terça-feira, 28 de junho de 2011

CRÓNICAS DO “ZÉ DO TELHADO”

O nosso “Zé do Telhado” é o Sane e não tem pretensões a assaltante, muito pelo contrário. Surpreendemo-lo no telhado de uma habitação rural alentejana, numa acrobacia motivada pela sua curiosidade, ganhando a alcunha pela façanha. O genuíno “Zé do Telhado” (José Teixeira da Silva), nasceu a 22 de Junho de 1818 no lugar do Telhado, aldeia de Castelões de Recesinhos, Comarca de Penafiel e Distrito do Porto. Pensa-se que tenha sido filho de um chefe de ladrões e nascido no seio de uma família fortemente dedicada à mesma “arte”. Tornou-se no salteador mais famoso no nosso Sec. XIX, levando a cabo inúmeros assaltos no Norte de Portugal com o auxílio da sua quadrilha, entre 1842 e 1859. Ficou conhecido como o “Robin dos Bosques português”, porque ao que parece, roubava aos ricos para dar aos pobres. No último dia do mês de Março de 1859, quanto tentava escapar-se para o Brasil, foi preso na Cadeia da Relação. Dois anos depois foi desterrado para África (Malange - Angola), tornando-se negociante de borracha, cera e marfim, onde acabaria por morrer, vítima de varíola em 1875, não sem antes ter casado, em segundas núpcias, com uma angolana de nome Conceição, de quem teve três filhos. O nosso “Zé do Telhado” (Sane) jamais irá para o degredo, pretende dar caça aos ladrões e vive segundo os ditames da sociedade, certamente terá uma prole numerosa e não verá os seus dias encurtados.

A BROWNIE, O CASTELO E O RIO

Do alto do Castelo do Almourol, a Brownie observa o Rio Tejo e parece fascinada, o silêncio espraia-se pelas águas e a CPA observa o mundo à sua volta, cheia de curiosidade e atenta à vastidão. A poesia da imagem dispensa mais comentários, porque é perene e explica-se a si mesma. Como é bom ser cachorro e ter alguém que goste de nós!

O 1º ACAMPAMENTO DA JOANA

A Joana e o Flick são uma dupla inseparável. O cão tem acompanhado a jovem por toda a parte e assistido às suas transformações, novas conquistas e novidade de interesses. A menina nunca tinha acampado e teve o Flick outra vez ao seu lado. A estreia aconteceu lá para os lados de Fortios (Portalegre), com a Serra do Marvão à vista e com temperaturas a rondar os 40º centígrados. Dividiram a tenda e reforçaram os laços afectivos, aproveitando a experiência para o reforço binomial. É curioso reparar na atenção do cão, parece querer falar ou ter algo para dizer. Estará ele a agradecer à dona, por não se ter esquecido dele nestas férias? Os cães não deixam de nos surpreender!

ATRAVESSAR A VAU: A SOLUÇÃO DO RUI MENESES

Com várias cordas de 6 mt, um colchão de praia e muita vontade, o Rui Meneses fez de barqueiro e a vau transportou os colegas de uma margem para outra, Tejo adentro e para o Castelo do Almourol. Acabou estoirado, mas ninguém perdeu a viagem ou ficou do lado de cá, tanto homens quanto cães. A água estava agradável e muito limpa, viam-se peixes por todo o lado e a tarde caiu serena. Obrigado Rui, sabemos que podemos contar contigo e todos te agradecemos, foi uma aventura e tanto, o remate ideal para a Escola em excursão.

UM BINÓMIO INESPERADO

No périplo da Acendura pelas cidades do interior, surpresas não têm faltado e também chegou até nós um binómio inesperado, o constituído pela Maria e pela Pon. A cachorra é uma Dachshund lobeira, hiperactiva, resistente e resoluta. Ganhou o nome por causa do número de cachorros da sua ninhada, apenas duas fêmeas: ela e a sua irmã. A outra ficou “Pin” e a “Pon” vale pelas duas. Apesar do insólito, porque foi a primeira vez que tivemos uma Dachshund em trabalho, a pequena grande cadela esteve à altura e aprendeu a andar em “junto”. Desejamos as maiores felicidades para a Maria e para a Pon, o que não será difícil, porque irão crescer juntas e tornar-se grandes amigas.

ESPÍRITO GUERREIRO

Foi a primeira vez que a Susana fez de figurante e atendendo ao ímpeto da Brownie, desempenhou bem a personagem. A Susana chegou a praticar agility pela mão do Fernando e da Fátima, adestradores doutra escola e amigos que não esquece. Da nossa parte, queremos agradecer a disponibilidade que emprestou aos nossos trabalhos e o afinco que lhes dedicou.

O NOSSO MOISÉS

Reza a nossa História Sagrada que um menino foi salvo das águas e que por causa disso recebeu o nome de Moisés. Estávamos no tempo de um despótico faraó que não queria libertar ou deixar sair os judeus, apostando inclusive no seu extermínio. O nosso Moisés por um dia, “salvo” do Tejo e não do Nilo, foi o Gabriel, um infante de 13 meses, rijo e bem disposto, filho da Ana e neto da Fátima e do Jorge. Atendendo às carecas dos seus “salvadores”, parece estar a ser resgatado por uma dupla de monges. Tudo foi feito debaixo da máxima segurança, porque no rio havia pé, a travessia só tinha 6 metros e em ambas as margens havia nadadores de prevenção, não fosse o diabo tecê-las e o nosso enviado por Deus (Gabriel), acabasse de asas molhadas. O menino acompanhou todas as nossas andanças com muita alegria e fez-se notar pelo seu companheirismo. Só fez uma travessia, porque no regresso a terra firme, já veio no barco destinado aos turistas. Considerando a sua idade, ele jamais se recordará desta aventura, mas nós não a esqueceremos, porque tudo fizemos para que chegasse bem e sem a ingestão de alguns pirolitos. Para lá do céu esplendoroso daquela tarde, talvez os anjos cantassem: “Angelus enim nomen Moses”.

DE PORTALEGRE AO CASTELO DE ALMOUROL

Com a coordenação do Monitor Tiago Soares, a Escola Canina da Acendura Brava, no périplo pelas cidades do interior, empreendeu o seu Primeiro Acampamento de Verão do corrente ano. A cidade escolhida foi Portalegre e o ecossistema eleito foi o adjacente ao Castelo de Almourol. A escola baixou arraiais nos arrabaldes de Portalegre e ali acampou por duas noites, acompanhada pelo coaxar das rãs e sujeita a altas temperaturas. Na cidade empreendeu exercícios vocacionados para a exibição e no Tejo reforçou o espírito de entreajuda binomial. Ainda houve tempo para uma caminhada nocturna dentro do Castelo do Marvão e ocasião para algumas aulas teóricas matinais. Nada disto seria possível sem a prestimosa colaboração da Liliana Reis, senhora que se transcendeu para nos valer, tudo fazendo para que nos sentíssemos bem e em casa, não raramente a expensas de invulgar sacrifício. Queremos agradecer-lhe o empenho e as palavras faltam-nos. Fica a intenção – muito obrigado! Junto ao Castelo de Almourol retemperámos as forças e partimos à aventura, a água veio em nosso auxílio e a história foi relembrada. Quarenta e oito horas depois voltámos para casa, exaustos e escaldados, contudo felizes e com vontade para mais.

DONA SANCHA DE VOLTA AOCASTELO

A nossa infanta Sancha tem nome de rainha, apesar da idade só lhe permitir ser princesa. Tal qual soberana na retoma dos seus domínios, acompanhada pela mãe, decidiu atravessar o rio e fazer-se ao castelo. A Sancha teve um fim-de-semana em cheio, fartou-se de nadar e de conviver com outros miúdos, descobriu um grande amigo e nunca mais largou o Rui Meneses da mão. Possuidora de uma energia extraordinária, a menina pareceu incansável e desfrutou ricamente todos os nossos momentos. Dormiu sem dificuldades na tenda (uma novidade para ela) e mostrou-se independente, demonstrando uma autonomia e segurança muito prà além das visíveis na sua idade – podemos contar com ela!

