terça-feira, 18 de agosto de 2015

O SONHO DO LUPINO PORTUGUÊS E O PERRO LOBO MALLORCAN

Certa vez tivemos um sonho, lançámos mãos à obra e não chegámos a concluí-lo: o de criarmos a primeira raça lupina portuguesa, já que não temos nenhuma e a que mais se assemelha é o Cão de Castro Laboreiro, um molosso alupinado, que do ponto de vista cognitivo deixa muito a desejar, por via de menos valias sociais que dificultam a parceria e comprometem a cumplicidade, advindas do seu carácter instintivo, quiçá por ausência de uma verdadeira política de selecção. Sem exceptuar o Lobo Ibérico para o efeito, mas temendo os resultados alcançados por americanos, canadianos, checos, holandeses e italianos, quando cruzaram Pastores Alemães com diferentes lobos e alcançaram híbridos de menor valia que o Cão Alemão na sua origem e, conhecedores do trabalho desenvolvido em torno do Pastor de Shiloh, considerámos primeiro a hipótese de cruzar Pastores Alemães ou Huskies Siberianos com alguma raça portuguesa que servisse os nossos intentos. A opção pelo Pastor Alemão e pelo Husky ficou a dever-se às suas características somáticas, máquina sensorial, mecânica, índices atléticos, resistência, versatilidade, rusticidade, territorialidade e coeficiente de aprendizagem, porque já sabíamos que o Pastor Alemão é dominante na construção e os híbridos Husky absorvem dos outros progenitores aquilo que ele não tem para dar, facto que verificámos em caçadores de aves, coelhos e javalis. Temendo uma menor abrangência de serviços e uma maior mansidão, acabámos por dispensar o Husky, muito embora os seus híbridos se prestem de sobremaneira prà detecção de explosivos e como cães de resgate.
 Com o Lobo Ibérico de reserva, optámos pelo Pastor Alemão, faltando-nos escolher a raça lusa para o empreendimento. De imediato excluímos os grandes molossos nacionais: Castro Laboreiro, Rafeiro Alentejano e Serra da Estrela, apesar de os termos testado, o que para além de dispendioso foi óptimo, porque ficámos a saber muito mais sobre cada um deles. Para além de alguns desacertos morfológicos advindos da hibridação, tais como: garupa mais alta que a cernelha, dorso selado, pouca angulação de traseira e pernaltismo (entre outros), os híbridos de CPA/C. Laboreiro de 1ª geração revelaram-se manhosos e maldosos, sempre prontos a testar a liderança e a promover-lhe emboscadas, quando contrariados e desagradados, apesar de velozes e extraordinariamente resistentes. Os híbridos de 1ª geração de CPA/Rafeiro Alentejano, cuja distribuição da cor branca lembrava os “Shiloh Panda”, mostraram-se pouco solícitos, tendentes ao isolamento, e dados a rumo próprio, oscilando entre a extrema mansidão e um forte impulso ao poder. Tanto os híbridos de Castro Laboreiro como os de Rafeiro Alentejano, para além de atingirem pesos acima dos 45 kg, apresentavam-se maioritariamente bicolores e com tigrado nos membros. Os híbridos de 1ª geração de CPA/Serra da Estrela, maioritariamente uniformes e com grande variedade de cores, mostraram ser os mais activos, vigilantes e atletas, mas ao mesmo tempo os mais perigosos e com maiores problemas de controlo, peritos no ataque pela retaguarda e propensos a empinar-se nas confrontações, em tudo lembrando os problemas outrora encontrados nos “Eurasiers“. A somar a isto, resistiam ao trabalho sistemático, carregavam sem provocação e obedeciam com parcimónia. Importa esclarecer que procurávamos um lupino para guarda.
Convencidos das dificuldades e da morosidade de chegar a um lupino tipo pela contribuição dos molossos nacionais, porque usavam o reforço cognitivo para fim próprio, para a rebeldia e para o aumento da sua autonomia, optámos por atentar para as restantes raças portuguesas, experimentando previamente em treino cada uma delas para aquilatar das suas virtudes e defeitos, dando prioridade ao Serra de Aires e ao Cão de Água, uma vez que o uso do perdigueiro ainda mais retardaria morfologicamente o fim em vista. Os híbridos de CPA/Serra de Aires, portadores de uma capacidade de aprendizagem notável, extraordinariamente silenciosos e de uma elasticidade pouco vista, garantiam em maior número os exemplares bicolores, nomeadamente os preto-afogueados. Todavia, sofriam com os impactos ao solo na saída dos obstáculos mais duros, avisavam pouco, produziam ataques baixos e de surtida, acusavam em demasia os contra-ataques e esgueiravam-se das ordens debaixo de tensão, o que obrigaria ao concurso duma 3ª raça para aproveitar as suas mais-valias (a quase totalidade dos cachorros apresentava pelo crespo). Os híbridos de CPA/ Cão de Água mostraram-se, quando comparados com o Pastor Alemão na sua origem, pouco disponíveis, bonacheirões, barulhentos e extraordinariamente amistosos, com alguma falta de autonomia e pouco ou nada propensos a acções defensivas e ofensivas, para além de aumentarem a incidência de diferentes prognatismos e displasias, muito embora vissem melhorado o seu faro e atingissem velocidades estonteantes. Também eles obrigariam ao concurso duma 3ª raça ou ao reforço do Pastor Alemão na sua construção.
Renitentes ao uso do Canis lupus signatus, por razões que atrás adiantámos, virámo-nos finalmente para o Podengo Gigante e para o Fila de S. Miguel. Esclarecemos que desenvolvemos este esforço antes de Francis Collins e John Craig Venter terem descoberto a sequência do genoma humano, muito embora conhecêssemos, ainda que sucintamente, o resultado dos trabalhos de Francis Crick, James Watson e Maurice Wilkins relativos à descoberta da estrutura molecular do ADN. Apesar de convencidos do despropósito da hibridação CPA/Podengo para as nossas ambições, porque outros já o haviam experimentado sem grande sucesso, produzindo exemplares mais ricos em instintos do que em personalidade, contrariamente ao verificado no Pastor Alemão, optámos por repetir a experiência, valendo-nos de Podengos Grandes de pelo curto, isentos de remoinhos no manto e sem evidência da cor branca, temendo malhas dessa cor no crânio, no pescoço, membros e na ponta da cauda. Conforme esperávamos, da hibridação CPA/Podengo Grande, a somar à indesejável carga instintiva, resultaram exemplares ligeiramente mais pequenos que o CPA, quase todos vermelhos ou cor de corso, quadrados, de pelo crespo e orelhas erectas (exageradamente grandes). A hibridação CPA/Podengo Grande, ao invés de garantir a predominância do CPA, tende a regressar ao seu atavismo, gerando cães em tudo idênticos ao Pastor da Picardia (Picard) que estiveram na sua origem, razão pela qual grande número de mestiços de CPA com rafeiros são maioritariamente de cor vermelha.
