quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O futuro dos cães e a aposta na hibridação (os novos rafeiros)

Mais cedo ou mais tarde, já acontece um pouco por toda a parte e inevitavelmente virá a acontecer também entre nós, a hibridação entre as actuais raças caninas será um facto, contra a opinião de muitos e a favor do bem-estar dos cães, no intuito de reparar o mal que se fez e produzir animais mais saudáveis, sucedendo ao eugenismo negativo do passado, caracterizado maioritariamente pelas diferenças sem o aquilatar dos contras, um eugenismo autêntico e positivo que restituirá aos cães a qualidade de vida, a robustez, a saúde e a longevidade de que têm sido privados, o que implicará num retorno ao passado para um futuro mais risonho de acordo com as lições do presente, num baralhar das cartas com novas regras de jogo.

A procura de cães especialistas, fortemente empreendida desde os finais do Sec. XIX e amplamente continuada pelo Sec. XX adiante, manifestação descarada do mais puro especicismo e da mais abusiva manipulação genética, trouxe até nós as raças que hoje conhecemos, com as virtudes e defeitos que são do domínio público. O recurso à consanguinidade, enquanto pilar dos processos selectivos, para além da excelência estética ou laboral alcançada, acabou por dotar os diferentes grupos de indivíduos de incapacidades ou mazelas pelas quais são também identificados, dotando cada raça de insuficiências que lhe são típicas e indissociáveis.

Por força da ingerência humana, a selecção dos cães aconteceu para além dos auspícios da selecção natural, resultando a sua sobrevivência essencialmente da reciprocidade, modelo também extensível a todos os animais domésticos, tanto os de parceria como os destinados ao consumo, porque o homem domina sobre o planeta e todas as outras espécies estão-lhe sujeitas. Os cães têm sido privados do todo pela procura da parte e essa cegueira tem-lhes sido fatal. Fenótipos, desvios e mal formações têm vindo a ser aproveitados e o cão transformou-se num dos brinquedos de eleição dos homens, a pretexto de uma vantagem, utilidade ou simplesmente de um agrado, factores que contribuíram para o aumento da dependência canina e para o encurtamento dos seus dias.

A exagerada demanda pela “excelência” estética, que tem rasado a aberração, tem levado à formação de indivíduos frágeis e impróprios, periclitantes de morfologia e carácter, alimentado umas tantas runas e um sem número de desejos incontidos, a desfavor dos cães e do seu bem-estar. Quer queiramos ou não, as actuais raças resultaram do desequilíbrio quer psíquico quer morfológico, porque se potenciaram e desprezaram impulsos herdados, criaram-se novas curvas de crescimento e alterou-se a sã relação entre a altura e envergadura, a despeito da relação biológica e da influência dos ecossistemas, tornando a actual canicultura artificial e muitos cães sem qualquer préstimo. Por vezes, e isso tem sido repetidamente visível em todas as disciplinas cinotécnicas, um híbrido alcança prestações superiores às dos exemplares “puros” que estiveram na sua origem, o que a ninguém espanta atendendo à impraticabilidade de algumas raças.

Neste momento, mais no Novo Mundo que na Europa, como resposta aos problemas presentes nas diferentes raças, também na ânsia de criar novas mais robustas e equilibradas, a hibridação ganha peso e aceitação, mais aderentes e fregueses. Apesar de ainda nos encontrarmos na fase embrionária deste processo selectivo, vocacionado para a eliminação das menos valias sanitárias, morfológicas e psicológicas presentes nas actuais raças caninas, o número de híbridos cresce quase que espontaneamente. Como nos é impossível manifestar aqui todos, adiantaremos somente alguns casos: Shepadoodle (CPA + Poodle), Bullmation (Bulldog + Dálmata), Lab-Pointer (Labrador + Pointer), Beagleman (Beagle + Doberman) e Beabull (Beagle + Bulldog). Esta novidade já há muito que se encontra enraizada nos nossos caçadores, que fartos de aturar as madurezas dos cães puros, optam pela sua mestiçagem, nem sempre alcançando melhores resultados, porque desconhecem a genética e as suas leis. À parte disso, certos mestiços são melhores do que o puro que entrou na sua construção, o que nos leva à consideração do excelente contributo do rafeiro. Enquanto trabalharmos em “Quadro Aberto” no CPA, usando as diferentes variedades cromáticas presentes na raça, não teremos necessidade de concorrer à hibridação, porque a multivariedade virá em nosso auxílio. O mesmo não sucederá naquelas que apenas subsistem pelo concurso da variedade dominante. Não esterilizem os rafeiros, porque poderão vir a necessitar deles, porque apesar de desleixados, o seu equilíbrio poderá vir a ser útil a outros mais conceituados.

Chamem o Rui!

Porque será que quando chegam a Babel, a Becky, o Bolt, a Boneca, o Buster, o Igor, a Iris, a Maggie, o Rocky, o Sane, a Teka I, o Yoshi e o Zorro, logo alguém chama pelo Rui Coito? Será ele o “pai dos cães”? Pai não é certamente, mas padrinho é de todos eles! Graças ao seu empenho e valentia, ele tem contribuído para a capacitação dos cachorros, aflorando neles o seu potencial, apostando nas suas mais-valias e tornando-lhes o treino mais apetecível. Os cachorros esquecerão mais depressa um automatismo do que a prestação do Rui, porque os fez valentes e aptos para novos desafios. Como a gratidão dos cães não deve esconder a nossa, queremos manifestar aqui a gratidão da Escola e o apreço do treinador em exercício. O Rui já pertence, por mérito próprio, à galeria dos heróis desconhecidos da Acendura, aqueles que tudo fizeram prà capacitação dos cães alheios e que geralmente são esquecidos. Bem-hajas Rui, porque pela tua generosidade te tornaste nosso irmão! Obrigado.

O cão que ninguém queria (uma história a rogo e por acabar)

Nasci de raça pura, territorial, num ano de escassez, rodeado de muitos cães e entregue aos cuidados da minha mãe, uma matriarca zelosa que se via a braços para alimentar os seus filhotes. Dos 45 aos 120 dias pouco ou nada interagiram comigo, valeram-me os meus irmãos e bem cedo me vi privado deles, porque rumei para um território estranho e acabei encarcerado num canil, onde raramente alguém me visitava ou intentava adoptar-me. Isento de companhia, fiquei entregue aos meus instintos e fiz da solidão o meu viver social, porque ninguém ouvia os meus gemidos ou parava à minha porta, era um entre dezenas e um dos mais ignorados. Nunca tive brinquedos nem com quem brincar, só pensava em fugir dali, reencontrar o meu grupo e crescer junto dele.