MARTE EM TERRA E NEPTUNO NO TAGUS

O Rui Meneses, marido da Ana e condutor do CPA negro Black, apesar de novato nas nossas andanças, acabou por revelar-se um excelente colaborador nesta excursão escolar e fez de tudo um pouco. Congregou e cativou as crianças, abraçou a responsabilidade da segurança no acampamento e revelou-se um verdadeiro Neptuno nas águas do Tejo. A foto acima captou o seu desempenho enquanto deus dos mares, o estoiro é evidente, porque outra coisa não seria de esperar, Neptuno tem milhares de anos e o Rui uma arroba a mais. Ironias à parte, o Rui excedeu-se no desempenho das suas funções e a ele se deve muito do sucesso na nossa excursão escolar. Descobrimos um talento e não o vamos desperdiçar ou malbaratar. Dizia-se na tropa que já lá vai, que ali não se podia ser bom cavalo ou bom cavaleiro, porque ambos dificilmente teriam descanso. Rui, sempre serás convocado!

NASCER E MORRER COM MEDO DA TROVOADA

O medo aos estrondos tanto pode ser genético como ambiental, acontecer por trauma ou sair reforçado pela junção entre a hereditariedade e a experiência directa de alguns cães. Independentemente da sua origem, podemos sossegar, porque o problema é solúvel e está ao alcance de qualquer proprietário canino. Ao contrário do que se pensa, é mais fácil levar de vencida o medo genético do que o provocado por um trauma, porque o pânico tende a accionar os mecanismos inerentes ao instinto de sobrevivência. O medo de origem genética pode ser colmatado pela habituação e pelo reforço positivo, acontecendo a tolerância pela familiarização. Qualquer cachorro medroso pode não manifestar medo à trovoada, aos foguetes e aos tiros, quando acostumado desde tenra idade a esses estrondos de igual categoria, o que não fará dele um valente, mas que o acostumará à sua presença e apresentação. O medo de origem traumática, quando instalado e desprezado, irá obrigar a manobras mais ou menos demoradas até à habituação desejável e é disso que falaremos a seguir. Cão que teme a trovoada virá também a temer os foguetes e os disparos das armas de fogo, o que é de todo indesejável para qualquer cão e impróprio para os que se destinam ao ofício guardião ou à actividade cinegética. Para levar de vencida o medo da trovoada num cão adulto é necessário acompanhá-lo durante a ocorrência do fenómeno, transmitir-lhe confiança e permanecer a seu lado, como se nada se passasse, convidando-o para as rotinas do seu conhecimento, que tanto poderão ser lúdicas quanto laborais. Como as trovoadas são imprevistas e podem tardar em acontecer, podemos valer-nos de uma chapa de zinco que produza o mesmo som e induza ao mesmo efeito. Os procedimentos do dono serão exactamente os mesmos que descrevemos no primeiro caso. A supressão do medo pela trovoada levará a uma melhor aceitação dos foguetes e aumentará a tolerância aos disparos. Este é um importante trabalho doméstico, uma meta a alcançar dentro do aconchego do lar.
Quando se intenta aceitar um cão para guarda ou para caça, uma pergunta urge fazer: “como se comporta o cão diante da trovoada?”, porque isso nos indicará o modo de realizar a sua capacitação. Se o cão a temer (antigamente não eram aceites cães com estas características), os estímulos, as manobras de indução e todo o crescendo operativo deverão inicialmente dispensar o concurso das armas de fogo. Caso se verifique o contrário, seguir-se-á a aplicação dos conteúdos de ensino sem restrições, ainda que respeitando o princípio pedagógico da actividade apreensível, nomeadamente na transição das tarefas mais simples para as complexas.
Como é a habituação aos tiros que está em causa, importa que eles sejam dados a uma distância razoável do cão medroso, diminuindo assim a surpresa e a intensidade da detonação, harmonizando o som dos disparos com os decibéis dos restantes barulhos presentes no ecossistema. O atirador deverá estar escondido ou camuflado, a arma não deverá ser vista e as rajadas deverão ser evitadas. Pouco a pouco, de acordo com a resposta positiva do animal, o atirador apresentar-se-á, a arma será visível e convidaremos o cão para o desarme. Podemos valer-nos da arma de fogo nas induções típicas de defesa e ataque, desde que a usemos a uma distância considerável e o seu barulho não abafe o incentivo do dono ou proprietário do cão. De início, nos ataques lançados, a distância do atirador deverá ser dez vezes superior à área a percorrer até à captura do figurante. A certeza da vitória levará o cão a substituir o medo pela aversão, o que facilitará o desarme e melhor capacitará o cão para as acções policiais. Um cão pode nascer com medo da trovoada ou ser traumatizado por ela, mas só morrerá nesse temor se o dono nada fizer. Quase tudo nos cães resulta da investidura e será o acerto dos donos quem produzirá melhores cães.

terça-feira, 21 de junho de 2011

O MELHOR E O PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE MORFOLÓGICA E FUNCIONAL