Com o Podengo posto de parte, virámo-nos esperançados para o Cão de Fila de S. Miguel, escolhendo os exemplares maiores e provenientes dos lavradores açorianos, porque não nos interessava produzir o lupino mais pequeno das raças caninas e procurávamos porte, rusticidade, resistência, parceria e aptidão laboral. Da hibridação CPA/Fila de S. Miguel resultaram exemplares mais pequenos, mais leves, extremamente aguerridos, carentes de afincada sociabilização entre iguais, mais resistentes à dor, menos avisadores e mais atletas, que tendencialmente partiam da fixação para o ataque. Com 6/8 de CPA na sua construção, podemos garantir a eliminação das menos valias presentes nos híbridos de 1ª geração, mas dificilmente conseguimos suprimir o seu carácter anti-social e a natureza imprevisível dos seus ataques. Em todas as raças portuguesas usadas e testadas, a incidência de displasia coxo-femoral fez-se presente, porque naquele tempo o despiste da displasia era pouco considerado. Por razões várias, apontando a maior para a falta de suporte económico, deixámos o nosso sonho a meio, sabendo que através do Fia de S. Miguel era fazível, porque o cão açoriano é uma mais-valia e o único entre os nossos que se presta cabalmente como guardião, apesar de não sabermos por quanto tempo, considerando as “mexidas” de que tem sido alvo e que o têm transformado num mero cão de bamboleio.
Eis-nos chegados ao Lobo Ibérico (Canis lupus signatus), uma subespécie do Lobo Cinzento, cada vez menos visto em Portugal. Mentiríamos se disséssemos que não o experimentámos no nosso projecto, o que aconteceu em duas ocasiões, quando cruzámos uma CPA de nome “Seixa da Ajuda - P” com um Lobo Ibérico em cativeiro numa instituição estatal a que tivemos acesso na altura, correndo o risco de perdermos a fêmea pela diferença dos rituais de acasalamento entre as duas espécies (sempre será mais fácil e menos perigoso cruzar um cão com uma loba). Caso não houvéssemos tido essa oportunidade, acabaríamos por comprar um filhote de “signatus” no Noroeste de Espanha, que na altura custava o equivalente a 400€. Produzimos um total de 14 híbridos, sendo o “Kali” o mais famoso (por vezes tratado por “ILAK”), apesar do seu adestramento não se ter revelado fácil pelo grau de dominância que patenteava. Desta hibridação Lobo Ibérico/CPA, 80% dos filhotes nasceram Lobeiros e 20% preto-afogueados, sendo que os primeiros, apesar do dimorfismo sexual, vieram a ser maiores. A definição da cor nos lobeiros aconteceu mais tarde, permanecendo cinzentos uniformes até aos 5 meses de idade. Estes híbridos, quando comparados com o Pastor Alemão, alcançaram as suas maturidades substancialmente mais tarde, não se manifestando em nenhum deles qualquer tipo de apelo atávico-silvestre. Do ponto de vista morfológico e à primeira vista, somente debaixo de suspeita se concluiria tratarem-se de híbridos, já que eram em tudo idênticos ao CPA, muito embora a expressão, disposição e cor dos olhos, a possível isenção de máscara no focinho, o tamanho e disposição das orelhas, o comprimento das presas, o ventre arregaçado e o comprimento da cauda pudessem eventualmente denunciar alguns.
Para dissipar quaisquer dúvidas, nenhum destes híbridos sorvia ao beber água e acompanhámos todos até ao seu final, cuja média de esperança de vida foi de catorze anos e meio, vivendo uma fêmea mais 18 meses para além disso (16 anos). Dos 14 exemplares nascidos nas duas ninhadas somente 4 vieram a ser treinados de modo convencional, 3 por tratadores da GNR e 1 pelo Sr. Filipe Pereira, por sinal todos machos, lobeiros, acima dos 70 cm de altura, para lá dos 40 kg e com um perímetro torácico acima dos 90cm (todos os treinadores contratados ignoravam ter em mãos híbridos de Lobo, porque essa informação não lhes foi adiantada na altura). Os restantes híbridos acabaram por guardar quintas e logradouros. Alguns deles vieram a reproduzir-se com Pastores Alemães e geraram proles saudáveis, valentes, resistentes, bastante interactivas, multifacetadas, protectoras e com maior esperança de vida. Os descendentes do “Signatus” mostraram-se livres de displasia, insuficiência pancreática exócrina, mielopatia, nanismo e demais achaques tornados hereditários no Pastor Alemão. Nenhuma das diversas linhas de Pastores Alemães da Acendura Brava viria a sofrer infusão de Lobo Ibérico, mas todas elas lucraram com o conhecimento que obtivemos dele. Desenvolvemos este trabalho 3 anos antes da criação do Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (CRLI) e não o continuámos para não comprometermos ainda mais a sobrevivência do nosso Lobo (que continua ameaçada), pela hibridação sistemática na procura das suas mais-valias.
Os híbridos de 1ª geração de CPA/Lobo Ibérico adaptam-se bem e depressa ao treino, não apresentando dificuldades específicas ou acrescidas, porque não são atormentados pela timidez ou desconfiança presente noutros híbridos, como é o caso do Saarloos Wolfdog, nem atrapalhados pelo avassalador impulso ao poder visível nalguns Lobos-Checos, dados a rumo próprio e manifestamente anti-sociais. Como acompanhámos em cativeiro o crescimento de duas ninhadas de lobos signatus, estamos convencidos que o Lobo Ibérico é fácil de ser treinado como um cão, apesar de mais efusivo nas suas manifestações de carinho, quando acompanhado desde tenra idade, convidado para a coabitação e adestrado a partir dos 7/8 meses de idade, altura em que os filhotes seguem a alcateia em excursão. Alimentá-lo também não é difícil e pode transitar para a ração pela sua tendência necrófaga. De qualquer modo, o seu treino só se justificaria quando esgotadas todas as hipóteses válidas prà sua sobrevivência, pois há que respeitá-lo tal qual é e como subespécie única, apesar da sua continuidade depender da adaptação de que for capaz. Sobre este tema, o do uso do Lobo Ibérico para a obtenção de cães-lobos, vale a pena consultar: http://www.mallorcan.es/como-nacio-el-perro-lobo-iberico-de-mallorcan/ , para ficarmos a saber o que já se faz nesta matéria na vizinha Espanha.
 Nunca foi nossa opção chegar ao lupino português através do Lobo e só usaríamos o Canis lupus signatus em último caso e na ausência de outras soluções. Pelo que experimentámos e podemos comprovar, a melhor opção para a criação de um lupino português para guarda, a partir das raças caninas nacionais existentes, aponta claramente para o Cão de Fila de S. Miguel, quando cruzado com o Cão de Pastor Alemão. Alguém poderá questionar: ao invés do CPA, não nos poderíamos valer do Malinois para o mesmo efeito?” Sem dúvida, desde que por cá abunde gente apta para travar esses híbridos! Para nós, a fronteira entre o CPA e o Malinois é muito ténue e reside no controlo das acções, porque o primeiro obedece em qualquer circunstância e o segundo carece de circunstâncias favoráveis. Como deixámos o nosso sonho a meio, esperamos que os mais novos o concretizem. E mesmo que não o venham a realizar, por se tornar obsoleto ou sem sentido, ficar-lhe-emos na mesma gratos se melhorarem as raças que hoje temos, mediante uma nova política de selecção que as leve a uma maior abrangência de serviços, uma vez que o seu préstimo mantem-se reduzido.

