sexta-feira, 24 de abril de 2015

AMANHÃ É DIA DE LUTO NACIONAL

Celebra-se amanhã a Revolução do 25 Abril de 1974, que começou com cravos e nos lançou aos cardos, que amanheceu com cantorias e anoiteceu com lamentos, um momento ímpar na nossa história, que nos devolveu a liberdade de expressão, o retorno aos erros do passado e à pobreza que sempre nos acompanhou, não sendo por isso de estranhar ser o fado património cultural da humanidade. O que celebraremos amanhã? A perca da Soberania Nacional? A incapacidade de nos governarmos? O aumento de cidadãos no limiar da pobreza? O endividamento, o desemprego, a fome, o roubo das pensões ou a fuga dos nossos filhos para a estranja? Decididamente amanhã é dia de luto nacional, não porque houvesse morrido alguma individualidade destacada mas porque o País está moribundo, a esperança virou desgraça e o desalento impera. Como sempre, far-se-ão actos solenes e paradas militares, oxalá desta vez não hasteiem o Estandarte Nacional de pernas para o ar, à imagem do País que se encontra de pantanas.
Melhor seria que hasteassem a Bandeira Republicana a meia-haste e os parlamentares trouxessem na lapela, ao invés de um cravo vermelho, um negro, o que seria justo e faria todo o sentido, diante do prometido que não foi cumprido, das expectativas goradas e das penas imputadas, obra de banqueiros gananciosos e políticos petulantes, mercenários de velhos inimigos e fratricidas do seu próprio povo, apostados no seu próprio desenrasque e de malas sempre prontas para partir.
Seremos capazes de enveredar por uma solução “à finlandesa”? Vontade não nos falta mas teremos gente para isso? O que nos impede de colocar estes banqueiros e políticos (sem excepção) na prisão? Será que nos virá algum bem das ditas “Comissões Parlamentares de Inquérito”? Se da fome ninguém nos tira e da miséria ninguém nos livra, de que estaremos à espera para fazer outra revolução? De legar aos outros um País sem gente e pronto a habitar? Deixem lá estar o D. Sebastião, todos temos arregaçar as mangas e lutar pelo nosso pão, pela nossa sobrevivência e futuro dos nossos filhos. Esta malfadada 3ª República já deu tudo o que tinha para dar e já nos tirou tudo o que tinha para roubar, mercê de políticas genocidas encobertas e suportadas pela pobreza envergonhada.
Até quando nos envergonharemos de ser portugueses e nos conformaremos com a desgraça? Quando levantaremos a cabeça e diremos basta? Seria bom que o fizéssemos antes de morrer e, morrer por morrer, mais fazê-lo a lutar! Diz-se que o “calado vence tudo” mas também se ouve que “quem cala, consente”, em que pé é que ficaremos, a rosnar uns para os outros pelas migalhas ou unidos a lutar pelo que é nosso? Nós optámos por não nos calarmos, na esperança de encontrarmos outros como nós, decididos a dar outro rumo ao País e às suas gentes, que não se conformam com o estatuto de refugiados dentro da sua própria Nação. Outros terão razão para celebrar, os mesmos que tentarão, como sempre o fizeram, pôr-se na vanguarda duma possível mudança. Portugal tem solução e ela começa em cada um de nós.