Esporadicamente iam testar o meu instinto de presa e rapidamente me rotularam de inapto, ignorando eu as implicações de tal sentença. Dali fui desterrado para o perímetro de uma obra, onde a comida era escassa, ninguém reparava em mim e ainda me vi mais perdido, por força da novidade e do isolamento forçado. Durante o dia prendiam-me e à noite soltavam-me, queriam fazer de mim um guarda e eu nem sabia o que isso era, porque todos me davam ordens e ninguém quis ser meu líder, não tinha grupo e constantemente variavam o meu território. Apesar de haver por ali muita gente, raros eram os que acercavam de mim, sentia-me infeliz e deslocado, desmotivado para o que quer que fosse, ansiava pela liberdade e procurava quem me aceitasse. Atingi a maturidade sexual entre pranchas e pregos, forçaram-me à falta de apetite e condicionaram o meu crescimento, acabei pequeno, de fraca ossatura e de pouco impulso ao alimento, marcas que carrego e das quais dou mostras.

Um dia, quando menos esperava, fui resgatado da obra e entregue a uma família, o que aliviou o meu fardo e muito me alegrou, apesar de não poder esquecer a minha permanência naquele estaleiro, porque nele cresci votado ao abandono e a olhar para as estrelas. Ainda que não o adivinhasse, fui mais uma vez colocado numa propriedade, esta sem muros, preso a uma corrente e junto de outros cães, local onde hoje sobrevivo a pensar na liberdade (de lá já fugi uma vez e ao fim de alguns dias acabaram por encontrar-me). Aos fins-de-semana vêm buscar-me e levam-me para casa, o que me provoca alguma estranheza e me obriga a passar as noites em alvoroço. Eu quero estar junto deles, subir para as suas camas, desejo ser membro daquele grupo e sempre acabo por lhes roubar alguns pertences, apesar de agora ter brinquedos, higiene e comida a horas. Os fins-de-semana passam rapidamente e lá volto eu para a corrente, ao fado que não aceito e que agrava o meu penar.

Frequento aos Sábados e Domingos uma Escola, facilmente aprendi a andar à trela, tenho evoluído para além do esperado e já ando em liberdade. Já aprendi a escorraçar intrusos e a defender os pertences do meu condutor, gosto da ginástica e nem sempre aceito de bom grado a obediência, porque o meu condutor é jovem, inexperiente e por vezes desatento, erra nos procedimentos e lança-me na confusão. À parte disso, eu adoro-o e não raramente transporto a trela na boca para que vá passear comigo. Por vezes provoco alguns desacatos, porque sou competitivo e possessivo, trago as marcas do passado e a idade a isso induz. A Escola tem-me devolvido à vida e lá sinto-me bem, o adestrador gosta de mim e já fiz alguns amigos. Eu só não quero é estar só, por causa disso reclamo a presença do meu condutor para comer e desinteresso-me do penso quando ele não está por perto, porque não quero ser um cão de programa ou um guardião em part-time dum binómio eventual.

A história do cão que ninguém queria e que afinal tem potencial ainda não acabou, o cão continua vivo, tem 18 meses e aguarda por dias melhores, mesmo que não tenha perspectiva de futuro e que dificilmente esqueça o passado. Esta história não é fictícia e haverão outras piores, relatos de cães extraordinários que acabaram desprezados, verdadeiros sobreviventes diante da mediocridade humana, que cega de objectivos não vê o que tem à frente e que acaba por desprezar o que lhe faz falta, mercê de interesses vários, pouco empenho e alto quilate de ignorância. Pense bem antes de decidir ser criador e não adopte nenhum cão de ânimo leve.

Caderno de Ensino: XXX. A recusa de engodos

Entende-se por “recusa de engodos” a não-aceitação pelo cão de comida ou água desautorizadas, quando fornecidas por outrem que não o dono ou colocadas à disposição do animal, sem consentimento prévio, ordem expressa ou para além das regras instituídas pelo líder. A aprovação na recusa de engodos é indispensável para todos os cães de utilidade, porque ao contribuir para a sua sobrevivência, aumentará a sua autonomia, operacionalidade e sucesso. O seu ensino é normalmente coercivo e quando o não é, irá resultar de um ou mais dos seguintes factores: fraco impulso ao alimento, impropriedade de carácter, insuficiência física, experiência prévia traumática ou da prevenção atempada e objectiva. O facto do cão ser um animal social, viver naturalmente em matilha e sujeito a um líder, facilita-nos o trabalho, porque garante a liderança e opera a sua aceitação.

Sempre será melhor optarmos pela prevenção e atingirmos a inibição pelo seu contributo, através de regras simples que evitarão demoras desprezíveis e acções mais coercivas. Se queremos um cão impoluto e incorrupto, seremos obrigados a trabalhar para isso, a estipular normas e a respeitar procedimentos que contribuirão para a codificação e salvaguarda do animal, já que donos desregrados geram cães desorientados. Reportamo-nos à inflexibilidade dos horários na distribuição dos pensos, à exclusividade do local de repasto, aos comedouros e bebedouros reguláveis, à proibição de outros alimentarem os cães, ao desaprovo da procura nos caixotes do lixo, ao desprezo pelo pedido de guloseimas à volta da mesa e ao cuidado de não deixar comida pelo chão, extensivo também às crianças que nos visitam, pródigas em engodos por distracção, desleixo ou esquecimento. Enquanto o cão não estiver preparado para a recusa de engodos, antes de o soltar, tanto nos passeios internos quanto nas saídas pró exterior, é de todo conveniente passar em revista o terreno a bater, porque isso pode salvar-lhe a vida e muitos já pereceram pela ausência desse cuidado.

Quando deveremos iniciar o treino prà recusa de engodos? Nas actuais obras de alguns adestradores não é clara a distinção entre treino e adestramento, entre experiência directa e treino propriamente dito, muito embora o segundo suceda ao primeiro na relação óptima entre tratamento e treino, o que tem dado azo a confusões e levado a cronogramas impróprios ou abusivos. Só o cão nos poderá dizer quando iniciar a recusa de engodos, se antes ou depois da sua maturidade sexual ou se teremos de esperar pela emocional, de acordo com a sua carga genética, perfil psicológico e serviço a que se destina. Um cachorro rijo poderá iniciá-lo aos 90 dias, o que é cada vez mais raro e a maioria dos cães só o iniciará entre os 10 e os 18 meses, porque importa que a inibição não leve a esterilização dos seus impulsos à luta e à defesa, o que nos levará a observar o particular de cada indivíduo.