NATUREZA, SURPRESA E JAVALIS

Se há hábito que o português não perdeu e dificilmente perderá, o de comer no campo é um deles, muito embora tenha trocado o nome de “merendar” por “piquenicar” e aligeirado as refeições, porque as cozinheiras doutrora já cá não estão, o garrafão de vinho caiu em desuso e as sandes substituem os afamados pratos tradicionais. Contudo, ainda se grelham sardinhas, bacalhau e febras, normalmente acompanhados das mais variadas saladas que vão do tomate aos pimentos, passando pela alface e pelo pepino (agora já muitos usam também rúcula). Depois de “bem aviados”, soltam as crianças e embalam para uma grande soneca, debaixo das árvores e estendidos no chão, acordando lá pràs 5 ou 6 da tarde, suados, tolhidos e vermelhos que nem leitões.
Infelizmente estamos no pique dos incêndios e todo o cuidado é pouco, os fogos florestais sucedem-se de Norte a Sul do País e é preciso estar de sobreaviso, para que não acordarmos no meio de inesperadas labaredas, tantas vezes espevitadas por veraneantes descuidados. Melhor será assentar arraiais junto a uma estrada do que mata a dentro, deixar o carro à beira da estrada do que trazê-lo para o meio da floresta, porque mais vale andar mais um pouco do que agravar a situação e comprometer o socorro. Nas matas ou parques que não têm assadores próprios, é contraproducente fazer fogueiras, porque raramente são limpas e têm à sua volta mato seco com fartura. Se você é fumador, não se deite de cigarro na boca, não deixe garrafas de vidro à torreira do sol e escolha locais mais arejados e sem mato, preferencialmente junto a rios ribeiros, porque “o seguro morreu de velho”.
Curiosamente são os proprietários caninos que correm mais riscos nas matas, porque procuram as menos concorridas e menos acessíveis, para que os seus cães não incomodem e possam correr à vontade, já que a lei os proíbe de circular no exterior sem trela. Todavia, as áreas menos apelativas para os viandantes são habitats e lugares de passagem para as espécies silvestres, que ali se sentem seguras pela distância que as separa dos intrusos. Uma dessas espécies a ter em conta é o Javali (Sus scrofa), cada vez mais numeroso nas nossas matas, que como se sabe é omnívoro e tem o faro extraordinariamente desenvolvido, podendo cheirar comida a 5 km de distância. A época estival marca o início do desmame dos leitões, que começam a procurar comida debaixo da alçada das matriarcas, que ao menor sinal de perigo darão a sua vida pelos filhotes, atacando violentamente quem se aproximar deles, ataques que não raramente deixam marcas profundas e que poderão ser letais para pessoas e animais.
Para diminuir os riscos de confrontação, provocados pela avidez de alimento dos leitões, aconselha-se que tanto as sobras da comida quanto os restos sejam ensacados e devidamente guardados, as primeiras em caixas isotérmicas estanques e os últimos em sacos de plástico ou em baldes com tampa, devendo ambos ser guardados dentro das viaturas. Se porventura tal não se tornar prático, a comida deverá permanecer junto das pessoas e os restos afastados delas no mínimo a 50m, estabelecendo assim um perímetro de segurança, para que os leitões roubem os sacos do lixo e não importunem ninguém, já que são naturalmente atrevidos na presença das suas matriarcas, desaparecendo por norma com os sacos na boca. Pela mesma razão, evite acampar perto dos recipientes de lixo nos parques de merendas. Se por acaso se vir cercado de leitões, não os acaricie, não fuja ou corra atrás deles, evite gestos bruscos, acalma-se e aja como se não os houvesse visto, adquirindo uma mímica passiva e desinteressante, porque bem perto dos leitões, ainda que não seja visível, está a sua mãe, que por ser extraordinariamente protectora, não é para brincadeiras. Apesar da sua actividade poder decorrer durante todo o dia, os javalis são mais activos ao crepúsculo e durante a noite, ocasiões em que o risco de confrontação é maior e mais frequente, o que pode tornar perigosa a permanência em matas, soutos e pinhais depois do sol se pôr.
 Não só por causa dos javalis mas também por causa deles, quando decidir empreender uma sesta no campo, conserve os seus cães junto de si e não os deixe deambular pela floresta, a menos que conheça a sua geografia como a palma da sua mão. Deixar os cães soltos é convidá-los a caçar e sujeitá-los a serem surpreendidos e caçados. Uma fêmea de javali com crias ao seu encargo pode facilmente despedaçar 2 ou mais cães, atendendo às suas presas, porte, motivação e força. Para além dos indesejáveis encontros com os javalis, os cães deixados à solta pelas matas incorrem noutros perigos, acabando alguns mordidos por víboras, que se encontram activas de Março a Outubro. Em Portugal existem duas espécies delas: a Vipera Latastei, também conhecida como víbora cornuda, mais comum a norte do Douro, e a Vipera Seoanei, que só atacam quando se sentem ameaçadas. Felizmente os seus ataques não são muito frequentes e raramente causam vítimas humanas, apesar de deixarem marcas para toda a vida e poderem vir a ser fatais em crianças, debilitados e idosos, por não resistirem aos efeitos do veneno no metabolismo. As mordeduras destas serpentes atingem maior fatalidade nos cães, particularmente entre os mais pequenos, considerando o seu menor peso diante da quantidade de veneno inoculado.
Desejamos umas óptimas férias para que aqueles que se encontram a descansar e a retemperar as forças, que usam o Verão para disfrutar da natureza e que o fazem na companhia dos seus cães. Apostados no seu regresso a casa sem novidades, escrevemos este artigo para os precaver de possíveis acidentes e contratempos.

QUASE 2 MILHÕES VÃO PARA OS CAMPOS DA ESCÓCIA COM O CÃO

Segundo faz saber a BBC no seu site, cerca de 4 milhões de adultos visitam anualmente os campos da Escócia e 48% deles levam os seus cães consigo. Esta tamanha invasão tem gerado alguns atritos entre os agricultores e pecuários locais com os proprietários caninos, porque alguns destes têm-se mostrado irresponsáveis e abusadores, permitindo aos seus cães a invasão de pastos, a destruição de culturas, a perseguição do gado e doutras espécies silvestres, algumas delas protegidas, assim como deixado dejectos em locais inapropriados. Apostados em resolver o problema, porque o turismo também interessa á Escócia, a SNH (Scottish Natural Heritage), organismo público responsável pelo património natural daquele País, reuniu-se com representantes da NFU (National Farmers Union of Scotland), organismo de classe que promove e protege os interesses da indústria agrícola daquelas paragens, junto com responsáveis dos Kennel Club Inglês e Escocês para encontrarem uma solução para o problema. Ficou acordado o estabelecimento de trilhos próprios para os binómios excursionistas, que deverão seguir as indicações dos proprietários rurais nas áreas não sinalizadas, no intuito de proteger os terrenos agrícolas, as explorações pecuárias e preservar a vida natural. Mais uma vez, o pragmatismo britânico veio ao de cima, gerando consensos e dispensando o chicote.

PRATICAR DESPORTO E COMPROMETER A SAÚDE

Neste País de “casa roubada, trancas à porta”, onde à imitação de outros pouco ou nada se investe na medicina preventiva e na protecção da saúde dos cidadãos, os Srs. autarcas não fogem à regra, privilegiando eventos em detrimento da saúde pública, ao consentir que pessoas, cães, cavalos e outros animais dividam os mesmos espaços verdes, sem procederem às devidas cautelas e desinfecções, contribuindo assim para perigar a saúde pública. É sabido que a maioria dos proprietários caninos leva os cães aos jardins para que ali defequem. Apesar de grande número deles recolher os dejectos para dentro de um saco de plástico, sempre sobram alguns restos de cocós na relva, o que pode constituir-se num foco infeccioso. Indo para além do sério risco de tétano, se porventura alguém se ferir no meio de um jogo e a ferida exposta entrar em contacto com os dejectos, a probabilidade de infecção é por demais evidente e os riscos para a saúde do azarado muito elevados, uma vez que essas infecções não são para brincadeiras, podem causar graves lesões e nos casos mais graves resultar em amputações e morte. E o que dizer dos bebés a gatinhar na relva e a lambê-la?
Já não estará na hora de se atribuírem áreas diferentes para pessoas e animais nos parques e jardins, de se proceder a uma desinfecção séria desses recintos depois duma exibição equestre? Faz-se tanta lei para tanta coisa, inclusive para colmatar e legitimar a corrupção e parece não haver ninguém que olhe por nós! Jonny Stiles, um jogador de rugby britânico de 29 anos, por pouco não perdeu uma perna ao sofrer um corte num jogo e cair sobre um cocó de cão, porque se desleixou e julgou que nenhum dano lhe resultaria. Quando for jogar à bola com os seus amigos para os parques e jardins, não faça como ele, leve um kit de primeiros socorros e desinfecte imediatamente alguma ferida que venha a contrair, porque se não olhar por si, dificilmente alguém o fará! Quando sair com as crianças para os recintos verdes, escolha sítios limpos e tome a mesma precaução, não as deixe abocanhar a relva e lave-lhes a boca e as mãos antes de comerem (proceda do mesmo modo consigo). Aconselhamos também os proprietários caninos a proibirem os seus cães de comerem erva e relva nesses espaços, porque doutro modo correm sérios riscos de infecção e contaminação, já que os nossos jardins são latrinas a céu aberto.