AKITA INU (秋田犬): LEAL, SILENCIOSO E VELOZ

Vamos hoje divulgar o nosso parecer sobre o Akita Inu, um cão de origem japonesa, pouco visto entre nós, com uma linha de criação americana distinta, sobre a qual recai a nossa preferência, um excelente parceiro e óptimo guardião, aqui pouco divulgado por ser silencioso e isso não agradar aos que procuram cães para guarda, que entendem a voz de aviso como primordial para o serviço, o que não é de todo verdade, porque cão que se denuncia compromete a sua salvaguarda. A origem da raça aponta para uma selecção samurai e acabou destinada ao Imperador. Existem Akitas americanos numa grande variedade de cores sólidas e raiadas, o que os capacita para diferentes ecossistemas considerando a sua camuflagem. Entre o Akita Japonês e o Americano são visíveis algumas diferenças morfológicas, psíquicas e sensoriais, porque o japonês é mais pequeno, de ossatura mais leve e de menor envergadura, é mais instintivo e fareja mais. O americano é maior, mais poderoso, usa mais o ouvido e é notoriamente territorial.
Dispensamo-nos de maiores considerações sobre o seu estalão, porque elas encontram-se ao alcance de qualquer um, o que nos liberta para a sua análise funcional e unicidade prestativa. Usaremos como comparação o Cão de Pastor Alemão, raça desde sempre utilizada para o ofício guardião e por isso mesmo mais conhecida, para explicar as mais-valias presentes no Akita. Em termos cognitivos e apreensão de conteúdos de ensino não existem diferenças significativas entre ambos, porque uns e outros aprendem com facilidade, suportam bem a mecanicidade das acções e respondem afirmativamente debaixo de pressão, ainda que alguns akitas demonstrem alguma teimosia e desejo de autonomia, dificuldades facilmente ultrapassáveis pelo recurso à sua memória afectiva. Comparativamente, o Pastor Alemão assimila em média mais 15% dos comandos, muito embora o Akita possa demonstrar igual capacidade quando treinado a partir dos 4 meses.
No que à biomecânica diz respeito as diferenças são acentuadas, ainda que a aprovação seja idêntica, algo ligado às díspares angulações traseiras que fornecem diferentes modos de execução e que influem na escolha do andamento natural preferencial. Ambos marcham bem, muito embora o Pastor Alemão seja mais ruidoso ao fazê-lo e o Akita pareça desenvolvê-lo com “pés de lã”, apesar de mais pesado e recto de angulações traseiras. Nenhum deles apresenta dificuldades na transição de andamentos e na transposição de obstáculos, apesar de procederem a diferentes abordagens e modos de execução, porque o Akita reduz o galope antes dos obstáculos e o Pastor ultrapassa-os numa perspectiva de continuidade, aproveitando a extensão do galope, saltando o japonês mais tarde e para cima, numa curvatura de salto a rasar os 45 graus. Ambos fazem a abordagem aos aparelhos à vista, equilibram-se bem em qualquer plataforma, não apresentam claustrofobia, toleram o fogo e resolvem obstáculos compostos ou intrincados sem maior dificuldade.
Debaixo de temperaturas até aos 28 graus celsius a sua prestação é idêntica e a resistência do Akita é maior, sucedendo o contrário quando as temperaturas ultrapassam os 30 graus. O japonês suporta melhor os altos índices de humidade e acusa em demasia os climas quentes e secos, que normalmente o induzem à indolência e passividade. O Akita tem igual desempenho em diversos tipos de terreno e sai mais rápido para o galope, o Pastor cobre mais terreno em marcha e enterra-se nos pisos arenosos e irregulares. O Inverno não constitui para nenhum deles qualquer tipo de problema, ambos são bons nadadores e o Pastor é mais célere dentro de água, apesar de sair dela mais estoirado. Usam formas diferentes de propulsão: o Cão Alemão usa mais a traseira e o outro a frente, um tira partido das angulações e o outro das membranas interdigitais.
O Akita, para além de silencioso, é mais difícil de subornar, porque não tira os olhos do dono e é naturalmente reservado com estranhos, que não hesitará em enfrentar perante insistência ou abuso. Ambos parecem ter nascido para a disciplina de guarda, são próprios para os ataques lançados e rigorosos na defesa dos donos. Nas capturas o Pastor tira partido do embalo e o Akita da elevação, sendo mais fácil ensinar ao japonês o ataque a vários golpes, porque é reactivo e espera o desequilíbrio do agressor, desferindo ataques superiores tanto pela frente como pela retaguarda, geralmente de difícil defesa por serem dissimulados. Acresce a isto o facto de partir da fixação para o ataque, rosnando curto e sem voz de aviso, o que o torna excelente como cão de cerco e assalto (acções ofensivas).
As três melhores qualidades do Akita passam por ser extremamente leal, silencioso e veloz, que o tornam um guarda de créditos firmados e um cão de companhia como poucos, porque quando chamado a intervir faz-se presente, a sua presença dentro dum apartamento produz pouco ou nenhum estrago e é praticamente inaudível, para além de ser muito ligado aos donos e protector das crianças, robusto e decidido. A 30 metros de distância conseguimos ouvir um Pastor Alemão que vem na nossa direcção e só daremos pelo Akita quando estiver cara a cara connosco ou encavalitado nas nossas costas, o que não deixará de ser uma terrível surpresa diante do seu porte e decisão. E ainda há quem pense ser ele um cão de bonecas, como as aparências iludem! Será que o tratam por “cão dos samurais” só por causa da sua origem? Verdade seja dita, em termos de aptidão laboral, a raça ficou a dever mais aos americanos do que aos japoneses. 