Como faremos o treino prà recusa de engodos? Como já atrás se disse, a prevenção tem aqui uma importante palavra a dizer, porque tenderá a diminuir as acções persuasivas e coercivas que constituem este treino. Evolui-se da presença do dono para a sua ausência e as armadilhas a utilizar dependerão da resistência de cada cão. Primeiro opera-se pelo reparo, depois pela surpresa e finalmente pelo recurso às armadilhas (se for caso disso). Quando um cão for surpreendido pela armadilha e sofrer o seu impacto, coisa do seu desagrado e que lhe provoca algum desconforto, deve associar-se à acção o comando de “perigo”, para que debaixo dele seja avisado e venha a desprezar todo e qualquer tipo de engodos. O trabalho é aturado e sempre carece de reavivamento, porque decorre da liderança e é antinatural.

Há casos em que a retaliação deverá ficar ligada à recusa de engodos, para desencorajar as sucessivas tentativas de suborno, o que não é difícil atendendo à revolta dos cães e à contrariedade que as acções lhes provocam. Este complemento acontece por acção reflexa e tende a fundamentar a recusa de engodos, funcionando com prémio e ratificando a liderança. Considerando o que foi dito e diante do pouco know-how da maioria dos proprietários caninos, omitiram-se propositadamente alguns pormenores relativos aos procedimentos a haver. Porém, estamos disponíveis para maiores esclarecimentos, caso se justifiquem, não atentem contra o bem-estar dos cães e sirvam para a sua salvaguarda.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Carjacking & teoria

Este fim-de-semana foi dedicado à obediência, à endurance, ao treino contra o carjacking e às aulas teóricas. Os trabalhos decorreram em 3 lugares distintos e a afluência às aulas foi significativa, apesar de sentirmos a ausência da Família Coito, de momento na Suiça e à volta de um casório. A Princesa voltou para a plebe, o Carlos Veríssimo compareceu, a Marta desapareceu e a Família Almeida, como é sua sina, não compareceu às aulas no Sábado. As aulas teóricas incidiram sobre os cuidados a haver com os cachorros entre os 45 e os 120 dias. Registámos a presença da Família Meneses e usufruímos das instalações particulares do Carlos Veríssimo. Excepcionalmente, o Luis Leal fez dois turnos num só dia.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: António Almeida/Shadow, Bruno/Iris II, Carla Abreu/Becky, Carla Ferreira/Dirka, Carlos Veríssimo/Tote, Francisco/Nick, Hugo/Lobi, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Liliana/Bolt, Luis Leal/Teka I, Maria Luis/Pipo, Miriam/Índigo, Patrícia/Boneca, Paulinha/Teka II, Princesa/Pipo, Roberto/Turco, Rui Ribeiro/Babel, Teresa/Buster e Vitor Hugo/Yoshi.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Caderno de ensino: XXIX. Tirar o medo aos tiros ou preparar o cão para os disparos?

O treino contra os disparos, vulgarmente mal entendido como “tirar o medo aos tiros”, deve preparar o cão para 3 acções indispensáveis ao seu uso e sobrevivência: a defesa (ocultação), o contra-ataque (progressão dissimulada) e o desarme. A familiarização a operar não deverá suprimir o medo do animal, mas alertá-lo para o perigo (que é real), e suscitar-lhe a resposta adequada. Os que foram combatentes sabem, por experiência própria, que foi o medo que os manteve vivos e que muitos valentes morreram, ingloriamente, por falta de cuidado. O condicionamento desejável acontecerá pelo contributo da memória afectiva canina, porque nela o cão armazena experiências felizes e aterradoras mal aconteça a sua apresentação, o que torna o medo instintivo num subsídio inestimável, quando bem aproveitado.

A familiarização com os disparos é por si mesmo estéril, porque apenas produz habituação e não sugere resposta (não alerta o animal e nem opera a sua salvaguarda), muito embora seja necessária e essencial pràs acções procuradas. Com maior ou menor medo todos os cães a alcançarão e com mais ou menos trabalho todos eles virão a apossar-se das reacções desejadas, dependendo isso dos indivíduos a instruir e dos métodos a utilizar. Subsistem vários métodos e todos eles mais eficazes do que prender um cão a uma oliveira e depois descarregar uma dúzia de tiros à sua volta. Os cães sujeitos ao boliço das cidades, particularmente os instalados junto a bairros problemáticos, virão a suportar melhor os tiros do que aqueles que nunca os ouviram e que virão a ser surpreendidos pelo ribombar das caçadeiras, independentemente do seu perfil psicológico. Há quem use música clássica nos canis e que se valha de marchas do tipo Radetzky-March ou Ich hatt’einen Kameraden. Indo para além do gosto de cada um e dos meios ao seu alcance, a familiarização terá que acontecer, evoluindo-se de longe para perto e da presença do dono para a sua ausência. A familiarização tem sido responsável pela aprovação de muitos cães nos testes de carácter, mesmo daqueles que geneticamente nele são deficitários, demonstrando dessa forma a falibilidade dos testes e a supremacia ambiental que premeia o esforço humano em detrimento da qualidade canina, mercê da ocorrência que anuncia o prémio prós animais.

Se houver que tirar o medo aos tiros, primeiro há que suprimi-lo da cabeça dos donos, convidando-os para manobras binomiais perante a sua ocorrência, serenando dessa forma os cães (o que raramente é visível) e reforçando as suas acções, tornando os disparos parte do habitat e próprio daquele ecossistema. Uma aula de obstáculos pode ser acompanhada de disparos, porque a novidade remete-se aos tiros e os automatismos direccionais serão soberanos, graças à sua instalação e à presença dos condutores. Treinar debaixo de foguetes pode constituir-se numa excelente ocasião, assim como junto a um campo de tiro, a uma oficina de latoeiro ou ao redor de uma estação de troca de pneus. É contraproducente iniciar estes trabalhos pelos automatismos de imobilização e de todo conveniente encetá-los pelos direccionais, para evitar o abuso do travamento e alcançar uma parceria mais dividida e descontraída. É evidente que os cães rijos desnecessitarão disto e os cachorros criados desde o aleitamento debaixo de disparos também, porque a riqueza de personalidade nos cães tende a esconder algumas mazelas presentes no seu carácter, nomeadamente as acções instintivas que obstam à sua mais-valia.

