segunda-feira, 26 de outubro de 2009

::: O Cão jovem (dos 7 aos 18 meses): da puberdade à maioridade :::

Subitamente, as brincadeiras mudam, os cachorros comportam-se como coelhos e lembram a inesquecível “Reprodutora” de António Silva, no filme “Sonhar é fácil”. Os brinquedos passam para 2º plano e as investidas sexuais tomam a primazia, qualquer coisa serve de pretexto e as disputas aumentam de tom e modo. Assiste-se à guarda dos bebedouros e a intromissão é rechaçada, a perseguição domina e ensaiam-se movimentos de defesa e ataque. Os mais rijos provocam e os mais sensíveis escondem-se, reagindo somente quando se sentem em vantagem. No meio desta algazarra, os cães adultos assistem de longe, pouco interessados, participando apenas para “pôr ordem na casa”. Eis-nos chegados à puberdade!
Como a puberdade canina carece de profunda observação, não dispensamos os 10 minutos de relax que antecedem as aulas, momento em que convidamos todos os cães presentes para a brincadeira, debaixo da coordenação e responsabilidade do adestrador. A observação possibilita a diagnose e o desenvolvimento de cada cachorro é avaliado, estabelecendo-se a partir daí: as metas e objectivos individuais, a justeza dos conteúdos de ensino a ministrar, o reforço da sociabilização, as manobras para o robustecimento do carácter, os exercícios adequados e o modo de exercer a obediência. No nosso entender, até à puberdade, a disciplina maioritária deve ser a ginástica, quer ela seja desenvolvida sobre aparelhos correctores ou sobre pequenos obstáculos, porque o abuso da obediência obsta à cognição, impede a alegria, inibe a velocidade, reduz a experiência directa e diminui a autonomia. Na puberdade, ainda que de modo gradual e de acordo com os indivíduos, a obediência deve contrabalançar com a ginástica, pela necessidade da regra e da sobrevivência animal.

Quando a familiarização é profícua nos ciclos infantis, a sociabilização inter pares decorre sem maiores dificuldades. No entanto, os cães dominantes podem causar alguns problemas excepcionais, porque as alterações fisiológicas tendem a reforçar o carácter, produzindo desacatos típicos do seu estado etário. Assim, puberdade e sociabilização são inseparáveis, porque numa se joga a outra, evitando-se os meios mais coercivos e menos válidos exercidos noutras idades. As dificuldades visíveis na cópula de algumas cadelas, que as leva a rejeitar os machos e a atacá-los, podem encontrar a sua origem na puberdade, pelo isolamento ou pelo abuso, face à experiência adquirida.
Dentro da mesma raça, sempre existem variedades e indivíduos mais precoces que outros, ainda que se encontrem a coberto de uma determinada dominância cromática. Como a precocidade sexual de um cachorro sempre indicia um cão de menor crescimento, isso obriga-nos a cuidados redobrados, considerando o desenvolvimento do seu impulso ao conhecimento, a formação do carácter e a parceria desejáveis. Na puberdade os cães de raça pequena e os quadrados levam vantagem sobre os rectangulares, os primeiros pela brevidade da sua curva de crescimento e os segundos pela ausência de maiores transformações físicas. Aos 7 meses o cão rectangular é um “escangalhado”, quando comparado com os seus congéneres quadrados e miniatura, porque articula mal a traseira e sobrecarrega os membros anteriores. Os exemplares rectangulares crescem essencialmente para cima até os 6 meses e só depois começam a harmonizar o seu comprimento com a altura. Aos 12 meses já se encontram equilibrados e de acordo com as medidas standard. Quando um cão de raça rectangular é demasiado comprido para a idade, a tendência é para estreitar o peito e atirar as mãos para fora, porque é obrigado a rebocar a traseira, o que geralmente acaba por afectar também o dorso, selando-o ou não, de acordo com as suas angulações posteriores. Se ao fenómeno se juntar a inexistência da marcha diária, a sua locomoção sairá comprometida, relegando-o para a precariedade operativa e para andamentos atípicos, que sendo lesivos, a breve trecho o condenarão.
O “ligar das orelhas” aos cães de orelhas erectas que as teimam em levantar, deve acontecer antes da puberdade e só depois da troca dos dentes. Gente conceituada e habilitada para o efeito, ignorando esta regra, no desejo de poder valer, acabou por amputar algumas, ainda que esse não fosse o seu propósito inicial. Este trabalho deve acontecer entre os 5 e os 7 meses, porque aos 9 a cartilagem já não sofre alteração. Ligar as orelhas mais cedo pode ser inútil, levar ao seu cruzamento indevido ou constituir-se em amputação. O problema tem origem genética e geralmente encontra-se associado à baixa e média implantação. Por vezes, ainda que não o queiramos, somos obrigados à tarefa durante a puberdade. E quando assim é, mesmo que as orelhas levantem, o seu equilíbrio permanecerá peripatético. Por vezes, o atraso no levantamento das orelhas fica a dever-se a outros factores, tais como: convívio com cães mais velhos (que obriga o cachorro a uma mímica de submissão constante), ausência de vida ao ar livre (desprezo pelo contributo dos raios solares) e desuso das posturas de atenção.

