmo êxito com um cão de outra raça, porque o êxito obtido fica na maioria dos casos a dever-se mais ao acerto do cão do que ao empenho ou excelência técnica do seu condutor. Na presença de cães assim, os seus condutores são obrigados a esmerar-se, a serem mais assertivos e a abraçarem uma maior acuidade técnica, porque doutro modo estarão a desaproveitar o potencial dos cães que têm em mãos – os Pastores Alemães exigem ser honrados! O Fila de São Miguel, para mim o cão português mais versátil e completo, pelo que não tem igual no nosso panorama canino, é capaz de disputar tudo com os melhores, revelando-se para quem não o conhece numa agradável surpresa. Contudo, este alano-molosso, em paralelo com as suas múltiplas aptidões, apresenta por vezes sérias dificuldades na sociabilização inter pares, problema que deverá ser levado a sério e que nos deverá remeter para a sua precoce sociabilização (antes da maturidade sexual) e para os consequentes trabalhos de parceria, para que aprenda a trabalhar em grupo e a abraçar o mesmo objectivo. Se assim procedermos, é possível constituir-se uma frente antimotim eficaz sem corrermos o risco dos cães se virarem à dentada uns aos outros, pelo que sociabilizar filas, para além de obrigatório, é dignificá-los!

A sociabilização entre Pastores Alemães em treino é quase automática e com facilidade se constituem matilha. Porém, quando enfileirados para saltar o mesmo obstáculo, poderão acontecer algumas indesejáveis perseguições, indesejáveis porque são impróprias, atentam contra os propósitos escolares, quebram o ritmo das aulas e obrigam a alterações no seu plano. Para que isso deixe de acontecer e partindo-se do simples para o complexo, optei por colocar uma pastora após um obstáculo, mas dentro da curvatura natural de salto, convidando depois outro cão a executar aquele obstáculo assim composto.

Debaixo do mesmo princípio e objectivo, solicitei a todos os Filas presentes um salto idêntico ao requerido aos Pastores, só que desta vez sem o balizamento de um obstáculo, para solicitar dos seus condutores maior empenho e superior controlo. Tudo correu na “santa paz”, nenhum cão agrediu outro, apesar de terem entre eles um histórico de encarniçados conflitos.

E porque importa não deixar ninguém para trás e substituir dentro da medida do possível as más experiências por experiências felizes, os cães mais novos e os subordinados executaram este trabalho à trela para ajudá-los a vencer os seus medos e proceder ao robustecimento do seu carácter. Nestas tarefas, os cães alternavam de funções: ou saltavam por cima de outro ou consentiam que outros saltassem por cima deles.

Há, por razões ainda totalmente por esclarecer, uma incompatibilidade psicossomática entre lupinos e molossos, que pode descambar em confrontos directos, até porque uns e outros não se revêem mutuamente e optam pela desconfiança quando se avistam. Apostado em ultrapassar esta dispensável querela, com o auxílio dos condutores em exercício, convidei também os pastores para este exigente trabalho de sociabilização.

Todos sabemos que o andamento natural preferencial dos Pastores Alemães é a marcha (o equivalente ao trote dos cavalos), andamento com o qual batem rapidamente muito terreno por longos períodos de tempo, que é também indispensável à sua musculação. Devido aos alongamentos que a sua marcha propicia, é-lhes possível ultrapassar pequenos obstáculos sem transitarem de marcha, o que irá exigir-lhes maior concentração. Apostado em valorizar os cães que me foram dados para instruir, pedi ao dos Pastores Alemães presentes que transpusesse um Fila em marcha (foto abaixo).

Na continuação dos trabalhos de parceria, depois de ter posto os Filas a saltar lado-a-lado, convidei-os para os mesmos obstáculos em sentidos opostos, alertando os seus condutores para os riscos de colisão, adiantando-lhes os procedimentos correctos e confiando na sua destreza técnica.

