quarta-feira, 31 de outubro de 2012

A HORA DE MANDAR VIR OUTRO


Quando um cão de guarda chega aos seis anos de idade é altura de pensar na sua substituição, isto se a vigilância canina nos bastar para a defesa do nosso património e agregado familiar. Considerando as raças mais comuns usadas para guarda na nossa latitude, sabemos que a maioria delas entra na meia-idade aos seis anos. Se não se vir apoquentado por alguma incapacidade, o cão na meia-idade ainda “vai a todas” e irá constituir-se, mediante exemplo, no melhor dos mestres para aquele que o irá substituir, porque tolerará as diabruras do cachorro sem maiores dificuldades e ainda terá disponibilidade para o acompanhar pelos quatro cantos da casa, o que muito nos ajudará na sua rendição e na capacitação do seu substituto. Havendo essa possibilidade, na certeza da garantia do serviço, é de todo conveniente que o cachorro a promover seja descendente daquele que vai render e nasça dentro do perímetro a guardar. Como nem sempre isso é possível ou desejável, convém reavaliar o trabalho do cão instalado e se for caso disso, procurar outro mais indicado para a tarefa, que até pode ser doutra raça, atendendo ao casamento perfeito entre as características do cão e o particular da propriedade.
 
Esta transferência de poderes, tangível à naturalmente empreendida pelos cães, irá ser gradual e durará dois anos, altura mais do que suficiente para o surgimento da maturidade emocional do novato, condição essencial à sua melhor prestação. Por volta dos 8 anos, o cão mais velho deverá, progressivamente, ser liberto das suas atribuições e ser convidado para um convívio mais próximo com os donos, já que irá necessitar de maiores cuidados e atenção. 

E O LUIS APRENDEU!

O Luis é um daqueles alunos que mal se dá por ele, não obstante ser solícito, atento e colocar dúvidas pertinentes, talvez a idade e o traquejo da vida tenham contribuído para isso. Há cerca de nove meses, assim como quem não quer a coisa e sem conhecimento prévio, decidiu-se pela compra de uma boxer camurça e aprendeu a cuidar dela convenientemente. Com o decorrer do tempo e de acordo com os conhecimentos que foi adquirindo, na inquietude de quem quer mais e melhor, adquiriu recentemente um cachorro macho tigrado, valente, alegre e bastante robusto para a idade. Preocupado com a endogamia presente nas actuais raças caninas e ciente dos benefícios da política de quadro aberto na selecção, escolheu um cachorro duma linha diferente e doutra variedade cromática, no intuito de trazer mais saúde e robustez aos seus futuros cachorros. Felicidades e votos de sucesso.

BREVE CONSELHO PARA NOVOS CANICULTORES


Apesar de quem sabe não esperar acontecer, para que as coisas boas aconteçam, é preciso saber esperar (em particular nos tempos que correm). 

VANTAGENS DA CHAMADA NA DIAGONAL

Depois da instalação do comando de “Aqui”, por força da sua importância, convém usá-lo nas mais diversas situações e ecossistemas, partindo-se dos mais fáceis para os mais difíceis, não esquecendo, como é óbvio, a recompensa a dar ao cão. Mas antes que tal aconteça, importa treiná-lo na escola, primeiro isolado e depois em conjunto. O treino em conjunto consiste normalmente no alinhamento dos cães entre si a 30 metros dos donos, saindo cada um deles à voz do seu condutor, enquanto os outros permanecem quietos, e segundo um escalonamento previamente estabelecido (a ordem de chamada começa habitualmente pelo cão mais à direita e é feita a partir dele). Este trabalho irá dar a cada condutor o domínio objectivo sobre o seu cão e possibilitará a fixação exclusiva de cada cão na pessoa do seu condutor. O facto dos cães se encontrarem imobilizados irá facilitar de sobremaneira esta tarefa escolar. Como não podemos ficar por aqui e necessitamos de maiores garantias, evoluimos para a “chamada em diagonal”, onde todos os cães são chamados em simultâneo e se cruzam entre si. O cruzamento dos animais acontece pela troca de posicionamento dos condutores que invertem o seu escalonamento na linha de chamada. Como as vantagens desta manobra são variadas, citaremos apenas três: o aumento da sociabilização animal, o reforço do comando e o exercício da contra-ordem.

TROCA DE CONDUTORES E O “À FRENTE”


É hábito na Acendura Brava proceder à Troca de Condutores, manobra que consiste na condução de todos os cães em classe por todos os condutores presentes, trabalho que só acontece depois do estabelecimento dos vínculos afectivos necessários a cada binómio e que termina logo após a inserção da “contra-ordem”, tarefa que garante ao dono o uso exclusivo do seu cão. A Troca de Condutores, como tantas vezes temos explicado, é benéfica tanto para os homens como para os cães, além de elucidar quem dirige a classe àcerca da evolução de cada constituinte binomial. A somar a isto, o que é de suma importância, servimo-nos dela como manobra de sociabilização animal e como meio para combater a sempre presente cinofobia de alguns condutores, ainda que por vezes encoberta.
Sabemos, tanto pela ciência quanto pela experiência, que a inserção de qualquer comando torna-se mais fácil e é mais duradoura quanto mais próxima estiver da resposta natural animal, porque evita a coerção gratuita e a indesejável ruptura cognitiva. E nisto reside a arte do adestramento: no aproveitamento que leva à transformação, o que nos transporta para a clarividência dos donos como primeira responsável pelo sucesso ou insucesso do ensino canino, verdade que desagrada a quem esconde as suas incapacidades por detrás do cão que conduz e que sempre atribui ao animal a causa dos seus desacertos ou desaires.
Uma das dificuldades que enfrentamos no início do treino é a de condicionar os cães atrelados a fazer o “À Frente”, deslocando-se na dianteira dos seus condutores a todo o comprimento da trela. Contrariamente á algazarra que por aí vai, que jura ter visto um cão perigoso a cada esquina, a maioria dos cães que nos chega é submissa, pouco propensa à autonomia e assaz dependente. Por outro lado e também por causa disso, não vá o diabo tecê-las, os condutores actuais são menos flexíveis e tolerantes, criando assim sérios obstáculos à cumplicidade indispensável ao adestramento, promovendo nos animais que conduzem temor e desconfiança.
Quando a um débil caracter se junta uma liderança prepotente ou desapropriada, dificilmente o animal se sentirá confortável e evoluirá na frente do seu condutor, porque lhe falta coragem para tanto e receia em demasia a correcção, o que de imediato condenará o aviso e segurança do dono, isto se o cão se destinar à defesa pessoal ou à guarda, já que nas ruas mal iluminadas, onde é necessária a presença dissuasora do animal, ele jamais se adiantará para bater território, o que vulnerabilizará de sobremaneira o binómio. Temos para nós como certo e não corremos o risco de nos enganarmos que, na fase inicial do treino, os cães valentes aprendem sem delongas o “À frente” e os mais submissos o “Atrás”, necessitando os primeiros somente de regra e os segundos de bastante ânimo.
Por norma e quando na Pista Táctica, procuramos solução nos “corredores direccionais”, um conjunto de obstáculos verticais que dispostos em paralelo formam uma passagem estreita geralmente com 2.5 mt de comprimento, colocando nela primeiro o cão e só depois o dono. Estes corredores podem também ser dispostos no círculo de obediência. Contudo, os resultados não são sempre os esperados, porque alguns cães apenas se adiantam nos corredores e assumem o “junto” no resto do percurso. Com a troca de condutores que possibilita o adiantamento do condutor para o cão da frente, o animal em défice, ao procurar o parceiro, depressa aprenderá o “À frente”.
Antevendo-se da pouca duração da estratégia aplicada, porque a figura é artificial nestes cães, convém que em paralelo seja reforçada pela experiência feliz e objecto de recapitulação doméstica. Para a experiência feliz valer-nos-emos dum brinquedo da preferência do cão, que jogaremos àvante para que o animal o vá buscar, associando-lhe ao mesmo tempo o comando de “À frente”. Em casa, a maneira mais fácil para alcançar e instalar o comando é usá-lo nas saídas do cão para o exterior, ocasiões em que se encontra ávido de ir para a rua.
 