Caso, debaixo de fogo, os cães consigam desempenhar cabalmente os exercícios e trajectos de ginástica, a aceitação dos disparos transitará naturalmente para os automatismos de imobilização, sem os contratempos fornecidos pelo excessivo travamento, motivados pelo stress e pelo isolamento forçado. A prática da ginástica debaixo de fogo irá possibilitar ainda toda e qualquer evolução debaixo de tiro real, o que aumentará a operacionalidade canina e reforçará de sobremaneira a liderança, na relação entre os simulacros (treino) e as acções reais, manobras dispensáveis para a esmagadora maioria dos cães quer eles sejam de companhia ou não. É importante relembrar, e há gente que parece esquecer-se disso, que o travamento sucede à acção e não o inverso, persistindo em travar que nem sequer avança. A morosidade deste treino encontrar-se-á ligada à capacidade do líder se fazer compreender e à aceitação canina da liderança, factores interligados com o tipo de parceria havida, porque quando o cão confia no dono jamais o abandonará.

Tirar o medo aos tiros é fácil, difícil é preparar o cão para os disparos ou contra atiradores, considerando a sua ocultação, o ataque dissimulado, a surpresa e o seu sucesso (desarme e domínio do agressor). Tudo no adestramento é progressivo, gradual e ele não dispensa os mais elementares princípios da pedagogia de ensino, comuns a homens e a cães, garante da melhor evolução binomial. Através da brincadeira quase todos os cães perderão o medo aos tiros, outros serão levados à sua aceitação pelo contributo e dum ou mais impulsos herdados e só os cães mais sérios se tornarão verdadeiramente combatentes, recuperando dessa forma o seu estatuto de predadores, condição própria dos cães de guerra. O desarme do agressor não é difícil de se treinar, mas não nos cabe a nós explicá-lo aqui, porque confiamos na justiça instituída, dispensamos a popular e não queremos que nenhum cão morra numa tentativa frustrada. Com a paciência do dono e com a habituação todos os cães acabarão por ignorar os tiros, facto que muitos caçadores ignoram e que tem levado ao abandono de um sem número de cães.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

O Sane nas alturas

Os nossos cachorros estão a atingir níveis de aptidão bastante aceitáveis e melhor estariam se todos os condutores observassem, escrupulosamente, o constante no Quadro de Crescimento Funcional. Mas, se houve alguém que o cumpriu, esse alguém será o binómio Tiago/Sane, uma referência para os binómios da sua geração, porque lição a lição vai dando mostras do trabalho empreendido e do seu potencial. Quando isto acontece, e não acontece por acaso, há que reconhecer o que contribui para esse sucesso, factores ligados à genética, ao imprinting, à boa instalação doméstica, à observação do Quadro de Crescimento Funcional, à qualidade da liderança, à assiduidade escolar e à recapitulação diária dos conteúdos de ensino, o que neste caso nos obriga a enaltecer as seguintes pessoas e mais alguma que não vem ao caso: Roberto Mariano, Álvaro Costa e Tiago Soares, o primeiro porque garantiu a genética, o segundo porque não a desbaratou e o último porque a soube aproveitar.

O Tiago não tem a erudição dos grandes mestres, mas tem a humildade que o conduzirá a grandes feitos; não tem o carisma dos iluminados, mas irradia um alto sentido de dever; não é dado a grandes gestos, mas sempre estende a sua mão em ajuda. Se deseja um amigo, escolha o Tiago (as melhores referências ser-lhe-ão dadas pelo Sane). O cachorro tem agora 10 meses de idade, não manifesta qualquer atraso nas disciplinas cinotécnicas clássicas, já anda em liberdade, é de uma obediência inquestionável, já atingiu a condução à distância, cumpre os automatismos ao gesto, é protector do dono e dos seus bens, adora o seu líder e demonstra uma disponibilidade extraordinária. Por detrás do Sane estão nomes famosos entre nós e já há muito ausentes: Scwartz, Todd e Warrior, ancestrais que verão aumentada a sua glória pela excelente prestação deste seu descendente. Os bons cães nascem diferentes e encontram o parceiro certo. Já pensou nisso? Como considera a sua parceria? Será ela a ideal para o seu cachorro?

Iremos viver mais cinquenta anos

Ensinar jovens é viver mais cinquenta ou sessenta anos, é viver para além da nossa morte e continuar adiante, mesmo que o nosso nome venha a ser omisso. Como os mais velhos sempre serão referências para os jovens, importa que lhes transmitam o melhor de si próprios, que os robusteçam da experiência que a brevidade dos seus dias não alcança. Na Acendura requeremos pela presença dos jovens, cada vez mais arredados das actividades familiares e entregues a uma sociedade que insta para que se confundam e venham a ser mal usados. Talvez a dita sociedade sem parâmetros resulte também disso, na ocasião em que cada um é dono do seu nariz e não tem verdadeiras condições para optar. Uma escola canina não deve confundir-se com um clube de chá ou como uma efeméride saudosista, tipo “memórias de sempre” ou revivalista, mas ser uma opção válida para os homens do presente rumo ao futuro, porque a ausência de adaptação leva ao desaparecimento das pessoas e ao desprezo dos seus valores. Só o dinamismo provocado pela novidade de vida sobrevive, porque o mundo é feito de mudança e os museus são pouco visitados. Abrir uma escola é fácil, difícil é mantê-la. Assim sendo: lá vai a nossa Patrícia com a Boneca!

Mensagem de Angola

Recebemos do Rui Santos, condutor desta Escola e a trabalhar presentemente em Angola, a seguinte mensagem que abreviámos: “ Espero que todos estejam bem. A escola parece ir bem. Tenho acompanhado o Blog e ela tem tido uma boa afluência de alunos. Tenho reparado nos seus eventos e sinto pena de não ter podido participar. Tenho apreciado o binómio Tiago/Sane, o cachorro está bonito. Existem agora na escola muitos cachorros e o cão da Joana está lindo. Encontro-me bem, mas tenho saudades da família, do Red e dos amigos, mas tenho que esforçar-me para alcançar melhores condições de vida. Os meus filhos estão bem, o mais novo entrou este ano para a creche e está a gostar. O mais velho já está no 4º ano e chegou lá com a classificação de muito bom em todas as disciplinas. Abraços e beijos para todos os alunos da escola. Se alguém quiser entabular conversação comigo, pode enviar o seu e-mail para: rui70santos@gmail.com “.

