quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O peso dos 4 meses no cão do amanhã

As considerações aqui adiantadas reportam-se ao desenvolvimento do CPA, muito embora possam ser válidas para cães com curvas de crescimento idênticas, igualmente rectangulares e com o mesmo coeficiente de envergadura (CAP). Tanto o peso quanto a altura aos 4 meses de idade são indícios claros do que virá a ser o futuro cão, já que nessa ocasião atingirá de 71 a 73% da sua altura e à volta de 54% do peso indicado pelo estalão. Nunca nos conformámos com exemplares pequenos, pernaltos ou débeis, atendendo à presença ostensiva, à robustez pró serviço, à força de impacto, ao instinto de presa e ao ajuste binomial. Por causa disso pesamos os cachorros à nascença, depois semanalmente e após o desmame mensalmente, porque sabemos que os exemplares mais fracos, os que não recuperarem até à 9ª semana de vida, dificilmente o farão depois disso, crescendo deficitários tanto na ossatura quanto na envergadura, por razões genéticas ou ambientais, isoladas ou combinadas, intrinsecamente ligadas à ignorância e ao factor económico. Não havendo desaproveitamento do património genético, um cachorro CPA saudável deverá pesar aos 4 meses 40 vezes mais do que pesou à nascença, sem agravo nos aprumos, aceleração dos ritmos vitais ou dificuldades locomotoras. A proliferação de CPA’s anões ou ratões resulta da matreirice de alguns e da austeridade de outros, podendo encontrar razões em desmames precários, em beneficiamentos sem sentido, na consanguinidade, num património genético deplorável e numa dieta inadequada ou forçada. Sempre será melhor comprar cachorros a quem não necessita deles para sobreviver, porque a relação preço-qualidade nas ninhadas sempre será suportada pela escassez de alimento adequado no bucho de quem não fala.

Tomando como exemplo o caso dos cachorros machos aos 4 meses de idade, vemos com alguma apreensão os exemplares com menos de 18 kg quando desejamos para eles 21.750 kg, porque geralmente serão frágeis e pequenos ou pernaltos se a altura estiver de acordo com a tabela de crescimento. Estes animais, naturalmente ou condicionados à força, revelam um fraco impulso ao alimento o que irá condicionar o seu instinto de presa, porque mal usando os dentes para comer, dificilmente os usarão com afinco para outro préstimo. Isso irá implicar num equilíbrio binomial baseado na desconfiança, no desinteresse ou menor força de transporte, numa prestação precária na pistagem e em ataques incertos e de surtida, tornando-se irremediavelmente em animais defensivos e por demais dependentes dos donos e das circunstâncias, indiferentes à recompensa e altamente propensos à recusa de engodos. As fêmeas com a mesma idade e abaixo dos 14 kg incorrem nas mesmas dificuldades e patenteiam as mesmas tendências, não devendo procriar se a sua recuperação não acontecer, porque o seu leite será de pouca qualidade e escasso, atrasando dessa forma o crescimento da sua prole e legando-lhe as mesmas menos valias comportamentais. Quem começa mal na criação e daí espera alcançar sucesso, desperdiça tempo e dinheiro, presta um mau serviço e sempre se vê rodeado de gulosos, gente que espreita oportunidade e que não se compadece de paixões.

Nunca é demais relembrar que aos 4 meses, quando em contacto com outros cães adultos, os cachorros são impelidos a segui-los, dando início à excursão que os levará ao entendimento do seu viver social. Com eles aprenderão a juntar-se ao seu bando, a achar pistas, a caçar, a identificar perigos, presas e inimigos. É nesta ocasião que começam a absorver a hierarquia, viver social que se firmará por volta dos seis meses de idade. Como diz o povo: “quem vai para o mar avia-se em terra” e o cachorro aos quatro meses já deve partir ataviado da robustez para essa aventura, rica em experiências que se tornarão para ele em lições de vida. É nesta fase da vida dos cachorros que iniciamos o seu treino, valendo-nos dos cães adultos escolares que se transformarão em seus guias, segundo o Método de Trumler e por aproveitamento da precocidade, no acompanhamento dos seus ciclos infantis a partir da experiência variada e rica. Metaforicamente falando, como podemos aceitar um aluno que mal tem força para pegar na caneta ou que não se aguenta nas “canetas”? É de há muito conhecida a guerra entre criadores e adestradores, uma escaramuça onde cada um dia tira a água de cima do capote, inútil e inconclusiva que a nenhuma das partes serve, porque a dissidência obsta ao propósito que lhes é ou deveria ser comum. De acordo com a nossa tosca sensibilidade, isenta de erudição, mal chegada a guerras e afastada de tutelas, entendemos que criadores e adestradores deveriam complementar-se, constituir-se numa sólida equipa em torno da qualidade, porque ambos prestam serviço e aos dois se exige responsabilidade.

Aos 4 meses de idade, a extraordinária plasticidade cognitiva é acompanhada de igual plasticidade física e ambas podem contribuir, quando há acerto no treino, para a supressão de menos valias de diversa índole (cognitivas, sociais e físicas). Incapacidades como o exagerado abatimento dos metacarpos, o jarrete de vaca, a divergência de mãos, o peito estreito e o dorso selado, carecem de correcção e ela só é possível no período que decorre entre os 4 e os 6 meses de idade, através de exercícios e obstáculos correctores, porque depois da maturidade sexual a recuperação dos cachorros é menor e mais incerta. Se entendemos adestrar no seu verdadeiro sentido, então nenhuma escola poderá desprezar este ciclo infantil, a menos que exista somente para seleccionar e despreze a obra maior do seu ofício. Sim, a escola canina é uma oficina e os seus consertos podem valer ao cão para toda a vida. Levantámos o véu e não desejamos ocultar o que sabemos e praticamos. Se quiser saber mais contacte-nos, estamos ao seu dispor e desejamos que todos os cães cresçam felizes, fortes e saudáveis.

Caderno de ensino: XXXIV. Os brinquedos

Tal como os próprios para as crianças, os brinquedos destinados aos cães são subsídios pedagógicos de valor reconhecido, porque preparam, elucidam, exercitam, condicionam, simulam, capacitam e potenciam os animais para os futuros desafios, os relativos ao seu quotidiano, formação, recapitulação, desempenho e sobrevivência. Contrariamente ao que se julga, não superabundam por aí brinquedos caninos, as lojas estão cheias deles porque têm pouca procura e a maioria dos donos nem imagina para que servem (muitos retalhistas também não). E para que não restem dúvidas acerca disto, basta dizer que na maioria das vezes, quando procuramos algum em particular, vemo-nos obrigados a esperar por ele e ficamos a aguardar por uma nova remessa ou encomenda. A sua escolha não deverá ser indiscriminada ou arbitrária e deverá considerar a idade do cão, a sua morfologia, peso, grau de desenvolvimento, o grupo somático a que pertence, as suas dificuldades e o serviço dele esperado, apesar de alguns brinquedos serem universais e do agrado de todos os cães. Adestrar sem brinquedos é enveredar pelo improviso, porque se despreza o material didáctico que melhor serve os seus intentos, é como dar aulas sem quadro, mesas e cadeiras e esperar que o desconforto não entrave a concentração. Para além da qualidade dos seus mestres, da riqueza dos obstáculos e do empenho dos binómios, qualquer escola canina é também avaliada pelos brinquedos que usa e recomenda, enquanto subsídios de ensino que aceleram e enriquecem o processo de aprendizagem. Cada disciplina cinotécnica exige brinquedos próprios e nenhuma delas os dispensa, porque a experiência é para os cães a madre de todas as virtudes.