Ainda antes das considerações técnicas sobre a “raça”, somos obrigados a falar do genocídio perpetrado contra esta variedade cromática no seio do Cão de Pastor Alemão, quase desde a sua origem e de forma massiva após o final da Segunda Grande Guerra (1939-1945), prolongando-se esse extermínio quase até aos nossos dias. Mais do que agradecer aos suíços e aos canadianos a sua salvação, importa ressaltar e denunciar a violência do erro, baseado num gritante eugenismo negativo e explicado por um todo de mentiras (pretenso albinismo, docilidade exagerada, menor propensão laboral, suposta descaracterização, etc.), hoje considerado deveras criminoso face à Carta dos Direitos dos Animais, surgida em 1978. Como a reintegração da variedade cromática na CPA nos parece impossível, pelo menos oficialmente, jamais será feita justiça ao Pastor Branco, ao Weiss Deutsche Schaferhund. E dizemos oficialmente porque ele tem vindo a ser reintegrado à revelia, um pouco por todo o lado e em pequena escala, para a obtenção de cães unicolores de manto vermelho e cinzento, ainda que essas variedades cromáticas possam vir a ser alcançadas pelo contributo do negro, quando conjugado com o lobeiro, o que a ninguém espanta, porque os lobeiros originais, ao contrário dos actuais, tinham a pele branca. A supressão arbitrária do branco obrigou o CPA a uma esforçada e lamentável endogamia, à perpetuação de incapacidades que a raça não tinha à partida e que tem obstado à sua proliferação, enquanto cão de trabalho e de acordo com os ancestrais pergaminhos. Mais do que na procura da novidade, surgindo como uma necessidade, a hibridação do CPA com o Lobo, responsável pelo aparecimento de novas raças de qualidade questionável, tentou reencontrar no atavismo aquilo que a raça foi perdendo pelo decorrer das décadas. Contra todos os tabus e diante da fraca prestação dos híbridos, não nos custa aceitar o Pastor Branco como um melhorador dentro e para o CPA, porque triste fim terá a raça, que desprezando o seu todo, apenas procura os alelos que lhe justificam a cor. A somar a isto, no Weiss Schaferhund, não são visíveis as maleitas e inaptidões resultantes dos erros selectivos que afligem o actual CPA. A solução sempre esteve à mão e ninguém se lembrou dela, enquanto pedra de esquina e fundamento de construção. Se alguns admitem com relutância o Pastor Alemão Branco, a nós corta-nos a garganta em tratá-lo com Suíço, porque, exceptuando a cor, nada mais há assinalar ou a justificar em relação ao CPA, muito embora nos actuais pastores brancos o pelo comprimido seja por demais evidente e o “gigantismo” se faça presente, assim como algum pernaltismo e uma diferença assinalável de peso (menor), factores interligados, advindos da proto-selecção e intimamente associados à variedade de pelo mais longo, que não é específica do branco e que está presente em todas as variedades cromáticas. O menor coeficiente de envergadura, também visível na maioria dos exemplares estéticos padronizados, ainda que por outras razões, torna o cão branco mais propenso a desaprumos e por causa disso, mais concorrente a lesões, o que irá obrigar simultaneamente ao aumento dos momentos de liberdade e ao acompanhamento sistemático dos seus ciclos infantis. Na dita casta dos “Pastores Suíços” (o termo parece-nos mais correcto mercê da endogamia), os seus criadores têm oscilado entre a aproximação ao CPA e a sua diferenciação, quer evidenciando iguais qualidades, quer procurando díspares características estéticas, apresentando-se a primeira opção como natural e a segunda como uma aberração, já que o erro histórico dos criadores alemães jamais justificará o erro dos amantes do “Pastor Suíço”. A fragilidade do actual pastor branco, tornada genética mercê das circunstâncias e pelo concurso de alguns puritanos, reclama agora pelo contributo das restantes variedades cromáticas, naquilo que elas transmitem em termos de robustez, nomeadamente do preto-afogueado. Graças a esse aligeiramento forçado (o cão parece-nos oco, só pêlo e ossos a bater), o Pastor Branco irá encontrar mais tarde a harmonia estética e a graciosidade de movimentos, sobrecarregando até ali lá as suas articulações e aprumos, já por si longe das ideais, o que obrigará a alguma delonga no seu adestramento, particularmente no alcance dos seus indíces atléticos. Porém, é sabido que os animais que mais demoram a crescer, são aqueles que evidenciam melhor impulso ao conhecimento e maior capacidade de aprendizagem. A robustez do Pastor branco exige riqueza nas dietas (apesar de não ser um glutão) e só depois se poderá pensar na sua prestação, porque não absorve como os outros iguais benefícios do sol, tanto em quantidade quanto em qualidade, apesar de necessitar dele e não o dispensar.
Quando comparado com o CPA, em estado puro e sem interferência de condicionamento objectivo, é mais instintivo, menos participativo e mais autónomo, características que sobraram do seu desprezo e abandono, porquanto não foi alvo da selecção pela funcionalidade e a sua prestação foi, desde cedo, desconsiderada e desleixada, o que não quer dizer que não possa ser um excelente guardião ou que não possua, porque possui, uma excelente máquina sensorial. É competitivo e medianamente territorial, lembra o lobeiro e precisa de antever as acções, não resiste à sociabilização e facilmente se incorpora em novas matilhas. Reage satisfatoriamente aos estímulos e aceita sem maiores dificuldades a mecanicidade. Não é um ladrador inato, é silencioso e apresenta-se por vezes desconfiado. Aceita naturalmente a troca de condutores e é delicado ao dono. Suporta bem os climas sujeitos a grande amplitude térmica e apresenta grande propensão para nadar, possui características inatas de caçador e depois de construído é bastante activo. Tolera excepcionalmente as crianças e não raramente toma parte nas suas brincadeiras, o que o torna no cão ideal para os condutores mais novos. Reclama por exercício e cedo se farta das recompensas comestíveis, procura a companhia de outros cães e não mantém contra eles qualquer incompatibilidade somática, reage por provocação e é naturalmente calmo. É sóbrio, não inventa trabalho e não vai prà além do que lhe é estipulado (não sofre de excesso de zelo). Acusa a repreensão e nem sempre tenta agradar, porque é independente e não abdica gratuitamente das suas preferências ou inclinações. Não obstante, considerando as disciplinas cinotécnicas mais em uso, será na obediência que alcançará maior destaque, se os seus criadores mantiverem, como até aqui, os actuais critérios selectivos (pouco apostados na funcionalidade).
Morfologicamente falando, não subsistem diferenças significativas entre o pastor branco e os restantes pastores, já que ele mantém as mesmas linhas e a divisão clássica 1 – 2 – 1 para igual comprimento. Talvez peque por menor homogeneidade, o que pode ser uma vantagem, já que em termos de angulações apresenta-se do angulado para o muito angulado, com o dorso paralelo ao solo ou mais convexo. Tudo o que se considera virtude ou defeito no CPA pode ser encontrado no pastor branco, o que denuncia de imediato a origem comum. A cadência de marcha dos exemplares maiores é muito elevada e rasgada, exigindo condutores com mais de 120 cm em relação à sua altura. Ao mesmo tempo, nos exemplares menos angulados, subsiste uma troca do andamento natural preferencial, assistindo-se à permuta da marcha pelo galope. Não se passará o mesmo com as restantes variedades cromáticas?
Havendo esse cuidado na selecção, o pastor branco poderá constituir-se num guardião de eleição, porque dificilmente ultrapassará os 45 kg, é rápido, naturalmente autónomo e esquivo, nada ladra em demasia e é portador de uma excelente máquina sensorial, pese embora o facto de ser branco e a sua silhueta ser por demais visível ou detectável, o que o desabona como guarda-nocturno. No entanto, pode perfeitamente ser instalado ao redor de habitações de alvenaria ou junto a imóveis e muros caiados (é praticamente indetectável em pisos de areia marítima). O seu instinto de presa é mediano e pode ser potenciado. O facto de se fazer mais tarde ajuda na absorção dos códigos e evita muitos reveses. Os exemplares de pêlo duro são mais consistentes e seguros, apresentam maior predisposição laboral, mais quilos e outra valentia. Os de pêlo comprido mantêm os indíces laborais em temperaturas acima dos 28º sem maior cansaço ou dispêndio de energia extra. Sem o concurso da engenharia genética, o retorno ao passado glorioso do CPA, em termos operacionais, só será possível pelo retorno à recessividade branca e a outras, porque doutro modo, e o resultado está à vista, cada vez mais haverão menos pastores em trabalho, atribulados com os achaques típicos da endogamia. Apesar de abominarmos a ideia, se há que cruzar Malinois com CPA na procura de vantagens, os riscos serão substancialmente menores diante do contributo dos pastores brancos, considerando a proximidade tangencial das origens, a homogeneidade das ninhadas e a dominância dos cães belgas vermelhos. O Pastor Branco é um melhorador sempre oculto noutras pelagens e a sua supressão pode acarretar recuos que ninguém deseja, enquanto o controlo for necessário, a liberdade condicionada for exigível e a saúde dos animais o melhor dos seus bens. Parabéns se tem um Pastor Branco, felicitamo-lo pela opção e pelo bom gosto.

UM SORRISO DO TAMANHO DO MUNDO

Este é o sorriso franco de uma alentejana, chama-se Paulina Carrajola Bezerra e a ela devemos algumas das fotos desta edição. Brevemente irá participar noutros eventos da nossa escola, enquanto fotógrafa e colaboradora da Acendura a Sul do Tejo. Daqui agradecemos a sua disponibilidade e desejamos-lhe a maior das felicidades. Já há tanto tempo que não víamos um sorriso assim!

INSTANTÂNEO DO PORTUGAL PROFUNDO

Esta é Brownie destacada para um monte alentejano. Como os chaparros estavam longe e não lhe restava outro remédio, fugiu ao sol escaldante e abrigou-se debaixo de uma carroça típica, daquelas doutros tempos e agora transformada em peça de museu. A imagem é intemporal e o sossego do bicho angelical, num lugar onde o boliço está proibido de entrar e a sesta é palavra de ordem. Deixem-na dormir!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

AS BARREIRAS VERTICAIS E O COMBATE À MECANICIDADE INDESEJÁVEL

Todos os exercícios cinotécnicos sobre obstáculos procuram o reforço da liderança e a capacitação canina para o melhor desempenho binomial, enquanto simulacro pràs acções reais, de acordo com a autonomia condicionada dos animais e segundo a utilidade procurada. Como o cão é um animal de hábitos, tende à mecanicidade e normalmente ensurdece-se diante das alterações que lhe irão ser sugeridas, porque lhe são estranhas e não gosta de ser surpreendido. E se nisto não for contrariado, pode tornar-se imprestável e evoluir segundo aquilo que lhe “parece” certo, à revelia das ordens dadas e fixado noutros interesses. Um dos antídotos mais seguros contra a mecanicidade indesejável, porque acontece de modo dinâmico, é o trajecto sobre barreiras verticais, onde a alteração sistemática de percursos surge como a melhor das terapias. Para além disso e para que se saiba, cada trajecto deverá evidenciar uma ou mais dificuldades específicas que importa levar de vencida, tanto prós homens quanto prós cães. Cada condutor, depois de estudar o trajecto, deverá perguntar-se a si mesmo: “ qual é o objectivo deste percurso, quais são as suas ênfases e que dificuldades pretende levar de vencida?”

IR À ESCOLA OU TER AULAS À PORTA DE CASA?

