terça-feira, 29 de março de 2011

AS DESVENTURAS DO MASCARILHA

O Mascarilha é um cão jovem, activo, valente, amigo do seu dono e cioso das suas coisas, daqueles que, quando não o tem, logo de imediato inventa serviço. Actualmente escavaca o carro do dono quando de relance avista cães na rua, tenta agredir aqueles que com ele se cruzam e carrega sobre qualquer um que o tema ou que se aproxime do seu dono. Estas características individuais, advindas de fortes impulsos ao movimento, à defesa, à luta e ao poder, quando bem aproveitadas, transformadas e rentabilizadas, fariam as delícias de qualquer treinador profissional, já que estamos na presença de um guardião inato. Apesar de continuamente repreendido e refreado, o Mascarilha não apresenta melhoras e as suas inusitadas arremetidas, porque age por modo próprio, mais se agravam e tardam em desaparecer. O dono já se vê predestinado para o problema, prepara-se para o carrego dessa cruz e vai-se conformando, tal qual impotente diante daquilo que o ultrapassa. Mas antes que aceite o vaticínio e porque a mudança é possível, importa destrinçar o problema e encontrar-lhe solução. Será o cão irascível, somente uma fera que se deixa acariciar e que pernoita ao nosso lado? Porque carrega sobre os cães e descarrega nos homens? Será ele a encarnação da fábula do “lobo mau”? Será o problema exclusivamente hereditário ou algo terá contribuído para os esses ímpetos? É por demais evidente que o problema nos remete para a ausência de uma sociabilização eficaz e autêntica, desenvolvida de acordo com as dificuldades encontradas e de modo persistente, a operar a partir dos cães que constituem o grupo escolar e deles evoluir para os que com ele se cruzam no perímetro doméstico ou na via pública. Apesar da familiarização anteceder e contribuir substancialmente para a sociabilização, a maior ou menor resistência à sua assimilação passa pelo particular dos indivíduos e pelo tipo de liderança que aceitam ou rejeitam. A carga genética e a experiência directa de cada cão poderão facilitar ou dificultar essa investidura, afinal tão necessária e imprescindível para a coabitação harmoniosa dos cães na sociedade. O isolamento forçado dos cães fortalece-lhes de sobremaneira o sentimento territorial, assim como a exiguidade do seu território e a excursão sistemática nos mesmos trajectos. A constituição binomial quando descuidada, deficitária e repartida no que concerne à liderança, tende a suscitar nos cães arremetidas não solicitadas e de consequências inesperadas. O Mascarilha passa a maior parte dos seus dias dentro de casa e aguarda ansiosamente as idas à rua, momentos que acontecem pela manhã e à noitinha, nos percursos usuais que o condomínio oferece e que por vezes são assolados por cães vadios, vindos não se sabe donde. Como esses intrusos já tentaram agredir pessoas e outros cães, o Mascarilha tem-lhes um ódio de morte, tendencialmente julga o todo pela parte e tenta carregar sobre todo e qualquer cão. Mercê do trabalho desenvolvido, o Mascarilha confraterniza hoje sem dificuldades com os cães escolares, brinca com eles e já elegeu alguns companheiros para a paródia. Contudo, continua a abominar os cães vadios ao redor da sua casa. Diante do problema que retarda a solução, para além do inevitável reforço da liderança, das duas uma: ou se muda a excursão diária ou procede-se à captura dos cães abandonados, prole sem qualquer tipo de condicionamento e que apenas luta pela sobrevivência. Como a captura dos cães tem-se revelado infrutífera por força da permeabilidade e extensão do condomínio fechado, densamente arborizado e profícuo em refúgios naturais e artificiais de vária ordem, a solução mais viável é optar por percursos no exterior, servindo eles como preparação para os internos e para os problemas que eles acarretam. De qualquer modo o trabalho escolar deve continuar e as sessões de treino deverão ver o seu número aumentadas, para que o princípio da sobrecarga opere e a codificação do Mascarilha aconteça. A surpresa que antecede ou actua diante do flagrante delito é o melhor dos antídotos para o controle ou supressão das acções instintivas caninas, porque mercê da memória afectiva, que reforça a experiência directa, os cães sabem com o que podem contar, já que ela transforma-se em lições de vida. De nada vale ao condutor do Mascarilha, quando ao volante e com o cão atrelado na bagageira do carro, tentar-lhe inibir os arrufos contra os cães que passeiam na rua, porque o cão já experimentou a sua invalidade e continuará a proceder como sempre procedeu, invalidando dessa forma a própria inibição. Sempre que possível, e nem sempre é, deve o dono do cão parar o carro e de imediato proceder à sua repreensão, para que o cão se aperceba da omnipresença do seu condutor e cesse essas acções indesejáveis. Mas como isso é na maioria das vezes impossível, convém que o dono pare o seu carro junto a áreas densamente povoadas por cães, saltando do seu banco quantas vezes isso se tornar necessário afim de inibir o cão. Quando a resposta à inibição for positiva e o Mascarilha deixar de se importunar com os cães que passam, é altura de o recompensar vivamente, porque a investidura foi alcançada e os cães sempre necessitam de prémio. O prémio é quem melhor garante e dá continuidade as respostas artificiais caninas fornecidas pelo treino, o que a ninguém espanta face ao sentimento gregário e viver social que impera sobre os cães. Talvez o Mascarilha sofra também de um problema de “troca de alvos” e invente serviço. Porém, nenhum serviço pode dispensar a sociabilização atendendo à operacionalidade procurada. Cães sérios não podem ser trabalhados em part-time ou quando nos dá a gana, exigem trabalho, preparação e recompensa, necessitam de ser entendidos e não dispensam a cumplicidade que melhor garante o objectivo comum.