LA PROCESIÓN DE PERROS EN EL DIA DE SAN ROQUE

Em nome de S. Roque, na tradicional intercessão dos santos católica, não sustentada pela Escritura Sagrada, sempre se abençoou o gado no dia deste santo, que se celebra a 16 de Agosto, prática que quase entrou em desuso e que hoje se repete amiúde, um pouco por toda a parte onde a Igreja Romana é histórica e maioritária. Para a bênção dos cães muito contribuiu o parecer sobre os animais constante no Novo Catecismo Católico (2005), que os considera, por análise ao 7º Mandamento, criaturas de Deus e envoltos na Sua solicitude providencial, relembrando aos crentes o tratamento que lhes foi dispensado por S. Francisco de Assis e S. Francisco de Néri (entre outros). Ao que consta, S. Roque foi socorrido por uma cão que lhe trazia comida, quando isolado, enfermo e faminto.
Este santo é ainda, segundo a mesma crença, protector contra a peste e padroeiro dos cirurgiões e inválidos. Debaixo desta tradição e na procura da intercessão do santo, realizou-se mais uma vez a tradicional bênção dos cães na Cidade de El Alto, na Bolívia, seguida duma procissão pelas ruas da cidade, onde os “perros” acompanharam os seus devotos donos. Com as igrejas cada vez mais vazias, quiçá o “apostolado dos cães” surta efeito, levando os seus donos para o seio de “La Santa Madre Iglesia”. Mais do que orações, bênçãos, círios e ladainhas, os cães precisam de quem os respeite, trate bem, cuide da sua saúde e bem-estar, enquanto criaturas de Deus ao serviço dos homens, porque não alcançam o abstracto e continuam a penar neste mundo. Se a bênção de S. Roque se prestar, enquanto cerimónia, para uma maior sensibilização relativa aos direitos dos animais, à imitação doutros eventos não-religiosos, por certo os cães agradecerão. E se assim for, quando chegará a vez dos gatos? Infelizmente, ainda há muita gente a mandar rezar missas por alma doutros, quando em vida os mortificou. Assim também se compreende porque não há mortos ruins. Oxalá os processionários bolivianos consigam garantir para si, para os seus concidadãos e cães o sustento diário, devendo ser essa uma das enfâses nas suas petições a Deus. 

MILAGRES DA INTERNET

A história de Richard Parker e da sua cadela Tilly enternece-nos, porque a solidariedade ainda é possível. Richard Parker, um sem-abrigo de Manchester/UK, agora com 35 anos, perdeu a sua companheira, a cadela Tilly de oito anos na Market Street daquela cidade, no meio duma multidão, facto que aconteceu no princípio deste mês. Graças ao empenho de vários “mancunianos” (assim se diz dos habitantes de Manchester), que puseram a circular nas diversas redes sociais a fotografia da cadela desaparecida, a polícia conseguiu identificá-la e devolvê-la ao seu inconsolado dono, antes dela ir parar ao canil camarário. Por seu lado, atendendo à pobreza daquele proprietário canino, o Conselho Municipal de Manchester dispensou-o do pagamento das taxas normais de recuperação ali em vigor. O encontro de ambos foi bastante efusivo e comovente para quem o presenciou.
 Richard adiantou que se preocupa primeiro com o bem-estar da cadela e só depois com o seu, que não lhe falta com nada, dispensa-lhe muita atenção e carinho, que a relação entre ambos é cúmplice e que são amigos inseparáveis, facto que pôde ser comprovado pela alegria no reencontro. Segundo ele, apesar de parecer estranho um sem-abrigo ter um cão, a Tilly é mais feliz do que aqueles cães que passam os dias fechados em casa à espera dos donos. O homem pode não ter casa, mas tem companhia, pior estaria se estivesse só. Contudo, melhor ficaria se o conseguissem reintegrar na sociedade, o que não nos parece tarefa fácil, apesar de possível.

QUAL SERÁ O MOTIVO (XXXIX)?

A Madona é uma Scottish Terrier com 4 anos de idade que se encontra prenhe e tudo parece estar a correr bem. Fez uma ecografia há pouco tempo e o veterinário contou quatro cachorros saudáveis. Hoje, ao contrário do que vem sucedendo, em que come que nem uma loba, deixou de comer. A sua dona, temendo algo anómalo, mediu-lhe a temperatura e verificou que ela se encontra mais baixa que o normal. A somar a isto, cadela esconde-se debaixo da cama dos donos e começa a raspar o soalho. Porque não come e tem este comportamento? Hipótese “A”: Algo de anómalo se está a passar com os cachorros. Hipótese “B”: A cadela está a sensivelmente 24 horas do parto. Hipótese “C”: Raspa no chão para aliviar o incómodo da barriga. Hipótese “D”: Não come e raspa o chão porque está com dificuldades em defecar. Hipótese “E”: Não quer comer porque sente os fetos mortos e procura um lugar para os enterrar. Para a semana cá estaremos com um novo caso e adiantaremos qual a hipótese certa.

SOLUÇÃO DA SEMANA PASSADA

A hipótese certa para esta rubrica da semana anterior é a Hipótese “E”: Procede assim porque é mimado, tem uma dona demasiado permissiva e necessita de sociabilização. A Hipótese “A” não deverá ser considerada porque o cão não age em protecção da dona, mas contra todos para além dela, como é o caso do veterinário. Fenómenos de dominância em Clumbers Spaniel são raríssimos, porque a raça nasceu utilitária e é notoriamente calma e submissa, o que torna a Hipótese “B” quase impossível. O facto de se jogar contra os transeuntes e o veterinário não espelha medo, porque é uma atitude agressiva e não defensiva. O cão morderia a medo por reacção, quando as pessoas intentassem aproximar-se dele. Assim sendo, a Hipótese “C” deverá ser descartada. Qualquer cão pode tornar-se embirrante e anti-social por contágio com o dono, mas jamais atacará indiscriminadamente terceiros sem permissão ou instigação, condições que o texto não revela e que invalidam a Hipótese “D”.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
2º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013
3º _ A CASOTA DO CÃO, editado em 29/12/2009
4º _ REMANESCENTE E IDIOSSINCRASIAS DO “AL-ANDALUS” NA CANICULTURA PORTUGUESA, editado em 08/08/2015
5º _ RESENHA HISTÓRICA DA CINOTECNIA PORTUGUESA DO SÉCULO XX ATÉ AOS DIAS DE HOJE, editado em 08/08/2015
6º _ SIM, EU ACREDITO NO CÃO MACACO!, editado em 17/12/2012
7º _ AZUL? SÓ SE FOR DE PRETO!, editado em 16/04/2015
8º _ A FÁBULA DO LOBO CHECO: O REGRESSO AO ATAVISMO, editado em 15/03/2014
9º _ PODENGO: PREFERENCIALMENTE PRETO!, editado 13/11/2014
10º _ LÁ COMO CÁ VÃO APARECENDO ALGUNS, editado em 13/09/2013

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim distribuído:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Alemanha, 5º Reino Unido, 6º França, 7º Angola, 8º Rússia, 9º México e 10º Moçambique.

sábado, 8 de agosto de 2015

ELAS NÃO MATAM, MAS MOEM!