O comando de “À frente” possibilita ainda o auxílio do dono nas subidas íngremes (escadeadas ou não) e a evolução binomial nas passagens estreitas onde o “junto” não é possível. E este irá ser o uso mais frequente do comando. Os cães que por meios extraordinários o alcançaram, não deverão ser convidados para o patrulhamento e demais manobras de segurança, porque na eventualidade de um confronto poderão acobardar-se de vez e abandonar em definitivo o uso do comando. Esta verdade projecta-nos também para os actuais testes de carácter em voga nalguns clubes de raça, onde qualquer cobarde entre valentes, por habituação, trabalho gradual e subtileza de meios, se acostuma aos disparos e sai feliz para os ataques lançados, porque sabe ao que vai, conhece o final da história e nunca será alvo de qualquer contra-ataque digno desse nome. Aqui, como em outros tantas situações e casos, as aparências iludem e o show must go on!

terça-feira, 30 de outubro de 2012

VIRÁ ESSE DIA?

Muitos dos animais considerados domésticos há muito que perderam a sua utilidade e por causa disso alguns deles encontram-se em risco de extinção. Estamos a lembrar-nos, por exemplo, dos burros e seus híbridos, dos bois de trabalho e dos muares destinados à carroça e ao arado. O avanço tecnológico tornou-os obsoletos e agora transformaram-se num encargo sustentado, a duras penas, por um grupo de apaixonados. Se o desuso do esforço animal acabou por libertar alguns, o uso desportivo de outros continua a perpétuar a sua cativação, tal tem sido o caso do cão, que prossegue com os homens na caça e se vê sujeito a conjunto de modalidades competitivas, ditas desportivas, para gáudio dos seus criadores, proprietários e condutores, que nem sempre respeitam a integridade física e psicológica dos seus companheiros. É evidente que estas actividades dão trabalho a muita gente e geram poder, admiração, aceitação e riqueza, porque se não fora isso, há muito que seriam desleixadas ou postas de parte, o que nos leva a considerar a canicultura, também, como um jogo de interesses ou um meio para levar vantagem. Entendemos nós, e que nisto Deus nos conserve, uma vez garantida a salvaguarda dos cães e o seu bem-estar, que eles possam valer aos homens para além da exploração de que têm sido alvo, tantas vezes usados como moeda de troca, meio de aliciamento, ginetes de carreira, lobos ferozes e cavalos de tróia. Será que virá o dia em que deixaremos os cães em paz, em que veremos os seus acessórios, obstáculos e carregos num museu etnográfico, ao lado de velhos arados e como marca de tempos idos? Virá esse dia? Se vier, dificilmente será nesta geração, o que desde já lamentamos, porque já se vai fazendo tarde, muito embora a abolição da escravatura humana só tenha acontecido na 2ª metade do Sec.XIX (ainda não fez duzentos anos).

A PRAGA DO OUTONO

Quem anda nestas lides dos cães já sabe: com a chegada do Outono costuma vir a Tosse do Canil (traqueobronquite). A doença tanto pode ter uma origem bacteriana como viral e até fungíca, acontecendo com frequência também na Primavera. Os cães que a contraiem, por norma, são aqueles que apenas foram alvo das vacinas combinadas. Como a doença é altamente contagiosa, as escolas e os hóteis caninos vêem-na como uma verdadeira praga, daí exigirem, para além da vacina combinada muito uso, uma vacinação específica (intranasal ou injectável) a ser reforçada na Primavera. Quando assim se procede, a ocorrência da doença é nula ou praticamente nula e todos têm a ganhar com isso. Os cães somente vacinados com a vacina combinada apresentam sintomas mais ligeiros, o que não os isenta do concurso da amoxicilina e do ácido clavulânico para o seu restabelecimento. Vacine o seu cão específicamente contra a Tosse do Canil para que ele não sofra e cause sofrimento aos outros cães.

O ESCONDERIJO DO CÉSAR E O HÁBITO DO LABRADOR


O relato que se segue é verídico.
- Lá vai ele outra vez! O raio do cão faz isto todos os dias e eu não sei porquê. O que espera encontrar dentro daqueles arbustos? – dizia para si mesmo um aposentado madrugador e cliente assíduo dum banco de jardim ao observar a rotina de um Labrador negro, lustroso e bem aviado de carnes, que todos os dias se empoleirava em determinado arbusto sem razão aparente. Disposto a desvendar o enigma e depois de ganhar alguma coragem, decidiu-se por interpelar o dono do animal, aquilatando primeiro da sua boa ou má catadura. Esperou que o cão repetisse a proeza e aguardou pela passagem do dono para o questionar, o que não tardou a acontecer.
Foi-lhe dito que era ali que o César tinha o seu esconderijo, um velho magala de 45 (furriel miliciano) que antes do dia raiar distribuia o pão pelos restaurantes e se disponilizava para qualquer frete, sendo recompensado com 1 ou 2 euros, garrafas vinho, pão e fruta. Como a casa do homem ainda distava do local, também para não ouvir a mulher por estar ébrio tão cedo e querer andar a seu bel-prazer, escondia naqueles arbustos tudo aquilo que recebia até chegar a hora de ir para casa. Certo dia, o Labrador descobriu o seu esconderijo movido pelo cheiro do pão e daí em diante sempre lho comia. Houve uma ocasião em que o animal surpreendeu o César junto aos seus pertences e não gostou, porque o viu mexer no pão que considerava seu. Depois disso, nunca mais “foi” com a cara do homem e sempre que o via ladrava-lhe desalmadamente.
O César morreu há meia dúzia de meses (quase com oitenta anos) e ao que parece na sua terra natal - no Cadaval, mas o cão continua à procura do pão no mesmo local, porque memória não o atraiçoa e é um animal de hábitos. Infelizmente não voltará a ver o seu esforço recompensado, as suas buscas serão para sempre infrutíferas, porque dificilmente ali voltará a haver pão. Pouco se sabe àcerca do César (ele não falava muito sobre si), apenas que esteve na tropa em Stª Margarida, foi furriel miliciano, trabalhou na cozinha do quartel e lá conheceu o temível Marechal Bernard Law Montgomery, 1º Visconde Montgomery de Alamein, o mesmo que comandou o 8º Exército Britânico no Norte de África e obrigou Erwin Rommel a retirar para o Egipto. Dizia do velho Marechal que era pedante, exibicionista e bruto e que adorava bater com o cano das espingardas no nariz dos soldados portugueses quando estes “apresentavam armas”, a pretexto de inclinarem indevidamente as armas, coisa que a todos desagradava e que por sorte não gerou qualquer conflito (os tempos eram outros), o que não era para admirar no velho Marechal de Campo, já que também não havia sido nada meigo com os irlandeses na Guerra da Independência da Irlanda (1919-1921), quando comandava as forças da Coroa no Condado de Cork. História à parte, cuidado com os hábitos indesejáveis visíveis no seu cão porque poderão constitui-se em vícios de difícil eliminação.