Caderno de ensino: XXXV. O transporte

Como preâmbulo à temática, para melhor entendermos o nosso trabalho, importa desnudar o cão, os seus objectivos e processos utilizados. Os cães nascem para sobreviver, a sobrevivência é o seu objectivo principal e a procura do alimento é a sua tarefa prioritária. Por causa disto, com a domesticação, o homem, ao tornar-se no dono da comida, transformou-se no patrão do cão. Daqui se antevê, que a amizade canina não é desinteressada, porque se encontra alicerçada nesta relação de dependência. Que outra razão haverá, para o apego automático dos cães vadios àqueles que os socorrem? Porque não consentimos que outros alimentem os nossos cães? O que torna a recusa de engodos imperiosa, para além da sobrevivência canina? Onde estiver a comida, aí estará a afeição do cão, e graças à recompensa permanecerá ao nosso lado pronto para nos agradar. Existe uma relação entre a predação canina e as disciplinas cinotécnicas, um aproveitamento objectivo dos cinco momentos que constituem o seu modo de caçar, a saber: a procura, a detecção, a perseguição, a captura e o transporte. Os criadores das actuais raças caninas potenciaram algumas destas acções em prejuízo de outras, criando desse modo incapacidades e desequilíbrios. Cabe ao adestramento reequilibrar, caso o consiga, os cães que lhe são entregues, devolvendo-lhes o seu modo original de actuação. Para cada momento se criou um cão, para cada raça uma atribuição e nisto o cão ficou mais pobre. Com a contribuição da evolução das espécies, o homem conseguiu, nestes últimos 130 anos, transformar um lobo num passarinho de 4 patas (cães-toy). À excepção dos retrievers e de alguns bracóides, a maioria dos cães perdeu a capacidade de transportar, necessitando do amparo que só a gula pode oferecer. Não será o cão moderno um bucho anafado de biscoitos? Do instinto de caça só sobrou a recompensa e a presa adquiriu outras formas. Agora a história deverá ser contada ao contrário, do fim para o princípio, tirando-se partido experiência directa, da memória afectiva e do reforço positivo. Só a recompensa pode valer ao transporte.

Entendemos por transporte a recolha e entrega de um ou mais objectos, por parte do cão, debaixo de ordem e com destino definido, visando acções binomiais prà prestação de socorro. Este trabalho resulta do aproveitamento dos instintos de caça e presa, e procura transformar a predação em acções de salvamento e resgate. Existe uma clara distinção entre cães transportadores e carregadores, os primeiros transportam os utensílios na boca, os outros carregam-nos mediante atavios próprios par o efeito. Apesar da diferença operativa, as duas especialidades são parte integrante do mesmo objectivo: o salvamento. Mas se ambas contribuem para o mesmo fim, também a sua finalidade pode ser alterada, estender-se a usos distantes do seu propósito original.

Qual a importância do transporte? Não existe cão de trabalho sem transporte, porque o fim útil do treino é a divisão de tarefas – a complementaridade. Não espelhará o transporte a cumplicidade exigível a um binómio? Um carpinteiro ensinará o seu cão a buscar as ferramentas, um pastor, a tocar as suas vacas ou ovelhas, o cão doméstico entregará os chinelos ao dono, carregará o seu jornal e transportará o saco do lixo para o contentor. Quando começa o seu treino? O transporte começa no consentimento do espólio canino, transita para o churro e culmina nos brinquedos, sendo próprio do ciclo infantil que decorre dos 45 aos 120 dias. A acção começa por ser doméstica, potencia-se na escola e desfruta-se no lar. Os seus benefícios podem ser restritos ou abrangentes, dependendo do uso que lhe queiramos dar. Quando deixaremos de exigir essa tarefa a um cão? Quando tal lhe for penoso e ponha em risco o seu bem-estar físico e psicológico. Normalmente os cães são dispensados da tarefa quando atingem os 8 anos de idade. Os mais fracos deverão terminá-la atempadamente. De qualquer modo, quando os cães chegam aos 6 anos, diminuímos a frequência e o peso da carga, particularmente entre aqueles, com uma esperança média de vida de 10 anos. Como treinaremos? O transporte acontece da perseguição para os objectos estáticos, das formas anatómicas para as mais complexas, das pegas mais macias para as mais duras, dos objectos equilibrados para os desequilibrados, dos mais leves para os mais pesados com diferentes diâmetros.

Qual a força de transporte de um cão médio? Um cão médio aumenta a sua força de transporte dos 2 para os 36 meses quarenta vezes, não devendo abocanhar e transportar objectos com peso superior a 30% do seu peso corporal. Quanto deverão pesar os objectos destinados aos cachorros? Dos 45 aos 120 dias – 2% do seu peso corporal (300gr), dos120 aos 180 dias – 3% do seu peso corporal (600gr), dos 180 aos 240 dias – 5% do seu peso corporal (1 kg). Os valores dos pesos consideraram o crescimento médio de um exemplar CPA. Contudo, o percentual indicado é válido para todos os cachorros. E os destinados aos cães adultos? Depois da maturidade sexual, os cães jovens serão convidados para um esforço maior. Dos 8 meses aos 12 meses – até 10% do seu peso corporal (3Kg), dos 12 aos 18 meses – até 15% do seu peso corporal (5.25 kg), dos 18 aos 24 meses – até 25% do seu peso corporal (9.5 kg), dos 24 aos 36 meses – até 30% do seu peso corporal (12 kg). Os valores referenciados em Kgs consideraram um cão de 40 Kgs de peso. No entanto, o percentual indicado é válido para todos os cães. Não poderão carregar mais peso? Não devem, devido ao esforço articular, às mudanças de velocidade e ao aumento da frequência dos seus ritmos vitais. É importante não esquecer, que a prestação de socorro não acontece somente em pisos planos, pode passar pelo subir de uma rampa ou escada, pelo saltar de uma vala ou barreira. O peso a transportar deverá considerar as dificuldades próprias de cada percurso, tendo em conta a salvaguarda do animal, e só depois, a sua capacidade de resolução. Rotineiramente, o trabalho laboratorial é desenvolvido sobre os obstáculos do perímetro exterior da pista. Os cães mais robustos, com pesos superiores a 35 Kgs, conseguem arrastar cargas até 70% do seu peso corporal. Os grandes molossos e os portadores de mandíbulas fortes, podem tornar-se bons transportadores? Podem e geralmente fazem-no sem grandes dificuldades. Eles não são transportadores inatos, mas genuínos cães de captura. Há que ensiná-los de imediato a não retraçar os objectos, coisa que naturalmente fazem para enterrar os dentes no intuito de os estilhaçar. Apesar de conseguirem levantar mais peso que os demais, cansam-se mais rápido e interrompem as acções. Na prática, não devem transportar objectos com mais de 15% do seu peso corporal.

Que cães não deverão ser convidados para o transporte? Os cães estruturalmente côncavos, os portadores de assimetrias articulares, os de ritmos vitais elevados, os fustigados pela epilepsia e pela displasia, os convalescentes e idosos. Também os obesos e os pernaltos. Como proceder com um cão que nunca transportou? Como se tivesse 45 dias de idade, desenvolvendo a cumplicidade e suscitando o interesse, recompensando sempre que necessário e premiando todo e qualquer progresso. Os brinquedos não são do cão, são do dono e devem suscitar a cobiça do animal. Eles não devem ser entregues ao cão, mas anunciar a chegada do seu líder, ter o seu odor e ser objecto da sua estima. Devem constituir-se em fruto proibido e apetecível, algo que divide com o dono. Existe algum tipo de cão mais vocacionado para o transporte? Todos os cães podem ser transportadores e devem fazê-lo de acordo com o seu peso, tipo de mordedura e morfologia. O cão típico de transporte oscila entre os 27 e os 40 Kgs de peso, é normalmente rectangular, com pouco elevado de cabeça, de dorso paralelo ao solo e de média angulação. Apresenta eixos locomotores paralelos e geralmente tem pé de lebre. O seu focinho é forte e de extensão igual à do crânio. Os cães que tendencialmente incorrem no efeito campainha, com a cabeça nivelada pela linha do dorso, apresentam uma predisposição natural para este trabalho. O cão destinado ao transporte necessita de ter o peito forte e desenvolvido, um perímetro torácico acima dos 85 cm e ser convergente de mãos.