Os ditos desportos caninos ou modalidades desportivas binomiais são sustentadas, na maioria dos casos, pela potenciação dos instintos e/ou pelo híper aproveitamento dos impulsos herdados dos animais, tanto para as respostas naturais quanto para as artificiais. Estamos fartos de ouvir dizer que os cães adoram determinada modalidade desportiva, quando na verdade fazem de tudo para agradar e acompanhar os seus donos. Nenhum cão adora passar a vida a morder ou a correr que nem um foguete, acções que naturalmente só encetaria por necessidade de defesa (de si mesmo, do seu lugar hierárquico, dos seus e do seu território) e por questões ligadas à sua sobrevivência e à da sua espécie. O uso sistemático e continuado dos cães em determinada modalidade desportiva não utilitária, pelo desgaste que provoca, irá colocar precocemente em risco a sua saúde física e psicológica, levando-os, em caso de abuso, a uma menor qualidade e esperança de vida.  Deixemo-nos de hipocrisias: nenhum cão nasceu para andar continuamente a “afiar o dente” ou para se deslocar ordinariamente a galope. Ao invés, todos preferem sentir-se cómodos e deslocar-se saudavelmente em marcha, o que lhes tardará a senilidade e demais problemas típicos da velhice. As alterações de comportamento e desempenho caninas são alcançadas pelo condicionamento, não raramente através de provocação, aliciamento, suborno e dependência, atitudes despudoradas que, ao serem tantas vezes repetidas, nos parecem justas e lícitas.
À luz da “Carta dos Direitos do Animal” nenhum deverá ser usado em actividades que ponham em risco a sua integridade física e psicológica, o que a acontecer é um crime próprio do mais descarado especicismo. A nosso ver, deverá subsistir alguma diferença entre exercícios aeróbios e anaeróbios, visando a salvaguarda e integridade dos cães. Por ausência doutros meios, até somos capazes de entender o uso dos cães em actividades para eles arriscadas, como é caso dos habilitados para a busca, resgate e salvamento, considerando a necessidade e urgência do socorro das pessoas. O que não entendemos, e pedimos desde já desculpa pela frontalidade com que o dizemos, é pôr os cães a competir para gaudio dos donos, o que sempre nos lembra uma imagem de infância, quando alguns miúdos, à falta de melhor, se divertiam a fazer corridas de caracóis sobre uma superfície molhada. Na sequência do que acabámos de alertar, quando um adestrador pega num cão jovem para ensinar, não se poderá esquecer que aquilo que lhe exige hoje poderá ter consequências graves amanhã. O objectivo primeiro e central do adestramento aponta para a salvaguarda canina e os adestradores estão cá para suavizar as veredas dos seus pupilos rumo à longevidade. Desporto sim, mas com conta peso e medida! 

A QUE SE DEVE A FIDELIDADE CANINA?

É possível que a resposta a esta pergunta tenha sido uma das causas que nos trouxe para o mundo da cinotecnia, porque em nenhum animal a fidelidade ao dono é tão visível e natural como no cão. Não temos dúvida nenhuma que esta qualidade é advinda da convivência e que quando maior for a coabitação entre homens e cães, maior será também a dedicação dos animais, porque ao serem territoriais, não nasceram para estar sós e procuram avidamente a segurança que o grupo lhes oferece. Também sabemos que o grau de fidelidade canina difere de indivíduo para indivíduo e que os mais ricos em personalidade estabelecem vínculos afectivos mais profundos que os dominados pelos instintos, o que torna único cada relacionamento homem-cão. A protecção e o socorro dispensados aos cães pelos donos, ao aumentar-lhes a segurança, levam-nos a confiar cada vez mais nos seus líderes e a agradar-lhes, porque são gratos e buscam aprovação. Para além destes aspectos, a fidelidade canina resulta do entendimento recíproco com os donos, que numa fase mais esmerada poderá até dispensar as palavras e acontecer somente pela leitura das expressões mímicas duns e doutros, apesar do cérebro dos cães ser capaz de reagir às palavras da mesma forma que o cérebro humano, o que torna a fidelidade canina também sustentada pela genética comum.
Quanto mais próximo, interactivo, profundo e exclusivo for o relacionamento do dono com o cão, maior será a fidelidade do animal e esta jamais sucederá plenamente se não houver entre ambos um inequívoco entendimento mútuo, o que nos transporta para a triste figura de alguns adestradores (também de alguns donos), que na impossibilidade de compreenderem e de se fazerem compreender pelos cães, acabam por rotulá-los de imprestáveis ou impróprios, quando a maior das impropriedades habita neles e não nos animais que pretendem ensinar. Para todos os efeitos, um adestrador é um actor e um fingidor, alguém capaz de se desnudar ou transfigurar para melhor compreender e ser compreendido, valendo-se para isso de posturas e tons de voz cuja carga emocional seja capaz de romper as barreiras de comunicação com os seus pupilos e alcançar deles a resposta esperada. E se os cães não dispensam e vivem de rituais, então o adestramento deverá constituir-se num conjunto deles de fácil compreensão e assimilação para os animais. Sempre que tocamos neste assunto, vêm-nos à memória um nosso colaborador do passado, o Sr. N.F. Santos Silva, que dizia ser a “estaleca” a responsável pelos melhores resultados obtidos por certos adestradores usando o mesmo método de outros. E nisto tinha razão, se entendermos “estaleca” como sinónimo de ânimo, já que as palavras "ânimo" (animus) e "alma" (anima) têm a mesma raiz etimológica, dependendo uma da outra para tudo. Será possível animar sem alma e uma alma não ter ânimo?
Para além das razões genéticas, ambientais e das atribuídas ao condicionamento ou das decorrentes da disciplina e das regras, a fidelidade canina estabelece-se na comunhão das emoções que desnudam os sentimentos comuns a homens e cães (assim também comunicamos com os bebés). E quando acontece essa fusão emocional, qualquer dono torna-se insubstituível, ao ponto do cão permanecer junto à sua tumba por anos a fio, na esperança de o ver ressurgir. A fidelidade de um cão não se alcança gratuitamente nem resulta do seu esforço isolado, mas da entrega do dono que tudo faz para que ele se sinta bem a seu lado, até serem unha com carne ou farinha do mesmo saco. Como não se pode dissociar a fidelidade canina da afeição pelo dono, podemos dizer que ela resulta ou é fruto do amor, verdade que pode também ser comprovada pela sua isenção, uma vez que os donos menos disponíveis e mais superficiais tendem a possuir cães velhacos e prontos a mandá-los bugiar e, se esta atitude reflexa coubesse só aos cães, não viriam maiores males a este mundo!
Alegoricamente falando, cada cão tem dentro de si a semente da fidelidade, intrinsecamente ligada ao seu bem-estar, que jamais germinará e desabrochará sem o auxílio dos donos, porque é reflexo e prémio de quem primeiro amou e nisso se manteve. Para o bem e para o mal; para o melhor e para o pior, como tantas vezes temos visto, ouvido e experimentado, os cães são reflexo dos seus líderes (por vezes da sua impropriedade e desleixo), espelham sempre o seu cuidado, completando-os ou desnudando-os, abandonando-os ou seguindo-os por toda a parte. A que deve a fidelidade canina? Aos donos que a alcançaram e mereceram! Está redondamente enganado aquele que pensa ser o adestramento unicamente para os cães! Quem não quer ou não sabe amar, em vão esperará a fidelidade de quem o acompanha, porque vã é também a disciplina diante da afeição. E porque temos experimentado a fidelidade canina, desafiamos os nossos leitores a procurá-la, convidando-os para a humildade que possibilitará o melhor entendimento com os seus cães e que viabilizará o namoro interespécies. A fidelidade canina resulta da felicidade que poucos donos sabem garantir e perpetuar, porque só a experiência do bem aguentará toda a sorte de desaires, já que os cães vivem de acordo com a experiência que têm. 