SE NÃO TEM CAÇA, NÃO LHES DÊ CAÇA

Se há cães que necessitem de bastante território para se sentir felizes, eles serão certamente os de caça, porque foram aperfeiçoados para isso, são excursionistas, bastante instintivos e deveras combativos, independentemente do seu grupo somático, tamanho, sexo ou peso. Por causa da falta de espaço, o tamanho dos cães sempre foi um factor a considerar pelos proprietários caninos urbanos. Agora, diante da escassez de euros, pela obrigação absoluta de se fazer contas à vida, na dolorosa política de apertar o cinto, os cães pequenos são por demais procurados e entre eles grande número de cães caçadores, animais propensos a lutar pela presa e exageradamente sujeitos ao confinamento. Como a procura por um cão pequeno tem desconsiderado o particular de cada raça, muito disparate tem sobrado por aí, tanto dentro de casa como nos espaços públicos. Se não tem caça e bastante campo para dar a um cão destes, na hora de escolher, escolha outro mais adequado para viver consigo no apartamento.

HIERARQUIA E MATURIDADE SEXUAL


Apesar dos cães crescerem mais rápido que os homens, alguns donos teimam em vê-los cachorrinhos por mais tempo, o que poderá no futuro acarretar-lhes graves dissabores ou amargos de boca. Quando em matilha e sem interferência humana, os cachorros de quatro meses começam a seguir os cães adultos para todo o lado e irão aprender com eles tudo o que lhes é necessário: a achar pistas, a caçar, a identificar perigos e inimigos e a respeitar a hierarquia. A consolidação do viver social canino irá acontecer por volta dos seis meses de idade, um pouco antes da maturidade sexual dos infantes, quando se torna imperativo respeitar a liderança e as regras por ela estabelecidas para evitar o desmembramento da matilha. Exactamente por esta razão, aceitamos os cachorros na “idade da cópia”, seguindo o Método da Precocidade preconizado por Trumler e usamo-lo também para aumentar a capacidade de aprendizagem dos cachorros e operar a possível correcção morfológica a partir da plasticidade presente nesse ciclo infantil (física, psicológica e cognitiva dos 4 aos 6 meses).
A ausência de uma autêntica liderança humana antes da maturidade sexual dos cachorros pode dificultar o adestramento, a sociabilização e a aceitação de regras, assim como induzir a métodos ou meios mais coercivos para o alcance da procurada harmonia binomial, coisa que à partida ninguém deseja. Assim, o estabelecimento da hierarquia que edifica a liderança e alcança o controlo dos cães, deve acontecer dos 4 para os 6 meses de idade dos cachorros, segundo a propensão natural que manifestam no seu quadro de crescimento e que fundamenta o seu viver social. Deixar para a maturidade sexual ou para depois dela o exercício da liderança certamente não será a melhor das pedagogias, porque a adolescência canina traz consigo a rebeldia e a resistência que a sustenta, promovendo a picardia entre donos e cães pelo duelo das vontades.
 
A precariedade, impropriedade, delonga ou inexistência da liderança humana tem sido responsável por dois fenómenos: pela procura acentuada das escolas caninas e pela castração sistemática dos cães. E no meio disto, ainda há quem se atavie com coleiras de choques eléctricos, prepotência desnecessária, lesiva para os animais e que sempre deixa marcas. Diante deste quadro, compreendemos perfeitamente uma das razões do concurso á castração, a resultante da incapacidade dos donos em se fazerem ouvir. A castração operada antes da maturidade sexual deixa qualquer cão totalmente abananado e transforma-o num eunuco sem vontade própria e a operada depois da maturidade emocional pode ter somente como consequência o desinteresse sexual. Não obstante, para nós a escolha é óbvia: preferimos educar atempadamente do que correr riscos desnecessários ou condenar os cães à castração.

REVIVESCENTES TAL COMO OS DONOS


Perante a seca das carteiras e dos bolsos vazios (ainda há dias me roubaram pela segunda vez o saco do pão que se encontrava pendurado à porta da rua), homens e cães tentam sobreviver para além da presente crise económica, preparando-se para piores dias a quem alguém chamou de “refundação”. A revivescência é uma qualidade encontrada nalgumas plantas que, parecendo mortas, reverdescem em apenas algumas horas depois de anos de seca em zonas áridas, havendo quem veja nelas a solução para a fome da humanidade. Os portugueses e os seus cães parecem seguir o exemplo dessas plantas, porque o consumo reduziu, a barriga anda mal aconchegada e o que importa é enganar a fome. Melhor sorte não têm tido os cães, porque viram reduzidos para menos de metade os indices de proteína e de gordura do seu penso diário. Esta hibernação forçada, tornada pela esperança em revivescência, tem sido o antídoto utilizado para atravessar a escassez que por aqui grassa. Será que o aforismo “não há bem que não se acabe nem mal que sempre dure” tem alguma verdade? Os revivescentes, na sua secura, aguardam ainda por dias melhores!

ERRO DE CÁLCULO: “SUSHI” A ANDAR!


Lá para as bandas do Algarve, há séculos sem minaretes e coberto de chaminés que os evocam, habita um Cão de Pastor Alemão chamada Sushi, um indivíduo jovem, alegre, impetuoso, saltitão e cheio de vida. A sua dona adquiriu-o para substituir uma finada mestiça (morreu com 14 anos) que ainda guarda no coração, um animal outrora dócil, meigo e nada dado a explosões - a antítese perfeita do Sushi. Nas palavras da sua dona, e rosário de penas é coisa que lhe não falta, o cachorro de 11 meses excita-se na hora de ir para a rua e “ataca” a trela, para além de tentar destruir o sofá lá de casa. E como não há duas sem três, recentemente, quando a dona passeava calmamente na praia com uma holandesa, vindo duma corrida “furiosa”, o Sushi derrubou “brutalmente” as duas, “carregou à carga sobre nós”, segundo a narração da sua proprietária, que adianta ainda: “ Este incidente brutal, abala o que julgava eterno, a amizade entre o cachorro e o seu tratador. Sinto um profundo desapontamento pelo companheirismo e afecto que esperava do Sushi. Procuro um novo dono(a) para ele, será que sabe de alguém?”. A “desafortunada” Senhora já havia pensado na castração do cão antes do ocorrido, mas parece agora mais inclinada para o seu descarte, porque problemas ninguém quer e educar o cão tem os seus custos.
Desde logo oferecemos os nossos préstimos à dona indignada, adiantando-lhe que o problema do Sushi é de simples resolução, que bastavam duas lições (à dona) para operar a sua supressão, que podia alcançar esse benefício gratuitamente e que estávamos, e continuamos a estar, à sua inteira disposição. Não obstante, se entretanto não for capado, parece-nos que o Sushi vai mudar de mãos, fazendo jus à cantilena “Joaninha voa, voa que o teu pai foi para Lisboa”. A dona do Sushi errou ao pensar que existem dois cães iguais, que o comportamento dos machos é igual ao das fémeas, que os cães desnecessitam de regras desde de tenra idade e que dentro duma raça o comportamento de todos os indivíduos é o mesmo. E continua a errar se pensa que o cão ao sair não vai sentir em demasia a sua falta, a troca de hábitos e a novidade teritorial, além de que, havendo algum problema, possa acabar violentado, abandonado ou abatido. Gostaríamos de evitar tudo isto, mas não podemos obrigar as pessoas. Felicidades Sushi!