LAMENTOS DO CÃO QUE QUERIA MAIS

Este artigo é manifesta e intencionalmente antropomórfico face aos seus destinatários e ao bem-estar canino, já que os cães não falam e necessitam de ser ouvidos, porque se expressam de modo diverso e nem sempre são compreendidos. Tudo o que sobre eles ouvimos passa pela interpretação, o que pode distanciar-nos da sua realidade, viver social, impulsos inatos e carga instintiva. Tendencialmente falamos do que conhecemos e a nossa análise cativa-se invariavelmente às nossas expectativas, porque a dependência canina vem em nosso auxílio, teimosamente resistimos à mudança e procuramos a reciprocidade. Graças a estes predicados, entendidos quase sempre como verdades insofismáveis, muitos acabam por ter em casa ilustres desconhecidos, cães que no seu “entender” são inapropriados ou disparatados, animais sem préstimo e causa de algum agravo. Se entender os cães aos nossos olhos é fácil, mais difícil se torna torná-los compreensíveis. Dar a conhecê-los é o nosso objectivo, algo para além da comum fábula e mais próximo das aspirações daqueles que persistem em acompanhar-nos. Vamos à história do Skipper e ousemos entrar no seu mundo.“Chamo-me Skipper, sou um macho com 3 anos de idade, tenho pedigree, sou muito meigo e fui adoptado por um casal que me adora. Vivo numa moradia e passo a maior parte do tempo à solta no quintal, durmo na garagem e recentemente fui inscrito numa escola. Nela resisto em andar à trela, desafio os outros cães e estou a adquirir força. Fui ali parar por causa de um episódio que obrigou os meus donos ao pagamento duma ovelha e também porque se tornou impossível levarem-me comodamente à rua. Na escola gosto de competir com os demais e não me sinto inferior a eles, muito pelo contrário, apesar de ser continuamente contrariado e acabar exausto no duelo das vontades. Sou alegre e adoro saltar, os meus andamentos naturais são graciosos e sou naturalmente atento, aprendo sem dificuldades e estou a descobrir um mundo novo. Tenho tudo para ser um vencedor! Eu gostava que a minha condutora não me criasse dificuldades na absorção dos códigos, porque no meio do embaraço sempre confunde comandos e procedimentos, treme perante a aproximação dos outros cães e obriga-me, invariavelmente, a uma deslocação em passo de andadura, o que para além de impróprio, me obriga ao atraso e ao seu reboque. O treinador lá vai insistindo com ela e solicita-lhe maior disponibilidade e atenção. Ela responde-lhe com 3 sons que não entendo: amanhã, esperança e Deus. O primeiro deve referir-se a uma experiência que teve, o segundo a algo que não tem e o terceiro a um macho alfa que domina sobre ela, contudo nunca visto. Eu vivo da experiência que tenho e só isso me ajuda na compreensão do “aqui e agora”. A minha condutora inicia os trabalhos a suspirar e eu não entendo porquê, sinto-a em dificuldades e não sei o que fazer. Perante a sua aflição torno-me nervoso e desconfiado: donde virá o perigo? Querendo protegê-la, suspeito e enfrento os outros cães. Pouco a pouco, por força do trabalho a que sou sujeito, tenho percebido que não há razão para alarmes, que todos me querem bem e que o grupo escolar me adoptou. Por vezes sou repreendido quando tomo a liderança, porque a sinto frágil e necessitada de ajuda, embaraço que não sinto quando nos encontramos em casa. Sinto que ela não tem grande confiança em mim, porque quando os outros me conduzem pela trela faço tudo bem e alegro-me nas vitórias. Devido à sua periclitante condução, intento tomar a iniciativa. Infelizmente a trela não me deixa e o cansaço obriga-a ao descanso. Eu desejo mais e necessito de excursão, preciso de quem ela me acompanhe e vá adiante no nosso trajecto comum. Descobri no treino que tenho muito mais para dar, que afinal sou mais forte pelas experiências que tenho tido, descobri sentimentos que julgava não ter e atribuições que nunca experimentei, porque desde a minha adopção a minha capacitação foi por demais descuidada e artificial, alheia à minha condição canina e distante da minha propensão natural. Queria ser feliz como sou no meu reduto, sair acompanhado porta fora e descobrir o mundo que me rodeia, abraçar novas experiências e aceitar outros desafios, pois estou na força da idade e não me satisfaço no simples acto de espreitar os muros”. Talvez o Skipper tivesse mais a dizer, até porque os cães reclamam muita atenção e cumplicidade. Porém, a sua história não é única e já tem barbas, abate-se vezes sem conta sobre os cachorros que diariamente são levados para casa, transformados em marionetas nas mãos de quem deles necessita, à revelia da sua condição e para gozo dos seus proprietários. Será que esta é única opção?Ao contrário do que se pensa, os cães para invisuais ou os destinados a suprir dificuldades dos seus donos são raros, objecto de selecção cuidada e alvo de afincada preparação, executada por quem sabe e segundo um cronograma específico, o que afasta a maioria dos cães desse serviço ou função, mercê das características individuais que garantem o desempenho procurado, existindo algumas raças avessas, sem propensão para esse tipo de auxílio ou indivíduos impróprios para tal desempenho, cujo número é largamente maioritário quando comparado com o dos cães destinados a essas especificidades. Todo aquele que procura um cão deve coadunar aquilo que tem para oferecer (tempo a dispensar; a sua disponibilidade física; as condições de alojamento; a economia do agregado familiar e a educação do animal, etc.) com a raça ou indivíduo que melhor servem os seus intentos, porque a harmonia só é possível quando ambivalente. Urge largar a sorte e ilibar os cães da desventura, porque um binómio é como um casamento que importa que feliz, profícuo e duradouro.