RESENHA HISTÓRICA DA CINOTECNIA PORTUGUESA DO SÉCULO XX ATÉ AOS DIAS DE HOJE

Quando se fala sobre a 1ª República Portuguesa (1910-1926), vêm-nos automaticamente à memória o regicídio, grandes tumultos sociais, miséria, fome, instabilidade política, governos de pouca duração, endividamento externo, maçonaria, expulsão de ordens religiosas, guerra, morte nas trincheiras, anarquia e anarco-sindicalistas, ataques bombistas, assassinatos etc., porque o regime ditatorial que a derrubou, para justificar a privação dos direitos e liberdades populares que empreendeu, muito enfatizou esses aspectos em detrimento doutros de igual importância para o Povo e para o País. Um deles foi sem dúvida o esforço republicano pela educação popular e pela escola pública, já que a República herdou da Monarquia um povo maioritariamente analfabeto (3/4 da população não sabia ler nem escrever), canga que mais interessava à conservação dos privilégios de alguns que ao progresso e desenvolvimento dos portugueses. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, que se estende até aos dias de hoje, na década de 60, quando as missas passaram a ser oficializadas em português, obra do Concílio do Vaticano II, 40% dos portugueses eram ainda analfabetos, o que nada aproveitava ao País mas que bem servia aos adeptos da doutrina do “Ex Opere operato” e ao poder vigente, que se mantiveram de mãos dadas por mais algum tempo.
 A 1ª República começou desde logo a combater o analfabetismo, ao estabelecer o ensino obrigatório e gratuito para todas as crianças entre os 7 e os 12 anos de idade, tendo como prioridade associar o ensino à vida prática (divulgação da dactilografia). Em simultâneo e apostada na cultura, procedeu à fundação das Universidades de Lisboa e Porto, para além de reorganizar a já existente de Coimbra. Levantou bibliotecas e museus, trouxe gratuitamente para o grande público concertos musicais, exposições e conferências, debaixo do propósito de educar o povo e de modernizar o País, já ao tempo atrasado em relação às principais nações europeias. Paralelamente, muitos Centros Republicanos levantaram, sustentaram e sustentam ainda hoje, creches, orfanatos, escolas e associações de benemerência. Debaixo dos seus auspícios grandes vultos se levantaram nas ciências e nas artes, na aeronáutica, na medicina, na arquitectura, na escultura, na pintura e na literatura, todo um fervilhar cultural donde emergiriam, entre outros e foram muitos: os aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral, o médico Ricardo Jorge, Almada Negreiros e Fernando Pessoa. O Estado-Novo viria ainda a aproveitar-se de alguns deles (dos que não prendeu ou expulsou) e a formar gerações bem distantes do seu valor, mercê do Portugal comezinho que perfilhou, beato, chauvinista, pacóvio, censurado e cada vez mais isolado e retrógrado. Debaixo deste panorama e perante a necessidade de educar o povo, dificilmente subsistira algum tipo de cinotecnia.
Apesar do corte abrupto com os ideais republicanos, Salazar viria a dar continuidade ao programa de ensino público encetado pelos homens do 5 de Outubro de 1910, garantindo a quase todos “o saber ler, escrever e fazer contas”. Num País com um grau médio de escolaridade tão baixo e dominado por uma economia de subsistência, que a muitos levou à emigração, à fuga para o litoral e ao amparo do Estado, a canicultura, a cinotecnia e a veterinária viriam a sofrer pouco incremento, padecendo por falta de meios, intercâmbio e inovação, assim como a nossa agricultura. Tudo o que encetámos nestas áreas aconteceu no mínimo com 50 anos de atraso e nalguns casos com maior delonga. O Clube Português de Canicultura, descendente directo do Real Clube de Caçadores de Portugal, do qual foi uma secção, só em 1955 é que adopta o seu nome actual, tendo sido aceite como membro federado da FCI vinte anos antes (1933), elaborado o seu Livro de Origens em 1936 e entendido como Kennel Club em 1939 (bastante mais tarde que os seus congéneres europeus). Os primeiros estalões caninos das raças portuguesas irão acontecer sob os augúrios e à luz do “Estado Totalitário”, onde desde logo se reafirmam as heranças históricas de cada uma delas em prejuízo da sua utilidade, preocupação estética e morfológica que, quando isolada, as remeterá para uma menor procura ou para um grupo de eleitos, onde o seu ascetismo reforçará o status dos seus proprietários.
Se a formação da nossa canicultura aconteceu tarde e a más horas (década de 40), a nossa cinotecnia não podia adiantar-se-lhe e nenhuma delas poderia ir mais além da agricultura e pecuária que tínhamos. Salvo honrosas e isoladas excepções, a nossa burguesia sempre foi descamisada, tacanha e pouco empreendedora, e a nossa classe média por demais oscilante, ao ponto de desconsiderar os cães e as suas vantagens diante do inevitável equilíbrio orçamental familiar. Não tendo a esmagadora maioria do povo como abraçar a ideia, por ausência de meios e de cultura, coube aos militares e à polícia fazê-lo, copiando modelos estrangeiros e importando cães na eminência de um cenário de guerra colonial e de uma maior necessidade de repressão ou de manutenção de ordem pública, “novidade” que viria a acontecer no final da década de 50, quando o General Kaulza de Arriaga fez chegar os primeiros Pastores Alemães às tropas pára-quedistas (um ano mais tarde chegariam também à GNR).
A chegada dos “Alsacianos” e a consequente formação dos seus instrutores e tratadores, na sua fase embrionária alcançada no estrangeiro, irá marcar a cinotecnia portuguesa durante os 25 anos seguintes, por ser única, apesar do seu cariz militar ou paramilitar. Ainda que nos anos 60 tal já acontecesse esporadicamente, nos anos 70 e 80 assiste-se ao treino de cães civis por militares e polícias, na inexistência doutros instrutores, escolas e métodos (a ATAAC – Associação de Treinadores Amadores e Amigos do Cão, primeira escola civil a desenvolver a sua actividade em Portugal, só viria a ser fundada a 11 de Setembro de 1991). Estes cães eram treinados pelos tratadores militares/policiais num período médio de até 2 meses ou através de um número contratado de lições, sucedendo-lhe depois a “transferência”, período em que o tratador entregava o comando do cão ao dono, debaixo da sua supervisão, ensinando-lhe o uso dos códigos (as coisas nem sempre corriam segundo o esperado). Durante o treino, dependendo da natureza dos cães ou da distância a que se encontravam dos seus treinadores, os cães tanto poderiam pernoitar em casa como ser instalados num canil para o efeito. Do ponto de vista prático, a cinotecnia portuguesa (civil e policial) ficou a dever a sua actualização à sua congénere militar. Mais tarde, alguns indivíduos que cumpriram o serviço militar obrigatório numa subunidade cinotécnica (tratadores), viriam a formar junto com outros várias escolas civis.
É evidente que já tínhamos tradições e práticas cinotécnicas anteriores à cinotecnia militar, actividades ancestrais, tornadas populares, ligadas à pastorícia e à actividade cinegética, firmadas desde o Império Romano, adoptadas pela aristocracia visigoda, desenvolvidas na Idade Média, aprimoradas pela presença muçulmana na Península e tornadas tradição pelos mouros que aproveitámos para a agricultura. No final do Séc. XIX ficou famosa a matilha heterogénea de El-Rei D. Carlos destinada à montaria, obra do saber dos seus monteiros, na sua quase totalidade analfabetos, handicap que não lhes permitiu “fazer escola” ou elaborar tratados. Contudo, os seus conhecimentos foram transmitidos oralmente até aos dias de hoje, fundamentando hábitos, crenças e métodos que se perdem pelos confins dos tempos e que sustentam o nosso modo de caçar, cuja erudição, volvidos tantos anos, ainda deixa muitos especialistas boquiabertos.
Durante a 1ª República e até ao final da II Guerra Mundial (1945), a caça não teve grande incremento em Portugal, por razões político-ideológicas e socioeconómicas, até porque o povo, não tendo como sustentar cães e comprar espingardas, caçava a laço e a varapau, correndo alguns a pé descalço. Nunca tivemos necessidade de elaborar uma lei, como aconteceu nas Ilhas Britânicas, para estabelecer o tamanho dos cães populares, porque os nossos sempre foram naturalmente pequenos e moldados pela desnutrição (os cães grandes eram pertença de nobres e burgueses, que tinham como encher-lhes a barriga, já que possuíam gado, fazenda e coutos). Depois da II Guerra Mundial, lentamente e a partir da década de 50, a caça generalizou-se, um pequeno grupo de abastados começou a importar cães e a estabelecer canis, primeiro a partir de raças autóctones de Espanha e depois doutros países europeus, o que levou, pela “porta do cavalo”, à proliferação do rafeiro para caça entre os populares, primeiro resultante da cruza do podengo, do perdigueiro e do rafeiro entre si e depois com outros (nacionais e estrangeiros).
 Entretanto, importa falar sobre a medicina veterinária em Portugal, porque dela irá depender em grande parte o avanço da nossa cinotecnia. A primeira Escola de Veterinária nacional é instituída por decreto régio de D. Miguel em Lisboa, no ano de 1830, tendo como padrão as “Landwirschaf Hochschule" (escolas agrícolas alemãs), quase 70 anos depois da sua homóloga francesa, criada em Lyon e que foi a pioneira na Europa (1762). A maioria das escolas europeias de veterinária foi fundada no Séc.XVIII, inclusive a espanhola de Madrid, que remonta ao ano de 1792, o que possibilitou o aparecimento de distintas raças caninas estrangeiras ainda no Séc.XIX, cujos estalões foram redigidos maioritariamente por veterinários. Até à formação da nossa primeira escola de veterinária, remontando ao Séc.XV, seguiam-se aqui e em Espanha o parecer dos “alveitares”, nome aportuguesado para “albeitar”, numa alusão ao reputadíssimo médico de animais Eb-Ebb-Albeithar, um peninsular de origem árabe. O cargo de “alveitar” foi criado durante o reinado de Afonso V de Aragão e continuado pelos Reis Católicos até ao surgimento da escola veterinária de Madrid.