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O NÃO, O NIM E O NAUM


O comando de “não” deverá ser sempre um código de emergência e nunca uma “bucha” a que sempre recorremos, porque é um comando inibitório eficaz que não deve ser banalizado, considerando a necessidade imediata da cessação das acções caninas (instintivas, espontâneas ou condicionadas) e a salvaguarda de pessoas e animais. E neste sentido, tanto a obediência quanto o desempenho de um cão, podem ser avaliadas pela recorrência ao “não”, já que um cão devidamente instruído e habilitado desnecessita da inibição pelo concurso do treino aturado. Assim, se determinado animal precisa de ouvir constantemente “não”, isso significa que ainda não se encontra devidamente apetrechado ou o seu condutor não domina ainda os automatismos que dispensam o travamento, o que de todo é condenável e não esconde a sua falta de aplicação. O abuso sistemático do comando acabará por rebentar com o carácter, alegria e prontidão de qualquer campeão, porque evoluirá inseguro, debaixo de temor e dominado pela desconfiança. Os condutores mais distraídos ou desatentos tendem a abusar do comando, porque sendo invariavelmente apanhados de surpresa, não lhes sobra outro remédio. Cabe a quem dirige as classes evitar que isso suceda, o que exige algum tacto e diplomacia, já que ninguém gosta de ser apanhado em flagrante e muito menos ficar exposto à correcção. As sessões de treino mais curtas ou espaçadas têm-se revelado um antídoto seguro contra este fenómeno, tornando assim possível a desejável concentração e progresso de pessoas e cães.
 
Ensinar este comando nunca foi fácil e aplicá-lo atempadamente muito menos, porque tem uma entoação própria e ocasião certa, o que irá exigir dos condutores uma voz modelada e especial atenção. Numa sociedade dominada pelo “talvez, quem sabe”, onde até a mentira virou inverdade e a regra é vista como prepotência, o “não” e o “sim” acabaram por fundir-se, dando lugar ao “nim” que não é uma coisa nem outra, o que irá afectar também o adestramento realizado pelos donos, nomeadamente no salutar equilíbrio entre a exigência e a recompensa e entre a disciplina e a afeição, já que a cumplicidade não dispensa a correcção e a força dum binómio reside na unidade de propósitos (parceria). Por mais estranho que nos pareça, a maioria das pessoas abomina o “não” e tem alguma dificuldade em dizê-lo e aplicá-lo, particularmente junto daqueles que lhe são mais próximos e queridos, fragilidade imediatamente absorvida pelos cães que a usarão para desobedecer, porque são competitivos e vivem para o assalto ao poder, já que são gregários, têm vontade própria, o treino é artificial e o escalonamento das matilhas não é alcançado por meios gratuitos. Esta gente irá acabar por dizer um não do tipo: “apesar de gostar, hoje não posso ir jantar contigo!”, deferência que gerará irreverência e que levará à nulidade do comando. Diz-se por aí à boca cheia que já não existem verdadeiros líderes e que a sociedade os tem vindo a castrar. Se isso for verdade, o que sinceramente duvido, a quem seguiremos e como nos seguirão os cães, já que o adestramento é para os donos uma rara ocasião para a liderança, mesmo para aqueles que não têm natural propensão para tal. Mandarão os cães em nós ou transfigurar-nos-emos neles? Transformar um fraco num valente nunca foi tarefa fácil e somente o medo do castigo pode fazer surtir essa alteração. Daí ser importante lembrar aos donos que os cães não são só aceleração, que também necessitam de travamento, porque são irracionais e nem sempre têm a real percepção dos perigos que os cercam. Uma coisa é certa: a humanização dos cães sempre induziu à irracionalidade dos donos!
 
Se existem condutores caninos que dificilmente sairão do “nim”, também é verdade que outros usam o “naum”, muito embora o seu número seja reduzido, potenciando o comando verbal pelo alongamento da projecção gutural, transformando-o em cavernoso e lembrando o rosnar ameaçador presente nos cães. A potência e o timbre da voz, tanto nos homens como nos animais, é de origem hereditária e uma voz potente sempre causa alguma impressão, apreensão ou resposta. Os cães sujeitos ao “naum” nunca apresentam dificuldades de travamento, podendo no entanto ser vítimas do seu excesso. O ideal seria, assim como se aprende solfejo, que todos os condutores, quando necessário e de acordo com os animais que conduzem, possuíssem as três entoações (não, nim e naum), aplicando a primeira aos cães dominantes e submissos, a segunda aos muito submissos e inibidos e a terceira aos muito dominantes, já que o desacerto entre a ordem e a acção na cinotecnia pode resultar (e normalmente também resulta) da inadequada entoação dos comandos, o que a ninguém espanta atendendo ao particular do mundo canino dominado por sons e odores.
 
Pode, e nalguns casos isso é mais do que obrigatório, quando importar equilibrar ou reequilibrar o carácter de um cão ou se pretender que outro mantenha os índices de alegria e explosão inerentes à sua prestação. O acompanhamento objectivo dos ciclos infantis caninos, intitulado e bem entendido como método da precocidade, quando conseguido, tende a reduzir e até a eliminar o recurso ao “não” por força da mecanicidade das acções que sustentam a autonomia condicionada. Por outro lado, perante cães ou cachorros naturalmente desalentados ou desleixados, vale mais o incentivo do que a correcção nua e crua. Para além das menos valias que atrás adiantámos, o uso abusivo do comando pode, na ausência de aprovação na contra-ordem, possibilitar a cessação indevida das acções caninas por terceiros, vantagem que só interessa e muito agrada aos meliantes e jocosos. 

CUIDADO COM A BESTA DOMINANTE QUE ANDA POR AÍ. HÁ QUE ESTAR A PAU!


