sábado, 24 de novembro de 2012

O SOM DAS UNHAS NA CALÇADA

Sem pregões pelas avenidas e sem o boliço das galeras doutrora, a rivalizar com o chiar dos eléctricos, o som das unhas na calçada denuncia a passagem dos cães, mormente daqueles mais angulados de traseira e sujeitos à exclusividade do passeio higiénico. Esse som, típico do afiar das facas, irrita quem o suporta e denuncia a qualidade de vida dos animais, funcionando como chocalho da displicência dos donos, por demais atarefados e com pouco tempo prós cães. Acostumados ao ruído, como condutores a ouvir rádio, esses cidadãos não se apercebem do seu incumprimento e do sofrimento inflingido aos pobres animais, que involuntariamente se vêem privados da légua diária que tanto precisam, não só para as unhas mas também para o seu bem-estar, qualidade de vida e longevidade. Esta nefasta prática, há muito enraizada nos espaços urbanos, tem levado os cães a engordar ao ritmo dos donos, rivalizando com eles no concurso a várias maleitas. Não é crime coabitar num apartamento com um cão, criminoso é não ter tempo para o passear. E já agora convém relembrar, porque as conversas são como as cerejas, que muitas das taras presentes nos cães resultam da inactividade forçada e do isolamento a que são votados. Ganhe e dê vida: saia à rua com seu cão.

PEITORAIS E DONOS A REBOQUE


Mais do que nunca, neste início do Século XXI, se vêem cães ataviados de peitoral, como se todos eles fossem braquicéfalos, enfermassem de graves problemas respiratórios, se destinasem ao tiro, a um serviço específico ou a qualquer prestação nas áreas do salvamento e resgate. A moda pegou por força do desacerto, por causa das dificuldades na condução dos frágeis cães pequenos, normalmente mais irrequietos e temperamentais, sujeitos a maiores mimos, tidos como pessoas e muito dados a amuos. Não os querendo ver esganados e sensibilizados pelo pequeno porte dos animais (é preciso ver que a relação homem-cão é na maioria dos casos mais emocional do que razoável), os donos optam pelo peitoral e acabam rebocados, desfilando por aí, aos trancos e barrancos, de acordo com as vontades e instintos presentes nos seus cãezinhos. Como só há pouco tempo os cães toys e miniatura começaram a ir à escola e a frequentar classes de adestramento, é comum vê-los embrulhados uns nos outros, enredados pelas trelas extensíveis em qualquer canto por onde passeiem. À excepção das raças braquicefálicas, para quem o uso do peitoral é mais do que obrigatório, todas as outras podem e devem ser conduzidas pela acção de um semi-estrangulador, ainda que nalguns casos ele deva ser almofadado ou feito de material menos duro e mais flexível, uma vez que o sucesso na condução alinhada sempre dependerá da escolha dos acessórios a utilizar. 

LIXÍVIA COMO SEMPRE


É mais do que sabido, tendo em conta o muito que se tem dito, que os cães de raça pura são muito mais sensíveis que os seus pares sem raça definida, na diferença que vai da endogamia para a selecção natural, verdade que muita gente esquece e que pode vir a ser fatal para os cães com pedigree. Sem maiores cautelas e por força do hábito, não tanto por ignorância, muita gente continua a lavar os habitáculos caninos com lixívia ou com produtos à base de amoníaco, o que não deixa de ser um contra-senso diante da sua toxicidade, já que a ingestão dos caústicos, dependendo da quantidade ingerida e da sua concentração, pode causar problemas mais ou menos graves à saude dos cães (gastrointestinais e outros). Determinada proprietária canina, que ocasionalmente lavava a varanda destinada ao seu cão com lixívia, antes de estabelecer a relação entre a aplicação do hipoclorito de sódio (NaCIO) e os distúrbios gastrointestinais do seu cão, achava que os achaques do animal resultavam de problemas congénitos, agravados por um mau desmame e despoletados por alguma guloseima atirada pelos vizinhos. Depois de muito matutar, só recentemente chegou à conclusão certa, não antes de condenar o seu o cão à ingestão de uma ração mais dispendiosa (lamb and rice) e de o ver passar por dificuldades. Verifique os rótulos das embalagens dos produtos de limpeza e procure produtos adequados (próprios) para a higiene dos habitáculos dos cães. Como esses produtos já existem no mercado, o seu veterinário assistente saberá aconselhá-lo melhor do que ninguém.

