sábado, 30 de novembro de 2013

QUEM NÃO É LADRÃO E PASSA A VIDA A SÊ-LO?

A resposta ao título torna-se óbvia pela foto acima: o figurante. Uma escola canina bem alicerçada assenta sobre cinco pilares, sendo todos eles agentes de ensino, a saber: o treinador, o dono, o núcleo base de condutores, os outros cães escolares e o figurante. Tal como os outros, o figurante tem um papel muito importante para a formação dos cães de guarda, porque lhe cabe iniciar e estimular os cachorros, potenciar a mordedura dos cães, indiciá-los a ataques mais precisos e à sua variação, transmitir-lhes confiança, prepará-los para ataques de surpresa e de difícil defesa, levá-los à captura, à pronta imobilização, à revista e ao policiamento dos possíveis invasores, lutando ainda com eles para que não desarmem e contra-ataquem, correndo riscos de menor ou maior gravidade, porque é ele que recebe os golpes e dá o corpo ao manifesto. Para conseguir levar a cabo as suas tarefas, precisa de conhecer os cães e as suas fragilidades, de ser esclarecido e estar actualizado, ser íntegro de carácter e valente, ser um bom actor e ter sangue frio, ser comedido, conhecer as diferentes técnicas e encontrar-se em excelente forma física, condições que dificultam o seu aparecimento. Nenhuma escola de cães de guarda subsistirá sem um ou mais figurantes capazes, e se subsistir, é porque os cães que “preparou” nunca chegaram a actuar. O recrutamento de figurantes não obriga à escolha exclusiva de indivíduos do sexo masculino, porque há senhoras capazes de realizar essa tarefa e há casos em que se tornam imprescindíveis. Ainda que um bom cão de guarda fique a dever isso à genética, a sua capacitação sempre dependerá da qualidade do figurante ou figurantes que teve pela frente.

TOSSE DO CANIL: O MAL DO OUTONO

Este ano o surto de Tosse de Canil está atrasado, talvez porque o Verão de S. Martinho não se queira ir embora. Mais dia, menos dia, infelizmente, a Tosse do Canil estará de volta e apanhará muitos cães desprotegidos. Como as vacinas combinadas não têm garantido a imunidade necessária, é de todo conveniente reforçá-las com as específicas, especialmente se o seu cão tiver contacto com outros cães ou frequente locais muito concorridos por eles. Temos por norma vacinar os cães no fim do Verão, para que passem o Outono sem achaques. Costumamos reforçar a vacina na Primavera e sempre nos demos bem. Vá ao seu veterinário e peça-lhe que vacine o seu cão com uma vacina específica contra a Tosse do Canil, quanto antes melhor, porque não sabemos quando o tempo vai mudar! A doença é altamente contagiosa e incómoda para os cães. Mais vale prevenir do que remediar!

SABIA QUE…

Sabia que o Lobo Etíope (Canis simensis) é o único no Mundo que tem uma estrutura social matriarcal, onde as fêmeas submetem os machos e estabelecem os grupos a partir delas? Este lobo vermelho de rara beleza encontra-se em vias de extinção, porque os seus territórios são cada vez mais diminutos, a caça não abunda e muitos acabam caçados ou mortos. E como se isso não bastasse, os machos ostracizados acabam por familiarizar-se com os cães comuns e fertilizar inúmeras cadelas, gerando híbridos muito usados pelos pastores da Abissínia e Eritreia, o que muito tem obstado à sua pureza genética. Por curiosidade, gostaríamos de saber da existência ou não do impulso à luta nas fêmeas híbridas. Caso o tenham desenvolvido, ainda haverá mais gente interessada no Lobo Etíope!

OUTRA VEZ NATAL!