Depois de alcançado o transporte, qual é a meta seguinte? Abocanhar e transportar objectos estáticos distantes, debaixo de ordem expressa, segundo indicação do dono, a quem prontamente os entregará. A capacidade de diferenciar os objectos, fica a dever-se mais ao dono do que ao impulso ao conhecimento canino, por força da sua paciência, insistência e generosidade na recompensa. Como sabemos que a selecção canina raramente atenta para a importância do impulso ao conhecimento, ignorando-o muitas vezes, caberá aos proprietários dos cachorros operar o seu desenvolvimento, acção possível pela experiência variada e rica, no acompanhamento objectivo dos seus ciclos infantis. O cão deverá conhecer os objectos pelo nome. Como operaremos essa “ experiência variada e rica”? Se um cão é rico em espólio a tarefa encontra-se facilitada, basta sugerir a sua identificação. Quando tal não acontece, o espólio deverá ser enriquecido por brinquedos apelativos, de diferentes formas, texturas e pegas, com sons diferenciados e distintas progressões. Felizmente existe no mercado um grande número de brinquedos pedagógicos. Se o desprezo pela identificação se verificar, a recompensa tende a vencê-lo. Mas se a dificuldade de mantiver, urge relacionar cada objecto com uma acção do agrado do cão. Os cães não agarram a trela quando desejam ir à rua? Como se classificam os transportadores? Os cães são classificados pela capacidade de diferenciar os objectos que transportam. A classificação encontra-se assim distribuída: até 3 objectos o rendimento do cão é considerado medíocre, de 4 a 5 médio, de 6 a 7 médio alto, de 8 a 10 superior. Para além disso, o cão é considerado extraordinário e o dono não deixará de o ser. Há notícia de cães que conseguiram identificar várias dezenas de objectos ou diferenciar igual número de ovelhas. Existem algumas provas para transportadores? Actualmente não existem provas específicas de transporte. Apesar disso, ele está presente em diversas provas de obediência e pistagem, ainda que de modo suave. Exemplo disso é o transporte do haltere no Schutzhund e a procura do brinquedo nalgumas provas de obediência básica. Tal qual a técnica de condução, o transporte não é uma disciplina mas sim um complemento curricular, uma ferramenta indispensável aos cães de resgate e salvamento (no nosso modesto entender).

Caderno de ensino: XXXVI. O nó de corda

Existe à venda no mercado uma corda com sensivelmente 1m de comprido e 2.5 cm de espessura, de material natural e não abrasivo, rematada por 2 nós e subdividida por outros 2 que a demarcam em 3 partes iguais. Este acessório tem um tríplice objectivo: preparar os cães para o derrote, aumentar a capacidade de captura e potenciar a sua força de mordedura. Os nós intermédios servem para proteger as mãos dos preparadores, possibilitando-lhes diferentes movimentos e acções de acordo com as incumbências do trabalho a realizar pelos cães. Como a corda por si mesmo pouco préstimo tem, importa saber trabalhar com ela para alcançarmos os resultados esperados, transformando-a na presa que ela substitui. Devemos imprimir-lhe vários movimentos, os típicos duma presa amordaçada que intenta escapar-se, estrebuchando desesperada pela sua vida. A corda deve ser puxada sempre na nossa direcção e nunca pressionada contra o cão, porque a presa verdadeira jamais agiria assim e estamos a atentar contra os objectivos do acessório, obrigando o cão a largar a corda e a reiniciar a captura, induzindo-o dessa forma a dentadas de surtida e a ataques evasivos pouco potentes e ineficazes. O modo de actuar carece de ensino e prática, obedece a diferentes combinações de golpes e sempre pressupõe a vitória do cão. Como diria o nosso amigo Carlos Veríssimo, “Obviamente que não o vamos explicar aqui”.

Mensagem para os atrasados e carta a Rui Meneses

Estes fim-de-semana (23 e 24 de Outubro) obrigou à divisão das classes no período destinado ao trabalho específico, já que alguns cães se distanciaram dos demais e carecem agora de maior aproveitamento. As ênfases recaíram sobre a obediência, a condução em liberdade, a sociabilização, a guarda do automóvel e outras induções. Tirámos partido de 3 ecossistemas diferentes e ainda houve tempo para uma aula teórica na casa que abriga o Igor e o Tarkan. Tratou-se de dar resposta a uma carta endereçada pelo Sr. Rui Meneses que recentemente adquiriu um cachorro CPA negro. Depois da exposição, cada um deu a sua resposta e o acerto foi geral, inclusive da Megan Lavelle, que apesar de recém-chegada e mal compreender o português, não se equivocou e respondeu correctamente.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: António Almeida/Shadow, Carla Abreu/Becky, Célia/Igor, Francisco/Iris, Hugo/Lobi, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Luis Leal/Teka I & Rocky, Maria luís/Tyson, Megan/Champ, Patrícia/Boneca, Roberto/Turco, Rodrigo/Tarkan, Teresa/Buster, Tiago/Sane e Vitor Hugo/Yoshi. Colaboraram nos trabalhos os seguintes NE’s: Américo Abreu, Fátima Figueiredo, Isabel Silva, Olga Oliveira, Pedro Figueiredo e Rui Coito.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Muda do pêlo e higiene

Quando os cães se encontram regulados pelo relógio natural, acerto facilitado pelo viver ao ar livre e pela alteração das dietas, a chegada do Outono traz consigo a muda generalizada do pêlo, novidade que se repetirá na Primavera. Como nestas ocasiões a queda do pêlo é por demais evidente, poluindo carros, habitações e jardins, torna-se imperativo não descorar a higiene diária do cão e escová-lo a preceito, porque ela não acontece de um dia para o outro e evolui de acordo com o aumento ou diminuição da temperatura. Os donos mais zelosos e asseados, os que escovam os seus cães diariamente, dificilmente serão surpreendidos e verão a sua tarefa facilitada, benefício que os menos aplicados e inimigos da higiene não terão. Há quem pense que um cão de pêlo curto não precisa de ser escovado ou que larga menos pêlo, o que não é verdade e pode atentar contra a saúde de todos lá em casa. Os cães encrespados também fazem a muda, ainda que não soltem pêlos, porque naturalmente o pêlo velho entrança-se no novo, formando novelos ou tortulhos que mais tarde obrigarão à tosquia forçada do animal. Os cães que não são escovados empestam os seus locais de passagem e pernoita, coçam-se mais, tornam-se sensíveis a várias doenças de pele, parasitam-se com mais facilidade, ganham caspa e o seu manto perde brilho. Grande número de proprietários caninos, porque é mais fácil e menos trabalhoso, tentará resolver o problema pelo banho sistemático dos cães, opção que a breve trecho poderá agredir a pele dos animais, sujeitando-os a peladas de difícil recuperação. Daqui apelamos à escovagem diária do cão, à aquisição de um trem de limpeza próprio para cada cão, que pode ir até aos 6 utensílios, se o cão for de pêlo duplo. Já adiantámos quais são e prontificamo-nos para novos esclarecimentos. A higiene não é uma opção mas uma obrigação, enquanto a saúde for um bem e o quisto hidático um problema. O calendário de desparasitação deve ser zelosamente cumprido e as crianças deverão ser sujeitas ao mesmo tipo de cuidado, em particular as mais pequenas em convívio directo com os cães. Já lá vai o tempo, no período áureo da Mala Posta, em que nalgumas hospedarias, pernoitavam nas camas pulgas e percevejos, baratas, piolhos e carraças. Como pode um cão ter um dono, se a sua apresentação lembra um vadio e o seu odor empesta à distância? Os cães em grupo catam-se uns aos outros, quem os tornou imundos? Quem será porco? O cão não o será certamente!

Os 12 de Inglaterra e as 24 da Acendura

Não vamos aqui contar a história dos 12 de Inglaterra, exaltar as novelas cavaleirescas, os Lusíadas ou a narrativa de Fernão Veloso, tão-somente enaltecer a prestação das nossas alunas e elementos neutros do sexo feminino, participantes e auxiliares das nossas actividades escolares. São ao todo 24 e nada ficam a dever aos seus camaradas do sexo oposto, porque lado a lado buscam os mesmos objectivos e evoluem na senda do progresso, mostrando a mesma determinação, valentia e querer. Esta é já uma tradição muito antiga entre nós, porque sempre tivemos alunas extraordinárias e nunca descriminámos ninguém pelo sexo. Com o andar dos anos, o número de senhoras nas nossas fileiras tem vindo a aumentar, sem haver quebra de rendimento, alteração de métodos ou procedimentos. A prestação feminina tem-se revelado imprescindível para o rendimento global e alguns cavalheiros vêem-se ultrapassados. O toque feminino na escola é um bálsamo para as dificuldades, um perfume que contagia, dá lições e descarrega ânimo. A foto acima testemunha a participação de algumas delas neste fim-de-semana, gente de várias idades que comunga a mesma paixão e objectivo.