ELES AMAM-NOS E OS JAPONESES PROVARAM-NO

Quem se dedica ao ensino de cães não pode dispensar o amor pelos animais, residindo nele o segredo do sucesso educacional. Que alguns homens amam os cães, ninguém tem dúvida nenhuma, mas será que eles nos amam de igual modo e com a mesma intensidade ou isso resultará do tanto que lhes queremos, uma correspondência só explicada pelo antropomorfismo? Atribuir sentimentos aos cães é uma tendência relativamente nova, intrinsecamente ligada aos avanços da ciência e à sua comprovação, mercê da investigação agora levada a cabo.
Os proprietários caninos sempre realçaram e divulgaram o carácter sentimental dos seus animais, sobejando estórias, relatos e filmes sobre o amor dos cães pelos donos, sentimento difícil de catalogar diante das diferentes apresentações que há muito reconhecemos, apesar do seu viver social se coadunar com o nosso sem maiores atropelos e tudo fazerem para nos agradarem, ao ponto de nos protegerem, de reclamarem pela nossa presença e de sofrerem com a nossa ausência. Caso se prove, como tem vindo a acontecer, que os cães têm sentimentos (no que não deverão ser únicos), então estaremos a lidar com seres mais próximos e melhor capacitados, o que não duvidamos, capazes do melhor e do pior segundo as suas inclinações individuais, algo para além de meros actos reflexos como até aqui se pensava, o que obrigará à alteração de procedimentos diante da necessidade de melhor preparo pedagógico. Será esse amor desinteressado ou interesseiro? Somos capazes de jurar que já “vimos” ambos os casos.
Certo, é que os japoneses garantem que a nível químico existe um correspondência amorosa entre donos e cães, conclusões a que chegaram pelos níveis de ocitocina presentes na urina das duas espécies, depois de conviverem num período de 30 minutos e de se olharem olhos nos olhos. A ocitocina é um hormônio produzido pelo hipotálamo e armazenado na neuro-hipófise posterior (neurohipófise), liberto pela glândula pituitária, também conhecido por “oxitocina”, produzido pelo nosso cérebro, tratado como “hormônio do amor”, comummente associado ao desenvolvimento da confiança e ao estabelecimento de laços sociais, vulgarmente usado na sua forma sintética (artificial) para promover as contracções musculares uterinas e reduzir o sangramento durante o parto, estimular a libertação do leite materno e desenvolver afeição e a empatia entre pessoas, sendo ainda usado noutras terapias e práticas (profícuas ou nocivas), apesar de induzir ao medo pelo desconhecido.
Os investigadores japoneses Kikusui e Nagasawa, da Escola de Medicina Veterinária da Universidade de Azabu, do Japão, ao permitirem que vários proprietários caninos interagissem com os seus cães descobriram que, quando os cães olham nos olhos dos seus donos, os níveis de ocitocina aumentam em ambos, não ocorrendo o mesmo feedback entre os lobos e os seus tratadores, que os cães que receberam uma injecção daquele hormônio fixavam-se nos olhos dos seus proprietários por mais tempo, aumentando-lhes os níveis de ocitocina, resultados que sugerem uma ligação especial entre cães e pessoas, um vínculo que pode ter evoluído pela selecção operada pelo Homem, que lhe oferece o retorno da mesma emoção por parte destes animais, explicando a ocitocina em parte como isso acontece. Aguardam-se novos desenvolvimentos e aproveitemos as actuais conclusões, sem dúvida se suma importância para os proprietários caninos.
Os benefícios e mau uso da ocitocina não nos são estranhos, tanto que já falámos dela em edições anteriores, mas diante das actuais conclusões destes investigadores nipónicos podemos ir mais longe. Sempre usámos e recomendámos o seu uso nas cadelas parturientes, especialmente nas primeiras barrigas e diante de matriarcas mais activas, nervosas ou com forte ligação aos seus donos, para lhes facilitar o parto, suscitar-lhes a libertação do leite atempadamente e na quantidade desejável e para lhes desenvolver o instinto maternal (sempre fomos bem sucedidos). Usando-a ainda nas cadelas, quando necessário, entre a 2ª e a 3ª semana de vida dos cachorros, quando as “más de leite” tendem a ficar sem ele e os cachorros ainda não conseguem comer. Mas se esse cuidado não resultar, ao invés de drogarmos e estoirarmos as cadelas, teremos que deitar mão ao leite artificial próprio para o efeito.
Como se já não bastassem os malandrecos que por cá temos, de reconhecido engenho, ainda nos sobram alguns vindos do Leste Europeu, do Atlântico Sul e do Sudoeste Asiático, uma minoria no seu grosso, que vive a expensas da segurança social, abomina o trabalho e que tem como affaire dar caça àquilo que não lhe pertence. Alguns destes indivíduos têm cursos universitários ou ampla experiência na cinotecnia, sendo especialistas em eliminar ou ludibriar cães de guarda para o alcance de proventos. Não duvidamos e já tivemos conhecimento de casos em que se valeram da ocitocina para o sucesso nas suas acções, já que este hormônio se encontra à venda nas farmácias sob a apresentação de spray, apesar da sua venda depender de prescrição médica, geralmente torneada pela indicação de se destinar a um animal, o que não dispensa os cães de guarda da sua defesa, condicionando-os a um policiamento e aviso fora do seu raio de acção.
Por outro lado, e já tratámos do assunto, ainda que levemente no artigo “APRESENTA-ME O TEU CÃO E CONHECER-TE-EI MELHOR”, publicado na última edição, à luz das conclusões da presente investigação e considerando tanto a salvaguarda como o policiamento a efectuar pelos cães guarda, não devemos permitir aos estranhos que fixem o seu olhar ou olhem demoradamente sobre os guardiões, para se evitar que estabeleçam com eles comprometedores vínculos afectivos, capazes de neutralizar as suas acções e/ou de possibilitar o seu furto, já que a inocência dos donos tende a vitimar os cães ou a entregá-los a quem não devem (estamos a falar especificamente sobre cães de guarda).
A presente investigação japonesa veio reforçar a importância dos cães de terapia, nomeadamente junto de indivíduos com dificuldades na linguagem, distantes da realidade, a braços com a auto agressividade, insensibilidade à dor, dados ao isolamento e ausência da sensação de perigo, assim como para os afectados pelo stress pós-traumático, porque o contacto com eles animais transmiti-lhes, via ocitocina, a paz, a serenidade e o bem-estar que não encontram em si mesmos, ajudando-os no equilíbrio e futura reinserção social, sendo a sua prestação válida tanto para crianças como para adultos.
Acresce para a cinotecnia outra lição: quanto mesmo perto estiver um cão do lobo, menos vínculos afectivos estabelecerá com os seus donos, pormenor agora comprovado cientificamente, que já havíamos constatado e que nos levou ao desinteresse por essas raças híbridas. Estamos em crer, falta-nos o saber e o parecer clínico-científico, que o recurso à ocitocina sintética poderá resolver problemas de desequilíbrios afectivo-emocionais nos cães, melhorando o relacionamento impróprio ou deficitário entre eles e os seus donos, ajudando-os na desejável fixação exclusiva nas suas pessoas. Quanto ao amor presente nos cães ainda há muito para saber, assim como doutras emoções e sentimentos de que possam ser portadores, pelo que aguardamos novos desenvolvimentos e comprovação. Independentemente disso, pelo menos quimicamente, podemos estar certos: eles amam-nos!       