O Natal aproxima-se. Por todo o lado são visíveis os adornos típicos da época, dir-se-ia que o mundo está feliz, que algo de bom vai acontecer, apesar do semblante triste das gentes, do pouco movimento nas ruas, do comércio “às moscas” e do silêncio que cai. Há menos música e luzes, apesar dos judeus em Belmonte, terem começado a celebração da “Chanukah” já em Novembro. E quando o dia chegar, malogradas as expectativas, nada de novo acontecerá, nem tampouco nas igrejas, muito mais concorridas pela porta lateral, a que distribui sopa e dispensa pregações. As missas solenes, que exigem presença e pouca ou nenhuma fé, irão multiplicar-se, enquanto actos simbólicos de obrigação social, máscaras de santidade que não conseguirão fazer esquecer a vilania, a pedofilia e o estupro perpetuado por alguns membros clero, um pouco por toda a parte e só agora timidamente denunciados, como se o crime mais importasse que o amor a Deus, violando votos e execrando juramentos feitos em Seu nome, o que tem transformado o dia do Senhor num arraial de hipocrisia, tanto pelos que pregam como pelos que fingem ouvir. 
Os filhos, apesar das prendas, que este ano serão menos generosas, continuarão como até aqui, a enganar os pais, a desrespeitar professores, preferindo o ócio em detrimento do trabalho e a deixar para amanhã o que tinham prometido fazer ontem. Poucos dias depois do Natal, muitos pais serão outra vez esquecidos ou recambiados para os lares, donde sairão de maca para o hospital e dali para o cemitério, como produto excedente a pedir reciclagem. A crise económica continuará a rebentar as famílias, roubando-lhes o tecto e o sustento, promovendo o seu desmembramento e inviabilizando a sua reconciliação. A falta de pão irá aumentar os crimes domésticos e o desemprego fomentará os divórcios. O álcool matará mais que o frio e a idade, porque alguns morrerão nas estradas. As guerras não terão tréguas, os suicídios continuarão e alguns cidadãos do 3º Mundo, transformados em cobaias pela miséria, morrerão ao tomar medicamentos. Haverá ainda quem aproveitará a época para toda a sorte de bacanais e orgias, a despeito da família e aproveitando os descontos nas viagens e estadias. Os carteiristas invadirão os centros comerciais e o roubo nas lojas e supermercados aumentará. O falso testemunho reinará nos tribunais e os corruptos sairão em liberdade. E como se isto não bastasse, os usurários e os agiotas continuarão a engordar, talvez até como nunca! 
Perante este hipócrita cenário milenar, tantas vezes repetido no apogeu dos cordeiros e bodes expiatórios, o Natal é para muitos a época mais triste do ano, uma esperança que se desvanece, diante do mundo que a desconsidera, banaliza e subverte, como se a justiça não existisse e o mal triunfasse para sempre. Mas afinal o que é o Natal, porque o celebramos, para que serve e o que nos traz de bom? Será uma história para crianças, repleta de renas, com um velho de cãs brancas, de saco às costas, descendo pelas chaminés rumo ao pinheiro do natal? Uma lenda transformada num negócio lucrativo ou um pretexto para a velhacaria? 
Não é novidade: os homens tendem a profanar tudo o que é sacro, a avacalhar e a desrespeitar as convicções uns dos outros e a servir-se delas como lucro, apossando-se do que lhes interessa, confundindo e levando outros ao engano. E o Natal não tem sido excepção, porque cada povo aproveita-o como quer e todos se distanciam do seu verdadeiro sentido, segundo crenças e tradições enraizadas, que sendo complementares, quando não impróprias e antagónicas, destronam, ofuscam ou subvertem o conteúdo da mensagem natalícia, que é bíblica e universal. Transformar o Natal numa festa da família é desejável, desde que a mensagem cristocentrica não desapareça, porque doutro modo, estaremos a substituir a importância do nascimento de Cristo pelo consolo das nossas barrigas. Não tem mal nenhum entregar prendas às crianças nesta época, desde que lhes lembremos a história do Natal e as ensinemos a repartir. Nos meus tempos de criança, ao invés de ser o pai natal, era o Menino Jesus quem punha as prendas no sapatinho. O hábito da árvore de natal, que veio substituir o do presépio, chegou-nos através do marido de D. Maria II, um alemão, o nosso D. Fernando II, também Príncipe de Saxe Coburgo Gota, que um dia, segundo a tradição da sua terra, no Palácio da Pena em Sintra, montou para os seus sete filhos uma árvore de natal. Esta é a razão pela qual, ainda hoje, se pode ver uma num dos salões do Palácio. 
O Natal é uma época do calendário litúrgico em que se celebra o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus connosco e o autor da nossa salvação, que apesar de nascer humilde, veio trazer a Paz ao mundo e reconciliar-nos com Deus. Celebramos o Natal para anunciar a todos que o Messias prometido nas Escrituras já nasceu, que não estamos sós, que Ele é o Filho de Deus e que só por Ele alcançaremos a Salvação. Ao celebrarmos o Natal, reavivamos a nossa esperança na Vida Eterna, o que dá sentido às nossas vidas e alento para ir adiante, apesar das injustiças, das contrariedades, das doenças, do sofrimento e dos desgostos, porque Aquele se fez homem para nos salvar, jamais nos abandonará, despertando-nos e mantendo-nos na Fé. Mas que proveito terá o Natal para os desempregados, quando a concertação social falhou? Que novidade trará para os sem-abrigo? Como poderá valer aos despejados, àqueles que se separaram e aos que perderam os entes queridos? Aos desesperados, aos que têm fome e aos que não conseguem pagar as suas contas? Aos que estão na guerra, nos hospitais, aos presos, às vítimas da injustiça e de toda a casta de abusos? 
Jesus veio ao mundo para reconciliá-lo com Deus e o mundo não o ouviu. O resultado dessa rejeição está gravado na nossa história e segue até ao presente dia, onde a novidade dos flagelos, não esconde males antigos. Mas ainda é tempo de arrepiar caminho, ainda podemos voltar-nos para Deus, de reconhecermos as nossas culpas e de lhe pedir-mos perdão, porque também o deixámos de ouvir e demos ouvidos às nossas próprias inclinações, contribuindo com a nossa parte, para o mundo que hoje nos castiga. Estou certo que Ele perdoará a cada um de nós, segundo o que disse e continua a fazer pelos seus até ao reencontro final. 
Todos sabemos que este mundo não tem solução, por isso os cristãos esperam O que há-de vir, o que não implica que fiquemos de braços cruzados e pactuemos com a presente ordem das coisas, escondendo Deus em nós e pouco nos importando com o mal alheio. Como mensageiros da Paz universal que o Natal proclama, por impulso divino, podemos valer ao mundo ao nosso redor, junto daqueles que estão mais perto de nós, estendendo-lhes a Paz que recebemos e a mensagem de esperança que celebramos, suavizando as suas dores, auxiliando-os, suprindo-lhes dificuldades, chamando-os para nós e tratando-os como iguais, mesmo aqueles que detestamos, toleramos ou que nos são indiferentes, independentemente da sua posição social, raça ou credo. Se assim não fizermos, rejeitando a Obra de Deus em nós e violando o Mandamento que Jesus nos deu, o de amarmos o próximo como a nós mesmos, como acreditarão no Mundo Vindouro, se nos comportarmos como se ele não existisse? Como crerão num Deus cujos servos são imprestáveis e em tudo iguais aos outros? 
Não temos como resolver o desemprego, mas podemos ser solidários; não temos como abrigar todos os desabrigados; mas podemos convidar um ou dois para nossa casa (nem que seja no Dia de Natal); não temos como resolver a fome, mas podemos repartir; não temos como pagar as dívidas alheias, mas podemos suavizá-las e evitar que aumentem. Podemos ainda visitar os presos e os doentes, levando-lhes uma palavra de consolo, animar os desesperados e os que se encontram sós, trabalhar pela conciliação das famílias, transmitir paz aos soldados e ajudar a sarar as feridas das vítimas, transportando para todos o Amor de Deus, revelado no Nascimento do Seu Filho. E faremos isto tudo porquê? Para metermos uma cunhazita para um terreno no Céu? Para subornarmos Deus e levá-lo a aceitar-nos no Mundo que há-de vir? Como complemento à nossa salvação? Para nossa vanglória? Se é só isso que queremos, mais vale ficar em casa, porque a hipocrisia já tem peso que baste neste mundo e não estamos em campanha eleitoral! Tudo o que fizermos de bem, será fruto da Fé, que como é sabido, é dom de Deus, a mesma que nos leva a reconhecer a suficiência única e absoluta do Sacrifício Vicário de Cristo para a nossa salvação. Por isso Veio a este mundo, porque nenhum homem foi, é e será capaz, por si mesmo, de alcançar a sua salvação, segundo fazem saber as Sagradas Escrituras. 
Se desejar adquirir um cão este Natal, deixe-se contagiar pelo espírito natalício, aceite a proposta de Paz que o Natal oferece a todos os homens, escolha um cão que sirva esses propósitos, um companheiro leal, que o aproxime dos outros e que faça a alegria das crianças, contribuindo assim para o bem-estar de todos à sua volta, fartos de tensões e picardias, mais necessitados de tréguas e compreensão: dê descanso aos figurantes! Como é nosso hábito, durante o Advento e o Natal (se vivêssemos no mundo ideal, seria todo ano), suspendemos todos os ataques inerentes à capacitação na disciplina de guarda, fazendo descansar homens e cães. 
Como cristão e luterano confessional, pela Graça de Deus, nunca compreendi porque transformámos o Natal numa festa íntima e familiar, quando ele é uma Declaração Universal do Amor de Deus, deixando para os comerciantes o seu aparato e evocação pública, o que melhor lhes serve os intentos; porque remetemos a sua celebração unicamente prás igrejas e ficamos à espera que outros lá cheguem, escondendo de alguma forma o anúncio público do nascimento de Jesus, uma vez que não somos perseguidos e há muito abandonámos as catacumbas. Se pertencer a uma igreja histórica é fomentar o sectarismo, então qualquer uma delas correrá o risco de Deus a desprezar e fazer passar à história. Num País em que as bandeiras negras, as da fome, descem à praça, porque não descemos as avenidas como mensageiros do Amor de Deus e proclamamos que a Redenção está ao alcance de qualquer um, convidando todos a sentarem-se a mesa connosco para a celebração do Natal. O Natal não pode remeter-se ao gozo de um pregador pelo seu sermão, que buscando aprovação, pergunta à esposa ou a um paroquiano, o que achou dele, suspirando depois: “este já está!” Daqui enviamos votos de um Santo Natal a todos os nossos alunos, amigos e leitores, na esperança que conheçam o Amor de Deus, revelado no nascimento, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking dos textos mais lidos desta semana ficou assim ordenado:

1º_ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 26/10/2009
2º_ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
3º_ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO NEGRO, editado em 05/06/2010
4º_ O CANIL, editado em 29/12/2009
5º_ A CASOTA DO CÃO, editado em 29/12/2009

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 dos Leitores por País desta semana deu o seguinte resultado: 1º Portugal, 2º Estados Unidos, 3º Brasil, 4º Rússia, 5º Alemanha, 6º China, 7º Angola, 8º Japão, 9º Estónia e 10º Israel.

sábado, 23 de novembro de 2013

ENSINAR PARA USAR QUANDO FOR PRECISO

Nos percursos de evasão, assim como nos currículos de guarda e resgate, subsistem certos comandos emergenciais, de uso circunstancial, que poderão nunca vir a ser utilizados, tanto por desnecessidade como pela gravidade dos riscos, apesar de necessários ao melhor desempenho canino e à sua salvaguarda. Por causa do seu grau de dificuldade, que exige um excelente impulso ao conhecimento, não podem ser ensinados a todos os cães. Um deles é o “partir duma janela de vidro”, obstáculo ancestral do actual “túnel com manga” presente no agility canino, o que dá mais significado ao comando de “fura”. Para evitar a confusão ordinal, sempre usámos o comando de “abaixo” para os túneis e o de “fura” para as janelas direccionais assim caracterizadas. Somente ensinámos o comando a três cães, todos eles machos, 2 molossos e um lupino, os primeiros destinados à guarda e o último ao cinema. Os molossos aprenderam com mais facilidade, porque o volume das suas cabeças nisso os ajudou. Os actuais pastores alemães não deverão ser convidados para este exercício, porque projectam em demasia os seus braços no 1º tempo do salto e demoram a recolhê-los. 
As janelas destinadas para esse fim, descritas como “direccionais”, são primeiro tapadas com papel celofane transparente, de início com uma só folha e depois com várias, para incentivar os cães ao seu rompimento e dotá-los de uma experiência feliz e conseguida. As várias passagens de papel celofane irão ensiná-los a furar as janelas com o crânio e não com as patas dianteiras, que deverão trabalhar a coberto dele, até que a película se desfaça e permita o seu alongamento. Nunca usámos acrílicos por causa da sua resistência, dureza, modo de estilhaçar e tipo de aresta, porque facilmente cortariam os cães. 
Com os cães aprovados no celofane, iremos substituí-lo por placas de gelatina, primeiro transparentes e depois coloridas, usando-se de início as mais finas e posteriormente as mais grossas (0,4mm), primeiro as lisas e depois as marteladas. As placas de gelatina não apresentam qualquer risco para os cães, porque se fragmentam depressa e bem, e as suas arestas não são vivas. Elas só irão ser nocivas para a carteira dos donos, porque são dispendiosas. Para além disso, têm que ser importadas e nem sempre as teremos à disposição, porque são produzidas, quase em exclusivo, para a indústria cinematográfica. O sucesso da operação irá depender do tipo de prisão das placas, que deverá transferir a tensão para o seu centro. Como o exercício é antinatural, ele não dispensará a recapitulação para o seu possível uso. Na escola jamais passaremos dos simulacros oferecidos pelo celofane e pela gelatina. Avançar para o vidro, é uma decisão que só caberá aos donos, quando as circunstâncias assim o exigirem, os cães estiverem preparados para isso e daí não lhes resulte qualquer dano.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