Ora aqui está uma pergunta que muita gente já fez, especialmente quem tem cão e gostaria de o ensinar. A tradição das aulas à porta de casa resultou originariamente de três factores: do aparecimento dos cães tidos como de utilidade, da ausência de treinadores civis e da competência relativa dos adestradores militares ou policiais, que nas horas de folga ou após o toque de ordem, treinavam e aplicavam aquilo que tinham aprendido nas Unidades, na sua maioria da Classe de Sargentos para baixo. Hoje já não são muitos os que andam por aí e somente alguns reformados insistem em andar de porta à porta, especialmente nas áreas mais nobres das cidades e perante o ladrar de algum cão, estratégia hoje seguida por adestradores civis de toda a casta e distinta proveniência. Os seus clientes são na sua maioria gente abastada que não tem tempo a perder com cães, dignatários a quem ousamos perguntar: se não têm tempo para eles, para quê desperdiçá-lo na sua aquisição? É evidente que o comodismo tem aqui uma importante palavra a dizer. Quer queiramos ou não, agrade ou não nos agrade a ideia, foram os treinadores militares que abriram as portas aos adestradores do presente. Oxalá os ultrapassem e honrem assim quem os antecedeu. Tentaremos, na medida do possível, avaliar estas duas opções imparcialmente e a partir dos três implicados directos no processo pedagógico (o cão, o dono e o adestrador), realçando as vantagens e desvantagens de cada uma delas. Comecemos pelo caso do ensino domiciliar. Dependendo da carga horária combinada e da qualidade do adestrador, o cão aprenderá mais rápido e sem maiores contratempos, porque o homem sabe ao que vai e o afastamento do cão em relação ao dono irá facilitar-lhe o trabalho. Assim, a celeridade laboral constitui-se numa vantagem, porque se poupa o cão, não se maça o dono e o adestrador trabalha a seu bel-prazer. Também o facto do treinador ir buscar o cão a casa, porque doutro modo dificilmente abandonaria as paredes domésticas, é uma vantagem para o animal, não sendo por isso de estranhar o apego de alguns cães à figura do seu adestrador, para espanto e tristeza dos seus proprietários. Se o cão se destinasse ao adestrador e não ao seu proprietário, certamente estaríamos na presença de um binómio eficaz, mas como não é esse o caso, pergunta-se: quanto tempo durarão as alterações e adaptações promovidas pelo treino, já que elas não são eternas e precisam de recapitulação ou reavivamento? Estará o dono incondicionalmente disposto a substituir o treinador ou só vestirá essa pele quando lhe der gozo ou for necessário, exactamente como faria com uma arma guardada num armário? O facto do proprietário não ter que se deslocar a lado nenhum e não ter de prescindir de algumas actividades ou obrigações, só por si, já é uma vantagem e mais que justifica a despesa com o adestrador. Com 2 ou 3 cães nesse regime, o adestrador duplicará o seu salário ou até poderá ultrapassar esse valor, fortuna de que se agradará e que irá levá-lo-á à procura de novos clientes.

As desvantagens do ensino domiciliar prendem-se com a não continuidade do processo educativo canino, com a ausência de recapitulação e com as motivações e despreparo do proprietário, já que voluntariamente cedeu a autoridade e espera tê-la de volta, muitas vezes sem nada contribuir para isso, porque não acompanhou os treinos, ignora os procedimentos e não sabe como fazer. Mesmo que ele tenha feito um processo de transição capaz, o desuso do cão remetê-lo-á para o esquecimento dos comandos. Dependendo da maior ou menor variação dos simulacros efectuada pelo treinador, assim o cão ficará melhor ou pior preparado para enfrentar os desafios a que irá estar sujeito. A somar a isto, o seu desempenho será menos seguro debaixo da nova liderança, porque a oportunidade e a entoação dos comandos são diferentes, os estímulos podem não ser satisfatórios e a cumplicidade não será certamente a mesma, factores por vezes responsáveis pela resistência às ordens e à pessoa do seu emissor, que uma vez instituídos levarão à inutilidade do cão. Raros são os casos em que o adestramento domiciliar se preocupa com a melhoria dos índices atléticos caninos e com a adequação dos seus ritmos vitais, porque a ênfase recai invariavelmente sobre a obediência e o seu desempenho. Normalmente a sociabilização efectuada é deficitária e encontra-se condicionada aos locais adjacentes à habitação. O facto do animal trabalhar desacompanhado (sem colegas de classe), também nada abona nesse sentido. Resumindo, as desvantagens do treino domiciliar prendem-se com a ”enxertia” do cão no dono, com os riscos daí advindos e com a periclitante liderança que o proprietário alcança, não raramente aquém do desejável, porque não foi objecto de instrução e o condicionamento do cão foi obra alheia.
As vantagens do ensino escolar, na vertente das aulas colectivas (também as há individuais), são imensas para os três implicados directos no adestramento de cada cão. Comecemos pela figura do seu proprietário, que mercê do treino e num ápice, passa de imediato a condutor, o que lhe garante à partida uma enorme vantagem e já vamos saber porquê. O dono vai adquirir no treino escolar os requisitos técnicos que lhe irão possibilitar o controlo objectivo do seu cão e alcançará assim a constituição binomial pelo exercício da liderança. Será confrontado com um conjunto de problemas que irá aprender a resolver, procederá à sua formação, aprenderá com os erros e com a perícia dos restantes condutores, que funcionarão também como seus agentes de ensino. Ganhará a experiência necessária para seu desempenho pelo concurso dos exercícios que lhe irão ser propostos, verá com os seus olhos as distintas fases ou etapas presentes no adestramento, melhorará os seus indíces atléticos, compreenderá finalmente que a alma do cão é a vontade do dono, que quase tudo na cinotecnia assenta sobre a investidura canina. Tomará conhecimento directo de cães doutras raças, doutras morfologias e de distintos perfis psicológicos, quer pela observação quer pela condução, libertando-se desse modo de possíveis traumas, medos ou antipatias, o que futuramente lhe possibilitará ensinar outro cão sem maiores dificuldades (autonomia). Irá ser agraciado com aulas teóricas e será convidado para actividades no exterior em diversos ecossistemas diferenciados. Compreenderá e praticará o reforço positivo, subsídio inescusável para o alcance da cumplicidade. Ficará ciente da importância da respiração, da entoação dos comandos e da postura prà melhor prestação canina. Sempre terá ao seu lado a ajuda preciosa do adestrador e a solidariedade dos outros condutores, elementos que apostarão no seu sucesso. A imensidade das vantagens não se esgota aqui, mas fiquemos com a mais importante: o homem ganha um companheiro!
Se as vantagens para o dono, agora transformado em condutor, são inúmeras, o mesmo se poderá dizer das alcançadas pelo cão, porque verá recompensado o seu esforço e sempre procurará aprovação. Como cada vantagem aqui adiantada daria um texto, somente as enumeraremos e outras haverão, tão ou mais importantes, que deixaremos pra depois. O cão alcançará na escola a familiarização e a sociabilização necessárias para a sua coabitação harmoniosa na sociedade (entre iguais, com os humanos e com os outros animais), aprenderá regras de higiene e de comportamento, chegará ao cumprimento pronto e imediato das ordens e verá fortalecido o seu carácter. Graças à presença de outros cães, que lhe servirão de mestres, porque os cães também aprendem pela observação, o seu processo de aprendizagem tornar-se-á mais natural e menos artificial, pautado por uma competitividade saudável que ele não desprezará. Com a musculação virá a melhoria dos ritmos vitais, o aumento da resistência e da velocidade, vantagens advindas do prévio fortalecimento e correcção dos aprumos. O currículo escolar irá possibilitar-lhe o ensino continuado, a reciclagem dos códigos, o reavivamento das ordens e a constância de desafios. Também irá assimilar, compreender e praticar distintos modos e tipos de condução de acordo o seu aproveitamento e propensão natural. Na escola desnudarão o seu potencial e aproveitá-lo-ão, indicando-lhe uma carreira ou serviço da qual se agradará, por merecer o seu aprovo e estar ao seu alcance. Sempre caminhará e evoluirá com o dono ao lado e darão assim continuidade aos vínculos afectivos domésticos, onde o amor será selado com base na recompensa e usado para a salvaguarda do animal. Em síntese, o cão ganha um líder do seu agrado!
Se um centro de treino canino é uma escola para o dono e uma academia para o cão, para o adestrador será uma faculdade, um lugar de estudo, trabalho, investigação, reflexão, sapiência, experiência, erudição, reciclagem e realização. É a escola que faz o treinador e não o inverso, porque é ela que o forma e capacita, desnuda as suas competências e congrega pessoas e cães à sua volta. Sem o saber e a experiência que ela oferece, qualquer treinador de porta à porta pode ser confundido com um vulgar mendigo ou intruso. As desvantagens do ensino escolar são diminutas quando comparadas com os seus benefícios. Todavia, devido a natureza do seu currículo, o ensino escolar é mais moroso, obriga ao empenhamento e disponibilidade dos donos e pode tornar-se num vício, tanto prós condutores como prós cães. Deste mal, felizmente, nos queixamos também nós!