MATARRUANOS

Ao sair à rua, ouvimos um termo outrora muito corriqueiro e hoje quase esquecido: “matarruano”. Embora soubéssemos em que circunstâncias era usado e a quem o aplicar, não dispensámos a consulta de vários dicionários para a sua explicação, parecendo-nos a mais correcta a constante no Dicionário Priberan, que adianta ser um matarruano um indivíduo rude ou pouco sofisticado, algo equivalente a um labrego, pacóvio, saloio ou simplório, conclusão com a qual concordámos quase inteiramente, muito embora preferíssemos substituir o termo “saloio” por “provinciano”, atendendo ao carácter racista que o substantivo/adjectivo de origem árabe carrega e ao particular dessa gente, hoje mesclada e praticamente absorvida pela restante população, distante da horticultura, da pecuária e da panificação, que de burro não tem nada! Contudo, se os saloios estão a desaparecer, o número de matarruanos não cessa de aumentar, alcançando grande esteio na cinotecnia, sendo hoje os saloios modernos, agora sem bestas mas com cães ao lado.
Falta erudição a estes indivíduos, que tendem a julgar o todo pela parte, que se valem doutros mais frágeis, confiados, menos espertos e mais desinformados, normalmente proprietários de cães pela precariedade do seu estatuto social, avessos à cultura ou vitimados por desequilíbrios emocionais da vária ordem, porque não fora os seus entraves individuais, sociais e culturais, jamais aceitariam mestres deste calibre, muito embora haja gente que goste de ser maltratada, que se conforme com o que tem e não ouse ir mais além (parece que tudo se encontra interligado). A chegada dos menos habilitados ao mundo da cinotecnia não é de hoje, como não é de hoje a entrada de gente menos credenciada para as seguranças privadas ou para as artes e ofícios ligados à prática do cajado de Abraão e ao porte do bacamarte. Agora subsiste a moda dos treinadores credenciados por correspondência, que a troco de sensivelmente 300€, fazem os ditos “cursos” em casa, recebendo em simultâneo os conteúdos de ensino e os testes, plebe a quem não é exigido qualquer tipo de pré-requisito cultural ou empírico (muitos sem nunca terem visto ou experimentado um cão, acabarão igualmente credenciados).
Mal irá a cinotecnia, a nossa e a dos outros, se a situação não se alterar e não recrutar para os seus quadros gente mais fundamentada, com maior conhecimento científico e prático, conhecimento prévio e continuado sobre canicultura, genética, zoognóstica, etologia, morfologia e comportamento animal, políticas de selecção, particular dos diferentes grupos somáticos caninos, dos indivíduos e da sua mímica, biomecânica, métodos de treino e benefícios das diferentes linguagens, ferramentas indispensáveis aos adestradores que não se adquirem da noite para o dia, pela leitura extemporânea de várias apostilas, num período de seis meses ou em cursos intensivos de fim-de-semana. Tudo isto é importante mas poderá não bastar se não for acompanhado pela prática que fundamenta a experiência, que não dispensa o acompanhamento, a formação e correcção morfológica de cachorros, a capacitação de cães adultos e também a sua descodificação ou reeducação nas diferentes áreas e serviços do adestramento (isto no genérico e a título de exemplo).
Como se pode fazer um adestrador dum mancebo que não lê e não se cultiva, que maltrata a sua língua materna e que confunde magia com psicologia? Erigi-lo sem demorada e aprovada experiência de campo, que faz do pouco que sabe cânone e transforma o plágio em dogmática? Como o adestramento tem sofrido profundas alterações nas últimas décadas e todos os dias é subsidiado por novas revelações, os matarruanos têm os dias contados e virão ser substituídos por indivíduos melhor preparados e qualificados. Pode demorar o seu tempo mas a cinologia e a cinotecnia andarão de mãos dadas! 

O CÃO DO INSTRUTOR

Mais do que uma mera pertença do seu dono, o cão do adestrador é um precioso agente de ensino, porque os cães são curiosos, aprendem por observação e seguem os exemplos. Caso o cão do instrutor esteja devidamente preparado e habilitado, ele poderá ajudar no ensino e recuperação dos cães escolares, servindo-lhes de guia em todas as disciplinas cinotécnicas e práticas desportivas ao funcionar como líder. Infelizmente nem sempre assim acontece e muitos acabam por desprezar o seu contributo, enquanto ferramenta excelente para o seu ofício. Para além de exemplo entre iguais, a sua prestação servirá de ânimo, inspiração e incentivo para os condutores recém-chegados, que melhor compreenderão as metas e objectivos do trabalho a realizar e desejarão que os seus cães atinjam igual performance, oferecendo em simultâneo a desejável relação de confiança entre professor e alunos, o que realça o seu uso estratégico. Adestrador sem um cão destes lembra a triste figura dum cavaleiro apeado, pelo que será uma tremenda insanidade abrir uma escola sem ter primeiro o seu cão correctamente ensinado. Se chegarmos a um centro de treino canino e o cão do instrutor se lançar de imediato sobre os outros, bem depressa nos apercebemos que nos enganámos no número da porta e que aquele instrutor é de qualidade duvidosa.

SEMPRE NA CORDA BAMBA!

Não vamos falar sobre o cão da foto acima, o "Ozzy", que segundo o Guiness detém o recorde mundial da travessia canina mais rápida sobre uma corda bamba, ao cruzar com sucesso uma com 3,5 metros de comprimento em 18s22 (não sabemos porque razão o seu dono não intentou fazê-la de pernas para o ar, muito embora o animal possa ter futuro nas áreas do resgate e salvamento), mas alertar para a relação entre as diarreias e o risco de desidratação nos cães, particularmente nos dias quentes como sucedeu no fim-de-semana passado, valendo-nos para isso de uma situação real que mais parece ficção. Uma jovem, do alto dos seus 18 aninhos, recentemente formada como auxiliar ou enfermeira veterinária (não sabemos bem qual a designação técnica), que ganhou emprego no seu sítio de formação e estágio, proprietária de uma cadela castrada, sem raça definida e com 4 anos de idade, provavelmente por ter mudado de ração ao animal, acabou por condená-lo à diarreia, distúrbio que perdurou por mais de 36 horas e que apenas teve como curativo arroz cozido, prescrição indicada por quem sabia mais do que ela. O pobre animal acabou por sair à rua de flancos recolhidos, sem grande vontade de se mexer e notoriamente apático. Sem outros comentários e maiores delongas, porque as diarreias não são para brincadeiras e podem resultar de diferentes causas, sempre que o seu cão apresentar esse distúrbio contacte de imediato o seu veterinário assistente, para que o animal não fique na corda banda, a deambular entre a vida e a morte.