PERFIL DO CONDUTOR CANINO PORTUGUÊS

Na semana passada contaram-me uma velha anedota que se encaixa perfeitamente como introdução ao tema de hoje: o perfil do condutor canino português, porque já demos aulas por toda a parte e ele possui características que mais ninguém tem. “Uma prestigiada agência norte-americana de espionagem recrutou três candidatos para os seus quadros: um alemão, um inglês e um alentejano, todos eles casados e necessitados de emprego. O teste de aprovação consistia em abrir a porta de um quarto escuro e abater a tiro a sua própria esposa. A sorte ditou que o alemão fosse o primeiro, deram-lhe a shotgun e ele lá foi. Apesar da delonga, não houve tiros e nada sucedeu, regressando o homem bastante abatido. Depois foi a vez do inglês e também não conseguiu. Finalmente deram a arma ao alentejano e ele lá foi resoluto. Ouve-se o estoiro de vários tiros, os gritos de uma mulher e o estalar de madeira a partir-se. O danado regressa e diz para os seus examinadores. “ Vossamecês podiam ter-me dito que os cartuchos eram de pólvora seca. A magana deu-me cá uma trabalheira, porque para a matar, tive que a aviar à cadeirada!”
Falar sobre portugueses não é fácil, porque não há nenhum igual e falar deles como condutores de cães, ainda é mais difícil, porque cada um pensa e age à sua maneira. No entanto, apesar da multivariedade e da heterogenia presente nas terras lusas, sobressai um tipo de comportamento maioritário, um modo português de fazer as coisas, que tem tendência a alterar-se, quando o luso abandona a sua terra e vai trabalhar para outro país, onde geralmente se destaca pela positiva e alcança notoriedade. Ao contrário doutros, que chegam ao treino à hora marcada ou 15 minutos antes, o português atrasa-se entre 15 a 40 minutos, aparecendo sorridente, como se houvesse chegado a horas e não estivesse a prejudicar o rendimento colectivo. No entanto, quando solicitado para isso, não se importa de trabalhar fora de horas, o que para outros seria no mínimo impensável. Quando obrigado a faltar à escola, ao invés de avisar antes da abertura dos trabalhos, uma hora ou duas depois, diz que não pôde vir, quando diz, e amofina-se quando o chamam à atenção. 
A falta de pontualidade portuguesa é estatutária, estendeu-se aos territórios por onde andámos e todos já nos acostumámos a ela, só os de fora a estranharão. É evidente que há gente cumpridora, mas o seu número é sobejamente inferior ao dos incumpridores. As novas gerações têm agravado o problema, porque teimam em acordar e são por norma noctívagas. Nos tempos do “cá vamos cantando e rindo”, estou a lembrar-me das célebres formaturas no Terreiro do Paço, por ocasião do Dia da Raça, para que tudo corresse a tempo e horas, obrigavam-se miúdos e graúdos, a formar duas horas antes do início das cerimónias, estratégia coerciva que nunca falhou. Será que somos assim por termos sido escravos dos romanos, servos dos godos, lacaios dos reis e vítimas dos republicanos ou seremos em tudo iguais aos outros? Estou em crer que o problema, longe de ser genético, é pedagógico (cultural), proveniente de vícios enraizados que teimamos em eliminar. Logo a seguir ao fatídico terramoto de 1755, quando alguns países europeus se mobilizaram para nos auxiliar, para além de ferramentas, os ingleses fartaram-se de nos enviar relógios, ao ponto de lhes pedirmos que não nos enviassem mais. Não estará na hora de nos acertarmos pelos ponteiros do relógio? Julgo ser mais fácil do que trocar de fuso horário! 
O comportamento em classe do condutor canino português é por norma emocional, barulhento, indisciplinado e dominado pelo improviso, o que atrasa as metas e compromete os objectivos, graças ao desapego pelos procedimentos, ao desrespeito pelas regras, à ausência de serenidade e ao desprezo pelo bom senso, o que dificulta seriamente o condicionamento dos cães. Raro é o condutor que é melhor ouvinte do que falador, havendo alguns que nunca se calam ou que falam quando deviam ficar calados, porque também eles são objecto de instrução. Bem estaríamos se o fenómeno se remetesse apenas aos centros de adestramento. Há cerca de dois anos atrás, um canal de televisão foi auscultar estudantes universitários chineses e portugueses, ao abrigo do intercâmbio cultural entre Portugal e a China. Os portugueses enviados para as faculdades chinesas, estranharam o silêncio e a veneração que os seus colegas orientais nutriam pelos seus mestres. Os chineses vindos para Portugal, quando entrevistados acerca das diferenças no ensino, disseram que aqui todos falam e ninguém se entende. É possível que o burburinho que nos assola resulte do desprezo pelo conhecimento erudito, responsável pelo aparecimento de dúvidas para a sua aquisição, que exige atenção e concentração para melhor ser compreendido e absorvido. 
Esse desprezo pelo conhecimento erudito, que sempre aguarda por um milagre e remete para a sorte o insucesso, quando não culpabiliza os cães, torna o condutor canino português num prático e trará ao mundo adestradores com igual insuficiência, gente capaz de copiar na íntegra, mas incapaz de ir mais adiante, própria para aceitar modelos e imprópria para criar os seus. O português que vai aos centros de treino caninos, geralmente mal informado, é mais confiado do que precavido, pouco exige e depressa sai conformado, porque é mais esperançado do que arguto, o que o transforma numa presa fácil. Vejamos o caso verídico de uma senhora, a braços com um cão anti-social, que se deslocou a uma escola para o sociabilizar. Quando lá chegou, mandaram-na permanecer dentro do carro com o cão ao seu lado, para ele se familiarizar com os outros cães, que trabalhavam no recinto à sua frente, dizendo-lhe que no dia em que o cão deixasse de lhes ladrar, estaria apto para conviver com eles. Depois de algumas destas “lições”, que ela aproveitava para ler o jornal, decidiram-se por levar o cão à pista e apresentá-lo aos outros cães. Como outra coisa não seria de esperar, o animal arremeteu-se contra os outros, retornando ao banco do pendura, “porque ainda não se encontrava preparado”! A pobre coitada andou por ali 3 meses, sem resultados à vista, até que mandou bugiar o treinador e a escola. 
O mau hábito de pouco questionar e de o substituir pelo juízo próprio, lapso a que os seus mestres dão pouca ou nenhuma importância, quando não o aproveitam, porque lhes garante a supremacia, evita-lhes maiores explicações, poupa-lhes trabalho e aumenta-lhes os proventos, mas que em simultâneo leva à formação de alunos ainda piores do que eles, torna o ensino do condutor canino português fastidioso, arrastado e dispendioso, o que levará alguns à desistência e outros ao abraçar de modalidades desportivas tecnicamente mais rudimentares. Mesmo assim, ainda está para vir o dia em que seremos campeões do mundo em qualquer delas. 