ENTRE O ATALHO E A PERÍCIA, O IMPROVISO SEMPRE ACONTECE

O uso sistemático dos atalhos que o improviso oferece, longe de ser uma atitude inteligente, é antes de mais um sinal inequívoco de incapacidade, uma violência sobre aquilo que está acordado ou estabelecido, um remendo que tem breve duração e induz ao estoiro. A prática do desenrascanso, quando habitual, é própria dos indivíduos que necessitam de meios extraordinários para o alcance das coisas, uma dificuldade inata que poderá vir a ser suavizada ou reforçada pelo contexto. Como o adestramento não deixa de ser uma actividade lúdica e um lugar onde as pessoas se encontram a gosto e à vontade, é mais do que natural assistir-se ao cortejo do improviso por parte dos condutores, particularmente dos menos esforçados e dedicados, que tentam compor ali o que não edificaram em casa, pelo desprezo do treino que leva à capacitação. Se por acaso evoluíssem sós, sem os cães ao lado, o problema seria exclusivamente deles, mas como não é esse o caso, a “habilidade” acaba também por prejudicar os bichos, criando-lhes barreiras de comunicação e uma série de imprevistos. Não é nada fácil combater o improviso daqueles que o adoptaram como prática corrente, porque dificilmente viverão de outro modo e sempre lançarão mão de estratagemas. Todavia, seremos obrigados a dar-lhe combate e a persistir na correcção, para que a praga não se alastre e a perícia caia a pique. O adestramento assenta sobre protocolos e encontra-se cativo aos procedimentos que possibilitam a mais-valia técnica e induzem à excelência binomial. Os atalhos de cada um são uma pedra de tropeço nas classes, porque dependem do “jeitinho” individual e lançam os outros na mais profunda confusão, estendendo-lhes o erro e obstando à sua formação, delonga desnecessária que a ninguém interessa. Devido à especificidade do seu serviço, a escola canina é uma academia de perícia e isso diferenciá-la-á de outros que a ignoram ou não lhe fazem caso, como sapateiros de conserto rápido à porta de supermercados. O treino canino exige dos homens mudança de atitude, alteração de hábitos e a aquisição de mais-valias técnicas. Conhecedores dos benefícios da técnica, não descansaremos até a transmitir a todos os alunos. Ainda que alguns fiquem pelo caminho, facto que muito nos entristece, alegra-nos a certeza de tudo termos feito. Mais do que na inspiração, nos dons ou nos milagres, o adestramento resulta da curiosidade que leva ao querer compreender e nós estamos cá para explicar.

ADOLESCÊNCIA INICIAL E CÃES DE GUARDA

Entenda-se aqui a adolescência inicial como puberdade, porque são sinónimos e ambos se reportam à mesma faixa etária, entre os 10 e 13 anos de idade nas meninas e entre os 12 e 14 anos nos rapazes. Na Acendura Brava temos como praxis aceitar condutores a partir dos 6 anos e tal prática tem-nos obrigado a profunda reflexão, nomeadamente sobre o que fazer com os indivíduos a atravessar a puberdade e que disciplinas cinotécnicas lhes ministrar, para que as profundas alterações a que serão sujeitos não se constituam em disparate por força dos conteúdos de ensino. Sem qualquer repulsa, temos ensinado estes binómios particulares nas disciplinas de obediência, ginástica, endurance, pistagem e salvamento, mas resistimos em aceitá-los na disciplina de guarda, mesmo àqueles mais determinados, responsáveis e robustos. A nossa resistência prende-se com o particular etário dos indivíduos, com as novidades, incertezas e contradições que essa idade não esconde e que normalmente carrega. Bem sabemos que por esse mundo fora, em particular nos países subdesenvolvidos e envolvidos em lutas sem tréguas, existem crianças que são transformadas em soldados, uma violência que queremos evitar entre nós e que irá os marcar negativamente e para sempre. Apesar da pressão de alguns pais, intimamente ligada à procura da primazia dos seus rebentos, não cedemos e apenas aceitamos nesta disciplina os indivíduos acima dos 18 anos, isto se demonstrarem a sobriedade e o equilíbrio próprios para a função e não evidenciarem qualquer tipo animosidade contra si, contra os outros ou contra alguém em particular. Mesmo que alguns pais, erradamente, ofereçam armas aos seus filhos adolescentes, um acto da sua inteira responsabilidade, nós não iremos agravar a situação e pôr-lhes à disposição um cão-arma, especialmente quando a ausência de travamento torna a segurança impossível. Que isto fique, mais uma vez, bem claro, porque é este o procedimento correcto.

- É PRÁ ACABAR, É PRÁ ACABAR: SÃO TODOS A 400 EUROS!

Vender ninhadas no Verão é como tentar vender gelados em Manteigas no Inverno e atendendo à actual crise, é tentar fazê-lo no Everest, apesar dos cachorros nascidos na Primavera, porque nascem de acordo com o relógio biológico, se desenvolverem a contento e sem maiores contrariedades, saudáveis, fortes e robustos. O problema está na época do ano, altura em que normalmente as pessoas vão de férias e não desejam novos encargos. Com a actual crise económica, os que têm dinheiro vão de vacaciones e os que não o têm, não o podem gastar, o que sempre tem obrigado ao planeamento das ninhadas. Diante deste cenário, os criadores vêem-se aflitos para arranjar clientes e não raramente enveredam por medidas desesperadas, tão desesperadas como esta que a seguir narraremos. Um cliente telefona pela manhã e pergunta pelo preço dos cachorros à venda, a criadora responde-lhe que eles custam 650€. A meio da tarde, um parente ou amigo desse interessado telefona e faz a mesma pergunta, é-lhe dito que eles custam 400€. Acidentalmente e por procuravam a mesma coisa, o segundo diz ao primeiro que encontrou cachorros mais baratos. Ao verificar o número de contacto e certificando-se de que era o mesmo, o primeiro cliente liga para a criadora e desanca-a, acusando-a de tudo um pouco e de ser desonesta, como se a necessidade fizesse o ladrão. É caso para se dizer: “ninhadas no Verão, não obrigado!” e de aconselhar à criadora as mais elementares regras do negócio. Até mesmo os ciganos que vendem nas feiras, só baixam os preços junto à hora do seu fecho.

O PERDÃO DOS HOMENS E DOS CÃES (“ EU PERDOO, MAS NÃO ESQUEÇO!”)

Há muito quem diga que: “quanto mais conhece os homens, mais gosta dos animais”, mas a nossa experiência tem-nos ensinado outra verdade: “quanto mais conhecemos os cães, melhor compreendemos os homens!” Como o contributo canino para a compreensão humana é imenso, remeter-nos-emos somente à temática do perdão. Quando um cão é agredido, dificilmente esquecerá a agressão, por mais veementes que sejam as desculpas e valorosas que sejam as compensações – ele não esquece! Estranhamente, há por aí tanta gente que diz: “eu perdoo, mas não esqueço!”, o que nos remete para a mesma condição animal. Será que há um cão dentro de cada um de nós e um homem em cada cão? Não será a prática do perdão uma das qualidades que nos diferencia dos restantes animais? Dá que pensar! E depois, somente os cães mais fracos acusam o castigo e vivem debaixo dos seus horrores, os mais fortes tendem à desobediência e depressa se esquecem dele, o que é o cabo dos trabalhos. Não será a incapacidade de perdoar uma das maiores fraquezas dos homens? Todos gostaríamos de alcançar a regeneração celular, de atingir a imortalidade, mas seria bom vivê-la debaixo de um permanente espírito de vingança? Antes a morte do que tal sorte!

QUANDO VACINAR CONTRA A LEISHMANIOSE?