Como a época da puberdade é de puro ensaio para o cachorro, reflectindo-se no seu futuro comportamento, importa protegê-lo e dar-lhe vantagem, transmitir-lhe uma sensação de poder através da audácia que o sustenta. Os valentes não irão necessitar disso, mas os submissos sempre necessitarão de ajuda. Isso obriga-nos ao controle sobre as brincadeiras, nunca consentindo o domínio dos mais fortes sobre os mais fracos, para que a experiência não vire estatuto e a inibição permaneça, impedindo assim os mecanismos de autodefesa de cada um. Nestes casos, ao invés de se forçar um cachorro, deve-se ampará-lo, porque a ajuda transmite força e o abandono só agrava. O amatilhamento deve ser contrariado e a autonomia individual procurada. Para que isso aconteça, porque o melhor exemplo para um cão é outro cão, mercê da afinidade e do sentimento gregário, ofereceremos diferentes induções aos cachorros pelo contributo dos cães adultos, dando-lhes outros alvos para além da confrontação entre iguais. A experiência torná-los-à mais fortes e menos receosos, ainda que fiquem confinados às acções conhecidas e dependentes da ordem expressa.
Ainda que por vezes imperceptível, a incompatibilidade somática evidencia-se desde logo na puberdade, em reacções pouco consequentes e por isso mesmo isentas de reparo. Existem raças que são inimigas umas das outras, que se detestam simplesmente e que mais tarde procurarão a peleja. Isentos de culpa, porque nasceram diferentes, os bracóides sempre terão à perna algum molosso ou lupino, estes sempre se desafiarão e os vulpinos abrirão as hostilidades. Por vezes, quando um cachorro é demasiado grande para a idade, ao ser mal identificado pelos adultos, pode vir a ser alvo dos seus ataques, porque o seu tamanho ameaça. Se for este o seu caso, cuidado com os encontros no jardim! Quando um dono é proprietário de um casal de cães, a partir da puberdade, é natural que o macho proteja a sua companheira dos demais, respondendo aos seus apelos ou dispensando isso. Também é comum a cadela seguir as pisadas do macho, acompanhando-o nas suas arremetidas. Geralmente é ela que dá o mote para o início das bravatas. Esta atitude defensiva transforma-se em manobra ofensiva pelo concurso do macho. Debaixo destas contingências, só as Manobras de Sociabilização animal nos poderão valer (conjunto de exercícios colectivos que ao provocarem a interacção canina, operam em simultâneo a sociabilização). Eis a razão pela qual dedicamos especial cuidado às Manobras de Sociabilização na puberdade!
Aos olhos dos cães, a puberdade acaba aos 10 meses de idade, altura em que os cães adultos já não toleram as fanfarronices dos mancebos e reclamam deles um comportamento igual ao seu. Contudo, isso nem sempre é verdade, porque a intromissão humana na selecção canina acabou por perpetuar comportamentos atípicos, típicos de determinadas raças e causadores de vários desaguisados, quando sujeitas a curvas de crescimento excepcionais e à propagação de características particulares. Também aqui, a ingerência humana não contribuiu para o bem-estar animal, porque alterou a ordem natural e produziu um grande número de inadaptados, graças aos especicismo aguçado pelo provento, porque tratar de cães é falar também sobre economia, porque os cães jamais retornarão ao lobo e os lobos encontram-se em vias de extinção por toda a parte. O final da puberdade canina obriga-nos à prática da obediência, para sintonizar os indivíduos com a sua espécie e salvaguardar a nossa hegemonia. De outro modo, para que andámos a criá-los e a robustecê-los? Para que nos comam?
Muito do cuidado com os cães é hipócrita, uma operação de luva branca, porque a soberania do standard pode obrigar ao sacrifício dos indivíduos. Entre nós, assim sem mais nem menos, alguém decidiu encurtar o tamanho de determinada raça, imediatamente, sem selecção prévia e contranatura, no desejo de formar a raça mais pequena do seu grupo. Nisto foi secundado por muitos, porque os velhos truques resultam nas patranhas habituais e os “milagres” são encapotados na calada. Isentos de outra solução, começaram a cruzar os cães logo após a puberdade, no intuito de travar o seu crescimento. Melhor sucedidos entre as fêmeas, não hesitaram em dar fome aos machos. Acabaram mal sucedidos, com menos mercado, os visados com a saúde comprometida e a sua descendência denunciou a marosca. Na puberdade há que ter cuidado com o 1º cio das cadelas que pode acontecer logo após os 6 meses de idade e ser silencioso (imperceptível). Beneficiar uma fêmea é assunto para a idade adulta, quando a sua estrutura óssea se encontra no pique e o seu corpo preparado para a maternidade. E por falar em abusos, determinada senhora estrangeira, profundamente ligada aos números, conseguiu na sua cegueira, “beneficiar” uma cadela 20 vezes. Na sua última cópula, com 10 anos de idade, a dilatação foi tal que impediu o engate do macho, sendo necessário segurar ambos. A cadela ficou conhecida por “via verde” e talvez tenha batido todos os recordes de natalidade.
A puberdade canina pode ser um problema acrescido, um problema social e como tal, deve começar a ser solucionado em casa, pela instituição da regra que garantirá a harmonia nas saídas ao exterior. Isto remete-nos para o papel da liderança e sobre isso, não temos dúvida nem pejo: a maioria dos proprietários de cães não os deveria ter, porque a sua impropriedade tem sentenciado animais e causado dolo a terceiros. Como o rol dos disparates é imenso, apenas manifestaremos alguns: isenção de autoridade objectiva, convívio desregrado, excessivo isolamento, ignorância e desrespeito pelos diferentes estádios etários caninos, antropomorfismo e instigação. E “quando a Pátria está perdida”, quem virá para a escola: o dono ou o cão? Por vezes algo de insólito acontece: o cão adora a escola e o dono não! Porque será? Quem terá maiores dificuldades? Ao adquirir um cão, não se arme em valente, escolha-o de acordo com as suas características pessoais, não se esconda atrás dele, porque depois de detectado pode acabar caçado!
Dos 10 até aos 18 meses o cão passa de juvenil a júnior (isto se usarmos as clássicas divisões desportivas), ganha mais força e velocidade, muda de interesses e procura a parceria. Este é o período em que decidiremos, após descobrirmos a sua vocação natural, qual o serviço a destinar-lhe. Não adianta incumbi-lo de tarefas alheias às suas qualidades, porque a sua capacidade de improviso é diminuta e sempre lhe causará incómodo, ainda que induzido e ludibriado pela acção da liderança. O número dos cães multiusos é cada vez menor, resultado da selecção natural e portador de uma adaptabilidade extraordinária. Ao invés, superabundam por aí cães especialistas, próprios para tarefas específicas e menos adaptados para outras. No entanto, e diremos afortunadamente, sempre existirão indivíduos diferentes dentro da mesma raça, possibilitando tarefas para além do uso comum. E isto não é tão raro, se o cão ainda conserva algumas características atávicas que o ligam ao lobo ou a outros canídeos, mais perto se encontra da biodiversidade que o gerou. A potenciação de um cão por outro diferente pode levar a diferentes desempenhos, que sendo atípicos, demonstram o peso do sentimento gregário.

A partir dos 10 meses, o cão é tratado como adulto, ainda que o não seja, pois não queremos que a maioridade nos traga algumas surpresas desagradáveis. São próprios desta idade os seguintes trabalhos escolares:
1. Instalação dos automatismos básicos de imobilização e direcção.
2. Condução linear, dinâmica e nuclear.
3. Desempenho em liberdade e assimilação da linguagem gestual.
4. Sociabilização inter pares e interespécies.
5. Aptidão defensiva e ofensiva.
6. Desempenho satisfatório na Pistagem.
7. Autonomia operativa (aceitação do trabalho na ausência do dono).

Como o assunto não se esgota aqui, se necessitar de maiores esclarecimentos, contacte-nos através do nosso e-mail, através do qual tentaremos dar resposta ao que nos for solicitado.