sexta-feira, 18 de março de 2011

DO RAPTO AO ABANDONO: UMA HISTÓRICA VERÍDICA PARA TODOS

Num dia remoto que a história não reza, porque os homens ainda não tinham inventado a escrita, quando começaram a abandonar as cavernas, a dedicar-se à agricultura e à criação de gado, um caçador experimentado e curioso começou a observar detalhadamente os lobos, desejando ter algum ou alguns como companheiros e auxiliares, como parceiros na caça, guardas de rebanhos e protectores da sua casa e bens. Dominado por essas ambições e pensando nas vantagens que traziam, apesar da tarefa não lhe parecer fácil, aguçou o engenho e pôs o plano em marcha. Depois de muito matutar, considerando os perigos que corria, abandonou a ideia de caçar um adulto e optou pelo rapto de alguns filhotes.Ele sabia ser impossível alcançá-los enquanto mamassem, porque nesse período a mães nunca os abandonavam ou deixavam sozinhos, raramente saíam e quando o faziam nunca era para muito longe da sua toca. Pegá-los nesse idade obrigaria ao confronto com a matriarca, uma peleja a evitar e de desfecho imprevisível. É evidente que com a ajuda de outros homens tudo seria mais fácil, mas tal não agradou ao caçador porque queria somente os louros para si e desejava levar vantagem sobre os outros. Silencioso e à distância, tendo especial cuidado com a direcção do vento, não fosse ele denunciá-lo e fazer gorar os seus intentos, diariamente se predispôs a observar uma ninhada de lobinhos e quando eles já saíam da toca e a sua mãe já caçava amiúde para eles, longe da vista da progenitora, deitou a mão a todos quantos pôde e levou-os consigo.
Apesar dos lobinhos já comerem, ele sabia que não os podia soltar nem consentir na aproximação dos pais, porque se tornariam iguais a eles e daí não resultaria qualquer préstimo, já que retornariam ao seu viver natural. Durante o dia trazia-os amarrados e à noite encarcerava-os, sempre rodeados pelo fogo e minimamente iluminados, não fossem os seus pais tentar resgatá-los. A quebra da autonomia mostrou-se eficaz, produziu dependência e os filhotes acabaram por sujeitar-se, porque o patrão da comida é o dono do bicho. Com o passar do tempo os lobinhos cresceram e mostraram a sua utilidade, reproduziram-se em cativeiro e foram seleccionados pela sua cumplicidade, tornando-se assim objecto de cobiça e motivo de algumas escaramuças. Ninhada após ninhada assistiu-se ao nascimento do cão, aquele que hoje designamos por lobo familiar.
Daí em diante outros homens seguiram o exemplo daquele caçador, muitas vezes por meios menos escrupulosos, sedentos da mesma parceria e vantagens. O lobo doméstico generalizou-se, foi sujeito a distintas selecções e proliferou por todos os continentes até ao presente dia, sendo pau para toda a obra por causa da dependência. Recentemente, considerando o tempo decorrido até aqui, adquiriu distintas formas, cores e aptidões, abraçou um sem número de serviços e alcançou o título de animal de companhia, num trajecto heróico carregado de vítimas incontáveis por força da parceria. O rapto virou mais-valia e o cão afastou-se irremediavelmente do lobo, sem caminho de regresso e condenado a viver entre nós.
Como nem todas as histórias têm um final feliz e quando o têm, nem sempre são verdadeiras, esta também não o tem, porque a proliferação dos cães acabou por votá-los ao abandono e sentenciá-los à morte, torná-los num carrego e em algo desprezível. Diz-se de quem nasce torto que tarde ou nunca se endireita, o que aqui faz todo o sentido, em abono da verdade e em função do ocorrido. Cabe a cada um de nós alterar o final desta história e podemos fazê-lo não só pela adopção, mas também pela ajuda, esclarecimento e denúncia. Os cães não entendem as nossas desculpas, motivos, projectos ou ambições, seguem-nos somente, reclamando a ancestral paternidade que assumimos no dia em que iniciámos o seu rapto. O cão ainda tem muito para dar, nós é que nem sempre sabemos o que fazer com ele.