Como escolher um cachorro

Ainda que usualmente não suceda assim, por força da emoção que estabelece o gosto pessoal de cada um, a escolha de um cachorro não deverá ser arbitrária, considerando o bem-estar do animal, a realização do futuro proprietário e a inescusável harmonia familiar, porque homens e cães são animais sociais e importa que harmonizem a coabitação. A escolha de uma raça deverá pressupor o seu particular, necessidades e expectativas e ela deverá coadunar-se com aquilo que cada qual tem para oferecer. Como tantas vezes já alertámos, a maioria dos desaguisados com cães é de natureza social e resulta de uma má ou desadequada instalação doméstica, reforçada pela inexistência de uma liderança imprópria ou arbitrária que obsta ao correcto escalonamento social, o que nos leva a concluir que muitos cães têm sido abandonados, desprezados e abatidos por culpas que lhe são alheias, facto que queremos ver alterado e que nos obriga ao esclarecimento.

Na procura do cão gaveta, forçado pelos exíguos lares urbanos e pelo menor consumo, os citadinos tendem a optar por cães de raça pequena, fazendo “orelhas moucas” às aspirações desses animais, geralmente de caça e vocacionados para bater território, menos territoriais e ávidos de excursão, o que tem transformado a escolha pelo tamanho num grande disparate, ainda que a factura recaia em exclusivo sobre os animais. O tamanho dos cães encontra-se relacionado inúmeras vezes com a sua oferta e proliferação, porque muitos são provenientes da actividade cinegética, tradicionalmente pequenos e oriundos de gente de parcos recursos económicos. Mais do que no tamanho, a nossa escolha deverá recair sobre os distintos grupos somáticos e temperamentos que oferecem, sobre o particular das raças sem desconsiderar os indivíduos, porque importa encontrar o cão certo para a situação possível.

A formação das distintas raças caninas, obra da manipulação genética humana, intimamente ligada às aspirações dos povos e à complementaridade canina, porque qualquer parceria é um serviço, desequilibrou e desenvolveu animais prà além da evolução natural das espécies (por vezes até contrários a ela), produzindo indivíduos com propósitos definidos, tanto pela carga instintiva quanto pela excelência dos impulsos herdados. Vale a pena conhecer os instintos do cão para melhor conhecer a sua linguagem, muito embora possua poucos e não os siga cegamente, sendo ao invés rico em personalidade. Por essa razão, mais do que nos instintos, a parceria assentará nos impulsos herdados que raramente são adquiridos, apesar da experiência directa (experiências que se transformam em lições de vida), ter também aqui um importante papel a desempenhar. O cão deverá ser geneticamente apto para o grupo e território onde irá ser inserido. Para além dos aspectos ligados aos impulsos herdados, há que considerar os relativos à sua morfologia, saúde e carácter.

A primeira pergunta que urge fazer é: para que quero eu o animal? Havendo clareza quanto a isso tudo se torna mais fácil e a procura objectiva, porque sabemos o que queremos e não vamos ao acaso, para que não nos suceda como a alguns utentes dos supermercados que acabam por comprar o que desnecessitam em prejuízo daquilo que precisavam. Num cachorro saudável deverá ser visível o equilíbrio dos seus principais impulsos herdados, a saber: ao alimento, movimento, à luta, à defesa, ao poder e ao conhecimento, a menos que se procure a excelência de uns e o desprezo de outros por força da investidura a efectuar, factor ligado ao carácter excepcional de um ou mais serviços geralmente associados a profissionais. Considerando as escolhas mais comuns (caça, companhia, defesa, desporto e guarda), analisaremos cada impulso herdado à luz dessas expectativas. Entretanto, avisamos desde já: se não tem como escolher valha-se de quem o saiba fazer.

Um forte impulso ao alimento é indispensável para os cães de caça e de guarda, é também primordial para o treino, porque se encontra associado à actividade cinegética (leva o cão a seguir pistas, a arrancar os animais das suas tocas e a sacudir a presa abocanhada), por outro lado, a gula é um dos melhores subsídios para o condicionamento. Cão que mal usa a boca para comer dificilmente a usará para outro fim. Os cães de companhia não necessitam de ser glutões e é de todo conveniente que o não sejam, caso contrário ver-se-ão condenados a rações de baixo teor calórico, porque normalmente vivem a maior parte dos dias encerrados. Mas se o seu objectivo for a procura de um cão para outros fins, jamais escolha os cachorros mais magros ou atrasados em relação aos outros. É comum a inapetência estar associada a caracteres menos seguros e a animais mais receosos. Um bom impulso ao alimento garante no cão de guarda uma melhor prestação e uma maior autonomia.

O impulso ao movimento que dá azo à perseguição, à procura, ao deslocar-se ao redor dos rebanhos e ao prazer na brincadeira, é indispensável para os cães de caça, defesa, desporto e guarda, porque a uns garante a procura e a detecção, a outros a antecipação, a outros ainda a competitividade e aos últimos o policiamento eficaz, o que possibilita respectivamente: a pistagem, o alerta, a velocidade de execução e o exercício rondante. Se o seu objectivo é procurar um cão para qualquer destes serviços, não escolha um cachorro que se isola e não participa nas brincadeiras dos demais, por mais carinhoso que lhe pareça ou lhe invada os sentimentos. Nunca se esqueça que o treino do cão é feito em movimento e que ele veio para alcançar aquilo que você não atinge. Sempre será mais fácil travar do que animar e a paciência é por vezes deficitária mercê do insucesso e da saturação. O cão nasceu para correr e alegra-se com isso, muscula pela transição de andamentos e robustece o carácter pelo concurso do movimento, porque as alterações fisiológicas favorecem o aumento cognitivo.

A combatividade, a atitude de morder e a tenacidade na caça (entre outras coisas) resultam do impulso à luta presente nos cães, qualidades indispensáveis a um bom caçador e próprias de um bom guardião. Nem todos os cães de desporto necessitam de o ter bastante desenvolvido, não se podendo dizer o mesmo acerca dos destinados à defesa. Este impulso é mais desenvolvido nos machos e robustece-se nas fêmeas com a experiência e o decorrer dos cios. Se o seu objectivo é ter um cão caçador ou encontrar um bom guarda, ele terá que evidenciar um forte impulso à luta. Quando visitar a ninhada não escolha nenhum que se esconda aos cantos e que é o bombo da festa, propenso a gemidos e nada dado a rosnar. Os cães de companhia desnecessitam de ter um forte impulso à luta e a sua presença pode constituir num grave problema, atendendo à ausência de treino específico e à precariedade da liderança. A menos que queira receber uma herança antecipada, jamais ofereça um cão de forte impulso à luta a um idoso. O mesmo é válido para as crianças.