À primeira vista, ao olhar para o comum condutor de cães português, ele parece-nos extrovertido e alegre, quando na verdade não é uma coisa nem outra, porque é naturalmente introvertido e pesaroso, por vezes até desconfiado. Ele usa essa “extroversão” como máscara, sem se confundir e para encobrir os seus sentimentos e desejos mais ocultos, muitas vezes tão elementares que dispensariam esse cuidado, o que lhe permite uma abordagem segura a troco de quase nada. Essa capacidade de se transformar noutro, guardando para si o que pensa, facilita-lhe a integração, muito embora seja uma bomba prestes a detonar-se, o que dá corpo ao aforismo: “zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades”. Lidar com ele exige tacto e alguma diplomacia, há que entrar no jogo e não perder os objectivos de vista, aceitar o que faz crer e levá-lo para onde é preciso, porque desiste com facilidade e tem dificuldade em equilibrar a emoção com a razão. Necessita de muito alento e não dispensa o elogio, apesar de ser parco a recompensar e comedido nos agradecimentos (mesmo com os cães). Mais cedo ou mais tarde, pelo dualismo das vontades, expressa no duelo entre a sua vontade e da cão que conduz, acabará por revelar a sua verdadeira identidade, mais dada à parceria do que à liderança. A aversão que tem à autoridade é visceral e não produto da actual crise, porque nos momentos difíceis, aí sim, é muito solidário. 
Do ponto de vista técnico, o condutor canino português é por tendência ansioso, imediatista e desligado do pormenor, “ferve em pouca água” e teima em juntar ao desacerto uma atitude ainda pior, deitando tudo a perder. Tarda no domínio dos códigos (ordens), aldraba os comandos e persiste nos mesmos erros, é medianamente aplicado e pouco concentrado, quando comparado com outros europeus de diferente raiz linguística, características que o obrigam à assiduidade escolar, ao trabalho sistemático e a um condicionamento ainda maior, para adquirir as posturas e os meios necessários ao seu desempenho. Inibe melhor do que incentiva, tem dificuldade em transmitir os estímulos certos, sendo mais antropomorfista do que especicista. Raramente lê, é retraído de postura corporal, pouco competitivo e acusa o esforço. Enquanto líder do seu cão, adopta diferentes posturas na escola e em casa, resiste à recapitulação doméstica dos exercícios escolares, abusa do nome do cão, foge à regra e pode comprometer a salvaguardo do animal, escusa-se às responsabilidades e esconde os seus erros. Sente o contratempo em demasia e demora a recompor-se, é pouco insistente e foge às dificuldades.
Diante deste panorama, dir-se-ia que o condutor canino português é um caso perdido e sem remédio, o que é falso e vamos já dizer porquê. Quem já dirigiu pessoal, chefiou equipas e distribuiu tarefas, sabe pela experiência, que o rendimento dum determinado grupo de pessoas depende da qualidade da liderança e não do trabalho isolado de cada uma delas, o quão importante é colocar a pessoa certa no lugar certo e usar cada uma naquilo que melhor sabe fazer. Para que isso aconteça, é necessário a quem lidera, conhecer bem cada um dos indivíduos ao seu encargo, as suas expectativas, virtudes e menos valias, e finalmente aquilo que os une e separa, para que a formação do grupo aconteça e os objectivos sejam cumpridos. Sabemos que os portugueses são por norma muito afectuosos, muito embora digam que não ou se retraiam, também sabemos o que os une ao redor do adestramento: o amor pelos cães. Conhecedores das características e dos sentimentos maioritários, só nos resta uma opção: transformar o grupo escolar numa família, onde todos terão lugar e se sentirão bem, graças ao auxílio mútuo que erigirá cada um deles, tornando-os responsáveis uns pelos outros e realçando a importância de cada um. 
Transformar uma classe de adestramento numa família, não dispensa a formação de um núcleo de base, geralmente assente nos mais aplicados e evoluídos no ensino, que ao darem o exemplo e prontificando-se para a ajuda, cativam e congregam os outros para o propósito comum, levando-os a aceitar os mesmos desafios. A formação do núcleo de base deverá ser a primeira preocupação de um adestrador, porque sem ele, entrará em sobrecarga, terá maiores dificuldades para alcançar novos alunos e pouco terá para mostrar em termos colectivos. Tanto em Portugal como noutros países europeus, pelo que vimos e experimentámos, a escolha dos indivíduos para o núcleo de base, deverá recair sobre indivíduos licenciados, bem sucedidos e de carreira promissora, porque não desprezarão a sua ascensão profissional e permanecerão por mais tempo nas escolas caninas, melhorando-as também nos aspectos científico, social e cultural. Doutro modo, escolhendo-se indivíduos de ocupação temporária, mal remunerados, não qualificados ou insatisfeitos profissionalmente, o núcleo de base depressa se desagregará, porque alguns deles partirão e abraçarão o adestramento como primeira ou segunda ocupação. 
A transformação da escola canina em grupo familiar irá exigir a integração e interacção das diferentes classes, todo um conjunto de exercícios comuns, donde ninguém está dispensado, e um leque de actividades no exterior que vise o melhor entrosamento dos condutores, que os leve à partilha de novas experiências e que robusteça a unidade binomial (acampamentos, excursões, treinos em diferentes ecossistemas, exibições, concursos, etc.), estratégias que ao aumentarem o interesse dos condutores, pela necessidade do grupo, os levarão também à procura da pontualidade. E neste sentido, o tradicional Plano de Aula, unidisciplinar, cativo a um lugar e monótono, também deverá sofrer alteração e enveredar pelo trabalho interdisciplinar, para que os condutores vejam ”a luz no final do túnel” (o que sempre é do seu agrado) e compreendam o propósito daquilo que lhe é ensinado, passando-se da obediência estática para a dinâmica e usando os automatismos nas suas diversas aplicações. Com isto se combaterá o desalento provocado pelas rotinas e se aumentará o desejo de aprender. Esta experiência variada e rica, tanto para os homens como para os cães, elevará os binómios a patamares de ensino que doutro modo nunca alcançariam, promovendo em simultâneo a assiduidade escolar. 
O que mais diferencia o condutor canino português dos seus congéneres europeus é a sua capacidade de improviso, que quando bem aproveitada, o transforma num excelente criativo e num condutor como poucos, capaz de ir mais além do que os outros, agrilhoados à regra, escravos de pressupostos e dependentes de condições. Para que isso aconteça, é necessário dar-lhe espaço para que se espraie, razões para acreditar e obra para construir, porque a ânsia, o imediatismo e o desinteresse que por vezes manifesta, resultam da ausência destes três requisitos, para ele fundamentais. O facto de ser instintivo e passional, aproxima-o de sobremaneira com os animais que conduz, mantendo com eles uma relação de cumplicidade para além da sujeição, do suborno ou da recompensa. Quando disciplinado, aguenta qualquer desafio e não desiste, adquire diferentes posturas, aceita qualquer investidura e cumpre como ninguém, porque é esperançado e procura a glória (ainda que não o diga).
Quem ministra o adestramento em Portugal, considerando o desgaste e a exigência a que se vê obrigado, caso seja bem sucedido, com facilidade ensinará em qualquer canto do mundo. Os condutores caninos portugueses dão muito trabalho, mas é deveras gratificante trabalhar com eles, porque nos constroem e capacitam como mais ninguém!