quinta-feira, 17 de março de 2011

ENSINAR HÁBITOS DE HIGIENE

Aqueles que já foram pais sem maiores dificuldades ensinarão hábitos de higiene aos seus cães, porque mal comparado e salvaguardadas as devidas diferenças, estabelecer hábitos de higiene a um cachorro é algo similar a ensinar uma criança a ir ao bacio quando importa largar as fraldas. Os cães são naturalmente asseados, talvez não tanto como os gatos, ávidos na procura do seu lugar social e naturalmente avessos ao odor das suas excreções. Contudo, o cão é animal de hábitos, vive da experiência que tem e sempre reflecte o cuidado ou cuidados que lhe foram dispensados, porque possui poucos instintos e é manifestamente um ser social, aceita a hierarquia e age de acordo com a regra ou disciplina do grupo. Uma vez dito isto, os cães badalhocos ou pouco asseados são-no por culpa dos seus proprietários, vítimas da sua ignorância, despreparo, modo de vida e por vezes até, em raríssimos casos, do seu próprio exemplo. Aqueles que não se conformam com a situação, perante a dificuldade e porque não abdicam da higiene dos seus lares, sempre acabam por interpelar os adestradores da nossa praça, lançando-lhes uma pergunta tantas vezes repetida: “Os Sr.s ensinam hábitos de higiene aos cães?” Apesar da pergunta ser séria, ela é normalmente acolhida com alguma chacota, o que demonstra um humor despropositado e alguma indisponibilidade para servir por parte daqueles a quem cabe o esclarecimento.
E à medida que o tempo corre já ouvimos de tudo, conselhos que ainda prevalecem e que passam por esfregar o focinho dos animais na sua urina ou dejectos, quando não substituídos pela célebre cacetada com um rolo de jornal. Quiçá talvez, agora que os jornais são menos procurados e aumenta o número daqueles que vêm as notícias pela da Internet, essa “terapia” venha a ser substituída pelo arremesso do rato ou por uma cadeirada. Infelizmente também há de quem se valha de sprays repelentes e dizemos infelizmente porque normalmente não alcançam qualquer êxito mercê da sua ineficácia.
Sempre será mais fácil ensinar hábitos de higiene a uma cadela do que a um macho, porque o segundo necessita de marcar território e tendencialmente assinala assim o seu domínio, particularmente diante de novos odores ou quando divide o seu espaço com outros cães. Porém machos e fêmeas podem ser asseados bastando para isso o acerto nas rotinas, porque o cão vive de hábitos e não vê com bons olhos a sua alteração, talvez por segurança e por não ter perspectiva de futuro. A comida à descrição e a constante alteração dos horários do penso obrigam os cães a urinar mais e a defecar amiúde. Os cachorros defecam e urinam mais vezes que os cães adultos, exactamente porque têm pensos repartidos, o que os obriga também a uma maior ingestão de água. Acostume ao seu cachorro logo após comer ou beber a urinar ou defecar no sítio reservado para o efeito, tendo o cuidado de associar a essa acção o comando próprio para a sua execução, coisa que o animal gradualmente assimilará por força da importância que os sons e odores exercem sobre ele. A sua paciência deverá ser superior à resistência do bicho e o acerto do animal deverá sempre ser alvo de recompensa ou felicitação. Geralmente a pressa dos donos provoca atraso na assimilação higiénica canina, porque os proprietários não insistem e os cães irão persistir em defecar em casa. Perante qualquer indisposição ou urgência, os cães que bem assimilaram a regra, chegam a pedir aos donos para que os levem a fazer as necessidades e quem disso fizer orelhas moucas terá de andar em casa em bicos de pés, porque o chão poderá ficar minado.
A intrusão de cães alheios no lar de adopção, a introdução doutros animais de espécie diferente e concorrentes, o cio das cadelas que dividem o mesmo espaço e o odor das roupas do dono, quando em contacto directo com outros cães ou animais, podem gerar percalços e contribuir para o abandono esporádico ou definitivo da regra. Os donos mais desleixados e inimigos do arrumo, particularmente aqueles que deixam roupa espalhada pelo chão, meias e demais roupa interior, porque se encontram fortemente impregnadas do seu odor, são verdadeiros atentados contra as mais elementares regras de higiene, já que os cachorros consideram-nos parte do seu espólio e naturalmente marcam-nos a seu modo, podendo fazer com eles aquilo que lhes aprouver. O nariz dos cães é um exímio extractor de odores e eles insistem no predomínio do seu. Existem cães muito ciumentos pelos donos e que não admiram do mesmo modo todos os membros do agregado familiar, o que os leva a marcar a roupa do dono eleito em prejuízo do odor do outro cônjuge. A melhor disciplina para os cães vem do exemplo, porventura para os homens também, porque são observadores, gostam de agradar e sempre procuram a melhor inserção social.
É importante relembrar, e isto já nos parece um rosário, que os cães nasceram para a excursão e que os machos naturalmente despejam o “depósito” na rua, ao ponto de nenhuma pinga lhes sobrar. Algumas cadelas e outros tantos cachorros resistem a fazer as necessidades na rua, facto que se encontra ligado ao tipo de liderança, a um passado traumático (imprinting ou experiência directa), à fragilidade de carácter ou ao atraso das respectivas maturidades, coisa visível no regresso a casa dos donos quando os cachorros se urinam. O fenómeno será vencido pela alteração de comportamento dos proprietários e pelo crescimento dos animais. Sempre será mais fácil ensinar regras de higiene a quem possui um quintal e quem não o tem chamará de seu os passeios e os jardins públicos. Quem não gosta ou não pode sair com os cães à rua, sempre acaba por encontrar um lugar em casa para o efeito, ensinando o cão a ser gato e obrigando-se a maior zelo na higiene doméstica. Nas viagens demoradas, tanto de carro como de comboio, os cães deverão ser impedidos de comer e beber na véspera, exactamente como se procede nos momentos que antecedem as intervenções cirúrgicas programadas. No entanto, antes do embarque e logo após o desembarque deverão ser deixados livremente para que satisfaçam as suas necessidades fisiológicas. Tivemos recentemente conhecimento de um casal português, emigrante em França, que se desloca regularmente a Portugal por via-férrea, fazendo-se acompanhar do seu caniche dentro dos quartos das carruagens destinadas para o efeito. A viagem demora para cima de 12 horas e o cão nunca se descuidou ou comprometeu os donos, sendo por isso motivo de admiração geral. Como o assunto é extenso, cada cão é um caso e obedece a diferente instalação doméstica, colocamo-nos imediatamente à disposição daqueles que necessitarem de outros ou melhores esclarecimentos. É evidente que existem grupos somáticos, raças e variedades cromáticas mais asseados do que outros, mas uma coisa temos como certa: serão sempre os donos a estabelecer a diferença!

