sexta-feira, 26 de julho de 2013

INSOLVÊNCIA, DESEMPREGO E ABANDONO DOS ANIMAIS

Estendida sobre a relva, debaixo de um jacarandá florido, uma mulher agoniza imóvel num jardim público, com as moscas à volta da boca numa manhã radiosa de Verão. Todos a julgam morta porque a sua pele branco-mármore encontra-se gélida, não responde a qualquer apelo e não esboça qualquer tipo de reacção. Perante isto, as ciganas não tardam em lhe atribuir o óbito e o número de curiosos aumenta ao seu redor. O auxílio não tarda em chegar e o pessoal do INEM arranca de imediato para o resgate, vendo-se em apuros para lhe colocar a sonda na boca. Desapertam-lhe a roupa e ligam-na ao monitor, ministram-lhe soro e ligam para a polícia. Trata-se duma senhora a rondar os quarenta anos de idade, bem nutrida e sem cicatrizes visíveis, isenta de varizes, de um metro e sessenta e poucos, a rondar os 60Kg. Não trouxe consigo qualquer identificação e ainda conserva na mão direita um copo de plástico do McDonalds com uma réstea de água e alguns comprimidos. Determinada no seu propósito, vestiu-se impecável para a morte dos pés à cabeça, apresentando-se limpa, desodorizada e ávida de partir. Porque teria agido assim? Certamente estaria doente, porque bem não estaria por certo! Infelizmente este caso não é nem será caso único nestes tempos atribulados, fartos em insolvências e desemprego que originam toda a casta de desencontros, desastres e desesperos, responsáveis directos por muitos divórcios e disensões, por muita solidão, miséria, abandono e ostracismo, já que as baixas desta guerra económica medem-se pelo número de desempregados de cada país. Serão as sociedades menos adaptadas ao actual sistema vigente as mais flageladas, as que terão o maior número de baixas e Portugal já as tem em demasia. Demoraremos a recuperar desta guerra, que como todas as outras, é fratricida. No entanto, esta velha Nação já passou por muitas e triunfou. Baseados na nossa história, não perdemos a esperança e nela encontramos a razão que ainda nos faz acreditar quanto ao futuro, pelo que importa resistir e não esmorecer.
Entretanto, com os portugueses a lutar pela sobrevivência, a braços com a bancarrota e a perder a soberania, que destino terão os animais de companhia diante desta austeridade galopante sem fim à vista, particularmente os daqueles que perderam o emprego, foram despejados ou entraram em insolvência e que não conseguem encontrar trabalho? Muitos verão os seus dias encurtados e outros ver-se-ão abandonados e votados a sorte incerta (queira Deus que nenhum chinês os aproveite para o “Pato à Pequim” ou para a “Vaca com cogumelos e bambú”). A coisa está tão preta (como dizem os nossos irmãos brasileiros), que os cães de raça mais certificados são vendidos hoje a 1/5 do preço doutrora e os canis de abrigo estão cheios de animais “puros”, que para cúmulo do seu infortúnio, acabam castrados e vêem assim diminuída a sua qualidade de vida. Nunca foi tão fácil comprar um bom cão por tão pouco dinheiro, o que levará alguns a chapar cachorros contra a parede ou a afogá-los dentro de um balde de água tapado. È evidente que tudo isto é irrelevante diante dos crimes domésticos e familiares que a actual crise económica sustenta, porque na guerra raramente se contabilizam os cavalos abatidos, uma vez que as baixas anunciadas remontam primeiro aos cavaleiros perecidos na peleja. 
Contudo, considerando o uso terapêutico canino, para além de um hediondo crime contra os animais, este despojar de cães é também um crime contra a humanidade, já que as crianças não viverão mais felizes quando privadas deles à força e os mais idosos não se sentirão melhor acompanhados quando forçados a deixá-los. O que porão no seu lugar os mais isolados e carentes de afectividade, de parco envolvimento social e deficitário relacionamento? Os químicos do costume (que não são baratos) ou as fotos dos tecnocratas Sr.s Renn e Van Rumpoy? 
Aos sobreviventes da estóica classe média que entre nós hoje se esfuma, depois de vencida a crise, pouco lhes importará as percas materiais ocorridas durante o aperto, custar-lhes-á mais os danos emocionais resultantes da perca forçada de afectos, tanto os relativos a pessoas quanto os ocorridos com os animais, funcionando isso como stress pós-traumático de difícil eliminação. Alguns deles pedirão à sua descendência para não voltar a fazer o mesmo, compromisso de que não teremos a certeza de vir a ser cumprido. Alguns chineses matam e comem cães, por enquanto os europeus só os matam. Tempos houve em que os germanos se viram obrigados a comê-los, será que a Alemanha ainda vai obrigar alguns de nós a fazê-lo? O que resta saber é se os interesses da Alemanha são os de toda a Europa ou se mais uma vez ela apenas se importa consigo. Parece que criámos a CEE para que isso não voltasse a repetir-se. Poderão os homens mudar? Se eles não mudarem dificilmente mudarão as nações! No passado (Sec.XVI), o vencimento dos juros de alguns banqueiros, foi causa primeira de muita dissensão, de guerra e de morte, de rara heresia e de uma solução política para um problema religioso que vigora até hoje em terras teutónicas. 
Não existem dois cães iguais e a perca de um pode ser irreparável, criar um vazio impossível de preencher atendendo ao particular do indivíduo, do tempo, da circunstância e diante da finidade que se abate sobre todos. Em tempos de crise não se abatem só os cavalos - os cães vão primeiro! Em Portugal existiam 2 milhões de lares com animais domésticos, no final desta crise quantos sobrarão? Contá-los-á quem por cá ficar!