PARA QUE FIQUE BEM CLARO!

Para que fique bem claro e antes que nos contradigam, apesar de nos termos dedicado à procura, reprodução e selecção das variedades recessivas no Cão de Pastor Alemão, jamais considerámos alguma delas, por si mesma, superior à variedade hoje dominante: a preto-afogueada (capa preta no Brasil). A nossa demanda pelas variedades recessivas (unicolores e bicolores) obedeceu à compreensão da eugenia operada dentro da raça, que nem sempre foi positiva e que resultou de princípios científicos rudimentares, hoje ultrapassados, desprezados ou complementados, mercê de condicionantes políticas que influíram desastrosamente na sua selecção e que resultaram na involução a que hoje assistimos, ao proibirem a variabilidade genética necessária e inerente à evolução da raça, disposições contrárias aos princípios que presidiram à sua formação e que obstam agora à sua melhor adaptação, prestação e uso, maioritariamente alicerçadas na cor dos indivíduos a despeito da sua qualidade biomecânica, sensorial e cognitiva.
A qualidade individual dos Pastores Alemães nunca esteve associada exclusivamente à sua cor mas à carga genética de que foram alvo, produto da multivariedade cromática que os destacou e os que os tornou multifacetados e melhor adaptados para os diferentes serviços, alcançando também maior longevidade. Em todas as variedades cromáticas existem indivíduos excelentes e desprezíveis, pelo que, como sempre foi dito, “se o cão é bom, a cor não pode ser ruim”. Os nossos melhores exemplares recessivos foram alcançados dentro duma política de “quadro aberto”, donde não isentámos (seria loucura se o fizéssemos e atentaríamos contra a raça) a variedade dominante. Os reprodutores recessivos que seleccionámos, para além do pormenor da sua cor, resultaram de indivíduos superiormente comprovados e apetrechados para o trabalho, como foi o caso dos nossos negros que tinham na sua construção entre 4 a 5/8 de preto-afogueado, ficando a dever a qualidade aos impulsos herdados e não à sua cor (o mesmo podemos dizer dos nossos exemplares vermelhos).
Podemos afirmar sem medo de errar que a escolha do preto-afogueado como variedade dominante foi uma decisão acertada, considerando a necessidade de padronização, mas também não nos inibimos e podemos provar que os beneficiamentos exclusivos entre indivíduos desta variedade comprometem a sua mais-valia (será que é preciso, atendendo aos cães actuais?). Se considerarmos isoladamente as variedades recessivas homozigóticas, chegamos á conclusão que a lobeira tende para o gigantismo, pernaltismo e nanismo, que psicologicamente é mais instintiva e tarda na maturidade emocional, que a negra perde envergadura, é precoce, apresenta uma curva de crescimento mais curta e tende à mansidão (o mesmo se passa com a chocolate/“liver”), que a vermelha assilvestra-se e a azul é por demais sensível, podendo ser distante, por demais concordata ou desconfiada de acordo com a variedade sólida usada para a sua obtenção, se negra ou branca e conforme a densidade da lobeira. A variedade preto-afogueada quando produto exclusivo dela tende a crescer mais rápido e a ter uma curva de crescimento menor, a ser mais de aviso do que persuasiva, a patentear uma menor máquina sensorial e índices atléticos médio-baixos, impropriedades advindas do desprezo pela excelência dos indivíduos das restantes variedades cromáticas.
Subsistem em termos biomecânicos, morfológicos, sensoriais, sociais e cognitivos, relacionados também com a maior ou menor disponibilidade, algumas pequenas diferenças entre os exemplares uniformes e bicolores, não dispensando uns e outros a contribuição recíproca, considerando as acções, o seu despoletar e suspensão. O que defendemos, fizemos uso e aconselhamos é que mais importa considerar os indivíduos do que a sua cor, que mais interessa ao cão de trabalho a qualidade do que o seu revestimento. Privilegiar uma cor em detrimento das outras é repetir o erro que hoje condenamos e que condena a raça, lamentavelmente baseado na consanguinidade e endogamia. O Cão de Pastor Alemão carece de evolução e ela só acontecerá pela variabilidade genética, através do retorno às distintas variedades presentes na sua construção. Muitos falam de Stephanitz mas muito poucos atentam para o que disse, deturpando as suas aspirações pela prática da eugenia negativa, doutrina a que foi alheio e que tantos amargos de boca lhe causou. Os melhores Pastores não são produto duma variedade cromática específica mas do contributo das várias que nos trouxeram o preto-afogueado, hoje a precisar de sangue novo e por isso mesmo cada vez mais distante da sua qualidade original. Criar uma variedade cromática isoladamente, seja ela qual for, pode ser um bom negócio mas será o pior dos investimentos para a raça.

QUAL SERÁ O MOTIVO (XXVI)?

A “Cindy” é uma cadela Pastor de Shetland, com 6 anos de idade, instalada numa moradia, muito activa e amiga da dona, com quem normalmente passeia por toda a parte. Como a sua líder e companheira mudou de local de trabalho e de horários, sobrou para o marido desta a incumbência de a passear. Como a cadela gosta de correr pelos campos, o homem leva-a de carro para uma serra circunvizinha com 500m de altitude no seu ponto mais alto. Religiosamente, ao passarem por um local ermo e escondido, que de apelativo não tem nada, a “Cindy” levanta-se, geme e fica agitada dentro do carro, comportamento que o seu dono não compreende. Qual será a causa da agitação do animal? Hipótese “A”: Quando ali chega já vai farta de andar de carro e quer sair. Hipótese “B”: Não gosta daquele itinerário. Hipótese “C”: Porque naquele local existem espécies cinegéticas que aguçam o seu instinto de caça. Hipótese “D”: Acusa a altitude e a rarefacção do oxigénio. Hipótese “E”: Porque reconhece o local e está acostumada a ser solta ali. Para a semana cá estaremos com um novo caso e adiantaremos qual a hipótese certa.

