Segundo
os actuais padrões da cinotecnia, já adoptados há mais de meio século, nenhum
exercício solicitado a um cão poderá dispensar a sua alegria, já que a ausência
desta condição, por apelar à violência, é uma forma de tortura e como tal um
crime público, próprio de quem não aprendeu ainda a lidar com as suas
frustrações. Assim, mais importante do que um cão fazer um obstáculo, é avaliar
o modo de como é feito, porque ele denunciará a justeza ou a impropriedade do
método imputado ao animal – a arte de ensinar ou educar cães não se coaduna com
a atabalhoada política de que os fins justificam os meios. Se assim fosse, bem
depressa as reguadas voltariam à instrução primária humana como o melhor
subsídio pedagógico. Se tardiamente abandonámos as reguadas, porque insistimos
em escravizar os cães, porventura aprenderão melhor à berlaitada? É isso que
fazemos quando desprezamos o seu prazer em aprender, erro troglodita que de uma
assentada semeia a desconfiança e o medo, comprometendo em simultâneo a
cumplicidade, a interacção e o desempenho dos animais. Depois da enumeração
sumária destes princípios gerais e à luz do reforço positivo, vou passar à
analise de cada um dos binómios pertencente a um grupo escolar em exercício na
sua Pista Táctica, visando exclusivamente o bem-estar animal e a consequente
progressão binominal.
BINÓMIO JOSÉ ANTÓNIO/DOC –
Há que salientar em primeiro lugar o cuidado que o José António dedica ao seu
Fila de S. Miguel, cuidado que o destaca dos demais. Ninguém duvida dos
vínculos afectivos existentes entre dono e cão, assim como ninguém pode pôr em
causa a margem de progressão do animal. Contudo, duas impropriedades laborais
carecem de ser vencidas, a menor velocidade na execução dos obstáculos e a
pouca tenacidade nas capturas, ambas ligadas a uma e só causa – à insuficiência
na hora de recompensar – o que leva muitas vezes o Doc a sair dos obstáculos
como quem já cumpriu a sua obrigação e não como quem sabe que vai receber uma
recompensa, avidez que o tornará mais célere e decidido. Por outro lado, a
recompensa com o brinquedo da sua eleição, reforçará no Doc a decisão nas
capturas, impelido que vai pela posse do brinquedo. No passado, o Doc estava
ser ensinado a trazer vários objectos à mão do dono visando o socorro deste, o
que lhe conferia maior força de mordedura e maior utilidade. A dispersão de
golpes de um Fila não se coaduna com o beliscar efusivamente e por sistema de
um fato de ataque, porque a sua menor força de mordedura e tendência para
ataques de esquiva carecem de ser vocacionadas para acções cirúrgicas e
eficazes que necessariamente carecem de condicionamento prévio, uma vez
respeitadas as suas características peculiares. Os Filas de S. Miguel,
contrariamente ao comum dos Pastores Alemães, trabalham mais com a memória
afectiva do que com a memória mecânica, não dispensando por isso um
acompanhamento mais tangente e a experiência feliz. O desenvolvimento
excepcional da memória mecânica do Doc ficou a dever-se em primeiro lugar à sua
precocidade laboral ligada à dedicação de que foi alvo. José António: Recompensa
e serás recompensado!
BINÓMIO AFONSO/THOR –
Foi ao Afonso que no passado dediquei mais tempo, o que rapidamente o transformou
num exímio praticante da Técnica de Condução, sendo nisso superior a muitos
franco-atiradores na nossa praça que são autênticos “ceguinhos” nesta
habilitação. Apesar de introvertido e por isso mesmo amigo dos seus próprios
juízos, que por vezes não confessa, o Afonso é simultaneamente dedicado e
meigo, dando-lhe estas duas últimas condições potencial para se vir a
transformar num bom adestrador, quando menos sujeito a nefastas influências externas.
O Thor denuncia o que acabei de dizer acerca do seu condutor, porque o adora e
espera mais dele, desafiando-o invariavelmente para a brincadeira, brincadeira
sobre a qual construirá o Afonso um parceiro ideal. Afonso: Os cães não são
só trabalho, também precisam de brincar e muito!
BINÓMIO SVETLANA/VLAD –
A Svetlana tem uma habilidade natural para o adestramento canino e tem tudo
para nele vir a ser bem-sucedida, desde que respeite a sua própria identidade e
não aja contra a sua sensibilidade, que não é pouca, porque vale mais a sua
originalidade do que qualquer cópia fiel que queira adoptar. Tímida, cuja
gaguez lhe entrava a falsa extroversão, o que denuncia uma apropriação distante
da sua, a Svetlana dá a impressão de ter medo de ser quem é e de desagradar,
indecisão que por vezes lança o Vlad na confusão, sem saber que dona tem e
aquilo que o espera, muito embora a evolução do cão que deva a ela. Svetlana: Não
precisas de te armar em durona na pista, tira a máscara, pois basta seres igual
a ti própria para teres um cão à tua imagem.
BINÓMIO JOSÉ MARIA/ COM UM DOS
SEUS OU COM TODOS – Tecnicamente o José Maria está melhor,
emocionalmente nem por isso, por razões que transcendem a minha abrangência
enquanto adestrador canino. Com tanto cão para trabalhar, não sei se chegará
com algum ao estrelato ou se tão pouco chegará a conhecê-los todos segundo o
seu particular. O José Maria está melhor, os cães é que não, pois continuam
agachados e a carregar a garupa às costas, com as orelhas abatidas e as caudas
a denunciar no mínimo insegurança, o que temerão eles? José Maria: Precisa
de mudar radicalmente de atitude em relação aos cães, de ir ao seu encontro e
descobrir o muito que têm para lhe oferecer. Não perca tempo, a vida deles é
muito curta!
BINÓMIO PAULO/BOHR - O
Bohr deve ser um dos lobeiros mais felizes do mundo, porque brinca em casa, na
rua e na escola, brinca em todo o lado e não se cansa de troçar da cara do
dono, nem que para isso tenha que o chantagear desmesuradamente. Sabidão,
sempre acaba por fazer o dono desistir dos seus intentos. Cão de trabalho? Só
nas mas minhas mãos! Paulo: Já não vais a tempo de apanhar a carruagem
laboral, coisa que já sabes e que pouco te importa. Apesar dos incómodos que te
podem causar, os trabalhos actuais do Bohr visam a sua qualidade de vida e
longevidade.
Antes
de avaliar o Fila Thor no que à segurança diz respeito, quero aqui salientar um
sujeito que desconhecia e que me apareceu na pista – o Slad - penso que é assim
que se chama e ao que tudo indica é filho do Ivan. Este jovem demostrou
especiais aptidões para o adestramento, pelo que nisso deveria ser aproveitado.
Quanto ao Thor, mostrou especiais aptidões para desempenhar futuros serviços de
segurança, podendo transformar-se num sério e excelente guardião.
Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Afonso/Thor, José António/Doc, José Maria/Drako, José Maria/Schwartz, José Maria/Süße, Maria/Dobby, Paulo/Bohr, Svetlana/Vlad. Durante o treino ainda apanhámos três molhas de curta duração, o que não impediu o normal desenvolvimento dos trabalhos. O Plano de Aula foi cumprido e suas observações foram agora expostas. O Jorge Filipe não compareceu e todos regressaram a casa bem-dispostos.
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