Os cinófobos finalmente fizeram-se ouvir, gritam agora que sempre tiveram carradas de razão e que qualquer cão deve ser olhado com desconfiança, não venha a ser uma fera doméstica de intenções duvidosas, potencialmente perigoso e de propensão assassina. Num ápice, porque a moda tem destas coisas, o que antigamente era entendido como submissão é hoje interpretado como dominância escondida ou dissimulada. No novo entendimento, se assim se puder chamar, porque a ignorância não é novidade, os cães dominantes proliferam e os muito dominantes nunca foram tantos, o que de certa forma põe toda a gente de sobreaviso, apesar da realidade ser bem diferente.
Nas duas décadas anteriores à “lei sobre os cães perigosos” dedicámo-nos à reeducação de cães e operámos a recuperação de três dezenas deles, em regime de internato e num período nunca superior aos noventa dias, o que nos obrigou a árduo trabalho diário, não nos isentou de algum risco e sujeitou a alguns percalços. E nessa azáfama apanhámos de tudo, animais de todos os tamanhos (puros, híbridos ou mestiços), com o mesmo perfil psicológico, de diferentes grupos somáticos, de díspar instalação doméstica e histórico social. Nem sempre os maiores foram os piores ou mais difíceis, houve casos em que se passou exactamente o contrário, exemplo disso foi uma fêmea Sharpei que nos deu bastante “água pela barba”, porque nos fazia esperas, fazia-se desinteressada, atacava à boca calada e por intercessão, produzindo ataques cirúrgicos a zonas do corpo particularmente sensíveis e dolorosas, sem instrução prévia para isso e desnecessitando de qualquer tipo de provocação ou ameaça. Os “cães estátua”, aqueles que permaneciam parados de pé na nossa frente, de rabo virado para nós e a rosnar, na sua maioria grandes molossos, sempre espreitavam ocasião para nos carregarem violentamente, rodando nos posteriores aquando da abordagem e disferindo ataques à linha do pescoço. Houve um Podengo Grande Nacional, que na impossibilidade de nos morder, ferrava os dentes nas ripas do telhado, permanecendo suspenso ali por algum tempo, a abanar o corpo na impossibilidade de sacudir a cabeça. O confronto com os muito dominantes nunca foi fácil e nalguns casos, infelizmente, não conseguimos evitar a luta corpo a corpo, apesar de o tentarmos evitar a todo o custo pelo uso da inteligência, argúcia, experiência e requisitos técnicos, porque estes animais normalmente aguardam para nos “fazerem a folha” e mais cedo ou mais tarde “marcam-nos encontro” montando-nos uma cilada, já que nos estudam e esperam ocasião, movidos pelo forte impulso ao poder que os impele à luta letal, podendo inclusive sucumbir no calor da peleja se a pedagogia de ensino não for soberana e a inteligência não se sobrepuser à força bruta.
Ora, a esmagadora maioria das feras de agora (muito por mérito dos criadores actuais, particularmente depois da década de noventa ao alterarem os critérios de selecção), é ordinariamente submissa, deveras mimada e comumente privada de uma liderança objectiva, surgindo ainda, como não poderia deixar de ser, algumas excepções, mais por mérito do acaso do que pela procura deliberada, isto no que toca aos cães considerados puros, sujeitos à eugenia e próprios para as exposições. É errado pensar-se que a agressividade dos cães tem somente como fonte a provocação e que o seu comportamente resulta exclusivamente do tipo de educação de que foram alvo, como também é errado remeter-se unicamente para a genética a causa ou origem dos comportamentos caninos mais violentos, porque nem todos os cães reagem ostensivamente à provocação, são territoriais, apresentam propensão guardiã ou resultam de uma ascendência notoriamente agressiva, o que nos leva a dividir os comportamentos agressivos em natos e inatos de acordo com a sua apresentação e ocorrência, o que nem sempre é fácil atendendo ao atavismo, experiência directa e viver social dos cães. Agora, quando se junta “a fome à vontade de comer” e acontece a junção entre a propensão genética e o robustecimento ambiental, o problema agrava-se substancialmente, ainda que se opere a descodificação operada pelo condicionamento anterior, porque o animal nasceu assim e irá voltar à carga. Aqui, encontra a lâmina do capador a sua justificação.
Com a castração em alta (há quem veja nela a solução para a maior parte dos problemas cancerígenos das fêmeas), qualquer arrufo leva a mesa de operações e os cães são capados cada vez mais cedo, acontecendo isso, invariavelmente, antes da maturidade sexual, o que tem transformado os machos numa massa disforme e amachado as fêmeas, que desse modo vêem transformado o seu “impulso à defesa” em “impulso à luta”, comportando-se inúmeras vezes como machos guardiões, ainda que esquivos e pouco confiantes. No outrora Reino de Portugal e hoje República Portuguesa, pese embora o alarme e o sensacionalismo, os cidadãos podem dormir descansados, porque os cães maus são raros e antes que o sejam, acabam mortos ou capados, uns não os veremos mais e os outros andarão entre nós como mortos-vivos, como ovelhas em época estival a sofrer os horrores do Verão. E se isto continuar assim (para nós que nunca tivemos o dom da profecia), pode ser que nas escarpas da Serra de Estrela as ovelhas acabem por guardar os cães!   

COMENTÁRIO DO PAULO ALMEIDA, CONDUTOR DO ROTTWEILER ALPHA, AO ARTIGO “DE HUMVEE PARA SMART”


"DE HUMVEE PARA SMART":
Olá a todos, eu sou o exemplo do título, mas, gostava de partilhar convosco o porquê da minha escolha.
Quem comigo e com o ALPHA conviveu na Acendura, sabe o quanto eu adorava o meu cão e ele a mim, éramos companheiros inseparáveis, e quando digo inseparáveis é porque era no verdadeiro sentido da palavra, iniciei o seu adestramento na Acendura tinha o ALPHA alguns meses de idade, para quem frequentava a Acendura nesses tempos, e digo “nesses tempos” porque nesses tempos trabalhava-se a sério, e com estas palavras não corro o risco de o Sr. João me repreender (como algumas vezes o fez e com razão), pois sabe muito bem que falo a verdade. Prescindi da vida normal de um jovem de 18 anos e dediquei-a ao meu cão, todos os fins-de-semana, feriados e todos os momentos em que era possível a deslocação, o destino era sempre o mesmo, Acendura Brava, isto durante quase quatro muito intensos anos, o meu cão dormia na minha cama, o meu cão ia para onde quer eu fosse, dia ou noite, o meu cão ficava no carro (comercial) enquanto eu trabalhava, o meu período de almoço, em vez de passado com os camaradas de trabalho no café, era passado na praia com o ALPHA, a trabalhar força, e obediência, só assim o levei à CLASSE A da Acendura Brava, com muita dedicação e trabalho que também muito tenho a agradecer a quem nos acompanhou em tantas horas de trabalho na pista da escola, pois sozinho jamais o conseguiria. Tudo isto para vos dizer que a vida leva-nos a fazer escolhas, o meu cão de eleição será para sempre o GRANDE ROTTWEILER, neste momento, pela indisponibilidade profissional, pelas condições físicas da minha actual morada, não poderia adquirir um destes poderosos cães, pois um cão que com muito orgulho vi trespassar um obstáculo de 3,15mt na Acendura Brava, não pode ter a separá-lo da via publica um muro de 0,80mt. Como tal, adquiri um pequeno Bulldog Françês para poder ensiná-lo a sentar, deitar e caminhar junto, e poder incutir na minha filha os sentimentos mais puros que existem entre dois seres, Amor, confiança e lealdade esse é o relacionamento do binómio.
Abraço a todos.