SOLUÇÃO DA SEMANA ANTERIOR

A Hipótese certa para esta rubrica da semana passa da é a Hipótese “C”: O dono adiantou para o estranho um nome fictício. Muito dificilmente a má disposição de um cão o impedirá de responder ao nome, o que torna a Hipótese “A” carente de fundamento. Se estivesse aflito para fazer as suas necessidades daria sinal disso e o seu dono não se deteria, pelo que a Hipótese “B” não deve ser considerada. Se porventura o animal fosse surdo, teria que ser treinado num regime especial atendendo ao seu particular, pormenor que o texto não adianta e que torna a Hipótese “D” inválida. Se o animal desconfiasse do estranho jamais ficaria quedo e mudo, pelo que a Hipótese “E” não faz qualquer sentido.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos mostrou a seguinte preferência:
1º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS. VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
2º _ QUAL SERÁ O MOTIVO (XXV)?, editado em 16/04/2015
3º _ ADEUS TARUNCAS VER-NOS-EMOS? (HOMENAGEM TARDIA AO CÃO QUE A NÃO TEVE), editado em 29/11/2011
4º _ AZUL? SÓ SE FOR DE PRETO!, editado em 16/04/2015
5º _ COMO SERÁ O CÃO DO FUTURO?, editado em 16/04/2015
6º _ O CÃO NA TERCEIRA IDADE (DOS 8 ANOS EM DIANTE), editado em 13/10/2009
7º _ O ESTRANHO ANÚNCIO DOS PASTORES ALEMÃES CASTANHOS, editado em 26/04/2013
8º _ É O MEU KARMA!, editado em 16/04/2015
9º _ O MELHOR E O PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE MORFOLÓGICA E FUNCIONAL, editado em 21/06/2011
10º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim ordenado:
1º Portugal, 2º Rússia, 3º Brasil, 4º Estados Unidos, 5º Alemanha, 6ºChina, 7º Ucrânia, 8º Reino Unido, 9º Macau e 10º Itália

quinta-feira, 16 de abril de 2015

COMO SERÁ O CÃO DO FUTURO?

Eu não sou visionário, nós não somos visionários, será que você é? Talvez seja como nós, que alvitramos o cão do futuro face às tendências do presente, pondo nisso, inevitavelmente, as nossas próprias expectativas, desejos que sendo universais tardam em chegar. Estamos em crer que o cão do futuro não será mais um lupino carregado de músculos, esfaimado de sangue, bem artilhado de dentes e pronto a morder em tudo e em todos. E dizemos isto porque cada vez mais se respeitam os direitos humanos e os animais, porque a humanidade, apesar de alguns retrocessos, tende para a formação de sociedades mais justas, o que tornará os cães de guerra obsoletos diante da escassez e novidade de guerrear.
Exceptuando os cães de terapia e salvamento, cujo número aumentará consideravelmente, os cães do futuro serão maioritariamente pequenos e animais de companhia, parceiros do dia-a-dia sem maiores atribuições, o que já acontece hoje nas grandes urbes, onde o espaço falta e o stress aumenta, cães melhor adaptados para o convívio humano e próprios para os desafios das grandes metrópoles, onde os abandonados deixarão de ser vistos.
Virá o tempo e não tardará muito, em que se farão museus dedicados aos cães, onde repousarão para sempre os acessórios por eles utilizados e o registo da sua contribuição para o progresso da humanidade, enquanto companheiros sempre presentes nos momentos mais importantes da nossa história, ao serem cobaias, soldados, terapeutas, confidentes, guardiões, caçadores, pastores, prospectores, auxiliares de muita gente e guias de cegos. Não irão faltar monumentos em sua honra e a palavra amizade far-se-á presente em todos eles, porque jamais um animal se prestou a tanto por tão pouco.
A endogamia e a consanguinidade serão finalmente banidas das distintas raças caninas, as doenças por elas provocadas serão despistadas e banidas - o cão alcançará maior longevidade. Surgirão novas raças mais próximas da selecção natural e distantes das actualmente manuseadas pelo homem, notoriamente mais equilibradas, mais dóceis e amigas das crianças. Nós queremos acreditar nisso, porque se de outra forma não aprendermos, os erros do passado e do presente servirão de lição aos que vierem.
Já libertámos os burros da canga, não nos custa acreditar que os cães terão melhores dias, que finalmente serão olhados como são: companheiros inestimáveis. Estamos certos? Só o futuro o dirá! Até lá e enquanto cá andarmos, tudo faremos para suavizar a sua caminhada ao nosso lado, instruindo os homens para que melhor os compreendam.

É O MEU KARMA!