LUTO CANINO: REALIDADE OU MITO

Falar sobre cães é falar sobre indivíduos, tarefa que não é fácil atendendo às diferenças existentes dentro das mesmas raças ou grupos somáticos. O facto dos cães substituirem facilmente instintos por rotinas assimiladas também em nada ajuda, porque muitas vezes não sabemos se as suas reacções são espontâneas ou condicionadas, naturais ou fruto da coabitação com os seus donos (ambientais). E porque estamos a falar de comportamento, os diferentes grupos somáticos caninos actuam de modo diverso consoante o objecto para que foram criados, tipo de relacionamento e particular habitacional. Por isso sempre será mais fácil estudar os dingos ou qualquer outro canídeo selvagem. A ciência só agora se está a debruçar afincadamente sobre esta matéria, as respostas são vagas e os novos cientistas, na sua maioria, não privaram de perto ou não tiveram o privilégio da companhia de um cão, antes da sua formação académica (só há pouquíssimo tempo conseguiram provar e concluir que lobos domésticos também possuem emoções e sentimentos).
Se entendermos o luto como um conjunto de reacções a uma perda significativa, teremos que reconhecer, em simultâneo, que quanto maior fôr o apego ao ser desaparecido maior será o sofrimento de luto, muito embora ele possa também acontecer diante da perca de privilégios, condições e regalias, enquanto desgosto manifesto em rara infelicidade. Sobre este último caso, lembramo-nos dum Pastor Alemão que costumava dormitar debaixo dum salgueiro-chorão (salix babylonica) e adormecer na companhia dos passarinhos. Em determinada ocasião, cumprindo ordens, o jardineiro da casa podou a árvore até a deixar careca (sem folhas), para arranjar espaço para o estacionamento das viaturas familiares. Durante alguns dias o pobre cão sentava-se defronte do salgueiro, por tempo considerável, perplexo e abatido. A sua alegria acabou por voltar na Primavera seguinte. 
Os cães tornados de “trabalho” são mais ligados aos donos do que aqueles que são jogados em quintas, sofrendo em demasia quando os donos desaparecem, podendo inclusive enveredar pela letargia, não resistir ao luto e morrer poucos dias depois. Há quatro décadas atrás assistimos à morte dum cão militar num canil de abrigo que pura e simplesmente deixou de comer e beber, apesar de ter um habitáculo só para si e de tudo ser feito para o salvar (prò bem dos cães, convém que aceitem a autoridade e liderança de uma segunda pessoa, porque tal pode salvar-lhes a vida). 
Os cães de caça e os territoriais, pese embora as diferenças de prestação e comportamento, tendem a um luto prolongado, os primeiros porque perdem a liderança e os segundos porque lhes falta o amigo. Mais tarde, confusos, irão desinteressar-se do serviço que desempenharam até ali, podendo rebelelar-se como acontece com os dominantes ou simplesmente desinteressar-se como é próprio dos submissos. Os cães toys ou miniatura, mercê da necessidade constante de protecção e de múltiplos cuidados, que os reveste e investe de um estatuto quase humano, tendem a um luto bastante sofrido e pungente. E o que dizer dos poodles e dos borders, cujo luto não escapa à vista de ninguém?
Esse enorme sentimento de perca que convencionámos chamar de luto, tem sido responsável por caminhadas intermináveis na procura da casa ou dos donos, algumas bem sucedidas e outras não, havendo alguns cães que sucumbiram durante o trajecto ou pouco tempo depois de regressarem ao local de partida, acontecendo isso por cansaço, desalento ou pela combinação de ambos. E porque estamos cá para aconselhar, se tem um cão territorial e trocou recentemente de casa, evite ausentar-se por muito tempo, porque a troca de território e a ausência da liderança podem induzi-lo ao luto. Não restando outro remédio, convém manter-lhe as rotinas e rodeá-lo dos seus pertences.