O impulso à defesa relaciona-se com a posição hierárquica do cão, é mais forte nas fêmeas e induz à rendição, à fuga ou ao ataque à dentada. Este impulso é de extrema importância tanto para o treino de guarda como para o treino de caça e é uma das evidências do instinto maternal. Na disciplina de guarda torna possível a guarda do dono e dos seus pertences e na caça garante a entrega da presa para além da cobiça dos outros caçadores (cães e homens). É de todo lícito que o cão de companhia tenha um razoável impulso à defesa e no cão de desporto ele pode ser desprezado, isto se a modalidade não abranger técnicas ou acções típicas de defesa e os brinquedos não se constituam em acções de estímulo. Como o próprio nome indica, este impulso é fundamental para os cães de defesa pessoal, os ditos bodyguards. Porém, há que haver muito cuidado para que os cães não ajam por ciúme, mas sim por ordem expressa. A presença do impulso à defesa não exclui qualquer das opções adiantadas e torna-se imprescindível, conforme explicámos, para os cães de caça, defesa e guarda. Cachorro que não se defende faz da inibição modo de vida. Deseja um zombie?

É o impulso ao poder que induz o cão a ocupar o lugar mais alto na hierarquia da matilha. Por substituição, ele irá considerar como matilha a comunidade humana com quem irá viver. Cães de forte impulso ao poder, porque tendem à desobediência, à teimosia e à rebeldia, exigem donos de mão forte e não dispensam a imposição. Afortunadamente nos tempos que correm, raros são os cães portadores de forte impulso ao poder, o que a acontecer, aumentaria significativamente o número dos cães condenados ao abate. Os cães de caça, companhia, desporto e de defesa dispensam um altíssimo impulso ao poder, já os de guarda não, ainda que a dificuldade resida em lhes encontrar condutores capazes, daqueles que não viram a cara à luta e que nunca se dão por vencidos. O impulso ao poder, quando bem aproveitado, produz excelentes resultados no treino do cão de guarda, possibilitando assim o contra-ataque contra um agressor armado. Todos os cães têm maior ou menor impulso ao poder e o facto de um cachorro dominar sobre os seus irmãos não implica que seja muito dominante e por isso mesmo perigoso. Torna-se importante não escolher um dos últimos da escala hierárquica, lugar reservado aos muito submissos e inibidos.

Como poderemos identificar o impulso ao conhecimento num cachorro? Somente através da curiosidade que o leva a quer compreender (identificar). No nosso entender todos os cães deveriam patentear um forte impulso ao conhecimento, independentemente do serviço ou propósito para que foram criados, facto que enalteceria a sua prestação e evidenciaria as suas mais-valias, já que os cães sempre serão objecto de adequação, transformação, adaptação, aproveitamento e potenciação. Um cachorro naturalmente apático dificilmente alcançará a parceria e um curioso rapidamente tudo fará para nos agradar. Suscite a curiosidade da ninhada e procure o cachorro mais atento e interessado, pois ali estará o seu companheiro ideal. O assunto não se esgota aqui e sempre retornaremos a esta temática, porque ele carece doutras abordagens, maior minúcia e obedece a mais critérios. Como um cão não é só genética, faltou-nos falar sobre si e as condições que tem para oferecer, dos chamados impulsos adquiridos que englobam o viver doméstico do cão e o seu treino propriamente dito. Contudo, o essencial foi adiantado e alguns subsídios foram aqui publicitados, a bem dos cães e para o gozo dos seus donos. Há que escolher o cão certo e não confiar na sorte, porque são muitos os que jogam na lotaria e pouquíssimos os que abraçam os seus prémios maiores. Disponibilizamo-nos imediatamente para maiores esclarecimentos ou detalhes.

Setembro: Mês da vacinação contra a tosse do canil

Todos os anos, em meados de Setembro, obrigamos os cães escolares à vacinação contra a Tosse do Canil. Este procedimento tem reduzido a zero o número de animais infectados e garantido o bom andamento dos trabalhos. Como a doença tanto pode ter de origem viral como bacteriana e face à ineficácia comprovada das vacinas combinadas, convém que seja usada uma vacina específica. Antigamente repetíamos a vacinação na Primavera e ainda há quem o faça, dependendo da vacina utilizada. Como a doença é altamente contagiosa, não nos resta outra solução. Fica o lembrete.

Rir é melhor remédio

Não queremos usurpar uma rubrica já antiga da revista “Reader’s Digest”, mas corroborar uma atitude que nos parece certa diante das adversidades, porque os problemas deste mundo têm aqui solução e estão ao nosso alcance, ainda que de imediato não descortinemos a sua solução. A capacidade de nos rirmos de nós próprios é coisa que o tempo nos irá oferecer, graças à experiência que facilita a introspecção, pois não podemos ir adiante como crianças birrentas ou mancebos dominados pela revolta. Os jovens condutores caninos tendem a perder as estribeiras e os mais maduros a rir-se das suas asneiras, os primeiros sobrecarregam os cães e os segundos reconhecem as suas culpas. Cada idade traz algo de novo e a sua transição induz ao aumento da sabedoria. Por causa disso ninguém poderá dizer, em absoluto, que se pudesse voltar atrás nada mudaria. Estamos em constante aprendizado e tendemos a super valorizar as coisas boas em detrimento das más, sempre cometemos erros e vamo-los evitando à medida que o tempo passa. E quem não muda, não tem como, pouco sabe ou nada aprendeu! Não são só os cães que apresentam diferentes graus no impulso ao conhecimento e eles também evoluem pela experiência. Quem evolui aprende a perdoar e quem não o faz mata-se a si mesmo e condena os outros à mesma sorte. Obrigado Fátima por nos teres emprestado o teu sorriso!