O Cão lobeiro: um silvestre entre nós


Lobeiro é um adjectivo português que significa literalmente “da cor do lobo” e é atribuído aos cães bicolores parcial ou maioritariamente cinzentos. Esta variedade cromática ainda é visível nalgumas raças caninas, mormente naquelas ligadas à caça e ao pastoreio. Na actividade cinegética é mais fácil encontrar esta pelagem nos rafeiros, porque se confunde com as cores dos ecossistemas adjacentes e põe em risco a vida dos auxiliares. Por causa disto, poucos são os cães de caça cinzentos, que cederam lugar aos malhados e a outras cores uniformes. Como o lobeiro regula a sua pelagem pelo relógio biológico (mais cinzento no Outono e Inverno, mais vermelho na Primavera e Verão), é difícil encontrar exemplares de pêlo comprido nesta variedade sem a manipulação humana. Os criadores apaixonados de CPA-Lobeiro, aqueles que pretendem desvendar os segredos da raça, no legado omisso de Stephanitz e seus seguidores, sempre sonham com um lobeiro de pêlo comprido, porque além de raro é extraordinariamente belo. Assim, não é por acaso que no livro “O MEU PASTOR ALEMÃO”, da autoria do Dr. Bruce Fogle, aparece na contra-capa um exemplar destes. Para o alcançar, não basta beneficiar um exemplar preto-afogueado de pêlo comprido com um lobeiro, porque o factor é recessivo e os lobeiros nascerão incólumes. Neste caso, a haver cachorros de pêlo comprido, eles serão afogueados, ainda que menos peludos que o seu progenitor. Mas se beneficiarmos um desses lobeiros com outro exemplar de pêlo comprido seremos bem sucedidos, porque o lobeiro usado na construção é portador do factor. O aparecimento automático de animais desta variedade não resulta da sorte, mas da ignorância das linhas ascendentes dos cães beneficiados ou da disparidade entre o papel e a genética. O ocultismo é para quem usa e a safadeza para quem o fez.
Falar de lobeiros é falar de Pastores Alemães ou como dizem alguns: de Lobos da Alsácia, ainda que lhes faltem os estribos para a montaria. A proto-dominância da raça foi lobeira e dela se chegou à variedade preto-afogueada pelo contributo de outros factores cromáticos. Graças à presença lobeira, os sucessivos estalões têm contemplado a diversidade pigmentária presente nos membros dos exemplares bicolores. Não há um só lobeiro, mas muitos, na interacção cromática entre o cinza e as outras cores. Ele vai do lobeiro-preto (exemplar negro com cinzento no colar e nos calções) até ao lobeiro branco (exemplar branco apenas com o dorso cinzento), pode seu mais ou menos avermelhado, mais cinzento ou dourado e pode chegar ao cinza uniforme pelo contributo dos exemplares negros. O desprezo inicial pelos brancos e o afastamento sucessivo dos negros tem comprometido a biodiversidade cromática e ocultado a exuberância lobeira.
Durante décadas o lobeiro quase desapareceu, enfraquecendo a raça e restringindo as suas acções, como se dela fosse alheio ou um exemplar de menor préstimo. Não obstante, permaneceu vivo nas classes de trabalho e à função deve a sua sobrevivência. Mas não nos confundamos: não basta ser lobeiro para ser um cão de trabalho! Os lobeiros iniciais e que perduraram até à década de 60, tinham a pele mais clara e menos azulada. Os actuais têm-na invariavelmente azul, pela acção directa da dominância preto-afogueada, ratificada pela certificação pigmentária. Para haver lobeiros basta que um dos progenitores o seja, mesmo que a presença do factor seja na construção minoritária. Em síntese, os lobeiros que hoje proliferam, são preto-afogueados encapotados numa pelagem lobeira, porque a dominância alheia encurta o seu potencial.

Por outro lado, também para não fomentar a hedionda divisão entre trabalho e beleza, que a ninguém serve e é falsa, não convêm criar em separado linhas de lobeiros, porque elas não subsistem sem o contributo da variedade dominante e evoluem para outras características, distantes dos benefícios da selecção operada, já que o CPA contemporâneo carrega consigo algumas mais-valias. Os lobeiros, quando criados em separado, têm tendência para o gigantismo, nanismo e pernaltismo, apresentam um crânio mais pequeno e o focinho afunilado, carecem de dietas mais ricas e são assolados por problemas articulares. Do ponto de vista psicológico, são mais instintivos e resistem à autoridade, procuram a autonomia e desprezam por mais tempo a parceria: são caçadores a modo próprio. O mundo mudou e os métodos também (e que dizer dos homens?), a coerção tende a ser banida e a actual sujeição ao alimento não resolve tudo. Será que os homens do presente estão preparados para os cães do passado? Há que acautelar a parceria, porque sem ela nenhuma raça sobreviverá!
Que vantagens nos trazem os lobeiros?
A variedade é caracterizada por uma maior autonomia operacional e logística, por uma propensão pisteira extraordinária e por uma abordagem segura, podendo fornecer exemplares próprios para o resgate e salvamento, mediante a rusticidade que garante o desempenho em situações particularmente difíceis. A autonomia visível nos lobeiros é advinda de uma máquina sensorial mais aprimorada, que lhes garante a detecção à distância e o preparo nas acções emergentes, condições indispensáveis a um bom guardião. As suas acções ofensivas, senão o estragarem ou houver necessidade do contrário, são extremamente eficazes, porque a sua evolução é dissimulada e tirada a partir da surpresa. Os lobeiros absorvem sem maior dificuldade a recusa de engodos e resistem a novas amizades, mercê da desconfiança e da tendência para o isolamento. Nas propriedades circundadas por bosques ou mato, o lobeiro torna-se praticamente invisível, porque a sua pelagem confunde-se com a do ecossistema confiado. A sua polivalência estende-se também às propriedades de alvenaria, porque ao contrário de outros, procura as sombras e não se deleita a chapinhar nos charcos. Contudo, reclama por mais espaço e abomina o encarceramento.
Das variedades cromáticas presentes no actual CPA, o lobeiro é o que apresenta um odor mais activo, por isso esfrega-se no chão para o ocultar, podendo fazer o mesmo com as fezes do animal a caçar. Nas ninhadas heterozigóticas, onde existem lobeiros e preto-afogueados, é comum assistir-se à divisão dos grupos de modo automático e precoce. O cão lobeiro tem uma curva de crescimento mais alongada, equilibra-se mais tarde e procura a variação das dietas. Não é um comilão inato, mas um cão apreciador das iguarias sazonais: ele come para sobreviver! Muito mais haveria a dizer sobre o lobeiro, mas fiquemos pela analogia: o CPA veste o uniforme de gala no afogueado, o fato de macaco no lobeiro e a farda de guarda-nocturno no negro.

A adopção de um Cão: paredes-meias com a gradidão

Já o fizemos, persistimos na acção e aconselhamos outros a fazê-lo. Todos os cães que resgatámos do abandono, aqueles para quem a sorte foi madrasta, nunca nos desapontaram, a sua fidelidade tem sido inquestionável e a sua gratidão sempre presente. Tal qual um apátrida, numa viagem sem retorno, o cão abandonado padece e procura quem o abandonou, mesmo que tenha sido maltratado ou desprezado. Quando é finalmente adoptado (e são poucos os que alcançam essa felicidade), agarra-se ao novo dono e jamais o abandonará. Rapidamente absorverá as rotinas domésticas, estabelecerá amizade com os membros do agregado familiar e tudo fará para ser bem-vindo. Adoptar um cão é trazê-lo da morte para vida, do desprezo para o aconchego, do isolamento para o grupo e da repulsa para a aceitação. Daqui louvamos os que abraçam esta missão, gente que veio para servir, que apesar de algum desaprovo geral, não hesita em valer àqueles que pedem socorro. Nisto a vida ganha sentido e a justiça ocasião: vale a pena resgatar um cão! Parabéns.

Binómio Francisco / Luna

A Escola tem um novo binómio, o constituído pelo Francisco e pela Luna. O Francisco, apesar de interessado, é novo nestas andanças, participou nos trabalhos e integrou-se facilmente no grupo. A Luna é uma cachorra Boxer com 4 meses de idade, tigrada e bem disposta. O binómio foi recomendado pelo Dr. Mário Henriques. Desejamos aos neófitos a satisfação plena dos seus anseios.