O luto canino não é um mito nem resulta de um engano ou esforço antropomórfico, ele existe e acontece todos os dias um pouco por toda a parte, quando algum cão perde algo que lhe é querido, o que pode induzi-lo à apatia e até a morte, casos destes não faltam!  Ao contrário do que sempre ouvimos, à guisa de compensação, assim como existem pessoas insubstituíveis, também existem cães e eles sabem muito bem quem lhes é benquisto e a quem devotam as suas vidas. Nos cavalos reconhecemos nobreza e nos cães gratidão, a ambos muito deve o homem. Apesar disso, o luto do cavalo será menos duradouro do que o do cão, porque a parceria é diversa e o último contiunará a fazer tudo para nos agradar, desnecessitando de freio, gamarra  ou esporim, ele vai para além do “sol,campo e palmada na garupa”, pois insisite em viver ao nosso lado. Porque carga de água fomos “inventar” o cão?

O MEU ESTAVA PRESO À ÁRVORE E O OUTRO É QUE VEIO TER COM ELE!

Os irreflectidos, pelo que são, sempre andarão com um pedido de desculpas na boca, apesar de não “darem a mínima” ou não se aperceberem da insanidade em que incorrem, dominados pelo hedonismo que os guia e suportados pela paciência dos outros. Essa incapacidade que os leva a não antever as situações e os impede de vislumbrar de imediato as repercurssões do seu comportamento sempre os acompanhará e sempre serão surpresos, dizendo-se vítimas do infortúnio ou das circunstâncias, relegando para o acaso o peso das negligência que a imaturidade não esconde, porque se comportam como adolescentes, que exigem ser tratados como adultos e procedem como crianças.
Determinado cavalheiro, proprietário de um lupino a rondar os 40 kg, apostado em relaxar, decidiu ir fazer um piquenique para um jardim público, tirando partido de um bonito dia ensolarado. Uma vez instalado, prendeu o seu cão numa árvore próxima e prontificou-se a dividir o repasto com a sua companheira, já que apetite não lhes faltava. Depois de saciados, espreguiçaram-se na relva tal qual inglês em dia sem nevoeiro e decidiram relaxar. Pelo canto do olho, o homem vê aproximar-se um pequeno cão em direcção ao seu, facto que não o preocupou em demasia por o ter preso à árvore. Breves segundos depois, a escaramuça acontece e o pequeno cão solto acaba com um buraco no “casaco”, porque o lupino, elevando-o no ar, rapidamente o sacudiu, quando o incauto violou o seu território e ficou ao seu alcance. 
É evidente que o dono do cão pequeno tinha-o solto, tão evidente como o lupino vir a ser considerado um cão perigoso, uma vez que atacou outro cão e a Lei não lhe permite tal. Todos sabemos que a maioria dos lupinos são territoriais e não vêm com bons olhos a invasão do seu território, guardando por isso mesmo o espaço que lhe é destinado e os pertences que lhe são confiados, o que obriga os seus donos ao cuidado redobrado quando no exterior, perante incautos invasores e diante de toda a casta de provocadores acidentais, que julgam todos os cães iguais, não lhes reconhecendo qualquer diferença. 
O incidente depressa foi sanado e não foi preciso chamar a polícia, o que cada vez é mais raro, porque os cinófobos estão em alta e os ânimos andam exaltados. Não obstante, o dono do cão ferido lá soltou: “Tanto treino para quê?”, o que não seria nada abonatório para qualquer escola, caso o lupino frequentasse alguma, porque colocaria em cheque o seu préstimo e bom nome. Hoje, exactamente como fazemos na estrada, temos que contar com os erros dos outros, sabendo que o perigo espreita e o disparate busca ocasião. O dono do cão-pastor, ao invés de esperar para ver, deveria ter travado o seu cão e alertado o proprietário do outro para o perigo que corria. Certamente confiou na sorte e acabou por ter azar!  Se a irreflexão fôr azar, então os irreflectidos sempre serão tremendamente azarentos, dignos de dó pela sua má fortuna. Advirá isso de uma menos valia genética? Alguém deverá saber se sim ou não!