10 meses: tempo de mudança

Neste fim-de-semana já optámos pela divisão das classes e continuámos no exterior. Com a chegada dos 10 meses de idade os cachorros dividem-se gradativamente, o que obriga a diferentes trabalhos específicos. Os mais aptos vão adiante e os mais atrasados vêem-se a braços para recuperar, ainda que esse atraso seja maioritariamente da responsabilidade dos seus condutores. Com alegria reencontrámos a Alexandra e o Manel. Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Bruno/Iris II, Carla Abreu/Becky, Célia/Igor, Francisco/Iris, Francisco Marques/Nick, Joaquim/Maggie, Luis Leal/Teka & Rocky, Liliana/Bolt, Manel/Mini, Maria Luís/Teka, Marta/Maggy, Patrícia/Boneca, Rodrigo/Tarkan e Vitor Hugo/Yoshi. O Américo Abreu e o Rui Coito colaboraram com as classes e houve lugar a aulas teóricas.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sabedoria chinesa

Segundo nos fizeram saber, na medicina tradicional chinesa, o médico só recebe depois das melhoras do paciente, caso contrário, não vê satisfeitos os seus honorários. Este princípio ancestral continua em voga nos nossos dias, quando ao ordenado base podem ser adicionados prémios de produção. Transitando a ideia para o mundo do adestramento e considerando os seus custos, seriam os alunos menos aplicados a suportar as mensalidades dos mais cumpridores, porque nada é gratuito e o esforço deve ser compensado. Por outro lado e levando o espírito à letra, os adestradores só deveriam receber de acordo com o progresso dos seus alunos, o que certamente contribuiria para uma melhor aptidão das classes, porque a necessidade aguça o engenho. Ainda temos muito a aprender com os orientais, porque no Ocidente verifica-se o contrário: são os mais aplicados que suportam os desinteressados, atrasando desse modo os seus propósitos e ambições. Dá que pensar!

domingo, 19 de setembro de 2010

No place to go, no way back;

Quem ler com atenção os nossos trabalhos, verá, sem qualquer dificuldade, que nos preocupamos com os cães (os nossos e os dos outros), através do esclarecimento e denúncia constantes, persistindo no adiantar de soluções que nos parecem correctas e que vão ao encontro das necessidades dos cães, subsídios adiantados pela erudição e comprovados pela nossa praxis. Quando se trata de reparar injustiças, o retomar dos temas torna-se obrigatório até que o reparo aconteça e a justiça seja feita. A relação do homem com o cão tende a ignorar o particular do lobo familiar, um animal que foi privado da liberdade, a quem foi surripiado o território, alterado o viver social, sujeito a constante transformação e sem retorno à autonomia original. O cão não tem para onde ir e nem tão pouco como retornar, porque se tornou na sombra do homem e dele depende para sobreviver, um escravo sem carta de alforria possível e que diariamente se contenta com as migalhas que lhe dão. Tardiamente, temos vindo a ser capazes de criar reservas ecológicas e optar pela conservação das espécies em vias de extinção, tanto marítimas quanto terrestres, e o cão? Não merecerá ele a mesma distinção? Não terá ele um ecossistema de eleição? Como poderemos aliviar-lhe o jugo e torná-lo mais feliz? Incompreensivelmente, sempre será mais fácil respeitar o habitat de um animal longínquo do que proceder ao reparo dum ao nosso lado, porque a sua condição de doméstico choca com a nossa liberdade individual, direito que não queremos ver chamuscado. O cão é um animal encalhado no homem, factor que o torna totalmente dependente do seu amo, com o destino agarrado ao de quem o adoptou. Conhecedores dessa dependência e apostados no bem-estar canino, apelamos aos donos no sentido de aliviarem o seu fardo e procederem às alterações para que tal aconteça, sabendo de antemão que muito poucos nos darão ouvidos.

As aventuras do Zorro

O Zorro é um CPA das nossas fileiras, um exemplar de 72 cm e 50 kg de peso, preto-afogueado, muito dedicado ao dono e valente. É filho do Kaiser e da Xita e irmão de ninhada da Amora do Monte do Pastor. Para além da investidura policial de que tem sido alvo e por causa da excelência desse seu trabalho, ele tem vindo a abraçar o calendário e os objectivos da sociabilização, para que não confunda as pessoas e mal interprete as suas intenções, respeite os outros cães e alcance um comportamento social irrepreensível. Esta semana foi também aproveitada para o sociabilizar com as crianças, trabalho inescusável e que sempre irá necessitar de reavivamento, porque os infantes são traquinas e têm por hábito correr para os cães. E porque importa evitar os possíveis traumas de uns e as aversões dos outros, há que meter mãos à obra, pois não queremos ter cães infanticidas ou dominados pelo eugenismo negativo.

Graças a esta nossa preocupação, o Zorro conheceu a Mariana, uma menina bem disposta, com cerca de um ano de idade, que procurava num jardim os últimos raios de sol deste Verão, na companhia da sua mãe, doutro bebé e da mãe dele. A Mariana encantou-se pelo Zorro e de pronto conviveu com o CPA, recebendo umas valentes lambidelas e a protecção imediata do cão. A menina é luso-japonesa muito bonita, filha da Sr.ª Akiko Nakade e de pai português, nasceu de cabelo castanho e tem os olhos mais doces deste mundo. Desejamos para ela e para a sua família bons ventos, melhor sorte, fortuna, felicidade e sabedoria, além de manifestarmos desde já a nossa gratidão – arigato (palavra japonesa oriunda da portuguesa “obrigado”).

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Implicações do isolamento social canino no adestramento

O tempo em que os homens dividiam o seu quotidiano com os animais já lá vai, as actividades humanas sofreram alteração e os animais viram reduzida a sua participação, pela novidade dos meios para a obtenção da riqueza. Não obstante, os animais domésticos continuam entre nós, ainda que também sujeitos às alterações do nosso dia-a-dia, permanecendo isolados por mais tempo e arredados da nossa companhia, condições que têm vindo a afectar o seu viver social e por inerência as suas prestações. Se o processo de domesticação aconteceu pela supressão da liberdade e culminou com a liberdade condicionada, estratégia sem dúvida violenta, os excessivos enclausuramento e isolamento actuais, têm-se revelado ainda mais arbitrários e agressivos, considerando a dependência do cão relativa ao grupo. A alteração forçada do viver social canino, imposta pelos vários condicionalismos dos seus proprietários, tem vindo a contribuir para o aumento da sua agressividade, para o aparecimento de diferentes estádios letárgicos e para o surgimento de taras de diferente índole – o cão passa cada vez mais tempo sozinho!