Fim-de-semana de 24 e 25 de Outubro: Do Funchal à Boca do Inferno

Este fim-de-semana foi pesado em termos de trabalho, não nos poupámos e partimos para o desafio. No perímetro escolar executámos as diferentes manobras de sociabilização animal e depois fomos laborar para outras paragens. Na encosta do Funchal, no Serro que antecede Alcainça a Sul, exercitámos a imobilização à distância e evoluímos segundo o escalonamento escolar, apesar do terreno ter uma inclinação próxima dos 45 graus. O tempo esteve de feição e tivemos a companhia do pôr-do-sol. No Sábado ainda tivemos tempo para baptizar a Geize, uma jovem que nos visitou e participou dos nossos trabalhos.
E Domingo não escapou à regra, trabalhámos também os dois turnos. De manhã estivemos nos campos da Boavista e de tarde deslocámo-nos à Boca do Inferno (na estrada que vai de Cascais para o Guincho). O trabalho domingueiro foi pesado e o calor fez-se sentir, a Princesa protestou e outros nem por isso. A Mariana suou as estopinhas e ficou encarregue do Pipo, a Isis foi ver as paisagens e a Amora não parava quieta, apesar das roucas advertências da sua dona. O Rex, a chegar à 3ª idade, comportou-se à altura e ainda posou para a fotografia. Contudo, teima em abandonar o mau feitio (o Pepe que o diga!). O binómio Bruno/Pepe, além de sair ileso, mostrou uma cumplicidade invejável e todos os binómios cumpriram.
Na parte da tarde, depois de almoçarmos no il Mássimo, lá fomos nós para a Boca do Inferno, o tempo estava esplêndido e o local bastante concorrido (mal havia espaço para estacionar os carros). Apesar disso, a feira limítrofe estava às moscas e o número de estrangeiros muito reduzido. Trabalhámos nas rochas junto ao mar, entre pescadores e turistas, providenciando um encontro inesperado. Inesperado foi também o comportamento da Isis, que apesar da confusão reinante, se comportou como uma verdadeira dama, merecendo da improvisada assistência rasgados elogios. Uma menina ali presente, Vanessa, se não nos falta a memória, acabou por conduzir a Isis, o Greg e o Loki. Felizmente (outra coisa não era de esperar), tudo correu conforme o esperado e os objectivos foram alcançados. Deslocámo-nos ali para subsidiar a obediência incondicional e não saímos defraudados.
Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Ana/Loki, Bruno/Pepe, Eduardo/Micks & Vega, Francisco/Luna, Isabel/Amora, Jorge/Juvat, Octávio/Greg, Princesa/Pipo & Ricky, Roberto/Teka & Turco, Rui Ribeiro/Isis, Tiago/Rex e Zé Gabriel/Master & Menina.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009


A pelagem do guardião

Quando se procura um cão de guarda, simultaneamente, há que considerar a policromia das cores dominantes do perímetro a guardar, para garantir a salvaguarda do animal e a sua abordagem de surpresa. A maioria das raças para o efeito, porque se destina a um serviço específico, raramente tem mais do que uma ou duas variedades cromáticas, denunciando os animais pelo contraste, a sua silhueta e o local de vigilância. Quando isto acontece, a vulnerabilidade do cão é notória e as suas acções defensivas ineficazes, possibilitando o logro e até a sua eliminação. Esta lacuna tem obrigado muitos à procura de rafeiros, porque os há de todas as cores e tamanhos, são mais vigorosos e menos exigentes. Face à diferença dos territórios a guardar nenhum cão é universal, porque ele necessita de se camuflar com as cores adjacentes. Este cuidado raramente é visível e o sucesso defensivo dele depende muito, que o digam os donos dos cães ludibriados, postos a dormir ou simplesmente eliminados. Lamentavelmente, temos visto cães negros em vigilâncias diurnas e cães brancos de serviço à noite. A presença ostensiva já não intimida, os larápios são outros e alguns até “comem cães ao pequeno-almoço”! Como só temos seguro contra roubos e não contra ladrões, importa dificultar-lhes ao máximo a tarefa.

Passemos aos exemplos práticos.
Quando a guarda for diurna: importa considerar a predominância das cores locais e não dar ao habitáculo do cão uma cor diferente, garantir a camuflagem e ensinar a progressão menos visível ao guardião. Se a área a guardar se remeter a uma moradia, a cor do cão não deverá contrastar com a das paredes à distância. Normalmente as paredes das habitações são circundadas por um rodapé de outra cor ou rematadas a pedra. Quando o rodapé for superior à altura do cão, quando este se desloca levantado, a cor a considerar é a do rodapé. É errado destacar canis, porque a diferença estrutural indicia o local de permanência do animal. Na nossa opinião, o canil deve ser deveras dissimulado, se possível, embutido na própria casa. As temperaturas médias mensuráveis no local, indiciarão qual a densidade da pelagem necessária ao guardião, para que não vacile de frio ou rebente com o calor. Cães sem subpêlo passam horrores nas estações frias e cães de pelagem dupla sofrem horrores no Verão. Diante das amplitudes térmicas, os cães lobeiros carregam uma vantagem, porque regulam a sua pelagem pelo relógio biológico (mais claros na Primavera e Verão; mais escuros no Outono e no Inverno). Salvo raras excepções, os cães bicolores devem ser evitados, porque a sua pigmentação inverte a sombra provocada pelos raios solares, já que são escuros no dorso e mais claros sobre os membros. Os cães tigrados, os maioritariamente cinzentos, são óptimos para as áreas arborizadas ou de bosque. Os cães brancos são quase indetectáveis nas grandes superfícies de areia. Ainda que a cor do cão esteja de acordo com a da propriedade a defender, importa que a altura das chapas dos portões seja superior à altura do animal, para que não denuncie a sua presença e projecte a sua silhueta, o que lastimavelmente é muito raro. A isto se chama: “gato escondido com o rabo de fora”. O cão de guarda deve ser um caçador e não uma presa!

Quando a guarda for nocturna: os cães brancos são desde logo impróprios e a oportunidade dos negros é irrefutável, em particular aqueles que passam directamente da fixação para o ataque. Os cães malhados sem a contribuição do branco são uma opção razoável, porque a luz lunar não os denuncia e constituem-se em sombra. A pelagem do guarda-nocturno canino deve ser dupla, para que suporte sem maiores dificuldades as amplitudes térmicas causadas pela noite. Ao contrário do que se pensa, a maioria dos cães lanudos, porque não tem subpelo, gela com mais facilidade e dependendo das condições climatéricas, pode entrar em hipotermia. Os cães bicolores clássicos (preto-afogueados) são próprios para o serviço nocturno, desde que não tenham o focinho encurtado, porque a sua frequência respiratória é por demais audível à distância, eliminando assim a vantagem pigmentária. Por tudo o que foi dito, os cães de pelo raso devem ser dispensados do serviço nocturno, porque tendem a afastar-se dos charcos pluviais e cedo buscam abrigo, na procura do conforto que obsta ao policiamento. O comprimento da pelagem é também um factor a considerar, para que o cão não se enleie nos obstáculos naturais ou artificias, colocados no seu caminho. Os cães vulgarmente atribulados por otites, mesmo que possuam a pelagem indicada, devem ser imediatamente dispensados do serviço nocturno, porque as alterações climatéricas contribuem para o agravamento da sua afecção, tornando-os circunspectos e desatentos.
São muitas as condições inerentes a um cão de guarda, todas elas procuram a vantagem e a pelagem é uma delas. Oportunamente falaremos doutras (cognitivas, psicológicas e morfológicas), para que a escolha do cão guardião não seja arbitrária e imprópria, isenta de préstimo e fatal para o cão. Entretanto, preocupamo-nos com aqueles que apesar das desvantagens, persistem em defender aquilo que lhes foi confiado, colocando-se em risco mercê da gratidão.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Elas não sabiam (a história das duas manas)