A SUCESSÃO

Passar o testemunho nunca foi fácil e encontrar seguidor muito menos, porque se resiste à partida e nem sempre se encontra a pessoa ideal. Nas sucessões a transmissão nunca é absoluta porque as habilidades e tendências diferem individualmente, há sempre algo que se perde e procuram-se mais-valias. O rendido procura o seu reflexo e o que rende novidade ou autonomia, já que a percepção das coisas é diferente: um é dominado por um sentimento de perca e o outro espreita a oportunidade. E nisto não diferimos muito dos cães, porque a vida é feita de mudança e a história diz-nos isso mesmo: “rei morto, rei posto!” Quando a sucessão é meramente hierárquica e feita para além da capacidade dos indivíduos, ela torna-se mais fácil mas não garante a qualidade nem a continuidade da obra. A sucessão menos arriscada é aquela que resulta do discipulado, a que se sustentou no trajecto comum, comungou dos mesmos objectivos, que dividiu as dificuldades e sentiu as mesmas vitórias, porque lado a lado se constrói e nisto também se compreende o “junto” como pedra basilar da obediência. Emerge a hora da sucessão na Acendura, quem será o escolhido?
Ao longo da nossa existência foram muitos os que intentaram suceder-nos, havendo alguns que inclusive nos usurparam e tornaram seu aquilo que nunca lhe demos, plagiando livros, sustentando falsas indigitações, adiantando conteúdos de ensino que nunca professámos ou métodos que jamais usámos. O rol é extenso e a nenhum destes indivíduos estendemos a nossa mão e constituímos como nossos seguidores, porque viemos para servir e nunca nos seduzimos pelo caminho mais fácil, antes somos devedores de todos os que connosco se cruzaram e cruzam. Sempre combatemos os oportunistas e toda a casta de “chico-espertos”, gente que repetidamente sacudimos dos nossos calcanhares, pela clareza das suas intenções e ausência de sério fundamento, porque nem sempre querer é poder, há um abismo entre o desejo e a sua construção, alguma dificuldade entre o conceito e a sua aplicação. O verdadeiro candidato é aquele que estende a sua mão em ajuda e não aquele que nos amarra as mãos, o que suaviza as nossas dificuldades e nos ampara no caminho. Não obstante, há muita gente no mundo do adestramento da qual nos orgulhamos, indivíduos que connosco caminharam e foram adiante, que procuraram outros trilhos e rumos e alcançando sucesso. Como não somos obra acabada, necessitamos de quem a leve adiante, que pegue naquilo que recebeu e frutifique. Felizmente ainda temos nas nossas fileiras indivíduos destes e deles sairão os nossos sucessores, companheiros cujos talentos resultam da humildade e do gosto de bem servir, homens e mulheres que almejam a fraternidade e que fazem da paridade um meio para a alcançar, porque quem despreza os homens como alcançará os cães?
Os cães são o nosso serviço, a eles dedicamos as nossas vidas, eles não são uma meta mas sim um objectivo, não nos servem de bengala ou pretexto, meio para outros fins ou oportunidade para outros desejos, porque merecem ser amados, respeitados e entendidos segundo a sua natureza, propósitos muito para além do nosso bem-estar, riqueza ou galarim. Ao adestramento sempre chegam candidatos com pouco para dar na esperança de muito receberem, tal qual emigrante em terra fronteiriça à espera de embarcar, oportunistas e aventureiros de substratos sociais diversos que espreitam um lugar ao sol. Nenhum curso só por si altera a essência humana, o polimento apenas serve para ocultar prós demais aquilo que natureza do indivíduo encerra, a sua pequenez ou grandeza que o contacto com os cães cedo acabará por denunciar. O ensino de cães exige autenticidade, uma predisposição genética que evolui no contacto com estes animais, que vai adiante e se realiza na comunicação interespécies, transformando a paixão em militância e o trabalho em agradecimento. Enganam-se aqueles que julgam o adestramento um “el dorado”, porque os pobres bichos não são produto de primeira necessidade e com facilidade se descartam os homens deles, infelizmente. O gozo no adestramento reside no fazer-se compreender e ser correspondido, porque de uma relação amorosa se trata que visa a salvaguarda dos animais que nos são confiados, exactamente aqueles que ensinamos a rogo de outrem.
Adoptámos o nome acendura a partir do verbo latino acendrar, que significa limpar com cinza, afinar, lapidar, apurar e purificar, o que acaba por denunciar a nossa praxis e selecção, o convite que estendemos a todos os proprietários de cães para que melhor os entendam, para que se constituam em binómios, melhor usufruam disso e mais se preocupem com o bem-estar canino. Suceder-nos é continuar nesta mesma senda, é ser incómodo e ser incomodado para valer aos demais. Adestrar exige rara renúncia e transfiguração, um certo desnudo para que a mensagem seja perceptível, bem recebida e assimilada, condições longínquas para aqueles que resistem à transformação e persistem no hedonismo. Aquele que ama os cães, apesar de padrasto, tenta ser pai e aqueles que não o intentam só farão sofrer os animais, ainda que sejam objecto de honrarias e alvo dos mais variados pasquins. O adestrador nasce para os cães e purifica-se no seu contacto, descobre o lugar comum e alcança a liderança. Não, não é fácil encontrar um candidato sério, mesmo que a técnica encubra aquilo que a emoção reclama.
O apego à erudição, a insatisfação pela procura de melhores resultados, o estudo constante e a observação demorada não podem ser substituídos somente pela experiência, porque o mundo é feito de mudança, os homens mudam e os cães são nascem de acordo com a sua inclinação ou semelhança, todos os dias surgem novos subsídios e melhores soluções despontam, pois importa acabar de vez com a doutrina da “tábua rasa”. O contacto com os cães é ancestral mas novidade tem aumentado significativamente o seu bem-estar. Estar no adestramento obriga à reciclagem constante, à procura de novos contributos em áreas ou ciências que até aqui nos pareciam desligadas e sem qualquer contributo. Porque a verdade é esta: se os cães nos auxiliam no conhecimento dos homens, serão os homens que melhor nos poderão auxiliar no conhecimento dos cães. Por causa disso, em substituição dos actuais cursos técnicos, não virá longe o tempo em que os adestradores virar a necessitar duma licenciatura. Suceder-nos é também apostar na erudição.
Apesar do inescusável contributo da ciência, o adestramento é essencialmente uma arte e como tal necessita de bons executantes ou artistas, porque o termo é erroneamente entendido num só sentido quando na verdade se destina a ambos os elementos de cada binómio, sendo por isso mais fácil adestrar cães do que aprimorar condutores. O bom desempenho do adestrador, a sua criatividade, a inequívoca união binomial, a oportunidade das suas ajudas, a graciosidade das figuras que projecta e a sublimidade que emana devem constituir-se num convite, num incentivo para o treino e pràs mais-valias que ele oferece – um exemplo a seguir. O mundo está cheio de maus executantes e isso tem influído negativamente no desenvolvimento e continuidade de várias escolas, e quando se começa mal cedo se avizinha a tragédia. Elegemos como candidatos os artistas, aqueles que superiormente desempenham os distintos movimentos ou figuras, que transformam os requisitos básicos em momentos de rara beleza. A isto se chama transcendência operativa e é isso que avidamente também procuramos, até porque adestramos binómios para o universo das artes televisiva e cinematográfica.
Para além do discipulado, da excelência da mensagem transmitida, da predisposição ou talento natural, do apego à erudição, do conhecimento profundo dos distintos grupos somáticos caninos e da qualidade artística, sempre exigimos aos nossos sucessores experiência prévia e aprovada no ensino de cachorros, de cães adultos e nos sujeitos à reeducação. A somar a isto, exigimos ainda que tenham superior aproveitamento nas disciplinas que ministramos, que se especializem na recuperação morfológica e que dominam os segredos e benefícios dos aparelhos e obstáculos da pista táctica, bem como no domínio completo da técnica de condução. Atendendo à carga curricular facilmente se antevê da necessidade de um estágio pós formação, onde o candidato ou candidatos serão avaliados para a sua futura função. Esse estágio consta de aulas domiciliares e do ministrar de lições às classes escolares., obrigatoriamente antecedidas dos necessários planos de aula. A admissão de candidatos privilegia os alunos oriundos do nosso curso monitores ou os alunos que atingiram a Classe A escolar. Tentamos com estes requisitos melhor capacitar aqueles que darão continuidade ao nosso trabalho, porque a surpresa causa entrave, o improviso gera confusão e o embaraço não será a melhor das pedagogias, já que o desenrascanso adultera qualquer método, compromete a mais sana das filosofias de ensino e normalmente perverte os objectivos procurados. A candidatura a adestrador, para além dos cães que serão colocados à sua disposição, é um convite estendido somente aos condutores, àqueles que se constituíram em binómios e que são proprietários dos cães que conduzem.
De nada valerão todos os requisitos atrás adiantados se os candidatos não forem inatamente líderes, porque o adestramento acaba por ser um curso de liderança, uma investidura escondida por detrás do condicionamento canino, uma ocasião para a mudança que precisa constantemente de ser alimentada e reavivada, já que a propensão da maioria dos condutores é outra e o seu modo de vida isso reforça. Jamais será fácil transformar um escravo num soberano, transmitir convicções a um abatido e partir da desilusão para chegar à certeza. A investidura canina irá revelar-se muito mais atingível do que a humana. E isto Porquê? Porque no treino reconstruímos a estrutura social canina e necessitamos que os donos ocupem nela o lugar que lhes está reservado. Nos primeiros a resposta é natural e nos segundos ela é maioritariamente artificial. A actuação de um bom adestrador é caracterizada pela auto-renúncia em prol do desenvolvimento dos seus alunos, sacrifício hercúleo que reclama disponibilidade, força e ânimo constantes, uma superior perseverança nos princípios gerais da pedagogia de ensino e uma empatia inquestionável, porque alguns donos necessitarão de ser carregados ao colo para que os seus cães venham a segui-los. O bem-estar dum adestrador só acontece pelo progresso das suas classes e o seu gozo só resultará das suas pequenas vitórias. No meio da contrariedade terá de ir adiante e quando o desânimo lhe bater à porta não terá tempo para se deixar abater, porque ele é a mão estendida em ajuda e esse é o seu ofício. Por causa do combate do “aqui” e “agora” a que as metas obrigam e a brevidade de dias dos cães não é alheia, o seu trabalho e empenho vão para além do encerramento das aulas, seguem-no lar adentro até ao refúgio do seu leito e nisto sempre estará só, com os donos às voltas e os cães na cabeça, porque dele se espera solução e o resto aos outros pouco importa. Ainda que o faça em part-time, o seu trabalho será mais árduo do que o exigível a um animador de tempos livres, porque terá de rentabilizar o lúdico e transformar a brincadeira num caso sério, operações que empreenderá gradualmente pela subtileza e que serão sustentadas pela amizade que vai semeando. E neste sentido ele é também um visionário, porque lhe é exigido transformar o grupo em ferramenta, carregar as suas dificuldades e provocar alteração, levar de vencida as situações adversas e criar condições pró sucesso. Muito mais haveria a dizer e aqueles que abraçarem esta paixão irão certamente descobri-lo. Pelo que foi dito e atendendo à restrição que a escolha exige, quem se agiganta para o cargo? Pouquíssimos nomes nos vêm à memória, será que nos esquecemos de alguém? Se tem todas as condições que exigimos, pretende carregar o nosso fardo e ir adiante com o nosso trabalho, não hesite, apresente-se, certamente será bem-vindo. Venha que se faz tarde!