U.S. Team: Megan Lavelle / Champ

No dia 14 do corrente mês deu entrada nas nossas fileiras um novo binómio, o constituído pela Megan Lavelle e pelo Champ, um Labrador dourado que recebeu o nome de registo “Neutrão”. A Megan é uma jovem norte-americana natural de St.Louis que se casará na próxima Quarta-Feira, dia 20, com o Cap. Infª Bruno Oliveira. Desejamos aos noivos as maiores felicidades, a perpetuação dos seus votos e uma prole saudável como é seu desejo. O binómio foi apadrinhado na Escola pelo Bruno Carreiro e já participou em 3 sessões de treino, sendo nisso auxiliado pelo Tiago Soares. Ao binómio, cuja adaptação aconteceu sem percalços, desejamos também o maior sucesso, augúrio que nos parece alcançável pela determinação da condutora e pela qualidade do cachorro, ambos simpáticos e que mereceram dos restantes alunos igual simpatia, na tradicional hospitalidade que nos caracteriza e que é própria dos portugueses. Sejam bem vindos!

O Carlos e o Tote


O Carlos chegou-nos primeiro com o Toureiro, depois com a Luna e finalmente com o Tote. Assim tem sido o seu caminhar entre os CPA’s. Com o Toureiro pouco trabalhou, porque o animal apresentava algumas insuficiências que lhe dificultavam o treino, com a Luna labutou afincadamente e excedeu as expectativas, com o Tote encontrou um companheiro, uma alma gémea como hoje se diz. A união e a cumplicidade entre ambos são tão grandes que é impossível pensar num sem imaginar o outro. O Carlos tem a sobranceria típica dos ribatejanos (garbo), um fervor nas veias que o torna excêntrico, vibra com pequenos nadas e espraia-se pela emoção. O Tote dá menos nas vistas e segue o dono por toda a parte, silencioso e quase ausente, como quem se esconde e foge à vista. Há seis anos que fazem equipa e têm andado por todo o lado, suscitando admiração e apreço, enaltecendo o nome da Escola e alegrando as crianças. A relação binomial excede a encontrada entre o apoderado e artista, lembra a união entre o cavalo e o cavaleiro numa tarde de “ sol e sombra”, porque não se sabe onde acaba um e começa o outro. Ambos têm servido de inspiração e sempre se fazem presentes quando são chamados. Olha o diabo, Passo Doble e Olé!

O outono das otites

A propensão pràs otites é maior nas Estações intermédias e no Outono acontecem com frequência. Otite é um termo técnico que designa as inflamações do ouvido e elas são mais frequentes nos cães de orelhas grandes e tombadas (peludas ou não). O facto dos CPA’s terem orelhas erectas não os isenta do problema e alguns acabam assolados por ele, não havendo cuidado na prevenção, alguns poderão acabar com elas irremediavelmente tombadas. São várias as causas que contribuem para a otite e as mais comuns são: entrada de água no ouvido, infecções bacterianas ou por levedura, alergias, doenças de pele, stress, queda de imunidade, presença de corpos estranhos, infestação parasitária ou tumores. Os principais sintomas são: sensibilidade, secreção com cheiro desagradável, canal auditivo avermelhado, inclinação e meneio da cabeça e ao desconforto que leva ao coçar com a pata. E porque é mais sábio prevenir do que remediar, aconselhamos o tratamento preventivo contra as otites, a conselho e parecer do veterinário assistente.

Caderno de ensino: XXXIII. O "atenção"

O “atenção” é um comando de alerta com distintas aplicações, usado como percursor ou catalizador das acções e pode ser aplicado em qualquer das disciplinas técnicas, porque resulta da memória afectiva canina, evolui pela mecânica e rapidamente alcança a associativa. O “atenção” está para a guarda como o “em frente” está para o agility, porque prepara os cães para acções que já são do seu conhecimento. Usa-se o “atenção” na suspeita de engodos, no início do policiamento e nos momentos que antecedem a captura propriamente dita, como despertar para o instinto de presa. Como o comando pode ser usado para outros fins e até contrários, dependendo isso da mecanização e da recompensa, ele poderá servir para travar investidas ou para sugerir um comportamento mais amistoso, porque todo o comando é em si mesmo estéril e só o uso o identificará, já que os cães agem por aprovação e podem ser ensinados para aquilo que quisermos.

Comandos em liberdado e detecção de intrusos

Este fim-de-semana (16 e 17 de Outubro) foi usado na procura de dois objectivos: a condução em liberdade irrepreensível e a melhor detecção de intrusos. Valemo-nos de diferentes locais e horários para cada um deles e a afluência de alunos foi regular. A Princesa encontra-se em digressão pela Europa (provavelmente sem cães) e não contámos com a presença do Hugo da Lobi. A Alexandra Ferreira não compareceu e Rui Ribeiro não deu notícia. O Índigo recebeu o seu 1º estrangulador e os cães do Luis Leal estão quase aptos a guardar a carrinha do tabaco. O Yoshi continua rijo e o Tote recomenda-se. O Shadow está despertar, o Rodrigo deu um pulo e a Patrícia amadurece a olhos vistos.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: António Almeida/Shadow, Bruno/Iris, Carla Abreu/Becky, Carla Ferreira/Dirka, Carlos Veríssimo/Tote, Célia Coito/Igor, Francisco/Nick, Francisco Silva/Íris, Francisco Soares/Lady, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Liliana/Bolt, Luis Leal/Rocky & Teka I, Marta/Maggy, Megan/Champ, Miriam/Índigo, Paulinha/Teka II, Roberto/Turco, Rodrigo/Tarkan, Tiago/Sane, Teresa Buster e Vitor Hugo/Yoshi. Para além do Rui Coito (que aguarda cachorro), participaram nas actividades os seguintes NE’s: Fátima Figueiredo, Marta, Olga Oliveira e Pedro Figueiredo.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A folgança dos zés-pereiras e a infelicidade dos seus cães

No Sul do País confunde-se frequentemente os “Zé Pereiras” com os “Cabeçudos” nos desfiles carnavalescos, ainda que ambos sejam parte integrante dessas folias e possam complementar-se. Os “Zé-Pereiras” são grupos de foliões que tocam instrumentos de precursão (tambores, bombos, pífaros, gaitas de foles e concertinas) que geralmente antecedem ou anunciam o início dessas festividades. “Cabeçudos”, como o próprio nome sugere, são carantonhas satíricas e não raramente são caricaturas fiéis de pessoas a ridicularizar. Entre nós, na Acendura Brava, o termo “Zé-Pereira” destina-se àqueles que apenas desfilam com os seus cães ao fim-de-semana, quando vêm à escola e que nos restantes dias os mantêm arredados da sua presença, como se eles não existissem ou fossem pesado fardo. Quando um “Zé Pereira” dos nossos tem muitos cães é alcunhado de “Cabeçudo”, porque tem mais olhos que barriga, não vê a infelicidade que causa e dorme satisfeito sobre o assunto, ainda que viva no limiar da pobreza e possa prejudicar com isso a sua pessoa ou o seu agregado familiar.

Quando um “Cabeçudo” se transforma em criador a situação agrava-se, porque as despesas não dão para os gastos, os cachorros são vendidos abaixo do preço de mercado e a sua sorte poderá não ser a melhor, já que os oportunistas, sabendo que os bons negócios acontecem na compra, irão vendê-los a outrem ou descartá-los-ão, quando desinteressados e considerando o baixo prejuízo. O “Cabeçudo” raramente paga a pronto, vai pagando aos soluços e sempre tem débitos a vencer, corta na barriga das gestantes e pode abusar delas, procura desparasitantes e vacinas mais baratas e tenta despachar os cachorros o mais cedo possível, porque não lhe sobra outro remédio e a situação agrava-se dia após dia. Debaixo deste cenário decrépito e ruinoso, não irá ser capaz de operar melhoramentos nas suas instalações, de dar melhores condições aos cães, de adquirir melhores reprodutores e publicitar eficazmente o seu produto, porque cada ninhada agrava a sua já insustentável economia. Diga-se em abono da verdade, que a existência de intermediários, acima tratados como oportunistas, é benéfica neste caso, porque vendendo os cachorros ao preço de mercado, impedirão o “Cabeçudo” de prejudicar outros criadores, gente apostada na qualidade dos seus cachorros e que tenta ver rentabilizado o seu trabalho, muito embora saiba de antemão que a criação de cães não lhes irá aumentar a riqueza. Nasce-se “Cabeçudo” e dificilmente se morre doutra forma, é isso que a experiência nos tem ensinado, a menos que alguém tome as rédeas do seu destino e movido pelo amor contrarie a sua inclinação suicida.