SÁBADO LEVO A CADELA!


Diz-se que se perdoa o mal que faz pelo bem que sabe e inúmeras vezes procedemos assim, quase de modo instintivo, movidos por sentimentos ou emoções que desconsideram a razão. Quando isso acontece, depois da constactação do disparate, temos por norma nunca mais o repetir, porque aprendemos com os erros e nisso seguimos ao longo da vida. Afortunadamente, quando alguém nos avisa das repercursões dos nossos actos, conseguimos evitar o descalabro provocado por atitudes menos pensadas e das quais dificilmente teríamos regresso. Certo aluno nosso, com uma numerosa ninhada de cachorros, agora com quatro semanas, na ânsia de se juntar aos seus colegas de classe, amigos que já não vê desde o 2º mês de gestação da cadela, decide-se em levá-la de volta para a escola no próximo Sábado, depois de uma conversa telefónica havida com um amigo e camarada de classe, sem aquilatar de imediato dos riscos prà ninhada, já a comer e com menos defesas imunológicas por causa disso, uma vez que as defesas transmitidas pela matriarca vão diminuindo à medida que os cachorros deixam de mamar. Se por acaso a idéia deste criador se concretizasse, o que felizmente não veio a acontecer, a cadela, ao tomar contacto com outros cães num recinto público, poderia carregar para dentro da ninhada alguma doença que molestaria de sobremaneira os cachorros, já que nesta altura não se encontram vacinados, sendo por isso mesmo mais vulneráveis a vírus, fungos e bactérias.  