BRANCO E VERMELHO, AZUL E NEGRO

Sempre estiveram associados ao Cão de Pastor Alemão muitos mitos e a descoberta do ADN sepultou cause todos, pelo menos os relativos à sua pretensa ascendência directa no lobo cinzento (europeu). Mesmo que não tivesse ocorrido a descoberta do ADN chegaríamos à mesma conclusão, porque todas as raças híbridas entre os distintos lobos e o CPA se revelaram de qualidade inferior à deste cão alemão. A raça nasceu policromática e cresceu entre cães unicolores e bicolores, procurou-se um cão de trabalho com as orelhas erectas e muitos cães contribuíram para a sua formação. O bom-nome do pastor acabou por resultar do doseamento dos factores branco, vermelho, azul e negro, exactamente os mesmos que o tornaram badalado. Face à dominância cromática efectuada ao longo de décadas (preto-afogueado), as outras variedades tornaram-se recessivas ou foram simplesmente afastadas, ignoradas ou extintas, opção que hoje se reconhece desastrosa considerando a perca laboral daí resultante. Não podemos dissociar as distintas variedades cromáticas dos cães que estiveram na sua origem, assim como não podemos afastá-las da sua propensão original, afecções próprias, morfologia, serviço e mais-valias, porque são remanescentes da proto-selecção. Charles Darwin e Francis Galton acabaram também por estender a sua influência à canicultura e o eugenismo imperou enquanto o higienismo não se expandiu e os behavioristas se tornaram reis e senhores. A concepção do CPA é saxónica, quer ela seja insular ou continental, porque se foram os alemães que o fizeram, coube aos ingleses a ideia.