XII ESTÁGIO DA ACENDURA BRAVA


Realizou-se nos dias 12, 13 e 14 do corrente mês o XII Estágio da Acendura Brava que obrigou ao acampamento da Classe Excursionista por duas noites. A coordenação dos trabalhos de campo coube à Engª Joana Melo no que foi assessorada pelo Engº João Carreiras como responsável da logística e segurança. Os sectores da cozinha e primeiros socorros, do saneamento e o serviço de condutor de dia foram garantidos respectivamente pela Enfª Marina Veríssimo, Jorge Martins e Márcio Duarte. Do programa constaram: a abordagem às pistas quentes de pistagem, diversas induções e ataques lançados, uma patrulha nocturna de 14 km e o aperfeiçoamento dos automatismos funcionais, havendo ainda lugar à projecção do vídeo “Alpha, um amigo” mercê da disponibilidade do Paulo Almeida, a quem desde já agradecemos.
 
Os binómios da Acendura Brava foram acompanhados pelos monitores do último curso e todos contribuíram para o sucesso desta acção. Uma palavra especial de agradecimento para a Família Coutinho, que para além de se apresentar em bloco, desempenhou cabalmente os serviços para que foi nomeada, apesar de dois dos seus membros terem menos de 15 anos de idade. A realização deste Estágio só foi possível pela disponibilidade de um amigo de longa data e pelo empenho de todos os seus participantes. A patrulha deslocou-se a uma velocidade horária de 5.4 km e não houve acidentes nem desistentes. A boa ordem reinou dentro do acampamento e tanto o organograma como o cronograma de actividades não sofreram qualquer alteração, apesar de grande número dos binómios ser constituída por cachorros. O serviço de segurança decorreu sem novidade e o Márcio Duarte aproveitou a ocasião para testar os mecanismos de atenção da sua cadela. O participante mais novo foi a Sancha, uma menina de 7 aninhos que dormiu na sua tenda tal qual os outros. O estágio iniciou-se e terminou à ordem marcada, foi do agrado de todos e ao que parece deixa saudades.
Participaram no evento os seguintes condutores: André Martins, André Santos, Catarina Coutinho, Joana Melo, João Carreiras, Jorge Martins, Luís Coutinho, Luís Rebelo, Márcio Duarte, Margarida Coutinho, Marina Veríssimo, Miguel Gonçalves, Miguel Mendes, Paulo Almeida, Ricardo Miguel, Rita Gonçalves, Rita Nabais, Sancha Costa Lobo, Sérgio Silva e Tomás Coutinho. 

ACAMPAR COM O CÃO PARA QUÊ?


Temos um tríplice objecto quando acampamos com os cães escolares: o reforço dos vínculos binomais, a reciclagem dos condutores e o fortalecimento do grupo escolar visando a sua unidade. O reforço dos vínculos binomais irá acontecer pela divisão da tenda comum, pelo desempenho nocturno e pela parceria de 24 sobre 24 horas, o que aproximará de sobremaneira condutores e cães, dotando-os da cumplicidade necessária para qualquer serviço. A reciclagem dos condutores é algo que sempre deverá acontecer, assim como a sua correcção e aprimoramento técnico. Por força do trabalho colectivo, que exige igual prestação a todos os binómios, o acampamento irá constituir-se numa excelente ocasião para a avaliação do trabalho desenvolvido pelos condutores presentes, porque o grupo escolar é menor e maior é a possibilidade da correcção individual.


Se considerarmos como agentes de ensino de um cão todos os binómios escolares, que o são de facto, então compreendemos da necessidade da unidade de propósitos dentro do grupo, que tem a propriedade de aumentar a prestação individual pelo contributo do colectivo. Ainda que o amatilhamento escolar aconteça sem dificuldade pelo hábito e pela familiarização, importa “quebrar o gelo” entre os condutores, irmaná-los no mesmo propósito e desafiá-los para o objectivo comum, condições que o acampamento oferece pelo trabalho de equipa e convívio apertado. Que ninguém duvide: na escola alcançam-se as classes e no acampamento ganha-se o grupo familiar.  

A RAZÃO DO CÃO MORDER NAS MÃOS DO CONDUTOR


Neste último Domingo fomos surpreendidos com um Pastor Alemão grande e robusto (70cm de altura e 45kg de peso), adulto, preto-afogueado e instalado num quintal. O dono procurou-nos porque o cão apresentava sérios problemas de sociabilização com os outros cães. De imediato propusemo-nos à resolução do problema e convidámos o Márcio Duarte (que prontamente se ofereceu) para o conduzir dentro da classe escolar em excursão, não sem antes ataviarmos o animal da trela e estrangulador inerentes à tarefa. Ao fim da 3ª volta no Círculo de Instrução, o animal sossegou e deixou de afrontar e provocar os outros cães, resistindo no entanto ao comando de “junto” de modo deliberado e ameaçador. Perante isto, temendo por si e ajudado pela sua inexperiência, o Márcio começou a afastar o cão da perna e a subir a mão na trela, exactamente como faria nas ajudas para a transposição de um obstáculo vertical a efectuar por um cão, perfazendo com a trela e o braço um ângulo recto, o que facilitou a tentativa de ataque por parte do animal, que em vão saltou para o homem e não lhe causou dano algum, felizmente. O bicho sempre procurava “caçar” a mão direita do condutor, apesar da esquerda lhe ser mais próxima, facto que provocou alguma estranheza nos restantes condutores em exercício. Acontece que o cão se encontra alojado num quintal e ao alcance de todo e qualquer transeunte, uma vez que o muro da propriedade é baixo e todos lhe estendem a mão, uns acariciam-no e outros, ainda que em menor número, provocam-no e dão-lhe murraças. Como é sabido, a esmagadora maioria das pessoas é destra, inclusive aqueles que se comportam pior do que os animais. Com o mistério desfeito entende-se a razão do cão.

AÇAIME OU VALENTIA?

O medo pelos cães não se esgota no cidadão comum, estende-se também pela cinotécnica adentro e vem invadindo muitos treinadores e monitores como sempre invadiu, porque todos somos vítimas do mesmo espectro e temos naturalmente cautelas perante o desconhecido. O que induz à perca do medo e evita os perigos do excesso de confiança é a antevisão das acções caninas que nos é dada pela experiência. Mas mesmo assim há que estar atento, porque o mais pequeno dos pormenores pode gerar uma grande surpresa, e perante ela todos somos mais ou menos vulneráveis. Diante de cães potencialmente perigosos, daqueles que nem os donos respeitam, devem os novos adestradores solicitar a colocação do açaime nos animais ou proceder eles mesmos a essa colocação, debaixo de todas as cautelas, valendo-se para isso, quanto tal se justificar, da ajuda de terceiros. O que faz uma tropa eficaz não é a loucura dos seus soldados, mas sim o treino que os robusteceu e melhor preparou em relação aos demais, através dos riscos calculados, pelo apego aos procedimentos, pela recriação do teatro operacional e pelo conhecimento do inimigo, já que a valentia gratuita é geralmente paga a título póstumo e pode levar outros consigo.  