UM CUMPRIMENTO INESPERADO

Um tio meu, já falecido, tinha por hábito falar consigo mesmo, entre dentes, sempre que era obrigado a ficar imóvel, mexendo a boca e sussurrando palavras. Na barbearia comportava-se do mesmo modo, o que muito intrigava o barbeiro. Depois de ouvir aquela lengalenga durante anos, o homem encheu-se de coragem e perguntou-lhe: “O Sr. Dr. desculpe, está a falar para mim?” O meu tio, sentindo-se incomodado, respondeu-lhe: “Não homem, estou a falar para o diabo!” O barbeiro ficou perplexo e depois de se benzer, exclamou: “Com o devido respeito e com toda a consideração, vá o Sr. para o diabo que o carregue!”. Igual resposta merecia uma senhora que se cruzou com uma aluna nossa, a passear o seu cão, que também perplexa, nos enviou um email a contar o sucedido: a história de um cumprimento inesperado. Vamos ao relato: “O nosso percurso continuava e mais à frente, cruzo-me com uma senhora que conhecia apenas de vista, com dois “sharpeis”, que cordialmente cumprimentei, uma vez que apesar de nunca termos falado, era habitual vermo-nos na hora da passeata. Retorquindo um “Boa noite” muito alegre, continuou: ‘’Não foi para si, foi para o seu cão, só falo com animais. Eles são melhores que as pessoas”. Olhei para o meu cão, encolhi os ombros e segui caminho”. Por educação, a nossa aluna não a mandou para parte alguma, mas lá que pensou, pensou!

COMENTÁRIO ACERCA DO TEXTO “OS AFRICANOS E OS CÃES”

Recebemos muitos comentários acerca do texto “OS AFRICANOS E OS CÃES”, o que muito nos alegrou. Na impossibilidade de os reproduzirmos todos, escolhemos o seguinte que sintetiza tudo aquilo que nos foi enviado, desejando ao seu autor as maiores felicidades e que continue nosso leitor. Disse ele: “Adorei este tópico, não podia estar mais certo, sou africano e revejo-me em quase todas as características do dono/condutor africano. Eu mesmo moro numa zona maioritariamente caucasiana, tenho um pastor e sou militar, continuem com um bom trabalho”. Aproveitando a ocasião, queremos daqui agradecer a todos aqueles que entrevistámos, pela sua disponibilidade, sinceridade e coragem.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking dos textos mais lidos esta semana ficou assim ordenado:
1º_ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS. VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011.
2º_ O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS, editado em 26/10/2009.
3º_ OS AFRICANOS E OS CÃES, editado em 16/11/2013.
4º_ O MELHOR E O PIOR DO PASTOR ALEMÃO, editado em 21/06/2011.
5º_ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO NEGRO, editado em 05/06/2010.

TOP 10 SEMANAL DOS LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 dos leitores por país desta semana deu os seguintes resultados: 1º Portugal, 2º Estados Unidos, 3º Brasil, 4º Rússia, 5º Alemanha, 6º Reino Unido, 7º México, 8º França, 9º Espanha e 10º Macau.

sábado, 16 de novembro de 2013

O CÃO QUE EU QUERIA PARA MIM

Por vezes fazem-nos perguntas que nos deixam embaraçados, por serem pessoais, exigirem reflexão e obrigarem a algum cuidado na resposta, para evitar o melindre de quem nos questiona, não nos comprometer profissionalmente e evitar o nosso desnudo gratuito, porque o que se disse está dito e depois não há volta a dar. Ainda bem que podemos pensar antes de falar! Com maior ou menor intervalo, sempre acabam por nos perguntar, que cão gostaríamos de ter, o que hoje já não nos embaraça, devido à insistência na questão. Honestamente e de acordo com a nossa experiência, o cão que desejamos ainda não nasceu, mas pode ser que um dia apareça, quiçá quando já não estivermos por cá. Desejamos um cão que junte o melhor de três raças, todas elas da nossa eleição, que tenha a capacidade de aprendizagem e a prontidão do Border Collie, a versatilidade e disponibilidade do Pastor Alemão e a fidelidade e valentia do Rottweiler, características difíceis de encontrar num só cão. 
Como segunda opção, procurando o melhor no mesmo número de raças, caso fosse possível, gostaríamos que ele tivesse a alegria e a utilidade do Retriever do Labrador, a curiosidade e atenção do Caniche e a protecção e segurança que o Fila de S. Miguel oferece. A nossa terceira opção, também ela difícil de encontrar, recairia sobre um cão que juntasse a rusticidade e autonomia do Podengo Português, a serenidade e humildade do Setter Irlandês e a parceria e dedicação do Howavart. 
Mas afinal o que queremos nós? Somente um cão fácil de ensinar, próprio para nos acompanhar, obediente, atento e curioso, alegre, sereno e humilde, rústico e autónomo, que seja versátil e disponível, necessariamente fiel, dedicado e valente, para zelar pela nossa protecção e segurança, o que equivale a dizer que queremos um animal saudável, de controlo fácil, funcional, grato e próprio para nos proteger. Ao fim e ao cabo, não somos diferentes dos demais, porque todos procuramos o mesmo. E como há coisas que não lembram ao diabo, inesperadamente, um cão sem raça nenhuma, daqueles que só Deus sabe donde veio, poderá vir a preencher todos estes requisitos!