Falar de cães é falar de segredos, de convicções pessoais e da sua transmissão quase iniciática, porque os criadores do passado omitiram os seus fracassos e granjearam apreço pelos resultados que tornaram público, algo similar ao que vulgarmente ouvimos: “o segredo é a alma do negócio”. Com o decorrer dos anos, com a perca de atribuições laborais e também porque os cães de raça espelham um certo status, as raças caninas enveredaram pela diferença estética em prejuízo da sua utilidade, saíram do campo para a passerelle, esvoaçaram das mãos dos profissionais e chegaram ao lar do cidadão comum, com as vantagens ou desvantagens daí advindas, as relativas à proliferação de cães acompanhada pela perca da sua qualidade. Hoje discutem-se genealogias e poucos sabem redescobrir ou construir um cão.
Durante 30 anos dedicámo-nos à descoberta do CPA, servimo-nos do produto de mais de 50 canis estrangeiros e cerca de 30 nacionais, advindos, diversos, anteriores ou posteriores ao tão badalado Wienerau. Fizemos isto na procura das variedades ignoradas e na ânsia de encontrarmos maior impulso ao conhecimento dentro dos Pastores Alemães. Passaram por nós milhares de cães (chegámos a produzir cerca de 500 cachorros por ano) e acabámos por descobrir aquilo que os livros não dizem e o que nos quiseram ocultar. As nossas conclusões estão registadas em 3 livros e resultaram do estudo comparativo, da observação e da experimentação, servindo-nos para este último do Centro de Treino.
De facto a variedade preto-afogueada é aquela que é mais fácil de padronizar, a de maior homogeneidade e a de maior versatilidade, constituindo-se num verdadeiro multiusos face às disciplinas cinotécnicas hoje em voga. Não é especialista em coisa alguma mas carrega a aptidão para desempenhar satisfatoriamente qualquer serviço. Porém, o que a difere das recessivas unicolores ou da outra bicolor, aquela que entre nós recebeu o nome de lobeira, uma vez que todas contribuíram para a sua formação? Bem depressa percebemos que não podíamos desprezar o preto-afogueado na construção das distintas variedades recessivas e produzir animais homozigóticos à revelia da sua contribuição, porque umas perdiam envergadura, cabeça e osso e outras viam reduzido ou aumentado o seu tamanho. Trabalhámos em quadro aberto e usufruímos dos benefícios da heterogeneidade, não sempre contratempos porque o produto era inacabado face à selecção operada.
Sinteticamente falando, o CPA lobeiro é aquele que melhor máquina sensorial apresenta e é indicado para beneficiar os tendencialmente inactivos, obesos, pouco atentos, de sofrível propensão atlética e “secos de nariz”. O CPA negro é o mais fiável e o que menos trabalho dá, um amigo que mais cedo atinge as respectivas maturidades e que mais de pronto assume a investidura de que for alvo. Os exemplares cinzentos uniformes no CPA são mais sensíveis e menos propensos a desafios. Apesar de lindos têm menor autonomia, são sensíveis aos problemas de pele e carecem de maior cumplicidade no seu desempenho. Por vezes apresentam problemas articulares graves. Os raríssimos CPA’S vermelhos são maioritariamente oriundos do Leste onde também já não abundam. Carregam consigo a agressividade e a valentia, o desejo de apresentar serviço e uma autonomia operacional excelente. O CPA branco, dito Pastor Suíço ou Canadiano, é um cão com propensão para o gigantismo, que não é verdadeiramente albino e que tanto pode ser dócil como terrivelmente instintivo, podendo virar guia de cegos ou necessitar de mão forte (mais para segurar o pânico do que as investidas). Entre as distintas variedades podem acontecer interacções cromáticas e já vimos cães chocolate de dorso e amarelo limão nas áreas de arrefecimento. O triunvirato desejável no CPA é aquele que resulta da dosagem certa entre os 4 factores cromáticos presentes na raça, nomeadamente nas variedades preto-afogueada, lobeira e negra. A supressão do negro na construção irá originar atrasos no alcance das maturidades e maior delonga na operacionalidade. Fale-nos sobre o seu CPA, talvez tenhamos algo importante para si, apostamos na cumplicidade entre ambos e não queremos que permaneça um desconhecido para si.

segunda-feira, 7 de março de 2011

E DEPOIS DO DOMÍNIO?

Escritores de tempos remotos, para muitos movidos por impulso divino ou por pretenso contacto com diferentes deidades, justificaram e continuam a justificar o domínio do homem sobre a terra e sobre tudo que nela habita, exaltando a humanidade sobre os demais e tudo colocando para a sua sobrevivência e serviço, dogma incontestável que pode levar-nos inclusive ao extermínio pela destruição do Planeta tal qual o conhecemos, porque nele somos reis e senhores e não há aqui quem connosco rivalize. A pretexto dum beneplácito divino e porque o homem é um predador insaciável, a fraternidade tornou-se hipócrita, a igualdade uma utopia e a liberdade um conceito para justificar as mais rebuscadas formas de escravatura, a coberto do politicamente correcto e de acordo com a desordem a que o vil metal obriga. Diante desta ordem (desordem), todos somos simultaneamente vítimas e carrascos, condenando por analogia os nossos iguais e todos os animais que congregamos ou que de nós se acercam. Infelizmente não temos solução para o problema, ainda que as velhas soluções metafísicas, diante do desespero, pareçam apetecíveis e acertadas face à necessidade de um milagre, porque quando grassa a agonia a redenção tende a ganhar forma, já que a esperança, segundo dizem, é a última coisa a morrer. Terá esta fé um origem divina ou será tão-somente um instinto animal, o ligado à preservação das espécies e à sua sobrevivência? Virá ela da cultura ou será individualmente predestinada, resultará da genética ou terá uma origem sobrenatural? As opiniões dividem-se e cada qual toma como verdade aquilo em que acredita. Porém uma coisa é certa: todos procuramos o domínio, exactamente como um simples cachorro movido por um forte impulso ao poder, ambição inata que o induzirá à desobediência e à rebeldia.