Esta é uma histórica verídica que nos foi contada, aconteceu recentemente e serve de aviso. O nome das personagens foi alterado propositadamente, para evitar a exposição ao ridículo dos seus intervenientes. É uma história muitas vezes repetida que nem sempre tem um final feliz.
Por força do acaso ou não, duas irmãs tornaram-se vizinhas, as suas moradias eram sucedâneas e apenas um muro as separava. Uma delas, a que mais gostava de animais, era proprietária de um casal de Pastores Alemães, a outra temia os cães e sentia-se importunada com o seu reboliço, detestava o ladrar dos bichos e não fazia segredo disso. Para evitar maiores chatices, ainda que a empreitada não fosse barata, o cunhado optou por subir o muro, aumentando-o com blocos anti-sonoros. Sempre que a medrosa visitava a irmã, o procedimento era igual: primeiro prendiam-se os cães e só depois se abria o portão.
Certo dia a “Violeta” teve cachorrinhos, uma ninhada de bebés gordos e lustrosos, daqueles a que ninguém resiste e que apetece pegar ao colo. Feliz com o sucedido, a Dª Mafalda bem depressa contactou a irmã, convidando-a para os ver, o que a outra aceitou (se calhar com alguma relutância). O macho foi preso e ambas rumaram à ninhada. Os cachorros dormiam de “papo para o ar”, digerindo o rico leite materno, alimento exclusivo para a sua idade. De repente e sem razão aparente, porque a cadela nunca agiu assim e já conhecia a vizinha, a matriarca lançou-se ao pescoço da visitante, apertando-o como advertência. Nenhuma das senhoras ganhou para o susto, a admoestada perdeu o pio e ficou sem pinta de sangue. Deo Gratias que a cadela era obediente, cessando o ataque por ordem da dona da casa, já que o líder dos cães estava ausente e se encontravam ali sozinhas. Parece que demoraram algum tempo a restabelecer-se, o caso não foi para menos!

A reacção da Violeta foi natural, típica das matriarcas que intentam proteger os filhotes das mãos alheias, ainda que neste caso, o rastilho possa ter sido accionado pelo medo da visitante, condicionada pela insegurança e denunciada pela adrenalina. Quando você tiver uma ninhada, não corra riscos desnecessários, porque a história pode ter outro final.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

::: O Cão adulto (dos 18 meses aos 6 anos) :::

Para determinar a idade adulta de um cão, há que considerar o seu particular racial e a variedade a que pertence, porque as variedades recessivas presentes nas várias raças alcançam as respectivas maturidades em momentos diferentes, quando comparadas com as dominantes, havendo algumas precoces e outras serôdias. Por norma, os cães mais pequenos atingem a fase adulta mais cedo e os maiores, devido à sua curva de crescimento, alguns meses mais tarde. Também nos cães a maturidade sexual antecede a emocional, o que não significa que desde logo sejam adultos. Geralmente os cães que chegam à maioridade mais cedo são mais rudimentares do que os seus parceiros mais demorados, com um impulso ao conhecimento menor, mais instintivos e menos autónomos. Talvez não seja bom ter um cão que de imediato nos obedece ou outro que bem cedo comece a caçar. À parte disto, os cães que regulam a sua pelagem pelo relógio biológico, carecem de seis estações para atingir a idade adulta. Os grandes molossos formam-se mais tarde e os vulpinos cedo se entesam. Ter um cão precoce obriga a cuidados especiais, porque o tempo concorre contra nós e há que saber como actuar. Pormenores à parte, os cães encontram-se na sua plenitude aos 3 anos.
Comecemos por falar da alimentação. Quando o cão chega à idade adulta, a menos que haja parecer médico em contrário, deve comer uma só vez ao dia, de acordo com a sua envergadura e natureza do serviço a que se destina, segundo as tabelas em uso. O horário da refeição difere caso a caso e pode ser alterado de acordo com a estação do ano, que pode também obrigar à alteração das dietas. Esta alteração é pouco justificada em Portugal atendendo ao seu particular climático. Um CPA médio, de 63 cm de altura, deverá comer o equivalente a 630 g diárias, isto se o teor de gordura não for abaixo dos 16% e a proteína inferior aos 24%. É salutar manter até aos 3 anos uma ração de performance, contrariando a tendência usual de se passar para uma ração de manutenção aos 12 meses. A altura dos bebedouros e comedouros deve considerar a altura do cão, encontrar-se 5 cm abaixo dela. Com isto mantêm-se os índices de alerta, poupam-se os metacarpos, protege-se o dorso e labora-se preventivamente contra os envenenamentos. Em casos excepcionais, defendemos a prática do “dia de jejum semanal”, particularmente para os cães remetidos à inactividade ou pouco bafejados pelo impulso ao movimento. E que ninguém se espante com isto, porque a modo próprio procedem os cães assim, havendo ocasiões em que petiscam e mal tocam na comida (ex: quando o calor é demasiado, o dono está ausente ou quando uma cadela por perto está com o cio).
Da nossa prática, entendemos que o ideal é manter o cão com o peso de estalão até aos 5 anos, porque naturalmente a sua gordura aumentará mais 5%. Quando esse aumento é maior, menor é a qualidade de vida. A preocupação com peso atlético, típica dos animais sujeitos a competições desportivas, não é uma prioridade geral. Esse valor é encontrado da subtracção da capacidade pulmonar sobre o peso de estalão. Num cão médio e rectangular o peso atlético ronda os 91.56% do peso indicado pelo estalão. Como cada indivíduo é um caso à parte, importa controlar o peso, porque a acumulação de gorduras desinteressa aos cães sedentários, por ser desnecessária e atentar contra o seu bom estado geral. Há que evitar a troca sistemática de rações e a distribuição usual de guloseimas, porque não gastando energia, os cães aprendem a ser gulosos e isso pode ser-lhes fatal, a curto ou médio prazo.
Neste estádio etário recomendamos uma marcha diária de 5 km, desenvolvida a trote e no período de uma hora. O exercício pode ser subdividido em duas etapas e ser dispensado quando o cão se encontra em treino ou no desempenho ordinário das suas funções. A marcha diária supre a necessidade excursionista canina, contribui para a melhoria dos seus ritmos vitais, mantém o bom estado articular e obsta à indolência. Ao invés, os cães condenados ao circuito da árvore mijadoura, rápido apanham taras e mais depressa envelhecem. Aqui ao lado, num município de Barcelona, a Lei obriga os donos à excursão diária, estabelecendo coimas para aqueles que desprezam o bem-estar dos seus cães. Sem o desenvolvimento muscular membro a membro, que só a marcha pode oferecer, qualquer transição de andamento é abusiva e passível de lesão.
Do ponto de vista operacional, tanto a obediência incondicional quanto a sociabilização já devem ter sido alcançadas, a linguagem gestual absorvida e a autonomia potenciada. O bom desempenho canino na maioridade encontra-se sujeito ao tipo de acompanhamento dos ciclos infantis e ao trabalho desenvolvido durante a adolescência, enquanto momentos preparadores e propiciadores. É de todo desejável, e porque não dizer imperativo, que todos os cães cheguem à idade adulta sãos de aprumos, coisa emprestada a alguns no 1º Ciclo escolar, pelo contributo dos aparelhos que operam a ginástica correctiva. O reavivamento dos comandos instalados no treino deve acontecer sistematicamente, porque o desuso implica num desempenho viciado e parcial. A manutenção é obrigatória. A recusa de engodos deve ser recapitulada e o simulacro das acções continuamente exercitado.
Anualmente, haja ou não necessidade, todos os cães adultos deverão fazer um check-up, para que a prevenção opere e a recuperação seja possível. Como a maioria dos proprietários caninos não foi a criadora dos seus cães, ignora quais as afecções mais comuns e presentes nos seus ascendentes. Essa desvantagem só pode ser colmatada pelo exame médico, pela prevenção e pelo despiste. O bem-estar de um cão encontra-se cativo a três amigos: ao criador, ao proprietário e ao veterinário. Quando todos trabalham em uníssono, o sucesso é mais viável e o socorro atempado.
É possível retardar a meia-idade canina? Manter os bons indíces atléticos por mais tempo?
-É, se a genética não nos atraiçoar e estivermos para aí virados! Porque a irresponsabilidade dos donos acaba, inúmeras vezes, por ser a primeira causa de doença nos cães. Se até os aquários precisam de manutenção, o que dizer dos cães? Infelizmente eles só falam por interposta pessoa.