PROPÓSITO E BENEFÍCIOS DA PONTE-QUEBRADA

A Ponte-Quebrada é um obstáculo táctico, tipicamente de endurance, que pode ser usado no perímetro exterior ou isoladamente, dependendo isso da distância entre os dois blocos (rampas). Serve para potenciar o salto em extensão instantâneo dos cães e deseja-se que todos eles, exceptuando-se os miniatura, consigam saltar uma distância mínima de 180cm. O recorde de todos os tempos, na Acendura, continua a pertencer ao “Francês”, um híbrido de CPA com Pastor Belga, já falecido e ao tempo propriedade do Sr. Pedro Rocha, que saltou 450cm. A Ponte-Quebrada capacita os cães para a transposição de depressões passíveis de lhes interromper a marcha, tanto naturais quanto urbanas, ao nível do solo ou bem acima dele, quando se tornar imperativo o acompanhamento binomial, a evasão, a perseguição, a captura e a prestação de socorro. 
O recurso sistemático à Ponte-Quebrada contribui de sobremaneira para o alcance dos índices atléticos necessários a um cão de utilidade, aumenta-lhe a capacidade de impulsão, ajuda-o na transição dos andamentos naturais, tornando-a mais célere, e robustece-lhe o carácter pelos êxitos alcançados. Por tudo isto, deve e pode ser usada como obstáculo de manutenção, distante a 60cm para os cães mais pequenos, a 100cm para os médio-pequenos e a 150cm para os cães acima dos 55cm de altura, desde que todos eles tenham experiência prévia na obstáculo. 

OS AFRICANOS E OS CÃES

É muito fácil assanhar os cães contra um grupo etário, uma minoria ética ou contra uma raça em particular, mercê da apresentação, do comportamento, do mimetismo e do odor que estabelecem a diferença individual. Nalguns grupos somáticos caninos essa detecção é automática e não carece de treino específico, podendo ser acompanhada de aviso ou ameaça e dar até lugar a ataques não ordenados, porque o nariz do cão é um excelente extractor de odores e os cães, enquanto predadores, vivem em constante observação, não vendo com bons olhos a presença de estranhos no seu território ou ao redor do seu grupo. 
Apesar da abolição da escravatura, do fim do apartheid e do colonialismo, o racismo não desapareceu, mesmo nas actuais sociedades multirraciais, cujo silêncio gera uma paz podre e não esconde a intolerância de parte a parte. Os indivíduos de raça africana têm todas as razões para se afastarem dos cães, porque ao longo de séculos foram caçados por eles e ainda continuam a sê-lo, quando ostracizados, remetidos a guetos e identificados como criminosos, por culpa própria ou como reflexo da exclusão que os vitima. Ainda que as companhias cinotécnicas dos exércitos ocidentais se dediquem a dar caça aos terroristas e aos extremistas islâmicos, as policiais caçam nas barracas e nos subúrbios, locais habitados por minorias, onde o crime se organiza e cresce a olhos vistos, o que não implica em dizer que, todos os que lá moram, sejam potenciais criminosos, diferenciação que sobrecarrega as polícias metropolitanas e as obriga à especialização e ao trabalho redobrado. 
Porque razão, tão poucos africanos têm cães? Porque alguns os tratam tão mal? O que leva a sua maioria a temê-los? Porque não aparecem nas escolas caninas? Porque optam alguns por ter cães perigosos? As respostas para estas perguntas obrigaram-nos à visitação de dois aglomerados problemáticos e a uma série de entrevistas de rua, num total de 235 indivíduos, uns ilegais, outros com autorização de residência e outros já nacionais, de ambos os sexos e de idades compreendidas entre os 12 e os 70 anos, tarefa árdua diante da suspeição generalizada. 
 