Mas voltemos aos “Zé-Pereiras”, àqueles que ignoram os seus cães ao longo das semanas e cujo rendimento escolar isso reflecte, condutores de desfile e objecto de zombaria, anunciantes da paródia que os expõe ao ridículo e não poupa os seus cães. Alguma desta gente lembra os macacos que saltam de galho em galho, porque pulam de escola em escola na procura de sucesso, como se a ausência do seu gozo não resultasse da sua exclusiva irresponsabilidade. Mais cedo ou mais tarde, porque o progresso não é visível, o “Zé Pereira” dir-nos-á adeus, rumará para outras paragens (as do seu contentamento) e o cão retornará ao seu chiqueiro, tal qual porco que aguarda alimento e que fica entregue aos seus desígnios, gordo e reluzente (se for esse o caso e nem sempre é). Com o passar dos anos iremos esquecer-nos dele (do condutor), a menos que tenha sido por demais bronco, doutra forma, lembrar-nos-emos somente do infeliz do cão, um companheiro subaproveitado a quem por má sorte não pudemos valer. Temos por hábito e nisto nos conserve a Divina Providência, porque buscamos alteração e apostamos no bem-estar dos cães, denunciar estes comediantes e alertá-los para a precariedade do seu desempenho, que sendo impróprio e insuficiente, relegará os seus fiéis companheiros para indíces de aproveitamento contrários à sua natureza e mais-valias, comprometendo dessa forma a cumplicidade possível e desejável. Os “Zés” serão sempre Zés, independentemente de se chamarem Antónios, Marias, Manueis ou Joaquins.

Depois de muitos anos a trabalhar cães, a ouvir e observar milhares de donos (cerca de 4.000 nos últimos 20 anos), atendendo ao sucesso no adestramento, descobrimos que por detrás do êxito persiste o amor que o sustenta, um sentimento filial e fraternal que não se envergonha, que produz alteração e vai adiante, que depura a ambição, desperta a tolerância e constrói a inevitável relação de paridade. Descobrimos também que o empenho e à habilidade dos condutores se encontram ligados ao seu modo de ser e à sua prestação noutras áreas, resultando como complemento ao seu quadro de afeições, viver social e atributos, porque o estar nos cães acaba por desnudar o equilíbrio, as aspirações e o trajecto dos indivíduos devido ao dualismo das vontades (as dos donos e as dos cães). Um condutor desleixado e mandrião, vulgo calinas e para nós “Zé-Pereira”, terá alguma dificuldade em comportar-se em casa e no emprego de outro modo, já que o cão é doméstico e exige serviço. Infelizmente, ninguém será melhor por ser condutor de cães, mas os mais aptos sem dificuldade abraçarão o adestramento. Havendo excepções, porque o concurso ao adestramento pode ser um escape, resultar de uma veleidade ou de um comportamento marginal, o tratamento dado aos cães não diferirá em muito do dispensado ao agregado familiar (conjugues, pais e filhos), que não sendo de imediato manifesto, não demorará a revelar-se, porque as dificuldades apressam tanto as qualidades quanto as incapacidades. E nisto, os cães levam-nos à leitura correcta dos seus condutores, pelo teor da resistência que oferecem e pelas atitudes tomadas como resposta.

A recuperação de um “Zé-Pereira” é uma tarefa muitas vezes inglória e votada ao fracasso, porque resulta de uma personalidade que adoptou um tipo de carácter que não a contrapõe, o que nos remete para problemas pedagógicos alheios e anteriores ao treino propriamente dito. O facto do adestramento ser uma actividade lúdica e encarado como tal, também não ajuda, porque ele é sustentado por adultos pouco dados a mudanças, cuja plasticidade é menor e a quem as alterações provocam algum desconforto. O mesmo não se passa com os pseudo “Zé-Pereiras”, os jovens que nos são confiados e nos quais alcançamos alteração, mercê da regra que estabelece o método e dos procedimentos que garantem o êxito. Porém, considerando o seu número em relação aos demais, cada vez mais temos menos jovens, fenómeno ligado à novidade de interesses e à actualidade social das famílias, onde cada membro se ocupa super ocupado e distante das actividades dos outros, muitas vezes entregue a si próprio e desterrado para o virtual. Assim como nenhuma escola será digna desse nome se não produzir alteração, também nenhuma subsistirá sem o contributo dos jovens. Conhecedores dos benefícios prestados pelo adestramento, intimamente ligados ao exercício da liderança, à formação de um carácter forte e ao equilíbrio entre a emoção e razão, alguns pais (também eles verdadeiros “Zé-Pereiras”), inscrevem os seus filhos nas escolas caninas, esperando delas aquilo que naturalmente é sua incumbência, porque não tiveram tempo ou “a vida não lhes permitiu”, o que transformará a escola canina num verdadeiro ATL (Actividades de Tempos Livres), sobrecarregará os instrutores e levará ao desinteresse dos instruendos. Apesar de tudo, meia dúzia deles permanecerá entre nós, manterá amizade connosco e ficar-nos-á grata. O nosso êxito junto dos jovens tem sido possível pela participação conjunta dos pais nas actividades que levamos a cabo, acção que incentivamos e que muito nos apraz.

Falta falar da infelicidade dos cães, animais emocionais que por desalento alcançam várias doenças (físicas psicológicas) por força da sua dependência social. Os “Zé-Pereiras”, quiçá por hedonismo e por terem uma cabeça desproporcionada, ainda que possa ter uma aparência normal, tratam os seus cães como lobos, como se eles não precisassem da intervenção humana e não lhes solicitassem ajuda. Estes cães passam a semana praticamente isolados, confinados em pequenas divisões ou varandas, em quintais exíguos ou à molhada com outros cães, viver social impróprio que entrava o seu desenvolvimento físico e cognitivo, que apela aos seus instintos e obsta à parceria. Alguns deles irão desenvolver diferentes taras e a maioria manifestará um profundo desencanto pelo treino, estranhará a liderança e desencantar-se-á pelos exercícios. Contra natura irão envelhecer mais rapidamente, engordarão com mais facilidade, perderão mobilidade, tornar-se-ão silvestres e serão precocemente atingidos por várias doenças. O cativeiro forçado dos animais tem sido responsável pelo surgimento de doenças típicas que atentam contra o seu bem-estar e qualidade de vida. Ainda que algumas raças caninas possam ter doenças típicas da sua raça, todos os cães sofrem misérias quando sujeitos ao isolamento. O que dá gozo ao “Zé-Pereira” é ter um cão e o que mais o maça é ter de cuidar dele! Ele não escova o cão diariamente, raramente o tira do cárcere, atrasa o calendário de vacinação, esquece-se de o desparasitar, dá-lhe rações baratas, deixa-o apanhar otites e, como está sempre com pressa, deixa de olhar para ele, não vá o bicho importuná-lo ou causar-lhe problemas de “consciência”. Libertar os cães do corso carnavalesco é um imperativo e para que isso aconteça é necessário dar combate aos “Zé-Pereiras” que nos aparecem. Eis aqui um dos nossos propósitos.