RECUSA DE ENGODOS E ATAQUE AO ALICIADOR


Entende-se por “recusa de engodos” o condicionamento que permite ao cão não aceitar comida da mão de estranhos ou comer aquela que é jogada no chão (intencionalmente ou não), assim como outra distribuída por alguém que não o dono, na presença deste ou não. Como este condicionamento aponta para a sobrevivência dos cães (ao evitar o seu envenenamento), convém que todos eles, independentemente da sua raça, tamanho, sexo ou serviço, sejam aprovados insofismavelmente na recusa de engodos para se constituirem em companheiros impolutos e incorruptíveis, já que doutro modo jamais o serão, a menos que os guardemos numa redoma de vidro ou os conservemos para sempre atrelados a nós e debaixo de olho. Todos os anos morrem cães envenenados.
O treino da recusa de engodos é um trabalho gradual que evolui das medidas preventivas para o condicionamento objectivo, que não dispensa tanto o trabalho doméstico como o seu complemento escolar. As medidas ou protocolos mais comuns são: o comer e beber em pratos reguláveis de acordo com a altura de cada cão (logo após a entrada do cachorro em nossa casa, 5cm abaixo da altura encontrada à cernelha ou garrote); manter a mesma ração ou penso diário (para que não se acostume a comer de tudo); exclusividade do dono na distribuição da comida (para que o animal desconfie do aliciamento); proibição de dar comida ao cão com os donos á mesa, restos de comida ou petiscos suplementares (para que não se torne guloso); evitar nos passeios exteriores os locais passíveis de ter comida (para não tentar o cachorro, já que é um animal de hábitos); comer sempre no mesmo local (para que não se acostume a comer por todo o lado); consentir que outros lhe deem de comer (para que não se habitue a comer da mão de estranhos); regrar o convívio com estranhos (para que não se sinta à vontade para pedir comida); não aceitar biscoitos com o odor de outras pessoas ou animais (para que resista à pedinchice); aguardar comando para comer (para que só coma debaixo de ordem); a interrupção da refeição (para que não se torne sôfrego); bater em minúcia os territórios onde o irá soltar (para que não acostume a procurar comida); não consentir que coma conjuntamente com outros cães do mesmo prato (para evitar a sofreguidão); estabelecer o dia de jejum semanal (só para cães adultos e para o aumento da resistência); Tudo isto é trabalho doméstico que muito beneficiará e facilitará o vindouro trabalho escolar. Convém ainda relembrar que o dono da comida é o patrão do cão (foi assim que transformámos o lobo silvestre em familiar), e que com a vida dos cães não se brinca.
O cumprimento das medidas preventivas que atrás discrimámos poderá dispensar algumas das tarefas escolares que adiantaremos e poderá tornar mais célere o processo pedagógico que garante a recusa de engodos. È evidente que ensiná-la a um cão portador de fraco impulso ao alimento é tarefa fácil, pode até correr-se o risco de o tornar ainda mais biqueiro, o que ninguém aproveitaria. Animais com estas caracterísiticas deverão quedar-se pelas medidas preventivas e nem todas lhe deverão ser aplicadas considerando o seu particular. Os cães que felizmente foram ensinados pela recorrência ao biscoito, depois da instalação objectiva dos comandos, deverão ser objecto da recusa de engodos atendendo à sua sobrevivência. A recusa de engodos pode implicar na morte do cão após o desaparecimento do dono, facto já acontecido e que não deseja ver repetido. Para que isso não suceda e o animal venha a ser vítima de um penoso processo de reeducação, válido ou não, convém que o cão beba em bebdouro automático e coma em doseador de ração. Neste último caso é imperativo que a ração não fique com o odor de quem a abastece. Os cães urbanos, depois de aprovados na recusa de engodos, deverão ficar condicionados a ser alimentados por uma segunda pessoa.
 
Os exercícios escolares que oferecem a recusa de engodos, geralmente levados a cabo no exterior (passeios e parques públicos), e posteriormente nas moradias e quintas onde os cães se encontram instalados, acontecem primeiro na presença dos donos e depois na sua ausência visando a capacitação pretendida. Independentemente do local dos trabalhos, proceder-se-á à prévia  instalação do comando de “perigo” que alertará e melhor prepará o animal para o sucesso nas acções.
 