Em 1855 a “Real Escola Veterinária Militar” foi incorporada no “Instituto Agrícola”, criado debaixo da tutela do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, onde passou a ministrar-se um curso misto de Agronomia e Veterinária, que formava veterinários-lavradores. Em 1864 verificou-se a junção entre o “Instituto Agrícola de Lisboa” com a “Escola Veterinária Militar”, nascendo assim o “Instituto de Agronomia e Veterinária” (no Convento dos Brunos, ao Salitre/Lisboa). A reforma do ensino operada em 1886 viria a criar neste mesmo Instituto o curso separado de medicina veterinária, que em 1910 e no mesmo local, em paralelo com o “Instituto de Agronomia”, criava a “Escola de Medicina Veterinária”. Foi com a 1ª República, em 1918, que a “Escola de Medicina Veterinária” passou a chamar-se “Escola Superior de Medicina Veterinária”, conferindo aos seus alunos o grau de doutor em medicina veterinária. Em 1930, já debaixo da tutela do Estado-Novo, foi criada a “Universidade Técnica de Lisboa”, que englobava a “Escola Superior de Medicina Veterinária”, o “Instituto Superior de Agronomia”, o “Instituto Superior Técnico” e o “Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras”. Com a aprovação dos estatutos da “Universidade Técnica de Lisboa”, ocorrida em Agosto de 1989, a “Escola Superior de Medicina Veterinária” passou a chamar-se “Faculdade de Medicina Veterinária” da Universidade de Lisboa, actualmente a funcionar no Polo Universitário do Alto da Ajuda. Hoje, somando as públicas com as privadas, são 9 as universidades portuguesas que ministram cursos superiores de medicina veterinária.
Durante a maior parte do Séc.XX, os veterinários portugueses fizeram jus ao constante no alvará régio miguelista de 1830, acerca da necessidade de uma escola veterinária: “…E convindo igualmente que estes conhecimentos se generalizem para utilidade pública na conservação e criação de toda a espécie de gado cavalar, vacum e lanígero”. E fizeram-no quase em exclusivo até aos anos 60, porque os dedicados aos pequenos animais eram poucos e a maioria deles tinha os seus consultórios nas grandes cidades, já que o País era pobre e não se coadunava com “cães de luxo”. Conhecemos vários veterinários na província que se sentiam ofendidos se alguém lhes levasse um cão para ser consultado e outros que pouco mais faziam do que eutanasiá-los (alguns ainda andam por cá, agora a rondar os 70 anos de idade). Este afastamento médico-veterinário dos pequenos animais, justificado por razões económicas, nada beneficiou a canicultura nacional e muito menos subsidiou a cinotecnia. Na década de 60, já com cães nas forças armadas e militarizadas, aos veterinários urbanos vieram juntar-se os militares na assistência aos cães civis. Nos anos 70, o número de veterinários dedicados aos pequenos animais começou a aumentar, graças à fuga das populações prás cidades, a uma ligeira melhoria das condições de vida das pessoas e ao consequente aumento de animais de estimação. Na décadas de 80 e 90 explode o número de clínicas veterinárias e começam a aparecer os primeiros etólogos nacionais. Chegados ao novo milénio, cresce o número de veterinários desempregados, o número de doutoramentos e as dificuldades em exercer a profissão, porque é cada vez menos rentável face à crise económica e ao número excedentário de clínicos, o que veio a ter como consequência a estabilização do número de consultórios e o aumento dos hospitais veterinários (veterinários a trabalhar para outros).
 O fraco apoio dado pela veterinária à canicultura nacional e vice-versa, assim como a quase inexistência de uma cinotecnia civil nos 3 primeiros quartéis do Séc.XX português, motivados pelo atraso e isolamento culturais do País, sustentado numa agricultura milenar, a quem a extrema pobreza não foi alheia (estamos há tanto tempo acostumados à pobreza, que não damos conta do quanto somos pobres), acabou por projectar os tratadores militares na sociedade civil, valendo-lhe face ao aumento generalizado do número de cães. A época de ouro desta gente irá acontecer nos anos 80, porque não havendo outro tipo de adestradores disponível, eram por demais solicitados e a sua competência reconhecida. Ademais, exceptuando as exposições de beleza, não havia ao tempo mais nenhuma competição canina regular que justificasse outro tipo de ensino, o que aumentava a sua procura pela decorrência natural do cão de guerra e policial para o de guarda, apesar do grosso dos clientes requerer somente a obediência dos seus cães, como ainda hoje sucede. Entretanto, os futuros adestradores civis iam digerindo os pequenos livros distribuídos pelas editoras “Tempos Livres” e “Renascença”, que pouco a pouco os despertavam para a multivariedade dos serviços caninos.
Na década de 90 tudo mudou e a cinotecnia nacional alcançou um desenvolvimento nunca visto, mercê do dinheiro fácil, da melhoria generalizada das condições de vida dos portugueses, da compra da 2º habitação, da vulgarização dos computadores, do aumento da escolaridade, de maior intercâmbio cultural e da transferência do mundo rural para a prestação de serviços, tudo reflexo da nossa adesão à CEE, que aconteceu a 12 de Junho de 1985. Por todo o lado começaram a surgir escolas caninas e novas modalidades de ensino, os tratadores militares profissionais cederam lugar aos treinadores civis amadores e passaram a existir campeonatos regulares das mais distintas provas desportivas caninas. Paralelamente, a canicultura portuguesa viu aumentar brutalmente o número dos seus criadores e as clínicas veterinárias dedicadas aos animais de companhia sucediam-se umas às outras, assistindo-se a uma importação de cães nunca vista e ao aumento das marcas de ração estrangeiras, que tanto subsidiavam clínicas veterinárias como escolas caninas, no intuito de se instalarem no mercado, dando em simultâneo generosas margens de lucro a criadores, revendedores e retalhistas. Na mesma altura aconteceu o boom dos hotéis caninos e os mais variados serviços de pet sitting (inclusive funerais).
Num abrir e fechar de olhos, muitos praticantes das modalidades desportivas caninas tornaram-se adestradores, mercê do mérito do seus cães ou da sua aprovação como figurantes nas diferentes modalidades de guarda desportiva, razões pelas quais a actual cinotécnica portuguesa tem um cariz essencialmente amador, mais desportivo que utilitário e dado à má-língua (salve-se quem puder!). Começaram a chover treinadores formados aos fins-de-semana e por correspondência, os primeiros certificados por cursos baseados em filmes, apresentações e apostilas sintéticas e os últimos por quem pouco ou nada lhes acrescentou. Lembrando o que se passa na columbofilia, muitos treinadores amadores formaram outros a troco de “cursos” bastante dispendiosos, independentemente da sua experiência e qualidade prestativa. Entretanto, a GNR actualizou-se e capacitou os seus binómios para um conjunto de serviços de utilidade pública (é possível que a PSP tenha seguido o mesmo caminho), pondo assim a sua cinotecnia ao serviço da população, esforço que se louva. Infelizmente, pelo que temos observado repetidas vezes, falta obediência aos cães, traquejo e sentido policial aos seus condutores, quando constituídos em binómios de patrulha ou como parte de forças em parada. Também algumas corporações de bombeiros passaram a ter cães de resgate e salvamento, uns formados cá e outros em Espanha. Com a abertura do “Espaço Schengen”, treinadores profissionais e amadores doutros países europeus têm vindo a Portugal ministrar cursos e trocar experiências.
Chegados ao Novo Milénio e confrontados com a crise económica que se abateu sobre o País, que começou um pouco antes da crise geral de 2008 e que nos deixou sem alternativa à austeridade que tanto criticamos, deparamo-nos com uma cinotecnia civil maioritariamente amadora e vocacionada para as modalidades desportivas, mais alicerçada no Border Collie e no Malinois, raças que certamente marcarão este século como o Pastor Alemão marcou o anterior. As escolas caninas têm agora menor frequência que nos anos 90 e continuam mal apetrechadas de obstáculos e aparelhos musculadores para os cães. A formação dos adestradores é cada vez mais ligeira e o geral dos proprietários caninos julga-se capaz de educar os seus cães, sem maiores conselhos ou ajudas, valendo-se somente da internet, de um bola ou brinquedo (por vezes das actuações televisivas do Cesar Milan). O ensino dos cães para terapia é pouco significativo e os destinados ao resgate e salvamento, tanto terrestre como marítimo, são quase na totalidade pertença das diferentes polícias. O princípio deste milénio marcou uma viragem na preferência dos cães, que passaram a ser escolhidos pelo seu tamanho e consumo, sobrando aqui toda a casta de cães miniatura, porque são mais económicos e geralmente não dão problemas, o que os afasta também dos bons ofícios da cinotecnia. Como sempre, não estamos a produzir novidade e continuamos a aguardar a erudição vinda da estranja.