O chacal e os cães de Sulimov

Todos os criadores experimentados, depois de conhecerem afincadamente os seus cães e as raças que produzem, as suas menos valias e virtudes perante novos desafios, porque são criadores e visam o beneficiamento, nalgum momento hão-de sonhar com a hibridação, quer aproveitando as raças já existentes quer recorrendo aos diferentes cães silvestres (selvagens), tentando contrariar algumas lacunas provenientes do eugenismo operado até aqui, fortemente estético e nem sempre vocacionado para a utilidade. Tal foi o caso de Klim Sulimov, um russo a trabalhar para a Aeroflot no aeroporto moscovita de Sheremetyevo, que treina cães para a detecção de explosivos e dos seus componentes. Este canicultor, no intuito de produzir cães de faro superiores, recorreu à hibridação dos seus cães com o chacal (canis mesomelas). Como os híbridos da 1ª geração se revelaram resistentes ao trabalho, ele acabou por beneficiá-los com outros cães, produzindo assim animais extraordinários para a detecção de bombas. Estes cães existem apenas na Rússia e não se prevê quando ultrapassarão as suas fronteiras.

O cão quando cruzado com o lobo, o dingo e o chacal pode dar híbridos férteis, acontecendo o mesmo nos cruzamentos do lobo com o dingo e o chacal. A hibridação do cão com outros canídeos selvagens não se esgota aqui e vai acontecendo um pouco por toda a parte do globo. Nos Estados Unidos proliferam os híbridos de lobo e noutras paragens pode acontecer, sem interferência humana, a hibridação entre lobos e chacais. O desuso de outros canídeos para este efeito encontra-se ligado ao seu escasso número ou à sua anunciada extinção.

Frase da semana

“O homem quando é novo inventa guerras e os mais velhos aproveitam-se disso, quando é velho aprende a evitá-las e os mais jovens troçam dele. A eterna juventude é um mito e a ausência de sabedoria um disparate”. (Joshua Rheinhardt)

Outono e pistagem

Com a chegada do Outono inicia-se entre nós a temporada de Pistagem, em campo aberto e a baixa altitude. Doravante exige-se aos alunos que transportem nas suas mochilas o material necessário para essa actividade, extremamente útil e do agrado dos binómios. Agradecemos aos alunos que ainda não possuem todo o material que o adquiram o mais rápido possível, no intuito de melhor aproveitarem os benefícios desta disciplina cinotécnica. De momento, encontra-se dispensado o uso de botas protectoras para os cães e as sessões de treino iniciar-se-ão, impreterivelmente, às 09H00 dos dias marcados.

Caderno de ensino: XXXII. "Ao teu lugar"

O comando “ao teu lugar” é usado para o reiniciar das acções policiais ou de captura. Consiste na recolocação do cão, por ele mesmo, no ponto de partida para os ataques lançados, esperando ordens e mantendo a atenção, quando a revista se torna dispensável e a cessação das ordens uma necessidade. É comummente usado para a fixação do “ninho” quando intentamos que o cão se mantenha no seu local de vigia, garantindo desse modo a protecção e o policiamento do território comum. A instalação do comando só deve acontecer depois do despertar do instinto de presa, para que não se transforme em inibição e venha a comprometer as acções de captura. Tanto na interrupção dos ataques lançados como na colocação do ninho, o cão deverá adoptar a postura de deitado, o que garantirá a certeza da imobilização no primeiro caso e a diminuição da sua silhueta no segundo. Este comando, quando bem utilizado, para além da cessação das ordens, contribuirá para a conservação dos índices de prontidão e alerta inerentes aos cães de guarda, porque ao anunciar as acções funciona como estímulo. Apesar do “ao teu lugar” ser alcançado pela memória afectiva (porque o trabalho é do agrado do cão), ele não dispensa o contributo da memória mecânica ou da mecanicidade das acções, porque o cão fica “em pulgas” e tenderá a diminuir a distância entre si e o intruso. O comando pode também ser instalado para mandar o cão para o seu lugar de pernoita ou descanso.

Ronda prático e teórico no Monte do Pastor

Dedicámos este fim-de-semana ao estudo e à prática do “ronda”, em terrenos do Flikke e da Bonnie, cães pertencentes ao Canil do Monte do Pastor. Na prova teórica os alunos melhor classificados foram os Sr.s João Moura e Tiago Soares. O Flikke, o Yoshi e o Zorro foram os cães que melhor rondaram. O trabalho foi complementado no dia seguinte com a obediência básica, com alguns exercícios de indução e ataques lançados. A Princesa não compareceu devido à sua inescusável agenda e a Carla Abreu ficou retida em casa. Demos pela falta do Rui Ribeiro e da Alexandra. A Carla Ferreira não compareceu como é seu hábito e não sabemos o que aconteceu ao Hugo no 2º dia.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: António da Cunha/Zorro, António Almeida/Shadow, Bruno/Iris, Célia/Igor, Francisco/Iris, Francisco/Nick, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Luis Leal/Rocky, Liliana/Bolt, Maria Luis/Teka I, Miriam/Índigo, Patrícia/Boneca, Roberto/Turco, Rodrigo/Tarkan, Tiago/Sane, Teresa/Buster e Vitor Hugo/Yoshi. O Paulo Oliveira participou das aulas teóricas e o Rui Coito encantou os cães presentes.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

De predador a terapeuta: a grande epopeia do cão

Nenhum animal sofreu tão grandes transformações, melhor se adaptou e desempenhou tantas tarefas com êxito em tão curto espaço de tempo. Passou de silvestre a doméstico, de caçador a guarda de rebanhos, de predador a auxiliar e continua em constante adaptação, graças ao engenho humano na procura de novas parcerias. A partir da 2ª metade do Sec. XX, o cão transitou de predador para terapeuta, abraçou outros serviços e trouxe novas vantagens para a comunidade humana que desde os confins o adoptou.

Depois de ter sido soldado, polícia, artista de circo, atleta de competição, guia de cegos e se ter prestado ao socorro e salvamento de muitos, o que lhe reservará o futuro? Continuará propriedade de alguns ou transformar-se-á num bem colectivo? Será desprezado ou virá a alcançar maior relevo nos diferentes trabalhos da acção social? Será objecto de novas selecções ou permanecerá como até aqui? Ao certo ninguém sabe, porque o destino do cão encontra-se cativo à marcha da humanidade. A antevisão do futuro só será possível pelos indícios do presente e eles apontam claramente para novas e melhores utilizações do cão, mais justas para a sua espécie e de maior valia prós homens.

Se o futuro não nos surpreender e tudo leva a crer que não, o cão do Sec. XXI será mais terapeuta do que já é, alcançará novas utilidades e ser-lhe-ão descobertos outros serviços, distantes dos actuais e mais próximos das necessidades sociais da sociedade vindoura. Essa reviravolta (que já acontece hoje, ainda que em menor escala) virá a transformar os cães num bem público, estendendo os seus benefícios a todos os que virão a necessitar deles. Talvez isso vá implicar na reconversão das raças já existentes ou na criação de novas, o que induzirá a novos critérios selectivos e ao abandono de muitas das actividades cinotécnicas que hoje conhecemos, já em queda e em desuso, onde um bastião de maduros resiste ingloriamente à novidade, talvez por desconhecerem o soneto de Camões que diz: “ Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança/ Tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades/ Diferentes em tudo da esperança/ Do mal ficam as mágoas na lembrança/ E do bem, se algum houve, as saudades”.

Acreditamos que o cão do futuro será um cão de paz, um amigo devotado e um companheiro que nunca nos abandonará, valendo-nos de sobremaneira e contribuindo para a inserção daqueles que por si mesmos dificilmente a alcançariam. Estaremos errados? Se estivermos, duma coisa estamos certos: o homem jamais sobreviverá se continuar fratricida, entregue ao seu umbigo e distante das dores alheias. O cão guerreiro virá ser rendido pelo cão solidário, que usará os dentes para nos encaminhar, aliviará o sofrimento de muitos e alcançará o capítulo mais excelente da sua já longa história entre os homens. Queremos daqui agradecer aos que no presente já trabalham pró futuro (criadores, adestradores e proprietários de cães).