A razão pela qual não procuram a companhia dos cães prende-se, em primeiro lugar, com questões económicas e sociais (os cães são para os ricos), depois com o medo (histórico ou recente) e finalmente com a aversão. O mau tratamento que dão aos cães, e algum testemunhámo-lo (encarceramento impróprio, subnutrição e maus-tratos), deve-se, segundo eles, aos seus parcos recursos e à necessidade dos animais se espevitarem. Dos 15 cães visitados, apenas dois tinham as vacinas em dia e licença camarária (13.3%). O temor pelos cães, que acontece desde tenra idade, é sobejamente mais ambiental do que genético, chegando-lhes por conselho, advertência, inibição e trauma, antevendo-se daí uma razão cultural. A somar a isto, grande número dos entrevistados, teme mais os cães do que as shotgun, “porque das balas podem esconder-se, mas os cães vão dar com eles”. 
Os proprietários caninos entrevistados, na sua esmagadora maioria (12), não reconheceram qualquer vantagem ao adestramento, por ser caro e dispensável, uma vez que se consideram capazes de ensinar os cães à sua maneira. A opção pelos cães considerados perigosos, intimamente ligada ao tráfico e ao consumo de droga, também a alguns assaltos, é obra da juventude que procura também proventos na luta de cães, cada vez mais difícil devido à detenção dos cães e às rusgas policiais. Apenas 7.5% dos africanos e 18% dos mulatos, declararam gostar ou não dispensar a companhia dos cães, muito embora temam os alheios. Dos indivíduos entrevistados, os guineenses mostraram ser mais dedicados aos seus animais do que os angolanos. Segundo nos fizeram saber, os cabo-verdianos e outros mestiços, desde que tenham proventos para isso, acabam por concorrer às classes do adestramento. 
Talvez por aculturação, porque não o sabemos ao certo, os africanos residentes em bairros de maioria caucasiana, também por serem mais abastados, acabam por ter mais animais domésticos que os seus congéneres dos subúrbios, tratando-os impecavelmente. Tanto num lado como noutro, para além dos rafeiros e dos cães miniatura, os bracóides são os cães da sua eleição, mais os ingleses do que os alemães, sendo comum vê-los com Labradores, Goldens, Cockers e Beagles, contrariamente aos ciganos, quer eles sejam peninsulares ou romenos, que abusam dos pinschers como angariadores de moedas em cima das concertinas. E quando optam por cães maiores, os africanos sentem-se mais confortáveis com os molossos, sendo raro vê-los acompanhados de algum lupino, e quando isso sucede, ou o dono é mestiço, já nasceu em Portugal ou está ligado a qualquer força militar ou policial. É evidente que há excepções. 
O número de alunos africanos na Acendura Brava sempre foi diminuto (0.05%) e raramente alguém se lembra de ter tido um colega de classe africano ou seu descendente, porque apenas demos aulas a 8 indivíduos com essas características nos últimos 30 anos, sendo todos eles mestiços, 5 do sexo masculino e 3 do feminino, 7 nacionais e 1 brasileiro. Duas das senhoras eram aparentemente caucasianas (brancas de pele, loiras e de olhos azuis), descendentes de uma bisavó negra como os restantes. Todos conduziam cães de companhia e apenas um deles alcançou notoriedade no ensino, uma senhora, médica de profissão, que conduzia um boxer e que mais tarde se tornou criadora da raça, apesar de um cabo-verdiano, jogador profissional de futebol, muito prometer e não ter conseguido ir mais além (também o não foi na sua carreira futebolística). 
Contrariamente ao número de africanos nas nossas classes, ainda que sem sorte alguma, foram muitos os que nos procuraram para ajudar na caça aos “pretos”, aos “mininos”; aos “bumbos”; aos “nharros” e aos “kafires”, usando as sua próprias palavras, solicitando-nos o treino dos seus cães para esse fim, a pretexto de má vizinhança e necessidade imperiosa de defesa. Longe de cedermos a essa tentação, sem dúvida fratricida, sempre optámos por convidar esses justiceiros para o papel de cobaias, investidura suficiente para nos deixarem de importunar. O ensino dos cães para guarda não deve ser encarado de ânimo leve, porque o objectivo de uns tantos, por mais transparente ou justificável que nos pareça, pode esconder motivações doentias ou macabras, e disso já temos experiência. 
Para combater a xenofobia e o racismo, na ausência de africanos entre nós, durante dois anos e meio, passámos a dar aulas no exterior, deslocando a escola para os espaços mais frequentados pelas urbes, para que os cães destinados à guarda, se acostumassem a todo o tipo de gente e reconhecessem as intenções dos indivíduos para além da cor da sua pele, o que veio a verificar-se. Apostados na defesa do bom-nome dos cães junto das minorias raciais, convidámos adultos e crianças a participarem nos nossos trabalhos, dando-lhes a oportunidade de conduzirem alguns cães, ocasião memorável para muitos, perpetuada nas inúmeras fotos tiradas, como é o caso da seguinte. 
Apesar da abrangência do tema, não podíamos deixar para depois a análise das companhias cinotécnicas africanas, ainda que baseada em meia dúzia de instantes televisivos, quando chamadas a actuar. É evidente que não as podemos avaliar todas e com o rigor necessário, facto que obrigaria à nossa deslocação e posterior observação no terreno. Não obstante, porque temos imensos leitores angolanos, lembramo-nos de uma acção policial ocorrida em Luanda, para controlo e dispersão de uma multidão de jovens, reivindicando algo que já esquecemos, onde o estoiro dos cães foi visível e o seu préstimo quase nulo, sendo alguns “lidados” como se de garraios se tratassem. Não sabemos ou talvez saibamos, porque insistem as polícias africanas no recrutamento de cães de raças europeias, naturalmente condenados à fadiga e votados à falta de empenho por inadequação ao clima. Cães de pêlo duplo e maioritariamente negros, como é o caso do Pastor Alemão e do Rottweiler, não serão os mais indicados para trabalhar em África, porque ali se esfarrapam precocemente, perdendo a prontidão, a tenacidade e a resistência necessárias ao serviço. Não estariam melhor servidas com o Rhodesian Ridgeback ou com um cão similar, quando seleccionado para o efeito ou usado para a obtenção de uma nova raça? Será que ainda paira no ar o espectro dos famigerados cães brancos sul-africanos? 
Cinquenta e dois anos depois da exibição do filme “White Dog”, de Samuel Fuller, lamentavelmente, o mundo ainda assiste a cenas idênticas, ao adestramento de cães contra diferentes etnias, como se não houvesse o direito à diferença e os homens não fossem todos iguais, provenientes da mesma origem, carentes de iguais necessidades e portadores dos mesmos desejos. Com facilidade a cinotecnia se presta ao racismo, ainda que não o deva, embalada pelo processo eugénico que levou à selecção das diferentes raças caninas e pela tentação de ver o mundo do mesmo modo. Vale a pena ver ou rever o filme “Cão Branco”, baseado em factos reais e à disposição de qualquer um na internet. Diante desta inquietante obra, ninguém ficará insensível e também ninguém quererá ser vítima! 
Mais do que a aversão, a indiferença, o desprezo, a raiva e o ódio visceral, o medo tem sido o comburente de eleição para a inflamação do racismo actual, o que o identifica como reactivo ou defensivo diante da globalização e das profundas alterações vividas nas sociedades, porque o mundo transformou-se de um dia para o outro e apanhou a maioria das pessoas desprevenida. Face a esta tamanha mudança, que nos obriga a temer pelo futuro, porque nada será como dantes, alguns são levados, se não quase todos, a agarrar-se às suas origens, por necessidade de identificação e auto-defesa, porque se sentem desalojados ou expropriados, e obrigados a dividir com desconhecidos, para eles gente remota, de hábitos estranhos, concorrente ao seu emprego, invasora do seu cantinho e perturbadora do seu sossego. Parece que o domínio branco no Mundo está a entrar em colapso (há quem diga que isso começou no dia em que o mentor do III Reich se suicidou), porque a China parece ter acordado, a União Europeia sobrevive a duras penas, os Estados Unidos “andam às aranhas”, o Magrebe cresce na França e por todo lado emergem líderes não caucasianos, como se tudo fosse inevitável e uma questão de tempo. 
Ninguém sabe como será o mundo de amanhã, se entrará em guerra ou terá os dias contados, queremos acreditar que será mais fraterno e justo, haja guerra ou não, porque a humanidade tem evoluído nesse sentido, ainda que tarde e a más horas. Quem serão os caçados de amanhã: os africanos, os hispânicos, os muçulmanos ou os emigrantes ilegais? Provavelmente os algozes do presente, se ainda por cá andarem, se não tivermos aprendido a lição e os cães se prestarem a isso. 
Apesar de nunca o esperar, eu assisti ao ruir do colossal império britânico, à queda atabalhoada do português e à eleição de um negro para a presidência dos Estados Unidos. Quem imaginaria ver a Praça de Piccadilly Circus superpovoada de paquistaneses e o nosso Rossio repleto de africanos? Será que Nostradamus o previu? Breve, muito breve, os africanos chegarão também ao mundo do adestramento, adoptando uma arte que nunca lhes deu tréguas. Oxalá não caiam em vícios antigos e não se paguem da mesma moeda, porque os cães tanto podem caçar negros como brancos, é tudo uma questão de treino!