segunda-feira, 4 de setembro de 2023

CHECK-UP A UM GRUPO ESCOLAR

 

Segundo os actuais padrões da cinotecnia, já adoptados há mais de meio século, nenhum exercício solicitado a um cão poderá dispensar a sua alegria, já que a ausência desta condição, por apelar à violência, é uma forma de tortura e como tal um crime público, próprio de quem não aprendeu ainda a lidar com as suas frustrações. Assim, mais importante do que um cão fazer um obstáculo, é avaliar o modo de como é feito, porque ele denunciará a justeza ou a impropriedade do método imputado ao animal – a arte de ensinar ou educar cães não se coaduna com a atabalhoada política de que os fins justificam os meios. Se assim fosse, bem depressa as reguadas voltariam à instrução primária humana como o melhor subsídio pedagógico. Se tardiamente abandonámos as reguadas, porque insistimos em escravizar os cães, porventura aprenderão melhor à berlaitada? É isso que fazemos quando desprezamos o seu prazer em aprender, erro troglodita que de uma assentada semeia a desconfiança e o medo, comprometendo em simultâneo a cumplicidade, a interacção e o desempenho dos animais. Depois da enumeração sumária destes princípios gerais e à luz do reforço positivo, vou passar à analise de cada um dos binómios pertencente a um grupo escolar em exercício na sua Pista Táctica, visando exclusivamente o bem-estar animal e a consequente progressão binominal.

BINÓMIO JOSÉ ANTÓNIO/DOC – Há que salientar em primeiro lugar o cuidado que o José António dedica ao seu Fila de S. Miguel, cuidado que o destaca dos demais. Ninguém duvida dos vínculos afectivos existentes entre dono e cão, assim como ninguém pode pôr em causa a margem de progressão do animal. Contudo, duas impropriedades laborais carecem de ser vencidas, a menor velocidade na execução dos obstáculos e a pouca tenacidade nas capturas, ambas ligadas a uma e só causa – à insuficiência na hora de recompensar – o que leva muitas vezes o Doc a sair dos obstáculos como quem já cumpriu a sua obrigação e não como quem sabe que vai receber uma recompensa, avidez que o tornará mais célere e decidido. Por outro lado, a recompensa com o brinquedo da sua eleição, reforçará no Doc a decisão nas capturas, impelido que vai pela posse do brinquedo. No passado, o Doc estava ser ensinado a trazer vários objectos à mão do dono visando o socorro deste, o que lhe conferia maior força de mordedura e maior utilidade. A dispersão de golpes de um Fila não se coaduna com o beliscar efusivamente e por sistema de um fato de ataque, porque a sua menor força de mordedura e tendência para ataques de esquiva carecem de ser vocacionadas para acções cirúrgicas e eficazes que necessariamente carecem de condicionamento prévio, uma vez respeitadas as suas características peculiares. Os Filas de S. Miguel, contrariamente ao comum dos Pastores Alemães, trabalham mais com a memória afectiva do que com a memória mecânica, não dispensando por isso um acompanhamento mais tangente e a experiência feliz. O desenvolvimento excepcional da memória mecânica do Doc ficou a dever-se em primeiro lugar à sua precocidade laboral ligada à dedicação de que foi alvo. José António: Recompensa e serás recompensado!

BINÓMIO AFONSO/THOR – Foi ao Afonso que no passado dediquei mais tempo, o que rapidamente o transformou num exímio praticante da Técnica de Condução, sendo nisso superior a muitos franco-atiradores na nossa praça que são autênticos “ceguinhos” nesta habilitação. Apesar de introvertido e por isso mesmo amigo dos seus próprios juízos, que por vezes não confessa, o Afonso é simultaneamente dedicado e meigo, dando-lhe estas duas últimas condições potencial para se vir a transformar num bom adestrador, quando menos sujeito a nefastas influências externas. O Thor denuncia o que acabei de dizer acerca do seu condutor, porque o adora e espera mais dele, desafiando-o invariavelmente para a brincadeira, brincadeira sobre a qual construirá o Afonso um parceiro ideal. Afonso: Os cães não são só trabalho, também precisam de brincar e muito!

BINÓMIO SVETLANA/VLAD – A Svetlana tem uma habilidade natural para o adestramento canino e tem tudo para nele vir a ser bem-sucedida, desde que respeite a sua própria identidade e não aja contra a sua sensibilidade, que não é pouca, porque vale mais a sua originalidade do que qualquer cópia fiel que queira adoptar. Tímida, cuja gaguez lhe entrava a falsa extroversão, o que denuncia uma apropriação distante da sua, a Svetlana dá a impressão de ter medo de ser quem é e de desagradar, indecisão que por vezes lança o Vlad na confusão, sem saber que dona tem e aquilo que o espera, muito embora a evolução do cão que deva a ela. Svetlana: Não precisas de te armar em durona na pista, tira a máscara, pois basta seres igual a ti própria para teres um cão à tua imagem.

BINÓMIO JOSÉ MARIA/ COM UM DOS SEUS OU COM TODOS – Tecnicamente o José Maria está melhor, emocionalmente nem por isso, por razões que transcendem a minha abrangência enquanto adestrador canino. Com tanto cão para trabalhar, não sei se chegará com algum ao estrelato ou se tão pouco chegará a conhecê-los todos segundo o seu particular. O José Maria está melhor, os cães é que não, pois continuam agachados e a carregar a garupa às costas, com as orelhas abatidas e as caudas a denunciar no mínimo insegurança, o que temerão eles? José Maria: Precisa de mudar radicalmente de atitude em relação aos cães, de ir ao seu encontro e descobrir o muito que têm para lhe oferecer. Não perca tempo, a vida deles é muito curta!

BINÓMIO PAULO/BOHR - O Bohr deve ser um dos lobeiros mais felizes do mundo, porque brinca em casa, na rua e na escola, brinca em todo o lado e não se cansa de troçar da cara do dono, nem que para isso tenha que o chantagear desmesuradamente. Sabidão, sempre acaba por fazer o dono desistir dos seus intentos. Cão de trabalho? Só nas mas minhas mãos! Paulo: Já não vais a tempo de apanhar a carruagem laboral, coisa que já sabes e que pouco te importa. Apesar dos incómodos que te podem causar, os trabalhos actuais do Bohr visam a sua qualidade de vida e longevidade.

Antes de avaliar o Fila Thor no que à segurança diz respeito, quero aqui salientar um sujeito que desconhecia e que me apareceu na pista – o Slad - penso que é assim que se chama e ao que tudo indica é filho do Ivan. Este jovem demostrou especiais aptidões para o adestramento, pelo que nisso deveria ser aproveitado. Quanto ao Thor, mostrou especiais aptidões para desempenhar futuros serviços de segurança, podendo transformar-se num sério e excelente guardião.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Afonso/Thor, José António/Doc, José Maria/Drako, José Maria/Schwartz, José Maria/Süße, Maria/Dobby, Paulo/Bohr, Svetlana/Vlad. Durante o treino ainda apanhámos três molhas de curta duração, o que não impediu o normal desenvolvimento dos trabalhos. O Plano de Aula foi cumprido e suas observações foram agora expostas. O Jorge Filipe não compareceu e todos regressaram a casa bem-dispostos. 

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