O CÓDIGO E OS AUTOMATISMOS


Se ao conjunto dos comandos a ministrar a um cão se chamar código, facilmente se entende da necessidade destes se transformarem em automatismos, mais-valia só alcançável pela procura e obtenção do condicionamento objectivo. Assim, todos os comandos escolares devem passar a automatismos e acontecer de forma plena, pronta e imediata. Perante a dura realidade dos factos pergunta-se: quantos automatismos possui o seu cão? É desejável que ele possua entre 25 a 32 e pela resposta saberá qual a carga laboral que o espera. Mãos à obra!

SE TIVER UM AMIGO ASSIM, ESTABELEÇA-LHE REGRAS ANTES QUE ELE AS ESTABELEÇA A SI

A frase não é nossa mas de um ex-aluno da escola, um cidadão francês que durante anos esteve ligado à indústria petrolífera e que andou por várias partes do globo, invariavelmente pelo mundo árabe. Uma vez radicado em Portugal, com dinheiro para investir e com a cabeça cheia de projectos, decidiu constituir sociedade com outros indivíduos (nacionais e estrangeiros) com igual capital e idêntica ambição. Entre os sócios escolhidos havia um alemão, um sujeito grave e sério que abominava o mundo latino, apesar de aqui residir há várias décadas. Naquela postura típica de savoir faire, o francês convidava amiúde o teutónico para sua casa, onde o regalava com tudo do bom e do melhor, coisa que não acontecia quanto era o alemão a convidá-lo, onde a retórica era muita e somente acompanhada por umas míseras salsichas. Quase sem dar por isso, o enfant de la Patrie viu a sua vida enfernizada pelas visitas do sócio, que apesar de ser convidado, não se coibia de estabelecer regras dentro da sua casa. Indignado e disposto a inverter a situação, o francês decidiu impor regras ao alemão e dali em diante cessaram os abusos, lição que resumia na frase: “se tiver um amigo alemão, estabeleça-lhe regras antes que ele as estabeleça a si”. Com os cães passa-se exactamente a mesma coisa, ou estabelecemos-lhes regras ou vivemos segundo as deles, o que infelizmente é uma insanidade muito comum nos dias que correm, onde a liderança humana se submete à desobediência canina e vem causando tremendos disparates. À parte disto ou como complemento, adianta-se que as distintas raças caninas acabam por espelhar os mesmos defeitos e virtudes do povo que as criou, acabando por massificar os sonhos dos seus criadores. Por isso é fácil educar um cão de origem alemã, que é normalmente de “esquerdo, direito”, sendo muito difícil fazer má figura com um Pastor Alemão ou Rottweiler (há quem lhes chame estupidamente obedientes). O importante é guardar a lição: há que estabelecer regras!

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

UM SÉCULO DE MUTANTES


Há sensivelmente um século, logo após Darwin e Galton, muito antes do advento do hediondo II Reich da eugenia de má memória, graças à excessiva endogamia e muito para além das leis da selecção natural, que a canicultura mundial enveredou pela criação de mutantes, criando raças morfologicamente anómalas e distantes do bem-estar animal, aberrações de toda a casta que se constituíram em impropriedades genéticas e que acabaram por transformar o sonho dos homens no maior pesadelo dos cães. A BBC lançou há pouco tempo dois documentários acerca do assunto e a canicultura europeia começa agora, ainda que lentamente, a tomar consciência dos erros cometidos e da necessidade de mudança nos critérios de selecção dentro das raças actualmente reconhecidas pela FCI, apesar de muitos clubes de raça e outros tantos criadores fazerem “orelhas moucas”, o que a ninguém espanta considerando o embaraço e os custos inerentes à mudança requerida.
Para se ter a noção exacta dos abusos cometidos, que cada vez mais atentam contra a saúde dos cães considerados puros, basta comparar o que eles eram há um século atrás com aquilo que são hoje. Essas alterações resultaram num sem número de enfermidades e incapacidades que estão a comprometer a saúde e sobrevivência das raças, contribuindo desde logo para o sofrimento atroz de muitos animais. Se entendermos a selecção dos cães como um baralho de cartas, então está na hora de baralhar outra vez e dar de novo, o que aponta claramente para a hibridação quando tal se justificar para a eliminação das insuficiências que hoje vitimam cada raça, porque a procura da dominância em cada uma delas, ao ser por demais valorizada, foi, é-lhes e continuará a ser-lhes fatal, fenómeno também compreendido pelo desprezo relativo e sistemático pelas variedades recessivas que estiveram na origem e construção dos diferentes estalões.
O problema há muito que é do conhecimento dos adestradores, o que os tem obrigado a cuidados suplementares e à supressão de um sem número de tarefas ou aptidões, considerando a salvaguarda animal, a particularidade dos indivíduos e a continuidade do seu ofício. Assim se compreende quão difícil é juntar o belo ao funcional, tarefa inglória tantas vezes procurada por muitos, porque ordinariamente os “Apolos” vêm munidos de atestados limitadores para a função. E neste sentido, poder-se-á dizer a grosso modo (porque sempre houve excepções e são bem vindas), que a clássica divisão entre o trabalho e a beleza reside na diferença entre os cães saudáveis e aqueles que o não são, exactamente quando a estética ignora ou desconsidera o trabalho, serviço que exige saúde e que não se compraz exclusivamente na passerelle, no corrupio entre a boxe e a apresentação. Não queremos com isto denegrir a importância das exposições de beleza, o que seria um autêntico descalabro, apenas pedimos aos diferentes criadores e expositores de cães que apresentem e passem animais saudáveis. Oxalá esse tempo não demore, todos temos a ganhar com isso, homens e cães, criadores, adestradores e futuros proprietários caninos.