Finalmente chegou a tão aguardada vacina contra a leishmaniose! Diante na novidade e a pensar na salvaguarda dos nossos cães, aconselhamos os nossos alunos a não vacinarem os seus cães por enquanto, para que todos possamos aquilatar da sua eficácia e da existência ou não de efeitos secundários. Entretanto, há que lançar mão das coleiras e pipetas anteriormente indicadas, porque todo o cuidado é pouco e o Verão está aí (em Portugal, diga-se).

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O CALCANHAR DE AQUILES E A INVULNERABILIDADE BINOMIAL

A conduta de um adestrador deverá ser pautada pela procura da verdade no desempenho das suas funções, mesmo que de inicio seja incompreendido ou abandonado. Isso irá obrigá-lo a descobrir em cada binómio as suas menos valias ou inaptidões, para que as levem de vencida e o adestramento valha a pena. A descoberta dos pontos fracos, muitas vezes ignorados pelos seus portadores, é uma meta que não pode dispensar, atendendo à salvaguarda dos cães e às expectativas dos seus proprietários, porque o objectivo é a invulnerabilidade binomial. Sempre será mais fácil semear expectativas do que colher frutos, pois as palavras leva-as o vento e o que sobra são os factos. Nenhuma mão de ajuda tem préstimo se não acudir à dificuldade, transformar a fraqueza em força é um dos objectivos mais urgentes do adestramento. Quem não está preparado facilmente será confrontado com a surpresa e nós estamos cá para capacitar, para ajudar a vencer as dificuldades dos que nos procuram. Amanhã agradecer-nos-ão por termos sido “chatos” e instado com eles até à mudança, porque nem todos atingem de imediato a percepção e a dimensão real dos exercícios. Como robustecer é para nós uma palavra de ordem, sempre nos veremos obrigados a descobrir as fraquezas de cada binómio no adestramento – o seu calcanhar de Aquiles.

LS TIOS DE LISBOUA TÉNEN PERROS I NUN SE LES BÉNEM LAS CANHONAS

À procura dos benefícios do sol e observando tudo à sua volta, um casal de idosos bem disposto e melhor refastelado num banco de jardim, comentava alegremente os hábitos e costumes da gente que por ali passava. Ninguém entendia peva do que diziam e também não tinham ar de ser turistas. Vendo o trabalho dos cães da escola, o homem comentou: “ ls tios de lisboua ténem perros i nun se les bénem las canhonas!” Curioso pela novidade, um dos nossos alunos foi entabular conversa com eles, saber quem eram, donde vinham e que raio de língua falavam. Para espanto seu, o casal respondeu às questões em português sem mácula, porque eram transmontanos, do Distrito de Bragança, do Concelho de Miranda do Douro e originários duma aldeia chamada Malhadas. A língua que falavam entre si era o mirandês, já tinham sido emigrantes em França e estavam agora de visita a Lisboa. O comentário que o homem havia soltado ao ver tanto cão, seria mais ou menos este (numa tradução arriscada): “ os tios de Lisboa têm cães e não se lhes vê as ovelhas!” A exclamação compreende-se pelo seu passado rural e pelo recurso à pastorícia nos tempos da sua meninice, quando os cães guardavam os rebanhos e auxiliavam os pastores pelo planalto mirandês afora. Para eles, ter cães sem ovelhas continua a ser um desperdício, quer o digam em “pertués” ou em “”mirandés” (sendinés), neste País bilingue.

PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS

A grosso modo poderíamos dividir os criadores e adestradores entre eruditos e oficinais, na aversão de muitos em ligar a erudição ao empirismo e vice-versa. À revelia de uns quantos eruditos, andam por aí alguns oficinais a cruzar pastores alemães com malinois, na procura das vantagens presentes em cada uma das raças, ardil que agora acontece um pouco por toda a parte. Temos seguido com atenção o produto desta “restemenga” e nada nos convenceu da sua excelência, até porque a selecção das duas raças obedeceu a pressupostos diferentes. Os tão aguardados mestiços acabam por retornar ao atavismo comum às duas matrizes, desprezando a selecção alemã, fortemente empenhada na procura da excelência do impulso ao conhecimento. A versatilidade do Deutscher Schäferhunde sucumbe perante a carga instintiva e é substituída por um forte impulso à luta, aumentando a dificuldade de controlo dos animais, podendo obrigar no seu adestramento a meios ou métodos mais coercivos. Muitos dos exemplares já produzidos apresentam um medo latente a uma desconfiança até então nunca vista. A maioria dos pastores alemães usados nesses cruzamentos é proveniente das linhas estéticas ou de exemplares laborais pequenos e de pouca envergadura, o que tem gerado exemplares com um CAP abaixo de 2 nos machos (exemplares com 60 cm de altura e com menos de 30 kg), o que torna sofrível a sua apresentação e poder dissuasor. A sua ossatura é mais frágil quando comparada com a do pastor alemão e o crânio é mais alongado, assiste-se à perca das angulações traseiras e à diminuição do comprimento da cauda. Alguns exemplares são naturalmente selados e o seu manto apresenta-se rarefeito. Subsistem ainda alguns cachorros preto-afogueados. O seu andamento preferencial transitou da marcha para o galope, o que é uma vantagem, porque melhora os índices de prontidão e o cão “come” mais metros por segundo. A sua força de impacto é maior devido ao aumento da velocidade nos ataques lançados, assiste-se ao ataque a vários golpes e a distintas zonas (tendencialmente o mestiço cai sobre tudo o que mexe). Contudo, a sua fragilidade é por demais notória nos contra-ataques, já que o cão pesa menos e pode ser projectado sem grande dificuldade (alguns saiem lesionados dos ataques, normente dos membros anteriores). O mestiço é mais guerrilheiro do que soldado e apresenta alguma dificuldade na identificação dos inimigos, resiste mais às ordens e sempre procura serviço, o que o transforma no cão ideal para vigilantes e justiceiros, para quem gosta de “molhar a sopa” e sempre procura inimigos. Há quem goste de cães assim, nós não!

A CRISE ECONÓMICA E OS CÃES

Os cães são um bom barómetro para avaliar a situação económica de um país, porque a canicultura e a cinotecnia avançam ou recuam de acordo com o poder económico da classe média, porque é ela que as sustenta e a ela se deve o seu desenvolvimento, já que não conseguimos alterar as preferências das classes mais abastadas, mesmo que lhes levantemos os fantasmas da insegurança e do aumento da criminalidade (parece que nem o inferno lhes mete medo!). Diante da actual crise económica, agora já ninguém duvida que ela existe e que vai perdurar por mais algum tempo, os consultórios veterinários são menos concorridos, as inscrições escolares diminuem, alguns alunos estão desempregados e a procura de ração barata aumenta. A incidência de ninhadas é menor, o preço dos cachorros baixa e estabelece-se a venda a prestações, factos que muito agradam aos borlistas e que se constituem em excelente ocasião de negócio para alguns mais endinheirados. Os hotéis caninos vêem diminuir a sua afluência, as preferências assentam sobre os cães mais pequenos e tudo somado vai aumentar o abandono e abate do lobo familiar. Será que tínhamos cães a mais ou haveria muita gente sem condições para os ter? Independentemente das respostas, cada escola canina deverá viver de acordo com o particular da sua clientela e usar os seus membros para a sua divulgação e desenvolvimento, desenvolver um conjunto de estratégias que tornem o adestramento mais apelativo e alcançar novas utilidades para os seus cães, porque estamos perante um duro processo selectivo e só os adaptados sobreviverão. Hoje mais do que nunca, todos os sectores ligados à canicultura devem unir-se e disso dependerá a sua sobrevivência (criadores, proprietários, veterinários e adestradores, entre outros), porque o que a uns falta… não sobra aos outros. Esta necessidade, tornada sensível pela agudez económica, já há muito deveria ser contactada e implementada, porque como diz o povo e nisto parece ter razão: “Não há mal que sempre dure e bem que nunca se acabe”. Porem, ainda temos a esperança que os dias maus terão fim e sabemos que só a solidariedade poderá colmatar os dramas individuais. Nisso os portugueses sempre se agigantaram, suportando os momentos de crise e indo adiante. O desafio repete-se e a solução já é de todos conhecida. Porque persistimos nós (Acendura), em fazer da escola uma família? Dar-nos-ão razão agora?