Cresce o número de cidadãos com uma filosofia de vida próxima à da personagem fictícia que iremos narrar, um homem de quarenta anos, dado à contemplação e ao isolamento, avesso ao consumismo e às convenções sócio religiosas vigentes, tocado pelo esoterismo e apaixonado pelos “Vedas”, um místico que deseja ser sumo-sacerdote de si mesmo e viver aquilo que a vida não lhe permite, que se distancia dos demais com facilidade e que faz do seu quotidiano um retiro espiritual, dominado pelos seus pensamentos abstractos e consumido pelo âmago do ser, que se espraia pelo contacto com a natureza, deleitando-se no estender dos olhos pela linha do horizonte. Deus é para ele uma identidade criadora, abstracta e bondosa, sem nome ou com muitos, uma energia cósmica positiva que o toca e diferencia dos demais, induzindo-o a estados de exaltação e recolhimento. No meio disto tudo, como não poderia deixar de ser, adquiriu um cão.
Disposto a criá-lo a seu modo, numa relação algo transcendental, este eremita oriental do ocidente, começou por pôr o comedouro e bebedouro do cachorro no chão, o que para além de lhe ter rebentado os aprumos, acostumou-o a procurar “petiscos” no solo por todo o lado, tornando-o guloso e sujeitando-o a várias intoxicações, normalmente acompanhadas por diarreia (ainda não foi envenenado), mau hábito que não deu descanso ao desafortunado”homem-santo”, obrigado desde logo policiar as acções do cachorro, exactamente nos momentos que desejava destinados à meditação, à contemplação e ao desprendimento. Obrigado a aceitar a sua sorte, dizia para si mesmo: “É o meu karma!”.
Já cansado de correr atrás do bicho, decidiu ir passeá-lo para a floresta, local menos frequentado e onde raramente há comida jogada no chão. Avesso a andar com o animal à trela e apostado em tirar partido dos benefícios da mãe natureza, optou por soltá-lo, na incerteza de que ele voltaria quando o chamasse mas confiante na protecção dos bons deuses. Certa vez, num dia de muito calor, o cachorro atirou-se para dentro de uma lagoa e o homem ficou feliz por ele, gabou-lhe os instintos e ficou a admirá-lo, a vê-lo nadar e a abocanhar aquela água. Azar dos azares, a água estava contaminada com uma verminose de nome “giárdia”, porque os animais silvestres ali se banhavam também, estando alguns infectados por ela. Como resultado daquela aventura, o cão ficou doente, entrou em diarreia e não dispensou os bons ofícios do veterinário. No caminho de volta a casa e reflectindo sobre o sucedido, o homem dizia para si mesmo: “É o meu Karma!”. Nunca mais voltaram aquela lagoa.
Apostado em arranjar percursos alternativos, o nosso homem optou para passear o cachorro pelos pinhais, usufruindo da sombra daquela paisagem magnífica, sem dúvida agradável e mirabolante, esquecendo-se do mês em que se encontrava e de verificar se os pinheiros tinham evidências da “processionária”. E não é que tinham mesmo! O cachorro acabou por abocanhar uma das lagartas, o que deixou muito desagradado e aflito, correndo mais uma vez o dono para o veterinário. Afortunadamente chegou a tempo, o clínico lavou imediata e abundantemente a língua e a boca do animal e não lhe sobraram lesões, o que não livrou o dono de um tremendo susto. Meditando sobre o assunto, dizia para si mesmo: “é o meu karma!”. A partir daquele dia passou a olhar para a base e copa dos pinheiros, para se certificar da ausência de lagartas e casulos.
Pelo sim pelo não e para ficar mais descansado, até porque gato escaldado de água fria tem medo, virou-se para as serras, onde raros são os pinheiros e a vegetação é mais baixa, opção que muito agradou ao cachorro, que corria por ali que nem um desalmado, num galope estonteante que aquecia o coração do dono. Finalmente haviam encontrado o sítio certo para o seu deleite, pelo menos parecia! Mas como por vezes as aparências iludem, um dia após outro, o animal apareceu com as patas inchadas e com cortes nas almofadas das patas, porque ali havia tojos e outros arbustos rasteiros espinhosos. Como o cachorro não havia meio de recuperar dos golpes, lá foram os dois para o veterinário, que questionando ao dono, disse-lhe. “Então, o que é desta vez?”. “O que é que quer, é o meu Karma!” - rematou o já inconformado dono. Passada uma semana, o cão estava pronto para outra.
Farto das agruras do campo e disposto a encontrar espaços livres para o seu cachorro, onde pudesse correr à vontade, livre da trela e sem maiores percalços, passou a levá-lo para um jardim perto da sua residência, onde não haviam poças, pinheiros e espinhos, preferindo o horário nocturno por ser menos frequentado, haver menor possibilidade de “petiscos” e encontros com cães embirrantes (por vezes os donos ainda o são mais). Tudo parecia correr bem e durante dias não houve qualquer novidade, o astral ia alto quiçá pelas preces do homem. Sem ele saber, algumas senhoras caridosas e amigas dos animais desafortunados, iam à mesma hora deixar comida para uns gatos desprezados. O cachorro sentindo-lhe o cheiro, raspou-se pelo jardim afora e vendo um gato desprevenido e concorrente, zarpou atrás dele com quanta força tinha, acabando atropelado por um camião do lixo numa rua contínua. Felizmente o veículo só lhe pisou a cauda, acabando o sinistrado cão só com um coto. Desta vez o veterinário nem abriu a boca e o dono também não, ainda que suspirasse para si: “É o meu karma!”.
Daí para a frente, o cão ainda viria a sofrer muitas desventuras, tantas que o obrigaram a falar e a dirigir-se ao dono nestes termos: “Não é o teu, mas o meu karma! Porque não tenho um dono previdente e apostado na minha salvaguarda, que vive nas alturas enquanto circulo aqui na terra, absorto nas divindades e distante dos perigos que me cercam”. É possível que o cão não tenha falado mas a mensagem chegou aos ouvidos daquele guru.
Apesar da história ser fictícia e poder ser interminável, tudo já aconteceu, produto da incúria, ignorância e desleixo de muitos donos, que desinformados e alheados dos perigos ao redor dos seus cães, confiantes não se sabe em quê, têm contribuído para as suas enfermidades, sinistralidade e eliminação. E como todas as histórias devem ter uma moral, esta não escapa à regra, apontando três princípios a respeitar pelos proprietários caninos, são eles: Antes de comprar um cão informe-se detalhadamente sobre aquilo que lhe é devido, nunca o solte sem ter a certeza do seu retorno e jamais o solte sem bater primeiro o terreno, certificando-se da inexistência de riscos para o animal. Infelizmente, (só Deus sabe o quanto nos custa dizer isto), proprietários caninos e bom senso nem sempre andam de mãos dadas. Oxalá o nosso alerta seja ouvido, já que os cães não falam.