O que falta aos cães nacionais

Há quem não precise das comemorações do Centenário da Republica para ser patriota e a evocação da efeméride poderá levar a alguns a sê-lo. Nós sempre nos sentimos em dívida perante a Pátria e segundo o nosso pouco préstimo temos procurado a sua exaltação. Durante uma década e meia dedicámo-nos à criação e adestramento de várias raças caninas nacionais (Cão de Água Português, Cão de Castro Laboreiro, Fila de S. Miguel, Perdigueiro Português, Podengo Gigante, Rafeiro Alentejano, Serra d’Aires e Serra da Estrela) no intuito de enaltecer e divulgar a canicultura nacional, enquanto legado e produto da nossa Terra. A tarefa revelou-se árdua e penosa, porque na maioria delas a parceria revelou-se deficitária o que obstou à complementaridade procurada. A excepção aconteceu entre os Filas de S. Miguel, raça que denotou extraordinária propensão pràs disciplinas de Obediência, Pistagem e Guarda, acompanhadas de indíces atléticos bem acima da média. Hoje, por decreto, certamente proveniente de cabeças mais ilustres do que as nossas, o Fila de S. Miguel está mais pequeno e vê comprometido o seu rendimento dentro dos cães ditos de utilidade. Passados quinze anos sobre essa nossa opção, revelamos aqui as dificuldades encontradas e lançamos algumas sugestões, tendo como parâmetros os cães estrangeiros mais conhecidos, de créditos firmados e por nós comprovados. Falamos disso porque não queremos que os nossos cães passem a obsoletos, vejam diminuído o seu número e acabem no esquecimento, arredados do povo que os viu nascer e preteridos por outros, tendência que não cessa de aumentar e que desejamos ver contrariada.

Tratemos primeiro do Podengo, cão do tipo primitivo que é ícone do CPC. É notória a diferença existente entre a variedade pequena e as outras (média e grande), considerando o comportamento, o viver social e o tipo de parceria que oferecem. As variedades maiores são mais independentes, instintivas e silvestres, menos prestativas e resistentes ao condicionamento., respondem bem ao condicionamento atrelado e dificilmente atingem a autonomia condicionada (condução em liberdade), ocasião que usam para a fuga, quando os percursos sugeridos ultrapassam a vertente cinegética ou dispensam o contributo da “presa”. Estes cães são maioritariamente evasivos e em muitos aspectos lembram o chacal. A sua capacidade de aprendizagem é baixa, mesmo que se opere o desenvolvimento do seu impulso ao conhecimento, precocemente, pela experiência variada e rica. O carácter intocável ou hermético do Podengo obriga-o à transposição dos obstáculos “`a desfilada”, o que pode colocar em risco a sua integridade. É extraordinariamente resistente e a sua mímica sempre espelhará algum desconforto relativo à disciplina de obediência. Exceptuando-se os casos inerentes à instalação de matilhas, onde guerreiam entre si pela posse da comida ou pela presa, os podengos não apresentam maiores problemas na área da sociabilização, porque não provocam e apenas reagem quando acossados. No entanto, quando soltos entre os demais e diante da presença de outros grupos somáticos, porque correm desalmadamente, podem constituir-se em presas e provocar com isso alguns desaguisados. A sua prestação guardiã é essencialmente vocacionada para o alarme e dificilmente daí evoluirá para outras especialidades, porque é um cão defensivo, de ataques de surtida e com fraca potência de mordedura, que mais facilmente perseguirá outro cão do que enfrentará um intruso. Na caça obedece a leis próprias e a tendências automáticas, já que prefere caçar longe do dono e perseguir presas distantes, factor que tem levado à sua mestiçagem. Num país que se diz na crista da investigação científica, seria bom que um pouco dessa erudição pingasse também sobre a canicultura, dotando o Podengo de maior versatilidade e libertando-o dos entraves milenares, pelo contributo de outros pressupostos selectivos que complementariam a selecção estética existente, nomeadamente na procura de melhor impulso ao conhecimento. Os actuais criadores, que não são muitos, não devem comportar-se como guardas de um tesouro, porque ninguém leva nada para a cova e todos os animais que não se adaptam acabam por desaparecer. A selecção do Podengo, para além da preservação das suas características morfológicas, deverá também recair sobre a análise dos impulsos herdados presentes nos indivíduos destinados à reprodução, o que tornará o Podengo melhor cão de companhia, melhor caçador e concorrente a outros serviços (novas utilidades).

Para não tornar este texto muito extenso e enfadonho, analisaremos em conjunto e por comparação os casos do Castro Laboreiro, Serra da Estrela e Rafeiro Alentejano (Rafeiro do Alentejo). Dos três, o que melhor parceria nos ofereceu foi o Rafeiro do Alentejo, muito embora mandrião, pouco dado a explosões e nada vocacionado para serviços diurnos. A predominância da cor branca, enquanto maioritária, tendo vindo a subverter algumas dessas características, tornando este cão mais activo e solícito durante o dia. A sua docilidade, o seu cuidado com os mais fracos e a protecção que lhes dedica, poderá transformá-lo num terapeuta por excelência, desde que os seus criadores optem por capacitá-lo e ousem sair dos seus muros ou cercados. Este mastim não tem a capacidade de aprendizagem do Cão da Serra d’Aires, mas responde bem aos estímulos pela sua dependência social, sendo o peso ambiental capaz de consertar ou desenvolver o seu potencial genético. Abraça com facilidade a obediência, é resistente à ginástica, demora a farejar, é rápido nas perseguições e capturas (transita directamente do passo para o galope), é franco nos ataques e não se intimida nos contra-ataques. Quando tratamos do Cão da Serra da Estrela (“de Estrela” para os mais eruditos), somos obrigados a considerar as suas duas variedades: a de pêlo curto e a de pêlo comprido, porque subsistem diferenças comportamentais que influem no rendimento destes cães. Os de pêlo curto são mais activos, melhores parceiros, mais disponíveis e bons atletas, engordam menos e conseguem atingir 35 comandos básicos. Os de pêlo comprido intimidam mais, têm melhor presença ostensiva, são também desconfiados e com o passar do tempo tendem à desobediência, insurgindo-se contra as ordens na procura de rumo próprio. Os ataques dos Serras da Estrela não são francos e podem ser letais, porque atacam preferencialmente pela retaguarda e de modo imprevisível, havendo alguns que atacam ao pescoço, quando convidados para acções desse tipo, não gostam de ser contrariados e tendem a atrasar-se no “junto”, ocasião que podem usar para carregar sobre os seus condutores. O Cão da Serra da Estrela é um típico “let him go”, um companheiro com vontade própria que detesta intromissões. Se vier a acontecer a proliferação dos exemplares de pêlo curto, o que seria de todo desejável, o futuro do Serra da Estrela só terá a ganhar com isso, porque essa variedade é mais versátil, melhor aceita a liderança e mantém os indíces atléticos por mais tempo. O cão de eleição do falecido Padre Aníbal Rodrigues, o Cão de Castro Laboreiro, um lupóide amastinado, junta características de ambos os grupos somáticos, para o melhor e para o pior, sendo grande a diversidade individual de comportamentos. A raça vale como cão de guarda, mais pela tenacidade do que pela força de mordedura. Contudo a sua velocidade funcional é baixa, porque normalmente envereda pelo galope cadenciado. O cão de Castro Laboreiro é um excelente atleta, não se nega aos desafios e necessita de mão forte, alcança maior aproveitamento nos automatismos de imobilização do que nos direccionais, ostenta uma marcha desengonçada (rebolada) e pode apresentar algumas dificuldades na sociabilização entre iguais. Se acontecer o acompanhamento dos seus ciclos infantis, para robustecimento da sua experiência directa e maior capacitação, o Castro Laboreiro chegará à excelência visível nos mais afamados lupinos ou lupóides. Apesar de se notarem algumas melhorias, a raça necessita de melhorar a cumplicidade, porque naturalmente surpreende pela carga instintiva. Aproveitando a deixa, já o dissemos e não nos cansamos de repetir: evite cruzar lupinos com molossos, porque esses híbridos podem tornar-se incontroláveis e muito perigosos (ex: CPA + Serra da Estrela).