Quando se fala em bem-estar animal, devem também ser salvaguardados os aspectos sociais próprios de cada espécie, porque cada uma delas vive e come para sobreviver, usando a energia assimilada para o desempenho que lhe é natural, segundo as suas características, de acordo com os seus interesses e dentro do habitat que lhe peculiar. Quando se trata de cães, não podemos entender esse bem-estar debaixo de uma política exclusiva de “gordos e reluzentes”, porque eles têm outras necessidades imprescindíveis, que sendo-lhe vetadas, contribuirão para uma menor qualidade de vida, obstarão ao seu aprendizado e votá-los-ão ao subaproveitamento. O particular social do cão não pode ser ignorado e o seu sentimento gregário ignorado, porque ele nasceu para o trabalho de equipa e espera dos donos aquilo que o matilha lhe daria. A maior ou menor capacidade de um cão, que é também adquirida, será sempre advinda da qualidade dos seus mestres, porque ele procura aprender e busca o seu lugar dentro do escalonamento social, um lugar que lhe permita sentir-se bem consigo próprio.

Se a proliferação de líderes pode relegar o cão para a base da pirâmide social e condená-lo ao lugar destinado aos mais fracos, submissos e inibidos, o isolamento desconcerta-o e entrega-o aos seus fantasmas, porque o ostracismo forçado, uma vez instituído e aceite, causa-lhe a maior das confusões e entrega-o aos poucos instintos inatos, tornando-o desconfiado, de menor préstimo e resistente ao futuro trabalho de equipa. Assiste-se à troca de alvos nos cães que sempre viveram amatilhados e que nunca usufruiriam do redireccionamento humano, guerreando entre si e desprezando a defesa do território. Nesta situação, apesar da conversão dos dominantes ser mais fácil, mas não isenta de riscos, a recuperação dos submissos revelar-se-á um duro desafio. O cão urbano, aquele que sobrevive diariamente a 10 ou mais horas de isolamento, que sai esporadicamente à rua em curtos intervalos de tempo, ao ser privado da excursão e do ensino por ela facultado, engorda, mostra menor disponibilidade, resiste à liderança e sente-se mais seguro dentro de casa, o que é compreensível. A situação de muitos é ainda agravada por ocasião das férias familiares, já que irão ser desalojados do seu território e arrancados do seu grupo, desterrados para um hotel dito “convidativo” e por certo conveniente.

Se é a componente social canina que possibilita a utilização dos cães, verdade insofismável e por todos reconhecida, a inutilidade dos cães resultará, maioritariamente, do seu desprezo ou desaproveitamento. O isolamento imposto aos cães é um parceiro de cãs nas escolas caninas, porque a ausência da sociabilização que obriga à obediência é um desacato típico da falta de preparo dos donos e do isolamento dos cães. Também não constitui qualquer novidade, que a maioria dos problemas apresentados ao adestramento resulta de questões relativas ao viver social dos cães, causadas pela irresponsabilidade humana, quer por ignorância, desrespeito, intenção ou abuso. Na actualidade não há falta de informação, o que está em défice é a procura de esclarecimento. A lei relativa aos cães perigosos disso dá mostras e sanciona assim o despreparo da liberdade individual de alguns, mais apostados na predação do que na fraternidade universal. E porque a questão é antropológica e o assunto remete-nos para os cães, importa dizer que o sucesso do adestramento assenta sobre o aproveitamento e compreensão do particular social canino, conhecimento prévio que possibilitará o uso da regra sem atropelos e que evitará os transtornos advindos da coerção.

O homem actual precisa de reaprender o convívio com os cães, dar seguimento ao trabalho das muitas gerações passadas, emprestando a esse relacionamento uma permuta mais equitativa e menos lesiva para os animais. Para que isso aconteça é necessário evitar o isolamento canino, atingir a coabitação e proceder à capacitação dos cães. Não basta ter como os sustentar, eles exigem tempo, reclamam pela nossa presença e obrigam a algumas alterações, factores a considerar diante do seu bem-estar social. Antes de adquirir um cão, verifique se tem disponibilidade para isso e se os seus também a têm, porque a infelicidade de uns não traz à felicidade aos outros e o cão é um projecto colectivo e familiar. Não basta gostar, há que honrar! Convém saber com o que contar.

O sincretismo eo improviso na cinecultura actual.

A cinecultura actual é dominada pelo sincretismo cultural abonado pela globalização, o que obriga ao improviso pela extraordinária torrente de informação. A confusão estabelece-se e os métodos abastardam-se, não se antevendo com clareza qual o seu propósito e quem os preconizou, o que obsta à identificação das filosofias de ensino e contribui para o aumento inusitado dos “mestres” mais aceites ou aclamados. Mesmo assim, em abono da liberdade dos homens e a favor da felicidade dos cães, também porque a diferença traz riqueza, obriga à reflexão e esclarece, sempre é melhor seguir por aqui do que enveredar por uma uniformidade medíocre, alheia, isenta de erudição, parca de objectivos e facilmente bitolada, própria do sossego que não produz novidade e não procura ir adiante, tal qual dogmática que a uns desobriga e a outros sobrecarrega, encobrindo dessa forma a universalidade da mensagem que esteve na sua origem.

Entretanto, porque o improviso sistemático aumenta a margem de erro, não está ao alcance de qualquer um, é uma escola sem parâmetros, não garante os resultados e faz da excepção regra, convém que todos os métodos sejam minuciosamente analisados à luz da sua origem, propósitos, actualidade, justeza e mais-valia, garantindo assim a sua absorção, adaptação e continuidade. A transição de um método para outro, deverá pressupor o conhecimento exacto do anterior, as suas virtudes e lacunas e levar à sua reciclagem ou abandono, quando for caso disso, porque nada se sustém sem uma base sólida. Para que isso aconteça, torna-se imperativo, em paralelo com as aulas práticas, adiantar aulas teóricas onde a prática será explicada e melhor apreendida, o que facilitará a apropriação dos conteúdos de ensino e estenderá os conceitos ao pragmatismo. A formação teórica dos condutores, principais agentes de ensino enquanto educadores dos seus cães, é uma tarefa prioritária e não uma opção, porque importa bem servir, diminuir a margem de erro e melhor valer aos cães. Só assim poderemos combater a subjectividade presente na canicultura, evitar a confusão, formar escola e dignificar a prestação canina. A resposta animal é uma acção reflexa e o condicionamento procurado só acontecerá pelo aumento cognitivo dos seus líderes. Quem virá para a escola, somente o cão ou binómio?