Pergunta-se. Quando é que devemos levar a cabo a recusa de engodos num cão? A resposta não é simples porque irá depender das características individuais de cada cão e daquilo que dele se espera (atribuições). Normalmente deixamos para o final do adestramento esta capacitação e esperamos pela maturidade emocional dos animais, quando já se encontram robustos e “aguentam” a inibição que possibilita o controle de instintos e o desenvolvimento do seus  impulsos herdados. Aos cães mais frágeis de carácter, visando o seu bem-estar e autonomia, quedamo-nos somente pelas medidas preventivas e isentamo-los dos exercícios mais duros, porque isso lhes bastará, pois não queremos que nenhum susto se venha a constituir num trauma irreversível.
Voltando aos exercícios escolares, começam sempre pelo reforço da autoridade do dono (liderança), com um biscoito colocado por ele sobre uma das patas dianteiras do cão, que aguarda ordem para o comer permanecendo imóvel. Por vezes, usamos um em cada pata e guardamos o intervalo julgado conveniente entre a ordem para comer o primeiro e o segundo. Depois pediremos a um auxiliar que proceda do mesmo modo e coloque o biscoito ou biscoitos sobre as mãos do animal, convidando-o para comer, o que não deverá acontecer por força do comando de “perigo”. Sucerá a comida entregue à mão e a jogada no chão (biscoitos, ração, leite, carne, frango, enchidos, salsichas, queijos e toda a casta de iguarias do agrado do cão) que não as deverá comer, tanto com o dono presente como ausente. Este trabalho obrigará a várias sessões e será objecto de repetição ou recapitulação ao longo da vida do cão. Só depois da aprovação nestes exercícios o cão será testado em casa, quando em serviço de vigilança e num período mais ou menos longo. O que se deseja e que sempre acaba por se conseguir, é o desprezo por toda a comida não administrada pelo dono, independentemente dos convites e dos locais onde se encontre.
A existência de cães particularmente gulosos, uns pelo forte impulso ao alimento e outros por razões ambientais, pode obrigar ao uso de ratoeiras e de armadilhas (mecânicas ou eléctricas) para a obtensão da recusa de engodos, o que felizmente é raríssimo. Nestes casos excepcionais, a desobediência só acontece nos exercícios em que o dono se encontra ausente, quando o cão se encontra só e em percursos mais ou menos longos, distantes do policiamento do dono e da sua correcção. Diante destas dificuldades, não nos resta outro remédio do que armadilhar determinado perímetro com armadilhas de pardal, evoluindo, se for caso disso, para as ratoeiras (simples ou americanas), e destas para os dispositivos eléctricos com reguladores de potência. No nosso historial apenas dois cães não dispensaram o recurso aos dispositivos eléctricos, sendo os dois machos: um Perdigueiro Português e os um Rottweiler.
 
A necessidade da pronta intervenção do cão de guarda para escorraçar os intrusos obriga-nos ao ataque às mãos dos aliciadores. No treino esse papel cabe aos colaboradores escolhidos para esse efeito, que normalmente, para além da indução, simulam moderadas agressões sobre os cães, surgindo o contra-ataque dos animais como prémio ou resposta ao castigo, o que é deveras importante para o equilíbrio  dos guardiões, apresentando-se o ataque ao aliciador como recompensa para o cumprimento dos animais. Os colaboradores escolhidos para este trabalho deverão ir munidos de protecções ocultas e luvas de aço para sua protecção.
Como a recusa de engodos é um trabalho oficinal e digno de vários workshops, porque cada cão é um caso e exige diferentes reparos na sua instalação, omitimos propositadamente grande números dos exercícios escolares que desenvolvemos em classe. Já no que concerne às medidas preventivas procedemos doutro modo, enumerando-as quase todas para  salvaguarda dos cães e chamar à atenção para a necessidade urgente da recusa de engodos, pois se tirarmos os comandos de sobrevivência animal do adestramento o que sobrará? Provavelmente circo e alguns momentos descontraídos!  

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

UM OLHAR REVELADOR

Nem sempre o provérbio popular que diz: “quem vê caras, não vê corações” se pode aplicar aos cães, porque muitos carregam no seu olhar a índole que transportam e a garra que os acompanha. Como é sabido e é típico dos predadores, os cães preferem observar do que ser observados. Os mais instáveis, diante da fixação dum estranho, tendem a desviar o olhar e a adquirir expressões mímicas de desconfiança ou do temor, podendo pôr-se em fuga perante a insistência na fixação. Já os valentes não admitem que olhem para eles demoradamente e podem atacar sem aviso ou ameaça, partir imediatamente da fixação para o ataque. Estes não desviam o olhar e mantêm também eles a fixação, esperando por um gesto brusco, uma desatenção ou uma saída apressada. Para além disto, a espera que gera a sua imobilidade, leva-os a apresentar uma mímica que denuncia as suas intenções (orelhas para a frente, na 1ª posição se forem erectas, e a cauda imóvel abaixo da linha do dorso). Por norma, os cães de guarda ou os preparados para esse fim, detestam que os fixem e apenas admitem aos donos que o façam. Quando intentar fazer festas a um cão, porque não sabe o que irá ter pela frente, por prevenção, mesmo que o dono diga que é inofensivo, não o fixe demasiado nos olhos e oriente-se pela visão periférica.       