VEM MEU MENINO, VEM!

“Meu filho, na rua, no exterior ou no jardim, nunca te afastes de mim, se algum estranho meter conversa contigo não respondas e se te convidar a segui-lo, corre de imediato para mim, para quem te acompanhar ou para casa!”. Foi assim que me ensinaram em criança e tal ensinamento é primordial hoje em dia, particularmente nas grandes cidades ou nos sítios mais isolados, locais onde os infantes correm maiores perigos pela caça que lhes é movida por toda a casta de insanos e psicopatas. E o que é válido para as crianças é-o também para os cães, para todos eles e particularmente para os cães de guarda, porque todos correm o risco de ser roubados e os últimos, depois de desarmados, podem ter a morte como certa, o que diante de tal desfecho e tendo em conta o seu serviço irá obrigá-los a um carácter impoluto e incorruptível. Quanto a isto parece não haver dúvidas!
O que torna os cães mais ou menos subornáveis é o modo que usamos para alcançar as suas respostas e não os métodos por si mesmos, mercê dualidade de procedimentos que mistura em simultâneo o carácter imperativo das ordens com o apelo emocional que induz ao suborno, numa mistura entre o sério e o lúdico e que eleva a afectividade acima dos comandos. Postas as coisas deste modo, parece que somos contrários ao reforço positivo e à supercompensação, o que não é minimamente verdade, apenas adiantamos que tanto a ordem como a recompensa devem acontecer em momentos diferentes, ainda que sucedâneos. Para melhor nos fazermos compreender e dissipar dúvidas, vamos a um exemplo concreto, o facultado pelo treino do “quieto” e “aqui”, quando os condutores deixam os seus cães imobilizados e se afastam, chamando-os para si alguns momentos depois.
Com os condutores alinhados na frente dos cães, chamando-os por ordem a partir da direita, determinado condutor chamava o seu cão assim: “Bobby, aqui, bravo, bebé, lindo!” E o cão lá vinha todo contente e seguro de si mesmo. O adestrador, consciente dos perigos de tal procedimento, alertou aquele condutor para os riscos daquele linguajar, porque estava a subverter a ordem pela carga afectiva, vulnerabilizando o animal e sujeitando-o ao suborno. Para que o homem compreendesse da necessidade de mudança de atitude, o adestrador propôs-lhe duas coisas: que mantivesse o cão em “quieto” enquanto o instrutor o chamava pelas palavras “Bobby, bravo, bebé, lindo” e que o dono o chamasse somente pelo comando de “aqui”. Como seria de esperar, o cão correu de imediato para o instrutor (o que não deveria ter feito) e resistiu ao chamamento do dono, desobedecendo-lhe pela primeira vez.
Os comandos verbais a ensinar a um cão são no seu todo um código de linguagem auto-suficiente que ao ser absoluto dispensa a aglutinação doutras palavras para o alcance das respostas animais, dotando a obediência do seu cumprimento pronto e imediato. Invariavelmente juntamos às palavras-código outras para acelerar as respostas esperadas, estímulos gratuitos que não escondem a precariedade dos líderes, a fraca recompensa e que se quedam por isso mesmo, tornando os animais interesseiros e sujeitos ao suborno, condições que obstarão à supremacia dos códigos, da liderança e que poderão comprometer a salvaguarda dos cães, possibilitando o seu controlo e uso por parte de estranhos. Se numa primeira fase recompensamos primeiro para alcançar a resposta esperada, manobra que visa o despertar da memória afectiva canina, na seguinte não deveremos proceder de igual modo, porque o cão já sabe ao que vai e aquilo que o espera. Permanecer na fase inicial poderá ter ainda como consequências o desenvolvimento da manha, o atraso no cumprimento das ordens e a consequente chantagem emocional dos donos.
Há um tempo para tudo, a recompensa deverá suceder à acção e não antecedê-la, porque só assim o cão atentará para o dono e não o perderá de vista, rotina e protocolo que obstarão ao suborno a meio das acções que lhe são requeridas. O aglutinar doutras palavras aos comandos torna-os ineficazes e dependentes da boa vontade dos cães, que por força de tanto as ouvirem, acabarão por desinteressar-se delas. Um exemplo evidente disso, muito comum e que não deve ser seguido, é o de chamar o cão pelo nome antes do comando propriamente dito, descodificação que o fará responder ao nome e não à acção solicitada, devaneio que possibilitará o seu domínio a quem o conhecer. Quer se trabalhe através do reforço positivo ou não (hoje será loucura não o fazer diante dos seus benefícios e natureza dos cães actuais), o adestramento é um curso de liderança que não dispensa os homens do controle dos seus instintos e que aposta na sua formação.
A codificação canina tem como objectivo, nos casos relativos à segurança e protecção, o uso exclusivo do cão por parte do dono, o que explicado por outras palavras e usando uma expressão muito comum, impede o animal de “ir em cantigas”. Se os donos subornarem os cães pela incapacidade de se fazerem obedecer, impropriedade bastante visível quando adornam, complementam ou adocicam os comandos, sem o saberem, estão a criar precedentes para a eliminação dos seus guardiões. A seriedade, supremacia e incorruptibilidade de um cão começam no diálogo com o dono, que apostado na sua protecção e longevidade, evita o palavreado corriqueiro que lhe pode ser fatal.