O preço da liberdade

Introduzimos o tema como uma história verídica, que para infelicidade nossa, aconteceu com um binómio da Acendura.
Determinado oficial e cavalheiro, mercê do aumento dos seus proventos, quando se encontrava num serviço de representação no estrangeiro, decidiu adquirir um Pastor Alemão. O animal veio adornado com o predicado “first-choice”, recebeu o nome de um chocolate apreciado, cresceu entre valões e flamengos, ali recebeu algum tipo de treino e acompanhou os donos no seu regresso a Portugal, acabando por engrossar as nossas fileiras. Ainda que na escola não mostrasse esse desvio, quiçá pelos bons ofícios do PM* e pela presença do adestrador, em casa corria atrás dos gatos e não lhes dava descanso. O binómio mantinha um trajecto rotineiro para a excursão diária e habitualmente o cão era solto em determinado local. Por ocasião de umas férias e porque importava guardar a casa, o cão ficou entregue aos cuidados de um vizinho. O recém-empossado respeitou os hábitos do líder e sempre agiu em conformidade com eles. Certo dia, no local usual da folgança, como de costume, o homem soltou o cão. Inesperadamente, vindo do nada, eis que surge um gato. O cão não se fez rogado e vá de correr atrás dele. No meio da perseguição atravessaram uma estrada, o gato saiu ileso e o cão de cauda amputada, porque foi pisado por um camião-cisterna de cimento. No comments!
A liberdade canina é uma liberdade condicionada, mesmo extrapolando os aspectos legais, porque se encontra cativa ao exercício da liderança humana e às garantias dadas pelos animais. É obrigação do dono, ainda antes de soltar o animal, bater minuciosamente o território escolhido, conhecer os seus confins e certificar-se da inexistência de perigos para a saúde do seu companheiro (vidros, pedaços de chapa, comida degradada, substâncias corrosivas ou tóxicas e tudo o que possa constituir-se em armadilha). O automatismo nos comandos de imobilização e direccionais torna-se imprescindível, particularmente os comandos de “aqui” e “junto”. O comando inibitório “não” deve ser soberano sobre qualquer reacção instintiva e a sociabilização (inter pares e interespécies) já alcançada. Para uma segurança mais efectiva, só se recomenda a liberdade aos cães depois da recusa de engodos ter sido instalada. Por outro lado, só a aprovada condução em liberdade dispensará o uso da trela. É de evitar, mesmo entre os cães mais arduamente treinados e experimentados, soltá-los no meio de outros cães ou pessoas, porque só respondemos pelos nossos e há muita gente que morre de medo. A protecção do nosso cão e dos demais, assim como o respeito pelos direitos de cidadania alheios a isso nos obriga, porque o disparate acontece maioritariamente por incúria, ainda que nos agrade rotulá-lo de acidente. A propósito: convém ler as letras mais pequenas que constam das apólices do seguro dos nossos cães, porque a retribuição das seguradoras encontra-se escudada nos preceitos legais. Quando eles são violados, as companhias ficam automaticamente desobrigadas a qualquer indemnização. Foi isso que assinámos!
Os lobos não nasceram para andar à trela, mas no dia em que os transformámos em cães, ela tornou-se indispensável, um subsídio de ensino eficaz e um garante da vida. A máquina instintiva canina, remanescente do seu atavismo, ainda condiciona a sua liberdade, porque os terrenos são repartidos e o perigo espreita. Treinamos os cães por causa disso, dominando instintos e potenciando impulsos. Tome todas a cautelas quando soltar o seu cão!
(PM*) – Gato Burma que durante 12 anos contribuiu para a sociabilização dos nossos cães.

O Cão do Atlas-Aidi: um ascendente ignorado?