REMANESCENTE E IDIOSSINCRASIAS DO “AL-ANDALUS” NA CANICULTURA PORTUGUESA

Como este tema é delicado e muito abrangente, somos obrigados a tratá-lo sinteticamente, prometendo, caso a vida nos permita, retomá-lo com maior pormenor e fundamento, de preferência quando o ISIL for finalmente dominado e amordaçado, porque somos contra qualquer tipo de califado do terror e não queremos contribuir para o aumento dos seus recrutas, até porque sabemos como a religião tem servido de pretexto para os crimes mais atrozes contra a humanidade e de escudo para um sem número de facínoras e terroristas ao longo dos séculos na procura de poder e de riqueza. De qualquer forma, a história do Al-Andalus, da Espanha Muçulmana, carece de ser recontada por respeito à verdade, à sua erudição e legado, porque nela o Ocidente encontrou-se com o Oriente e originou o Renascimento, mercê do intercâmbio cultural entre as três maiores religiões monoteístas. Separar os “Descobrimentos” do Al-Andalus é como negar o aproveitamento da riqueza dos Templários nas “Descobertas”, porque ele serviu de base científica para darmos novos mundos ao Mundo.
Desde que o Homem se tornou sedentário e se dedicou à agricultura, a canicultura sempre a acompanhou. E se muito do nosso modo de cultivar é uma herança dos árabes, então somos obrigados a reconhecer a sua contribuição para a nossa canicultura e sobrevivência dos nossos cães, assim como para a preservação dos nossos cavalos, cuja contribuição e continuação berbere ninguém pode negar. Por vezes o Estreito de Gibraltar parece-nos longínquo e distante, quando na verdade apenas 14km de mar separam a Península Ibérica do Norte de África, menos 3.3km que a extensão da Ponte Vasco da Gama que liga Lisboa/Sacavém a Alcochete e ao Montijo. Será que passados 523 anos após a queda do Reino de Granada, que não acabou com os mouros na Península, nada restou dos ensinamentos divulgados em Córdoba? Que o saber de Eb-Ebb-Albeithar não se enraizou no modo de tratar e curar os animais? Será unicamente a toponímia o remanescente da cultura andalus entre nós?
É evidente que tanto pelo sangue como pela cultura a Espanha muçulmana permanece entre nós. Recentemente, investigadores do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, publicaram os resultados dum estudo genético relativo à origem dos portugueses, concluindo que, por via parental (através do cromossoma Y), 30% dos homens portugueses são de origem não ibérica, sendo 20% deles descendentes de judeus sefarditas e 10% de ascendência norte-africana (moura e berbere), o que implica em dizer que a cultura do Califado de Córdoba e a herança de Granada são algo intrínseco em alguns de nós e foram perpetuadas maioritariamente pelos judeus, que na altura do Reino do Al-Andalus eram mais numerosos em Lisboa que os muçulmanos e cristãos. Esta herança genética conservou e transportou até aos nossos dias comportamentos, tradições e hábitos peculiares em determinadas populações e áreas geográficas do País, apesar da maioria desses indivíduos desconhecer a origem dos seus perceitos e comportamento peculiares.
No que à canicultura diz respeito, esse saber secular instalou-se na pastorícia e na caça, reflectindo-se nas dietas a dar aos cães, na sua selecção, reprodução, modo de tratamento, cura dos seus achaques e tipos de treino. O termo “alveitar”, que designava a pessoa credenciada de alguma forma para tratar dos animais (não raramente pela qualidade do mestre que teve e pelos resultados obtidos), veio pouco a pouco a ser substituído por “entendido”, sendo normalmente um ferrador, que também se prestava como parteiro e capador (podia também ser barbeiro). Durante muitos séculos coube aos pastores ensinar os cães de caça dos seus senhores, vindo mais tarde os melhores, já nos finais do séc. XIX e alvores do séc. XX, a ser aceites como “perreros” ou “monteiros”. O conhecimento transmitido oralmente e o adquirido ao longo de gerações através do contacto próximo com os cães, transformou-os em almanaques vivos, ensinou-os a considerar o calendário lunar para o cálculo dos partos e a valerem-se da homeopatia para a cura de várias doenças, valendo em simultâneo a pessoas e animais.
O perfeito conhecimento dos ecossistemas ao seu redor e a compreensão do relógio biológico, adquiridos também pela observação das reacções dos seus cães, que os avisavam da proximidade de tormentas ou algo anómalo, levaram estas gentes a um entendimento profundo com os animais, tornando-os bons leitores das suas reacções, mímica e expressões faciais. Inevitavelmente, galegos, beirões e alentejanos viriam no século passado a trocar o bordão de pastor pela farda de tratadores cinotécnicos, onde foram igualmente bem-sucedidos e os seus méritos reconhecidos. Por detrás de tudo isto está a herança do Al-Andaluz, a tolerância e a convivência pacífica que garantiu a árabes, cristãos e judeus, o estudo e desenvolvimento das diversas artes e ciências encetadas pelos antigos clássicos, momento histórico que infelizmente tarda em repetir-se.
Para se ter uma dimensão mais exacta da importância do Al-Andalus prá Península Ibérica no seu todo e para o mundo de então, aconselhamos os nossos leitores a assistirem ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Av0MCGVcBeM , com o título “Quando os Mouros Dominaram a Europa”. Bem sabemos que quando somos obrigados a slogans como “não ao racismo” ou “somos todos iguais”, que há muita gente que não os aceita, porque doutro modo não necessitaríamos deles para nada. Contudo, já tarda a hora de portugueses e espanhóis fazerem as pazes consigo próprios, de deixarem de se acabrunhar pelo que são e reconhecerem as suas origens, verdade que Filipe III de Espanha e II de Portugal se negou a aceitar, quando decretou a expulsão de todos os Mouriscos, a 9 de Abril de 1609, mais por temer a chacota de ter súbditos árabes e judeus que por puro fervor religioso. Sim, na génese da nossa canicultura, como em tantas áreas da nossa vida, sobressai em parte uma herança da Espanha Muçulmana, que por estranho que pareça, até pode ser judia! E se tanto a expulsão dos árabes como a dos judeus são indicadas como causas para o declínio das nações ibéricas, o fim da Espanha Muçulmana acabou por relegar o islamismo para os confins da história, onde o isolamento continua a ser pesado e a erudição não aflora.