BELA GUTTMANN, O FADO LISBONENSE E OS CULPADOS DO COSTUME

NOTA INTRODUTÓRIA: Este artigo, publicado agora com algum atraso, remonta aos dias imediatamente à seguir à derrota do S.L.Benfica frente ao Chelsea de Londres a contar para a Champions League da época transata.
Mesmo que a queiramos ignorar, não podemos desconsiderar a força do futebol entre nós, porque o País pára quando algum dos “grandes” defronta outro lá de fora, aproveitando as televisões esse entusiasmo para aumentar as audiências, dedicando ao “desporto-rei” intermináveis horas de emissão. Aqui e ali surgem nas praças ecrans gigantes, os políticos associam-se à “coboiada”, a cerveja corre a rodos, reina o silêncio e as ruas ficam desertas pouco antes da hora dos jogos, dando a sensação que a “redenção” está prestes a chegar ou que a “glória” se encontra a um passo. Assim é em Lisboa, uma cidade controversa que bem depressa se dá a conhecer, particularmente quando joga o Benfica. Acostumados à sua sina, porque há mais de cinquenta anos que os benfiquistas não ganham um troféu internacional (uma Taça Uefa ou a Liga dos Campeões), mais uma vez, agora perante a derrota frente ao Chelsea, soaram os acordes do fado da desgraça e urgiu encontrar um responsável, sendo ele, neste caso ela, a maldição de Bela Guttmann, idéia também abraçada por alguns jornais desportivos estrangeiros que a usaram nas suas parangonas. Mas o mais curioso disto tudo, é que um jornalista televisivo português, quiçá descendente de algum ignoto marrano ou cristão-novo, para realçar o papel da dita maldição, disse-a proveniente do “judeu” Bela Guttmann, como se ela fosse mais eficaz vinda de um hebreu e os judeus continuassem a causar todas as desgraças, mesmo depois do decreto da sua expulsão, acontecido há cinco séculos atrás. Hábitos antigos que tornam actual o refrão da canção da Ala dos Namorados: “ São os loucos de Lisboa/ Que me fazem duvidar/ Que a Terra gira ao contrário/ E os rios nascem no mar”.
A maldição do agora tornado proscrito Bela Guttmann, até aqui um simples húngaro, falecido em 1981, remonta ao ano de 1962, quando conquistou como treinador do Benfica a segunda Taça dos Campeões Europeus e disse que o Clube da Águia jamais voltaria a ganhar uma final europeia sem ele, vaticínio que até hoje tem vigorado para desespero das hostes benfiquistas. Aquilo que o homem proferiu em exaltação tem sido aproveitado como maldição, como razão oculta para menos valias à vista de todos. A este “Judeu” muito deve o Benfica, porque com ele foi bicampeão nacional (1959-1960 / 1961-1962), ganhou uma Taça de Portugal (1961-1962) e duas Taças dos Campeões Europeus, respectivamente em 1961 e 1962, elevando o nome do Clube da Luz por essa Europa fora. Como treinador foi ainda campeão húngaro duas vezes e ganhou uma taça, deu ao São Paulo um Campeonato Paulista, ao Millan um Campeonato Italiano e ao F.C.Porto um título de Campeão Nacional. Afortunadamente os tempos são outros e o homem não se encontra aqui sepultado, porque doutro modo desenterrariam os seus ossos e queimá-los-iam à vista de todos, tal como sucedeu com Garcia de Orta. A “habilidade” do jornalista desportivo português traz-nos à memória  “A Matança da Páscoa”, “O Massacre de Lisboa” ocorrido em 1506, quando um grupo de fradecos, designados por dominicanos, exaltou os ânimos populares e responsabilizou os judeus da Capital pela peste, pela fome e pela seca que então grassavam. Como resultado disso foram mortos milhares de judeus. Como este “Pogrom”, apesar de realçado por eminentes historiadores (Alexandre Herculano, Oliveira Martins e Garcia de Resende), nunca constou da História a ser ensinada nas escolas, é de todo conveniente ler o relato que Damião de Góis trouxe até nós.