Para os mais distantes da História e ligados aos estereótipos adoptados, a variedade étnica marroquina surpreende, chega a assustar, porque vemos gente igual à nossa, com traços físicos que nos são familiares e que não esperávamos encontrar ali, particularmente na orla litoral, junto a velhas fortalezas esquecidas e identificadas por caracteres que nos são estranhos. Ali, o título real “Rei de Portugal e dos Algarves daquém e dalém Mar” ganha forma e significado, o mar passa de barreira a auto-estrada e o passado desnuda o presente. Quem se dedicar, em solo nacional, à procura arqueológica de evidências mouras, duro trabalho tem pela frente, porque os cemitérios foram profanados, as construções de taipa fundiram-se com o solo e tudo foi arrasado e destruido, na tentativa inglória de apagarmos aquilo que somos e de enterrarmos parte da nossa origem. Como a história é escrita pelos vencedores, a sobrevivência obrigou ao esquecimento. Mesmo que se ignore a etimologia de inúmeros significados da nossa língua, ainda que a pele seja mais clara e o cabelo mais liso, o magrebino habita entre nós, distanciando-nos dos lituanos, estónios e letões, porque a envergadura não mente e o ADN mitocondrial não engana. Ser moreno é ser escuro, e escuro não é branco, quando muito: branco-sujo! Quantos se podem “gabar” que não tiveram ou têm um moreno na família? Já vimos em famílias de sangue azul, portadoras de nomes quatrocentistas, indivíduos escuros que nem marroquinos, idênticos aos iraquianos que vemos na CNN. Enquanto tivermos vergonha de nós próprios, jamais chegaremos onde queremos, porque o temor encurta o passo! Sempre que abraçamos este assunto, lembramo-nos de uma discussão entre dois nobres, que querendo justificar as suas linhagens, empreenderam um levantamento genealógico, chegando a surpreendentes conclusões: um descendia de uma concubina de D.João II e outro teve por avó uma cozinheira. Não obstante: Viva o Rei!
Em vão tentou a Dinastia Borgonhesa, fundada por D. Afonso Henriques (Ibn-Arrik para os Mouros, “filho de Henrique”), travar o inevitável. A pouco visível Muralha Fernandina ao redor de Lisboa, acaba também por ser um monumento ao fracasso, porque apesar das proibições reiteradas, a miscigenação aconteceu e a Igreja, não lhe restando outro remédio, tudo legitimou. E depois…”enterrámos a pedra no fundo de um poço”. Os séculos foram passando e o mouro virou tabu, como se a cultura árabe assentasse exclusivamente sobre o dorso de um camelo ou o uso do turbante fizesse toda a diferença. E lá pelas estevas, onde as fragas brilham ao sol, há sempre quem se considere descendente de um ignoto Sigesmundo, apesar de nascer com a mancha mongólica, ter uma densidade enorme de melanina sobre as unhas, evidenciar feições semitas e assentar sobre “pés egípcios”. Como é sabido, muita da nossa gente mais ilustre, daquela que fez história e é objecto de veneração, proveio da bastardia e da miscigenação, inclusive aquele que está escudado por um leão, a Sul do Parque EduardoVII, a pairar sobre Lisboa. Por razões político-geográficas virámos as costas ao Magreb, apesar de ignorados e sem grande peso na Europa. Adoptámos a cultura anglo-saxónica e temo-nos deleitado com as películas de Hollywood, onde uns rapagões arianos, sustentados pela oligarquia ashkenazi, perseguem os hispânicos, geralmente os maus da fita. Que papeis cabem ao António Banderas e ao Joaquim de Almeida (o sobrenome é em si mesmo revelador)? Ao espanhol já o vimos fazer de mouro num filme sobre vikings e o português, para não escapar à regra, aparece invariavelmente associado ao narcotráfico sul-americano! O que é que os outros sabem, que nós não sabemos?
A cultura do El Andalus, por força da espada, do cutelo do poder e dos bons ofícios da inquisição, também por causa de forte divisão interna, foi gradualmente remetida para a lenda, ofuscada pela valorosa reconquista cristã e arrumada no sótão longínquo das nossas memórias. Por mais estranho que pareça, porque a conveniência tende a vencer o puritanismo, tanto a Coroa como a Igreja, graças às hortas, acabaram por proteger os mouros, inclusive alguns dos retornados da Grande Expulsão Peninsular, escondendo-os atrás dos muros conventuais. Apesar dos magrebinos se terem tornado cristãos e adquirirem nomes latinos, geralmente ligados à agricultura e seus ofícios, muitos dos seus hábitos originais permanecem até hoje. Sem o contributo dos mercadores árabes, que dominavam o mediterrâneo nessa ocasião, jamais teríamos o Cão de Água Português, originalmente designado por “cão turco” (cão mouro em Trás-os-Montes). A ligação à agricultura e à transumância acabaram por salvar a mourama ibérica, que sempre se fez acompanhar de cães pastores, tal qual os Alanos anteriormente instalados em Alenquer.
A norte de Marrocos fica o Monte Atlas, uma montanha mitológica há muito ligada à pastorícia, donde é oriundo o cão com o seu nome, também conhecido por Aidi (cão em árabe). O Aidi é um cão pastor, de porte médio, com uma altura entre os 52 e os 62 cm, com um CAP médio de 2, rectangular, de pelagem semilonga e densa, com uma coloração muito variável (areia; baio; fulvo; ruivo e tigrado, podendo ser bicolor ou tricolor, de modo cerrado ou isolado). É um cão rústico, robusto e musculado, de características vulpino-molossóides, territorial e activo. É usado para proteger os rebanhos e os seus pertences, fazendo frente a chacais e outros predadores, sendo extremamente meigo para os donos, inclusive se forem crianças, possuindo todas as qualidades inerentes a um bom cão de guarda, já que se mantém sempre vigilante e alerta. Por vezes, são encontradas algumas características indesejáveis, porque alguns cães apresentam olhos claros, um focinho demasiado pontiagudo, a cauda encaracolada e uma pelagem mais curta. É comum, ainda que indesejável, que alguns indivíduos ostentem orelhas erectas.
Face à descrição anterior e porque observámos alguns cães destes, estamos em crer que contribuíram para a formação das distintas raças nacionais, mormente os podengos e os molossos ligados ao pastoreio. A divisão clássica dos podengos, baseada na diferença de alturas, pode encontrar razão junto do Aidi, assim como a predominância da cor branca nos molossos do Sul. Neste último caso, a distribuição das manchas é similar, ainda que a ossatura e a envergadura não correspondam. Talvez os factores ambientais tenham aqui uma palavra a dizer. Os tradicionais rafeiros de médio-porte, os ditos “cães grandes”, comummente ligados à pastorícia, à caça e à guarda de habitações, hoje em número decrescente, são em tudo idênticos ao Cão do Atlas, tanto física quanto psicologicamente, podendo ser seus descendentes ou provir da mesma origem. Seria de todo desejável, considerando a investigação científica já ao dispor e antes que a castração atinja o seu propósito, que se fizesse o levantamento genético dos cães nacionais, comparando o seu ADN com o encontrado no Aidi. Nisto se revelaria a excelência e a oportunidade de um desejável trabalho académico.
Até lá, ficamos entregues ao Professor Mamadú, badalado xamã africano que tem resposta e solução para tudo, pelo menos é que diz, ou pior do que isso, a ouvir pseudo-eruditos acerca da origem dos nossos cães, segundo o que é aceite e impossível de contestar, ainda que remetam a sua génese para terras imaginárias ou prà além das pisadas por Marco Polo. Uma coisa é certa: as cores esbatidas do Cão do Atlas ainda são visíveis nos nossos rafeiros, na combinação entre o branco, o fulvo e o cinzento; na ostentação do ruivo, do cobre e do bronze. Paralelamente, nas raças sincopadas e aprovadas por Lisboa (os mouros chamavam-lhe Al-Lishbuna), a rusticidade vai-se perdendo e a qualidade é meramente estética. Diferentes povos carregaram diferentes cães, não seria interessante saber donde vieram os nossos? Será que os Mouros não trouxeram nenhum? Se fossem chineses…

O Adeus do Guerreiro

No passado dia 9 de Outubro, o Warrior d’Acendura Brava foi abatido. Ia fazer 13 anos em Março e foi posteriormente cremado (individualmente). As suas cinzas irão ser adicionadas às da sua proprietária. Unidos na vida e na morte, deixaram-nos um legado incontável. Quer o Zé Saramago tenha razão ou não, e reportamo-nos à sua mais recente obra “Caim”, um brado sai da nossa garganta:
“- Descansem em paz, companheiros”.

Fim-de-semana de 17 e 18 de Outubro: Old fashion and sunset in the river

As manhãs deste fim-de-semana foram ligeiras de trabalho prático e profícuas em esclarecimento. No período da tarde de Sábado retomámos a nossa azáfama histórica, trabalhando afincadamente com os cachorros presentes. O binómio Paulo SP/Tag visitou-nos e compareceu aos trabalhos, acompanhando os demais sem reticências. Gradualmente foram vencidos diversos obstáculos pelo contributo das sequências naturais. Houve tempo para a indução ofensiva e a Alexandra mimou os diversos condutores com agressões do seu agrado. A Vega acordou e a Lua não defraudou. A Joana permaneceu calada por causa de um aparelho que lhe foi colocado nos dentes, o que se revelou uma bênção. O Roberto Mariano tem que melhorar tecnicamente e a Alexandra a aprimorar o sprint, porque nas transições o Abu é obrigado a carregá-la. Com maior ou menor dificuldade, os objectivos foram cumpridos e o treino acabou pela além da luz solar.
No 1º turno de Domingo laborámos na Pista Táctica e no 2º deslocámo-nos à Estação de Mafra. Naquele pitoresco vilarejo visitámos a Estação da CP e o Rio, onde aproveitamos a diferença dos ecossistemas e efectuámos a já tradicional sessão fotográfica. Decididamente os nossos condutores não nasceram para modelos, revelando alguma dificuldade nas poses e encobrindo os cães. A Princesa não compareceu por causa de dois eventos: o aniversário de casamento e o culminar de mais uma primavera do marido (a vítima). Provavelmente o Paulo já embarcou para a Suiça, ignoramos a sorte da Diva. Daqui endereçamos o maior sucesso ao Filipe, agora que retomou os estudos e procura o curso. A Luna, propriedade do Carlos Veríssimo, já foi mãe e a lactação não tem sido fácil. A Pescadinha anda cheia de trabalho e o Jorge ainda não sabe andar com o cachorro à trela. A Elisabete começa a surpreender e o João Franco deveria ter ido para o Olho (localidade de Olho Marinho).
Infelizmente não contámos coma presença da Paulinha (esposa do Roberto Mariano), mas fomos visitados pelo Sr. António Moura, pela Rita e pelo Nuno. O Yoshi, filho do Pongo, continua crescer de acordo com a tabela de crescimento e a Xita a dar conta do recado. A Vega deslumbra e lembra o Warrior, o Turco não pára de crescer e a Teka insiste no mau feitio. O Master adorou vir à escola e fez-se acompanhar pela Menina. Os almoços aconteceram no il Mássimo e o Rui Santos não compareceu. Já terá ido para Angola?
Compareceram aos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Ana/Loki, Eduardo/Micks & Vega, Elisabete/Lua, Joana/Flikke, Jorge/Audaz e Juvat, Octávio/Greg, Paulo SP/Tag, Roberto/ Teka & Turco e Zé Gabriel/Master e Menina.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Rotweiller: o crucificado