GINÁSTICA CINOTÉNICA CORRECTIVA: 10/3 DMEX – A SOLUÇÃO PARA A ESPÁDUA

Jamais se poderá desligar a figura do adestrador à do preparador físico canino, porque o treino é dinâmico e deve produzir alteração, o desenvolvimento atlético facilita o avanço cognitivo e o adestramento não dispensa a ginástica cinotécnica correctiva, enquanto subsídio inestimável para o melhor alcance das prestações caninas. A correcção morfológica, quando possível pela plasticidade inerente à idade dos cachorros, deve anteceder a obtenção de qualquer movimento ou figura, para que elas aconteçam naturalmente, graciosas e irrepreensíveis. Tudo isto nos transporta para o conhecimento anterior das distintas morfologias presentes nos cães e para a sua biomecânica, na relação indivisível entre carácter e morfologia, porque ambos formam um todo e cada um influi no outro, facilitando ou dificultando a tipicidade segundo as características individuais de cada cão. A recuperação de um animal, para além das considerações etológicas e psicológicas, não dispensa o conhecimento e aplicação das leis biológicas intimamente ligadas à física e à matemática, porque elas identificam o problema, equacionam os exercícios e dão-nos a solução. O abatimento da espádua em relação à altura da garupa, quando não intencional e típico de uma ou várias raças (cite-se o exemplo do Border Collie), é uma incapacidade física que pode estar ligada à fraqueza de carácter, a uma aceitação traumática ou exagerada da hierarquia social e também à precariedade da condução, fortemente conotada com a incapacidade física dos condutores. Como a anomalia morfológica tende a influir directamente no carácter ou a resultar dele, o que levará apenas ao aproveitamento parcial do potencial canino, importa levá-la de vencida para melhorar o carácter, porque a alteração da postura induz à aceitação doutros desafios, transmite confiança e diminui os medos inusitados. O levantamento dos anteriores não dispensa o concurso das barreiras verticais, já que cães com estas características sempre se agacharão diante de qualquer convite e tornar-se-ão lamechas. A altura indicada para as verticais é de 60 cm e distanciadas segundo a fórmula: 10/3 de DMEX (na sua última fase).
DMEX é a sigla para a distância média entre eixos, o comprimento médio entre os anteriores e os posteriores dos cães, que é também de 60 cm. Como a transposição das barreiras carece de ser a galope e o cão nesse andamento natural cobre mais metros, convém distanciá-las de acordo com o nosso propósito, que é o de impedir que o cão reduza o andamento e que as venha a saltar consecutivamente, sempre de espádua levantada e mantendo a constância no galope. A distância entre elas deverá ser igual a 3 X DMEX + 1/3 de DMEX = 10/3 de DMEX (60 X 3 + 20 = 200 cm/ 2 metros). O condicionamento carece de ser à trela e não dispensa o ânimo e o adiantamento do condutor em relação às transposições efectuadas pelo cão. Nos cães mais corpulentos ou isentos de maior plasticidade, essa distância deverá ser reduzida para 180 cm. Com isto evitar-se-á o estoiro do animal que geralmente produz justificada resistência, desinteresse ou aversão. Contudo, numa fase ulterior jamais se dispensará a distância de 10/3 de DMEX. Convém que o piso seja de relva ou de terra não muito dura, e nunca arenoso, para evitar a dureza dos impactos, o enterrar dos membros e proporcionar saltos mais cómodos prò animal.

Com uma carga horária de 20 minutos diários, repartidos por duas sessões de 10 e no período de 2 meses, o cão alcançará a correcção desejável, benefício que contribuirá para o nivelamento do dorso, para o aumento da sua resistência e velocidade funcional, para o robustecimento do seu carácter e para a melhoria dos seus ataques lançados, para uma maior autonomia e para a aceitação de novos desafios, porque estas acções encontram-se interligadas e dependem umas das outras, constituindo um todo que melhora pelo benefício das partes. A frequência cardíaca do animal a corrigir nunca deverá ultrapassar as 120 pulsações por minuto e a temperatura ambiente deverá estar abaixo dos 28º e acima dos 11º centígrados. O sentido da marcha correctora deverá evitar o encadeamento do cão e o solo deverá ser plano. Geralmente usam-se 5 barreiras verticais para o efeito, mas o seu número pode ser aumentado em função da resposta afirmativa do animal. A transição consecutiva das barreiras não dispensa a recompensa no final de cada trajecto, carga de ânimo que melhor suporta a mecanicidade das acções.



O espaço entre barreiras de 2 metros, tirados a partir duma DMEX de 60 cm, é o indicado para os cães entre os 55 e os 65 cm de altura, porque qualquer distância média entre eixos é própria para os animais até 5 centímetros a mais ou a menos do seu valor exacto. Considerando o tamanho das diversas raças de cães presentes no treino, os valores da DMEX serão respectivamente de 38, 49, 60, 71 e 82 cm, sendo o primeiro valor para os cães entre os 33 e os 43 cm de altura, o segundo para os de alturas entre os 44 e 55 cm, o terceiro próprio para os animais entre os 55 e 65 cm, o quarto para os que medem entre 66 e 76 cm e o quinto próprio para os cães entre os 77 e os 87 cm de altura. A altura das barreiras será de 40 cm para o primeiro caso (DMEX de 38), de 60 para o segundo, terceiro e quarto casos (DMEX de 49, 60, 71), e finalmente de 80 cm para o último caso (DMEX de 82). Ficam automaticamente dispensados deste exercício os seguintes cães: os portadores de insuficiência cardíaca ou respiratória, os epilépticos, os de CAP superior a 1.5, os de idade superior aos 8 anos e os displásicos, porque o seu concurso poderá agravar substancialmente as suas incapacidades e ser-lhes fatal. Nestes casos aconselha-se o recurso ao Extensor de Solo. A prática dos saltos verticais consecutivos tem-se revelado a melhor terapia para o levantamento e robustecimento da espádua, o que alivia o esforço de garupa, equilibra a abertura de pés e mãos, combate a concavidade do dorso, levanta a cabeça e liberta os ombros para uma maior projecção. Os cachorros só serão convidados para este exercício depois da maturidade sexual, normalmente após os 7 meses de idade.

PELO “QUIETO” TAMBÉM SE ALCANÇA O “AQUI”

Como é sabido, o comando de “quieto” é um automatismo de travamento, mas os seus benefícios não se remetem em exclusivo à imobilização pura e simples ou ao reforço da liderança humana, vão para além disso e acabam também por abraçar o comando de “aqui”. Como o alcance do “quieto” irrepreensível visa a fixação exclusiva na pessoa dono e não permite que o cão olhe noutra direcção, o “aqui” encontra-se facilitado, porque o cão espera a ordem e não nasceu para estar parado, muito menos em figura de esfinge. Do mesmo modo, qualquer “aqui” perde significado perante a insuficiência do “quieto”. Nada disto se constitui numa novidade, já que o adestramento convencional assenta basicamente sobre três comandos: “junto”, “quieto” e “aqui”, comandos esses que irão oferecer a futura condução em liberdade.

A OLHAR PELO PASSARINHO

Enquanto os condutores almoçavam, alguém teria que guardar o passarinho. Coube ao Sane tal tarefa e o canário agradou-se da companhia. Enternecidas pela imagem, as pessoas paravam amiúde, surpresas e encantadas por ambos. O Sane manteve-as à distância e não consentiu que alguém mexesse na gaiola, o que permitiu ao canário cantar livremente e deliciar-se com um radioso dia de sol, à sombra da laranjeira e rodeado de outras aves. Obrigado Sane, sabemos que podemos contar contigo!

ADESTRAMENTO POPULAR: A MILENAR PEDRA DO PASTOR

Os pastores sempre foram muito certeiros no arremesso de pedras, talvez pela necessidade e por terem muito tempo para treinar. Para além do simples arremesso, sempre foram exímios no uso da fisga (estilingue) e da funda, usando-as como subsídio de direcção tanto para cães como pràs ovelhas, e como meio para afastar os animais indesejáveis. O uso da pedra permitiu-lhes e continua a permitir-lhes o controlo à distância do gado e dos seus guias, tornando-os omnipresentes e poupando-lhes muito esforço, especialmente nos momentos de maior aflição e que carecem de solução imediata. A substituição da pedra pelo assobio irá acontecer gradualmente, quando a aptidão dos cães for visível e o uso da pedra se tornar obsoleto. Actualmente substituímos a coação da pedra pelo recurso à recompensa, o reforço positivo tomou o lugar da coerção e a pedra de travamento deu lugar à bola de evasão. Os pastores do passado recente não podiam proceder como nós, porque o dinheiro era escasso, a sua vida estava votada à austeridade e um só queijo seco tinha que dar para um pão de quilo. Não obstante e violando os mais elementares princípios pedagógicos, ainda há quem se sirva da pedra e não seja pastor, porque o comodismo seduz e o dolce far niente é por demais agradável. Seremos antropologicamente vocacionados para o arremesso do calhau?