CACHORROS GIGANTES E MUITO ANGULADOS NO 1º CICLO ESCOLAR

Nos dois primeiros ciclos escolares infantis, respectivamente dos 4 aos 6 e dos 6 aos 8 meses de idade dos cachorros, damos maior enfase à ginástica e à correcção morfológica do que a qualquer disciplina cinotécnica propriamente dita, porque importa aproveitar a fase plástica (física e cognitiva) que atravessam, para que cresçam robustos, bem aprumados e ávidos de novos desafios. Servimo-nos para isso do “Perímetro Exterior” da Pista Táctica, onde temos dispostos os obstáculos mais simples de cada grupo, que funcionam como introdutores aos demais. Para além deles, ainda faz parte do mesmo “perímetro” um aparelho corrector: o Extensor de Solo. Com o decorrer do tempo e de acordo com o crescimento dos cães, o “perímetro Exterior” irá acabar como percurso de aquecimento ou de manutenção.
Após a maturidade sexual, que acontece por volta dos 7 meses em média, deseja-se que todos os cachorros já consigam levar de vencida a totalidade dos obstáculos constantes do “Perímetro Exterior”, considerando o Quadro de Crescimento Funcional e os salutares indíces atléticos exegíveis, desejo muitas vezes impossível diante de cachorros muito grandes ou demasiado angulados. Há que haver um cuidado especial com eles, para que não contraiam lesões esporádicas ou permanentes que venham a comprometer o seu futuro bem-estar, saúde e desempenho. Os cachorros com um desenvolvimento acima da sua tabela de crescimento são naturalmente trôpegos e levam mais tempo a equilibrar-se, quando comparados com outros da mesma idade e com valores sensíveis aos indicados, delonga que poderá estender-se por mais 60 dias. Passa-se o mesmo com os cachorros rectangulares muito angulados, já que os seus membros anteriores estarão sujeitos a maior esforço, podendo inclusive sofrer desaprumos ou outro tipo de incapacidade. Nestes casos, e pelo menos até aos 6 meses de idade, aconselha-se que os cachorros apenas façam a Mesa Alemã e as barreiras de 20 e 40cm, devendo os restantes obstáculos ser substituídos pelo recurso ao “Junto”, tanto doméstico quanto escolar. Ao mesmo tempo, não é desejável sobrecarregá-los com comandos de imobilização, mas sim tirar partido dos direccionais que carregam ânimo e reforçam a cumplicidade.  