Procedi também a cruzamentos em dois planos mediante a saída em simultâneo de dois cães, no intuito de se acostumarem a não se deterem ou distraírem mediante a aproximação de outro cão, abandonando assim o cumprimento das ordens e transitando indevidamente para autocontrolo. Para que exercícios destes sejam bem-sucedidos, é necessário que os cães estejam sociabilizados e não se temam uns aos outros.

Entretanto, um jovem Pastor Alemão foi convidado para ultrapassar uma vertical com 120 cm de altura, com dois cães a evoluírem encostados ao seu corpo. O apego à dona demonstrado pelo bicolor é-lhe suficiente para qualquer trabalho.

Mediante o acerto ocorrido no trabalho à trela, que levou de vencida os medos naturais dos cães e levou-os a melhor confiar nos seus donos, todos os animais em instrução acabaram por executar os diversos exercícios de parceria confortavelmente em liberdade.

Num salto de parceria ou de sociabilização em sentidos opostos, quanto maior for a altura de um obstáculo, maior precisão dos condutores irá ser exigida dos condutores, porque os cães só detectam a presença do seu opositor na exacta altura da transposição simultânea, isto se a vertical em questão não for crua ou aberta, o que possibilitaria aos cães ver-se reciprocamente durante a progressão.

Numa postura de “AQUI VAI SINTRA!”, a apontar para o céu como que a dizer que “O ALTÍSSIMO HABITA NAS ALTURAS”, o Paulo tudo fez para que o veterano CPA Bohr ultrapassasse o “Lápis”, versão optimizada de um histórico obstáculo militar resultante do ensarilhar das armas. Com tamanho empenho por parte do dono, o lobeiro ultrapassou aquele obstáculo quase sem dar por ele.

O que mais contribui para o sucesso dos cães de guarda é o factor surpresa, pormenor para o qual o Fila de São Miguel se encontra bem apetrechado, uma fez que a sua pelagem, ao ser naturalmente camuflada, permite-lhe ocultar-se nos mais variados cenários, nomeadamente no meio de diferentes tipos de vegetação, ambientes onde é rei e senhor e onde importa que se sinta confortável. Tendo isto em consideração, numa parte descuidada da Pista Táctica, pedi aos binómios presentes que evoluíssem pelo meio de canas e outras herbáceas (vê-se mais a t-shirt branca do condutor que o corpo do cão – binómio operacional também se estende ao trajar). Por outro lado, quando devidamente familiarizado com os animais ou sociabilizado para o efeito (o ideal seria nascer no ecossistema a guardar ou ir para lá desde muito novo), o Fila de São Miguel tem tudo para ser um excelente cão de conservação.

O adestramento ganha maior dimensão e a arte ouros subsídios quando um jovem abraça esta actividade pedagógica e a ela se dedica de corpo e alma, criando e recriando imagens que não deixam ninguém insensível pela sua beleza estética. Na foto, entregue ao seu labor, eis o Afonso e o Thor.

Como se calcula, fizemos muito mais coisas, mas estaria aqui toda a manhã a escrever para narrá-las. O tempo não nos atraiçoou e o Plano de Aula foi cumprido, os binómios aproveitaram e não perderam o apetite para o almoço. Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Afonso/Thor; João Mendonça/Bebé; Jorge/Gaia; José António/Doc; José Maria/Süße; José Maria/Yara; Maria/Dobby; Paulo/Bohr e Svetlana/Vlad.

Este grupo escolar carece de compreender a importância que a recompensa tem para o sucesso no adestramento canino, porque doutro modo não deixaria de comprar biscoitos para os seus cães, não os deixaria em casa ou no carro e não consentiria que acabassem. A somar a isto, debaixo da desculpa que os seus não apreciam, a maioria dos animais não tem qualquer brinquedo e muito menos um da sua preferência, no que lembram crianças desprezadas de algum ignoto Bidonville (bairro da lata). Importa reverter quando antes esta situação. Se todos os cães tivessem um brinquedo da sua eleição, próprio para transmitir-lhes confiança em todo e qualquer lugar, certamente haveriam menos a sofrer da ansiedade da separação.

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