Para começo de conversa e sustento da nossa opinião, adiantamos que entre 1992 e 2009 treinámos cerca de 60 Rotweillers, aconselhámos a sua compra a 5 novos proprietários e adquirimos 1 para as nossas fileiras. Todos os animais se revelaram excelentes, extraordinariamente fiéis aos donos e particularmente obedientes. Não manifestaram qualquer dificuldade na sociabilização e revelaram-se extremamente meigos, muito embora a ginástica não fosse a sua disciplina de eleição. Uma vez respeitados os mais elementares princípios pedagógicos, todos eles alcançaram indíces atléticos invejáveis, sendo capazes de ultrapassar barreiras de um metro e vinte de altura, fazer muros de dois metros e meio, subir qualquer tipo de escada e atingir uma velocidade de 4,5 m/s. Em todos eles a cessação dos ataques foi igual à sua prontidão, chegando sem dificuldade à absorção da linguagem gestual. Nomes como: Roger, Tark, Brutus, Alfa, Preta, Cobra, Actos, Bavi e Ken, entre tantos outros, contribuíram para a divulgação do nosso trabalho, participando em inúmeras exibições e merecendo o devido aplauso.
A indexação à lista dos cães perigosos foi-lhe fatal, o cão ganhou mau nome e foi crucificado, objecto da reprovação geral e tratado como um fantasma indesejado (se fosse um lupino, chamar-lhe-iam lobo mau). O resultado da “caça às bruxas” é hoje visível nas escolas caninas, onde raramente se vê um Rotweiller, e quando se vê, é geralmente de má qualidade, com características similares às encontradas no Labrador. E como um mal nunca vem só, ainda há quem se aproveite do facto para aumentar as taxas sobre os binómios com Rotweillers, ao jeito de taxista na mutação das tarifas. Por força das circunstâncias, o número destes molossos diminui drasticamente, na proporção exacta da sua procura e debaixo dos piores augúrios. O seu preço baixou e apenas um grupo de “maduros” teima em perdurá-los. Quem anda nos cães há algum tempo, sabe da diferença entre o Rotweiller e as demais raças do seu grupo somático, porque é um cão de intenções adivinhadas e de ataque frontal, contrariamente a muitos outros, hábeis no ataque pela retaguarda e de surtida.
Sabemos que a força de mordedura de um Rotweiller não é para brincadeiras, mas também temos conhecimento do número de ataques indevidos fornecidos pela raça, porque eram vasculhados pelos media e amplamente noticiados. O percentual do disparate foi mínimo face ao número destes cães, apontando para um valor abaixo de 1 em 1000. Portugal é o país europeu com mais reclusos por 100.000 habitantes, cerca de 104. Será que somos uma raça perigosa, que perdemos a categoria de “gente de brandos costumes”? Continua a ser mais fácil condenar os animais, porque é politicamente correcto, já que a política assenta sobre a ocasião certa de puxar o gatilho. E no passado recente, o que causou mais vítimas: as agressões domésticas ou o ataque conjunto de todos os cães? Os acidentes de trânsito ou as arremetidas dos Rotweillers? É mais fácil mandar poeira para os olhos, condenar a vítima usual, porque isso traz sossego, mantém as conveniências e não abala a economia. A nosso ver, quiçá por um complexo de inferioridade, transformámo-nos nuns plagiadores natos, ávidos da aprovação dos nossos comparsas continentais e tentando ir mais além. Ademais, se os espanhóis, franceses, ingleses e tantos outros condenaram os Rotweillers, quem somos nós para o não fazer?
Ainda que o não queiramos, somos obrigados a concordar com a legislação em vigor, não porque o Rotweiller seja um cão perigoso, mas porque foram criadas todas as condições para que o viesse a ser. Exceptuando as condicionantes externas (política comunitária e acção dos media), a causa maior do holocausto fica a dever-se aos criadores da raça. Para melhor compreendermos a situação, importa realçar a segunda metade da década de 90, altura em que o dinheiro parecia não acabar e o optimismo reinava em Portugal, escondendo negócios inflacionados e sustentando a doutrina do facilitismo. Os cães vendiam-se a rodos e o Rotweiller virou cão da moda. Nunca se venderam tantos! Graças a isso, a economia paralela transitou do quintal cultivado para a canicultura. Todo o bicho careta criava Rotweillers, independentemente dos rígidos critérios de selecção, das necessárias condições de instalação e do requerido conhecimento da raça. Os cães vendiam-se e os canis sucediam às capoeiras.

A proliferação de novos criadores, verdadeira chusma de aventureiros, carregou consigo a desinformação e a ignorância, a ideia do lucro fácil e o sonho do cão fera. Com isto chegou também um bando de justiceiros, daqueles de trazer por casa, causando desacatos e “fugindo com o rabo à seringa”. Por outro lado, o Rotweiller foi abraçado por algumas minorias, facilmente identificadas com o crime e o narcotráfico, porque ao contrário de outros cães, não apresentava maiores dificuldades na sua integração. A força da mandíbula, nalguns casos, acabou por substituir a arma branca. Os cães eram vendidos a qualquer um, desconsiderando idades e indo para além da necessária robustez física e equilíbrio psicológico. Importava vender!
Os criadores históricos embarcaram na procura do “el dorado” e esqueceram-se que nenhuma criação de cães é rentável, preterindo a qualidade pela produção em série, entregando à consciência alheia o bom-nome da raça. Atendendo ao fenómeno Obama, esperamos que o Cão de Água Português disto seja poupado, porque a excessiva procura só estraga e pode gerar miséria, tal como diz o povo: “não há mal que sempre dure e bem que não se acabe!” Como a venda de cães é uma prestação de serviço, importa colocar o cão certo na pessoa certa, não apostar no ocaso e desconfiar da sorte. A história recente do Rotweiller aponta para uma sentença já há muito conhecida: paga a criatura pelos erros do criador. Como não podemos voltar atrás, oxalá o passado nos sirva de lição. O Rotweiller só será um cão para todos no dia em que o deixar de ser, quando escalpelado do seu passado e transformado num entre iguais.