COM O MEU CÃO PRETO NUNCA ME COMPROMETO

É muito difícil captar por imagens a Mª João Costa Lobo, proprietária do Toiro, um labrador negro que irá fazer 4 anos em Agosto deste ano. Já há algum tempo que ambos frequentam a escola, o cão tornou-se coqueluche e a dona esconde-se tendencialmente por detrás dele. O Vitor Hugo, tal qual um paparazzi, lá a conseguiu surpreender num dos momentos de supercompensação, agarrada ao bicho e de óculos escuros postos. Aqui apresentamos o binómio e daqui agradecemos ao fotógrafo. A João tem evoluído no adestramento e o Toiro adora os seus companheiros de classe. Desejamos que assim continuem, porque os consideramos nossos e sempre reclamamos pela sua presença. Sejam bem-vindos à Família da Acendura!

ROSTOS DA ACENDURA PARA LÁ DO TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO

Chama-se Eunice Fuhrmann, nasceu no Estado de Stª Catarina, é uma brasileira de ascendência alemã, já ultrapassou as quarenta primaveras e é professora de Língua Portuguesa do ensino secundário. Nossa colaboradora de longa data, prepara-se agora para ser a nossa chefe de redacção em Terras de Vera Cruz, adquirindo neste momento subsídios e formação para o seu futuro desempenho. Dentro em breve apresentaremos outros colaboradores a sul de S. Paulo e abaixo do Trópico de Capricórnio. Temos chegado ao Brasil através do Blog português, mas justifica-se a necessidade de publicações mais tangentes às sensibilidades, interesses e modo de vida dos cidadãos brasileiros, gente apaixonada pela canicultura e pela cinotecnia que sempre nos tem procurado e contactado.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A TRAVESSIA DO SONHO PARA A REALIDADE: A INFÂNCIA NA COMPANHIA DO CÃO

Vivemos debaixo do mau hábito da separação compulsiva dos distintos grupos etários, política que enfraquece o homem no seu todo e que tende a rebentar com a família, núcleo indispensável para o bem-estar, formação e equilíbrio dos indivíduos que a constituem. E neste flagelo de graves consequências sociais, são os idosos e as crianças quem mais sofre os seus horrores, talvez por necessitarem de maior acompanhamento e os outros andarem demasiado ocupados, raramente com tempo pra si próprios. A maioria dos idosos acabará nos lares que anunciam o inevitável e as crianças verão o calor familiar substituído por escolas ou instituições tornadas apelativas, onde permanecerão a maior parte dos seus dias, como pintos ou leitões em unidades de produção a aguardar transferência. Com alguma sorte, ainda verão os seus pais à noitinha (se ainda viverem juntos), nos fins-de-semana e nas férias, isto se não tiverem actividades extracurriculares e não forem recambiados para um longínquo clube de férias, tido como de aventura diante da sua desventura. As alterações promovidas pelo trabalho na sociedade contemporânea e as substituições que ele provoca, até parecem naturais pela sua aceitação, como se sempre houvéssemos vivido assim ou descoberto agora a melhor forma de vida. À imitação das caixas de correio num prédio de inquilinos, cada idade tem a sua box e a cada uma corresponde um estigma. Marcados por esta influência, também os centros de treino caninos dispensaram o concurso das crianças ao longo dos anos, acabando somente por se lembrar delas quando o fim terapêutico canino se tornava imperativo, o que aponta para uma patacoada social e pedagógica de grande monta. No passado também procedemos assim e afastámos os infantes das nossas actividades, mas depois de verificarmos o carácter impessoal vigente na sociedade e de repararmos na ausência de parâmetros a que ele levou, mudámos a nossa atitude neste últimos vinte anos e passámos de polícias para barqueiros, auxiliando os infantes na travessia do sonho para a realidade, aceitando-os a partir dos seis anos de idade. Dispensar as crianças do adestramento é um cruel atentado contra a condição humana e é um crime ainda maior para aqueles que se dizem seguidores do método da precocidade, que sabem da importância da experiência variada e rica neste ciclo etário. Aos primeiros agradecemos que se informem e aos segundos perguntaremos: só os cães nos interessam? Nada impede que o adestramento se transforme numa psicoterapia lúdica e contribua para o salutar desenvolvimento da personalidade nos infantes, acompanhando as suas mudanças graduais de comportamento e auxiliando-os na aquisição das bases da sua personalidade. A ideia de um centro de treino exclusivamente para maduros, porque se constitui numa pedra de tropeço prà unidade, mais cedo ou mais tarde, será uma tertúlia destinada à auto-destruição, ainda que de início se mostre bastante concorrida. Não podemos dizer que amamos os nossos alunos se desprezarmos os seus filhos ou não nos prontificarmos para ajudá-los. Tanto podemos ajudá-los em classes integradas e a partir dos cães em treino, como aceitá-los como condutores dos seus inseparáveis amigos, acções que contribuirão para o seu amadurecimento social, emocional e cognitivo, transmitindo-lhes regras e padrões de comportamento básicos de acordo com o seu desenvolvimento psicológico. E como o adestramento é dinâmico e a as transformações físicas acompanham o desenvolvimento intelectual, a prática cinotécnica, para além de os ajudar no discernimento entre as acções certas ou erradas, irá ainda contribuir para a melhoria da sua coordenação motora, aumentar a sua capacidade de resolução e subsidiar outros aspectos importantes ligados ao seu pleno desenvolvimento. Sim, o adestramento pode dar combate aos seus transtornos emocionais, diminuir o índice das neuroses infantis, ajudar no ultrapassar de transtornos emocionais e suprir algumas carências de vária ordem. Isto se pedagogicamente agirmos certo e com a colaboração dos pais, enquanto seus companheiros de jornada e agentes de ensino primordiais. Se o adestramento não for para a família, terá que dividir o seu tempo com ela e mais cedo do que se julga, acabará preterido.
A opção pelos seis anos de idade, ao contrário dos treze de então, acontece mais por culpa nossa do que pela incapacidade dos infantes, porque necessitaríamos de mais tempo, melhor preparação, novidade de estratégias e todo um conjunto de alterações nada fáceis, ligadas a aspectos lúdicos, a jogos específicos e ao particular do desenvolvimento infantil (físico, emocional, cognitivo e social). Normalmente aos seis anos de idade, as crianças já aprenderam, graças ao seu desenvolvimento psicológico, algumas regras e padrões de comportamento social, já conseguem discernir o certo do errado, tendem à racionalização e já adquiriram o conceito de melhor amigo, condições que muito nos ajudam e que levarão à nossa aceitação, que irão facilitar o seu sucesso entre nós e que complementarão o nosso esforço e objectivos, desenvolvidos a seu favor pelo contributo dos cães. Nomes como: Bernardo Braga, Bernardo Fialho, Eduardo Pardal, Francisco Marques, Inês Forte, Joana Moura, João Ramos, Maria Duarte, Mafalda Braga, Mariana Paiva da Silva, Miguel Antunes, Pedro Forte, Pedro Tomé e Rodrigo Coito (a lista é quase interminável), são testemunho vivo desta nossa preocupação e todos eles vieram a ser ou são excelentes condutores. Ainda recentemente e de modo imprevisto, fomos surpreendidos por um homem barbado e bem constituído que, sempre qualquer cerimónia, nos beijou e disse: “ Eu sou o…, não se lembram de mim? Andei aqui quando tinha oito anos e o meu cão chamava-se Gorky!” O rapaz tinha agora 28! Algumas das crianças do passado já têm filhos nas nossas fileiras de hoje, o que constitui para nós um motivo de orgulho e espelha a nossa disponibilidade para servir. De todos somos gratos, porque nos deixaram ser seus barqueiros e viajaram connosco um importante trecho das suas vidas, momentos únicos que guardamos com rara felicidade. Jamais nos esqueceremos deles!