Em termos prático-laborais, a maior diferença entre o Serra d’Aires e o Cão de Água Português reside na capacidade de aprendizagem, porque o primeiro é um super dotado quando comparado com o segundo. O cão da Serra de Aires pode executar na perfeição toda e qualquer disciplina convencional da cinotecnia, porque é muito curioso, prestável, disponível e veloz, pese no entanto alguma fragilidade a nível do dorso e a fraca potência de mordedura, que pode ser potenciada de modo convencional. Quando convenientemente adestrado, independentemente do seu sexo, pode transformar-se num bom terapeuta, já que como cão de companhia necessita apenas de alguma regra, porque é endiabrado e passa o tempo a observar. É o cão indicado para os jovens e para o desporto canino, pois adora correr e aprende a superar obstáculos com facilidade. Na obediência pode atingir a mestria e possui características inatas para o salvamento. Morfologicamente falando, só precisa de melhorar a sua ossatura e pormenor articular, porque geralmente não aguenta os impactos que causa, queixando-se de sobremaneira. O Cão de Água Português é menos dotado física e cognitivamente, mas menos queixoso e mais sossegado. É um cão familiar por excelência e um terapeuta pouco visto e pouco utilizado, entregue a grupo de apaixonados que pouco tem feito pela sua divulgação (valeu-lhes o Presidente Barack H. Obama). Este cão é um auxiliar por excelência, um cão de paz que abomina a guerra e que aceita a liderança sem maiores delongas, vive para a companhia e dispensa os artificialismos dispensados pelo treino. Afável de trato, dificilmente morderá a alguém, adora transportar objectos e nunca perde o rasto do dono. Ao Cão de Água Português só falta divulgação, ele tem lá tudo e fará muita gente feliz (menos aqueles que vivem para a escaramuça e não dispensam inimigos). O Perdigueiro Português, mestre no passo de andadura, é um caçador inato que se tem vindo a transformar em cão de companhia. Jamais poderá ser considerado um cão de ensino convencional, porque os seus interesses são outros e a caça é a sua especialidade. Trabalhar para além disso obrigará ao trabalho precoce e uma instalação doméstica irrepreensível. Contudo, a excelência no contributo ambiental não evitará a abordagem aos obstáculos pelo faro e não o fará prescindir dele. Pode e tem sido pouco utilizado como cão de pistagem e salvamento, algo estranho que desconsidera a sua excelência, velocidade e prontidão, mas certamente ligado ao pouco empenho dos seus criadores e ao desprezo dos profissionais dedicados a esses serviços. O recurso ao reforço positivo operou e tem operado múltiplas capacidades até aqui desconhecidas ou ditas pouco comuns na raça.

Falta aos criadores dos cães nacionais maior saber e empenho, ousadia para ir adiante e usar os meios próprios para isso, já que a maioria dos seus cães acaba arredada do treino e dos seus benefícios, desprezando assim um dos maiores veículos para o reconhecimento e divulgação do seu trabalho. Valerá a pena esperar pela eleição de um novo presidente dos Estados Unidos e aguardar que escolha um cão doutra raça portuguesa? E já agora, porque não esperar por D. Sebastião (monarca que ao que tudo indica era apreciador de galgos)?

O contributo da memória mecânica canina

Se a excelência do condicionamento não dispensa a contribuição da memória afectiva, só através do contributo da memória mecânica chegaremos à associativa, repetindo as acções até que passem a automatismos. Assim é no mundo do adestramento e acontece de acordo com o particular cognitivo canino, respeitando-se os tempos de adaptação, da recapitulação e do aprimoramento. O facto do cão ser um animal de hábitos torna a mecanicidade das acções possível, quer por aproveitamento, transformação ou inibição. A fotografia acima demonstra até que ponto a memória mecânica pode operar, uma vez que o cão se encontra de olhos vendados (privado da visão) e consegue progredir sobre as costas de várias cadeiras, dispostas consecutivamente e de igual espaço entre si. O registo é antigo mas o princípio continua válido, muito embora tal exercício seja por demais abusivo e somente extensível a cães excepcionais, exigência de tempos idos que felizmente (ou infelizmente para alguns) não voltarão.

Instinto de presa e sucessão hierárquica

Assim como todos os homens podem vir a pegar em armas e ser soldados, também o instinto de presa pode ser suscitado a todos os cães e ser potenciado para além dos entraves raciais, psicológicos e sexuais dos indivíduos, porque o cão continua um predador, ainda que adormecido e reflecte o peso ambiental por força do seu particular social. A precariedade nesta matéria e causa de inaptidão apontam para as distintas selecções operadas pelo homem, enquanto formador de raças para além da selecção natural, que tem vindo a transformar o lobo familiar naquilo que lhe apraz, descuidado a liderança e rotulado muitos cães de incapazes, exactamente na mesma proporção do seu saber e empenho. Apesar das menos valias genéticas, a esmagadora maioria dos cães aflorará o seu instinto de presa e será capaz de fazer uso dele de forma eficaz, ainda que aos mais inibidos tal seja desaconselhado, atendendo ao carácter imprevisível das suas arremetidas e à frequente confusão dos alvos.

Um bom cão de guarda ou de patrulha não precisa de ter um carácter muito-dominante e na maioria dos casos nem é recomendável, considerando o seu controlo, o trabalho de equipa e a dificuldade em encontrar o líder certo. Por outro lado, um cão submisso pode transformar-se num bom guardião e ser portador de um excelente instinto de presa, desde que seja bem identificado, melhor preparado e enquadrado num método adequado às suas características individuais. Todos os cães são competitivos e tudo no cão passa pela investidura, pelo trabalho acertado que induz ao final esperado, o que nos transporta para os procedimentos, que ao garantirem a experiência feliz, possibilitam a capacitação e o êxito – os cães vivem da experiência que têm! Não será ela a responsável pelo escalonamento hierárquico dentro das matilhas?

Numa matilha, quando o líder morre, adoece ou se torna impróprio, os cães imediatamente a seguir não o destronarão e tomarão o seu lugar? E o substituto não defenderá o seu posto por todos os meios ao seu alcance, contra tudo e contra todos para garantir o seu domínio? Geralmente acaba por ser mais cruel para os outros do que aquele que o havia subjugado. A sucessão hierárquica canina remete-nos para o papel do dono, enquanto macho alfa e líder por substituição. O cão é um animal em construção e não um produto acabado, caso contrário, todo o nosso esforço seria inglório, votado ao insucesso e o treino seria inválido. O que tornará um cão mais ou menos defensivo? Somente a genética sem o contributo ambiental que legitima a liderança? Poderá um cão defensivo adquirir um forte impulso à luta e evidenciar um irrefutável instinto de presa?

Muitas vezes por ignorância ou impropriedade, mercê da postura adoptada, os donos acabam por transformar os cães mais audazes em animais defensivos, podendo desaproveitá-los pelo isolamento, pelo desuso ou pela inibição, porque o cão desenvolve-se pela parceria (cumplicidade), necessita de ser exercitado e facilmente abandona instintos para agradar ao dono. O cão é o reflexo do seu líder e o treino pode oferecer a transferência física e anímica do dono para o animal, o que geralmente acontece. E as atitudes reflexas caninas não se ficam por aqui, já que os donos complacentes têm cães agressivos e os austeros animais de pouco préstimo, porque os últimos fazem da inibição prática corrente. É importante não esquecer que foi a perca de alguns instintos que transformou o lobo em cão. Todo e qualquer cão defensivo pode, desde que haja acerto nos métodos, alcançar o impulso à luta e abraçar um forte instinto de presa (cadelas inclusive).

Esse trabalho será mais fácil entre os cães tidos como territoriais ou caçadores, desde que espelhem essas qualidades, muito embora qualquer raça o possa adquirir, porque o potencial individual não se encontra exclusivamente cativo ao grupo a que pertence, mas ao indivíduo e ao seu processo de adopção (instalação doméstica, viver social e treino), o que reforça a importância do contributo ambiental prà capacitação dos cães para este ou outros fins. Quem será mais fácil de induzir ao instinto de presa: uma cadela que sempre viveu com o dono ou outra que se viu subjugada por vários cães? O instinto de presa melhora consideravelmente com o treino e deve ser suscitado logo a partir da idade da cópia (4 meses), através de brinquedos ou acessórios que possibilitem a sua perseguição e captura (há quem comece mais cedo e veja premiado o seu esforço). Se não houver apreço e recompensa por parte do dono, bem depressa o cão mandará bugiar os brinquedos. A aquisição e guarda do espólio (pertences da eleição do cão) garantem a transição da defesa para o ataque e por consequência um superior instinto de presa. O cão absorve lições de vida e arranca para as acções na certeza do sucesso, porque a experiência anterior demonstrou a sua supremacia e sabe que isso é do agrado do dono.