Ainda que tenhamos como objectivo central do nosso adestramento a sobrevivência animal, princípio do qual nunca abdicaremos, as pessoas que nos chegam procuram exclusivamente o domínio sobre os seus cães, segundo as suas expectativas e finalidades, ignorando de sobremaneira aquilo que justamente é devido aos animais, tendência que intentamos levar de vencida tanto pelo exemplo quanto pelo esclarecimento. Assim sendo, a obediência que sustenta a exploração canina e que cativa os cães ao esclavagismo funcional deverá ser abandonada, porque se faz tarde e os cães também almejam a felicidade, porque tudo fazem por nos agradar e não entendem a sobranceria que engorda o ego dos seus condutores. Se considerarmos o panorama do adestramento actual, facilmente descobrimos a discrepância entre as disciplinas ditas para o bem comunitário e aquelas cativas aos prazeres e aspirações individuais, não raramente fratricidas e como tal anti-sociais. O que será mais fácil encontrar nas lojas da especialidade: os acessórios para os cães de guarda ou os relativos ao exercício da pistagem? Se juntarmos ao número dos cães guias de cegos, o número dos cães que se exercitam na pistagem, resgate e salvamento, facilmente veremos que apenas são um 1/10 do montante daqueles que se penduram regularmente em fatos e mangas, apesar das primeiras disciplinas serem universais e inatas a todos os cães. Porque razão ou razões se dispensa a maioria dos cães ditos familiares do treino convencional?
Para se entender aquilo que a obediência oferece, não é preciso rara erudição ou aturada meditação, porque nela o domínio do homem sobre o cão é por demais evidente. Se esse domínio acontecer para além da salvaguarda dos cães e sem o respeito pela sua condição, as respostas artificiais adquiridas pelo treino outra coisa não serão do que subsídios contundentes para a mais abusiva exploração, quer se cante, assobie, coaxe, acaricie ou haja lugar à distribuição de biscoitos. A relação dos homens com os cães, tarefa a que a antrozoologia também se dedica, continua a ser interesseira e os lucros da parceria revertem quase em exclusivo para os proprietários caninos. Ainda que no nosso tempo se tenha assistido à suavização dos métodos, contudo os objectivos permanecem exactamente os mesmos, o que não encobre o uso abusivo e a violência de uns tantos objectivos, porque a essência humana não sofreu alteração e sempre procura a sua tendência natural., encoberta em desejos incontidos e infelizmente manifesta no desempenho de certos cães. Só deixaremos os cães em paz no dia em que os homens deixarem de lutar entre si, desejo visto como utopia e que procura um paraíso num local impreciso.
Assim como não deveremos distribuir armas a crianças e alienados, também resistimos a oferecer o domínio àqueles que dele farão mau uso, para que a sujeição canina não se reverta num mal maior e culmine na eliminação dos animais induzidos. Só o amor pelos cães justifica o recurso, o exercício e a prática na disciplina de obediência, já que a isenção deste sentimento tende a sobrecarregar os animais e a potenciar os ódios e embirrações dos seus proprietários, também eles oriundos dum mundo cão. O aproveitamento na obediência nunca será estéril, porque a partir dela se poderão formar cordeiros ou guerrilheiros, elementos aglutinadores ou indivíduos anti-sociais. A educação dos donos sempre deverá anteceder a capacitação dos cães, para que não se escondam por detrás dos animais e causem dolo a outrem pela calada, porque a obediência oferece o mancebo e o dono irá dar-lhe o uso que lhe aprouver. Atendendo à má sorte de tantos cães, questionamo-nos hoje se é lícito ministrar aulas de obediência a todos aqueles que nos procuram, já que os desacatos e tropelias mais comuns outra coisa não são do que gritos de descontentamento, manifestações de tristeza por parte dos animais.





O VÔO DO BEIJA-FLOR

Há alguns meses atrás fomos contactados por uma condutora duma fêmea CPA, uma jovem descontraída, objectiva e curiosa, oriunda de uma escola canina que não revelou e que para todos os efeitos prestou um excelente serviço àquele binómio, possibilitando à condutora o exercício da liderança sem qualquer entrave e dotando o animal de uma obediência inquestionável. Fosse lá quem fosse quem lhes valeu, esse alguém mereceu e merece os nossos parabéns, porque com mestria executou o serviço e melhor honrou o seu ofício. Desconhecemos a causa do descontentamento da dona e também nada fizemos para o alimentar, porque há que reconhecer o mérito alheio e não enveredar por juízos temerários. Dentro dos Ibéricos ou dos indivíduos da Península Hispânica habita o pior dos inimigos: eles próprios, uma luta que não lhes dá tréguas e que os induz a atitudes extremadas na procura da auto-satisfação, sendo por isso mesmo gente única e profundamente paradoxal, sujeitos a emoções contraditórias que lhes operam o descarrilamento e os transportam à transumância, tal qual beija-flor que vagueia de flor em flor e raramente aterra. Por um pé-de-vento qualquer, ninguém se livra de passar da excelência à mediocridade ou da sumidade à estultícia, basta sentir a contrariedade e logo o “acossado” parte à desfilada. Estar bem com Deus e o Diabo é uma devoção difícil, porque dependendo dos dias ou das horas, não se anteverá claramente a quem estabelecer oráculo, se a um, se ao outro ou a ambos. Não estamos cá para roubar a alunos a ninguém e convidamos todos os proprietários caninos para o adestramento, porque temos boas escolas, diferentes métodos e muito bons profissionais. A pular de flor em flor ninguém chegará a lugar algum, muito embora alguns possam ver no reflexo da sua imagem a causa do seu descalabro.

À VONTADINHA!

Recente e inesperadamente fomos surpreendidos com uma reportagem televisiva sobre uma escola canina, nela reconhecendo algumas caras e uns tantos cães. Ainda que a mensagem tenha sido de “cernelha”, pouco clara e de menor préstimo, a lembrar um flash noticioso, salvou-a um dos entrevistados, uma jovem condutora descontraída, que isenta de maiores pergaminhos, acabou por dar o sentido à peça. Quando as cadeias televisivas descem ao mundo do adestramento tudo é preparado à minúcia: os cães são finalmente escovados, seleccionam-se os binómios, combina-se o traje e há lugar a ensaio geral, porque a imagem vende e importa não fazer má figura, o que vulgarmente lembra um museu de bonecos de cera ou um grupo de ascetas perdido, que exaltam métodos ou figuras em detrimento dos sentimentos que os sustentam e que unem os homens aos cães. A mensagem cinotécnica não dispensa a carga emocional que produz alteração e gera o convite, isto se objectivo for esse. E porque ninguém consegue explicar um método em escassos segundos e isso mais interessa aos profissionais ou aos aficionados, geralmente donos dos seus narizes e nada propensos a mudanças, mais dados à crítica e a profecias de descalabro, importa chegar ao cidadão através duma linguagem que ele entenda. Várias pessoas falaram na reportagem entre miúdos e graúdos e como as imagens foram pouco esclarecedoras, a escola agigantou-se quando a jovem condutora disse: “ A minha cadela do que gosta é de andar à vontadinha!”, imagem que toda a gente entendeu e que suscitou simpatia, que perdurará mais do que qualquer exercício, independentemente da sua excelência ou grau de dificuldade. O adestramento é para gente comum, está ao alcance de qualquer um e isso acabou assim por ser dito.