OS CÃES E O AUMENTO DOS ADEPTOS DO FCP

Seria despropositado tratar aqui de assuntos relativos ao futebol nacional e muito mais satirizar o Futebol Clube do Porto, clube do qual sou adepto desde que aprendi as primeiras letras e que tem levado (elevado) o nome de Portugal além fronteiras, ainda que a maioria esmagora do seu plantel não fale português ou o expresse com sotaque. Também não nos interessa enveredar pelas tricas partidárias (se calhar seria mais apropriado termos um governo de salvação nacional), porque uns encolhem os ombros e os outros não sabem do que falam, neste País sem idéias, aos trancos e barrancos daquilo que há-de vir - certamente virá de fora! E muito menos nos interessa falar do Estado, que sempre foi muito maltratado pelos portugueses, invariavelmente tido como ladrão na hora de contribuir e visto como salvação nas ocasiões de aperto. O que não podemos ignorar são as pessoas que se cruzam diariamente connosco, a chamada pobreza encoberta que não tem voz e que insiste em passar despercebida. Falta a esta geração de políticos “Sentido de Estado” e sobra muita petulância, de que estarão à espera, uma vez que a dívida é inegociável, para conjuntamente renegociarem os seus juros? É certo que não podem resolver os problemas do Mundo, mas podem e devem valer àqueles que, na sua crendice, os elegeram e sacralizaram. Por menos dolo, já alguns cães morderam nos donos!
Qualquer turista que hoje visite Portugal pode concluir que somos uma nação de atletas, isto apesar de nunca ter havido uma forte propensão desportiva no seio das famílias portuguesas, porque, por todo o lado e a quase todas as horas, se vê gente a caminhar e a correr por todos os cantos e os aparelhos de musculação públicos raramente têm descanso. De imediato e à distância ficámos com a mesma impressão, a idéia agradáva-nos e sentíamos orgulho naquela gente. Há uns dias atrás, porque a ocasião se proporcionou, interpelámos um marchador que por nós passava e quisemos saber qual a sua motivação. “Ando todos os dias meia dúzia de quilómetros porque sou do FCP!” – disse-nos ele, ao que nós retroquimos espantados: É o F.C.Porto que o leva a marchar? “ - Qual Porto!!! F de fome e CP de caminhadas à pata! Ali atrás vêm mais cinco adeptos do mesmo clube e todos os dias o seu número aumenta. Estou desempregado, continuo à espera que o Centro de Emprego me chame e não quero ficar em casa a definhar, marcho para não dar cabo da cabeça!” Dito isto foi adiante, diante do nosso desconserto. Tudo muda, os desempregados no século passado aguardavam nas praças que alguém lhes oferecesse trabalho e agora não param diante do mesmo infortúnio. Os cães olham-nos com desconfiança e alguns tentam correr para cima deles, o que a ninguém espanta, porque quando um homem cai na miséria até os cães lhe ladram!

CRUZAR E DAR PARA O AZAR

Agora que os cães pequenos invadem os parques e jardins como libélulas à volta de charcos, emprestando-lhes cor e biodiversidade, numa desordem que nos encanta, começam a aparecer os mestiços das diversas raças pequenas (havendo alguns muito mais bonitos que os seus padreadores), animais que todos julgamos inofensivos por serem considerados e se encontrarem registados como cães de companhia. Como a variedade dos cruzamentos é infinda, é-nos muitas vezes difícil adivinhar que raças contribuiram para a construção de alguns indivíduos, não obstante serem por norma mais saudáveis e relativamente maiores do que os seus progenitores. Os cruzamentos aqui mais comuns são os provenientes das seguintes raças: Beagle, Buldogue Francês, Bull Terrier, Caniche, Chihuahua, Cocker Daschund, Lulu da Pomerânia, Papillon, Pequinois, Pinscher, Pug, Shih-Tzu, Schnauzer Miniatura, Spitz, Teckel e Yorkshire. Desta salgalhada sobressaiem dois tipos morfológicos: os bassetóides e os miniatura, sendo os primeiros mais fortes e os segundos mais sensíveis. Os mestiços mais comuns de encontrar são os provenientes do Pinscher, do Yorkshire e do Teckel de pelo cerdoso (o Cocker é o 4º cão mais concorrido, contudo bem distante destes). Os mestiços de pinscher têm apresentado alguns problemas de sociabilização entre iguais, os de Yorkshire são barulhentos, contudo inofensivos e os de Teckel manifestam um forte sentimento territorial, exigindo por isso regra e uma liderança objectiva. Os mestiços de caniche com Teckel, que nascem invariavelmente da habilidade do poodle (pudeln em alemão), são indivíduos que juntam à inteligência astúcia e que tendencialmente incorrem na desobediência, podendo ainda produzir ataques deliberados, mais ou menos lesivos, de acordo com o desagrado que sofram, não isentando disso os próprios donos. Esta tendência é típica dos machos e as fêmeas podem também atacar por ciúme. Como se depreende, é falsa a idéia que julga os cães pequenos inofensivos. A mestiçagem entre os cães miniatura não vai toda na mesma direcção, há que separar dois grupos: um que se torna ainda mais mutante e outro que de uma assentada retorna ao atavismo. Cruzar pode dar para o azar!