COMO ATRELAR UM CÃO PELA PRIMEIRA VEZ


Não fosse o espectro da Lei, a maioria dos proprietários caninos andaria com os seus animais à solta por toda a parte, mesmo assim, há quem persista na desobediência e coloque em risco pessoas e cães, porque a condução há trela tem regras e nem sempre é cómoda e prática, limita a liberdade de movimentos e obriga a alguma atenção. Quem não se quer ver nestes assados, tem condições e não prescinde da companhia dos cães, acaba por colocá-los dentro de quintas e moradias, onde os tem à vontade, quase sem restrições e livres de incómodo. Mais cedo ou mais tarde, por uma razão ou por outra, os donos vêem-se obrigados a atrelar os cães, o que não irá ser do agrado dos animais e os levará a comportar-se como autênticos poldros quando laçados pela primeira vez. Quando a coisa se complica, porque o cão leva o condutor de rojo, tem muita força, embrulha-se na trela ou faz finca-pé e não anda, rumam finalmente a uma escola, ondem chegam exaustos como vindos de dura faena: o dono a escorrer suor e o cão preso a uma corrente. E como se isto não bastasse, os donos destes animais ainda reclamam por brevidade no ensino! Geralmente são bons clientes para o internato dos seus cães, porque não se querem maçar e pagam o que for preciso. Infelizmente, nem sempre são bem servidos, por culpa da sua ignorância e falta de profissionalismo de quem assume a incumbência.
Um cão adulto deve ser atrelado com os mesmos cuidados dispensados a um cachorro com dois meses de idade, atendendo à experiência feliz, à novidade do trabalho e ao alcance suave e progressivo da autonomia condicionada que não dispensa o exercício da liderança, que importa ser consentânea, cúmplice, paciente e arguta. O respeito por estas condições poderá isentar o dono do cão dos primeiros passos (porque pode nem saber pegar na trela), e levar à sua substituição pelo adestrador ou por outro condutor mais experiente. Contudo, um cuidado à que haver: o de verificar os graus de dominância e agressividade presentes no cão, normalmente identificáveis pelas suas intenções, expressões mímicas e vozes utilizadas (bufar, ganir, gemer, ladrar, latir, rosnar, uivar, etc.), geralmente potenciadas quer pelo sexo quer pela idade. Na dúvida deve colocar-se o açaime no cão e considerar-se o particular do grupo somático a que pertence. Os trajectos iniciais a respeitar deverão ser do desconhecido para o conhecido, ser de dentro para fora, da pista de treino para o carro do dono e este deverá permanecer calado durante a evolução, porque doutro modo aumentará a resistência do cão e fará com que nos desobedeça. Sempre que possível (e nem sempre o é), podemos valer-nos doutros cães como fila-guias, tirando-se partido do particular social presente nos cães, o que muito nos ajudará prà sua futura integração nas classes escolares. Os trajectos escolhidos deverão ser curtos e bastante espaçados entre si, o cão deverá ser amplamente incentivado e recompensado, mesmo que o trabalho não decorra às mil maravilhas, porque a adaptação não é automática e a ruptura deve ser evitada a todo o custo.
Quando o cão já conseguir andar, satisfatoriamente, no círculo destinado à obediência linear, é altura de chamarmos o dono para a constituição binominal, adiantando-lhe tanto os requisitos técnicos como os automatismos a instalar, meios que lhe irão possibilitar uma condução mais solta e sem atropelos. Quando assim procedemos, o dono sai feliz pelo progresso e o cão não ganhou aversão ou temor pela escola, o que fará gostar do adestramento e procurar o convívio com os outros cães. Entretanto, e esta é a parte mais delicada, deve-se convidar o dono para uma melhor coabitação com o animal, incentivá-lo para a recapitulação doméstica e para a assiduidade escolar, que sendo hábitos novos, são passíveis da sua resistência, rara disponibilidade ou pouco empenho. Importa começar bem porque os cães vivem da experiência que têm.

IR PARA ALÉM DA COMPAIXÃO


 
Desde que me conheço que vejo pessoas a alimentar e a resgatar cães e gatos vadios, muito embora o termo próprio seja “abandonados”. Guardo ainda a imagem de uma velha professora primária, do mundo alheada, solteirona, magra e avançada na idade, que à noitinha era perseguida por um grupo enorme de gatos esfomeados, miando rua abaixo, à espera de serem alimentados. Daí para cá pouco ou nada mudou, somente o esforço isolado cedeu lugar às associações com esse propósito. Apesar das campanhas de sensibilização, da pressão social, da política de castração, da obrigatoriedade do microchip, de uma maior fiscalização e do aumento das coimas, o número de animais abandonados não cessa de aumentar e as associações tornam-se impotentes diante de tanto encargo. Não lhes restando outro remédio, sobrevivem do trabalho voluntário, do bolso dos seus associados, do serviço quase gratuito de alguns veterinários e dos parcos donativos que conseguem alcançar, quer eles sejam em dinheiro ou em ração, tudo na esperança da futura adopção dos animais por si recolhidos, o que nem sempre acontece e não tem impedido o retorno ao abandono de alguns deles, nomeadamente dos mais velhos, dos inadaptados e dos carentes de maiores cuidados.
 
Apesar das dificuldades (que são históricas e já têm barbas), da precariedade dos alojamentos e da superlotação, do endividamento dos seus associados e da incerteza quanto ao futuro, mesmo assim, fustigadas como andam (a lembrar baratas tontas), raras são as associações que apresentam e põem em prática as estratégias necessárias para a resolução dos seus problemas, quedando-se exclusivamente pela compaixão relativa aos animais. Ainda que de Berlim só me seduzam as bolas com creme da doçaria tradicional portuguesa e da Baviera a Oktoberfest, lembro aqui as palavras de Markus Söder, ministro das Finanças da Baviera, acerca do possível abandono do euro pela Grécia: “Há sempre um dia em que temos que sair da casa da mamã, e chegou a vez dos gregos”. Pondo de parte o conteúdo político da citação, que é pseudomaternal, fratricida, abusivo e descarado, intimamente ligado à guerra económica que a Alemanha está a encetar contra a restante Europa, vale a pena aceitar o seu conteúdo pedagógico, já que o mundo é feito de mudança e quem não se adapta jamais sobreviverá. Se as actuais associações querem sobreviver e continuar a desenvolver a sua meritória actividade, então terão que mudar de política, abandonar o facilitismo e deixar de estender a mão ou a saca à caridade, aproveitar melhor os recursos humanos ao seu dispor e colocar-se em simultâneo ao serviço da sociedade, desenvolvendo actividades e mais-valias que levem à melhor aceitação dos animais que até aqui resgataram e continuam a resgatar, já que de nada vale pôr-se à parte e depois queixar-se do isolamento.
Toda a gente sabe e quem não souber engana-se irremediavelmente, que a criação de cães, longe de ser rentável, é um capricho caro só ao alcance de alguns, porque não é auto-sustentável e sempre necessitará da injecção de capital doutras actividades verdadeiramente rentáveis. Ao invés, os hotéis caninos sempre foram e continuarão a ser rentáveis, suportando muitas vezes e quase sempre outras actividades ligadas à canicultura nas suas múltiplas vertentes ou serviços. Por outro lado, o recurso ao adestramento tem-se revelado uma necessidade para quem tem cães, particularmente diante da “lei dos cães perigosos” e das múltiplas restrições a que estes animais têm vindo a ser alvo. Considerando os preços médios actuais da hotelaria canina, o preço mensal cobrado por cada cão hospedado dá para sustentar outros seis com rações de topo de gama ou doze com rações de manutenção e dez canis em funcionamento garantem o salário mínimo de um tratador. Vinte animais em treino garantem o salário dum adestrador e ainda o sustento mensal de quinze cães. Pergunta-se agora: porque não inscrevem as associações alguns dos seus associados nos cursos de adestramento e paralelamente não enveredam pela construção de hotéis caninos? Porque não oferecem esses serviços a quem adopta os seus cães? Não será o adestramento o melhor dos subsídios para o entendimento entre homens e cães?
Está na hora de ousar ir para além da simples compaixão, de se abandonar o estatuto de associação sem fins lucrativos, de produzir riqueza para valer à desgraça, de servir para ser servido e melhor valer aos cães, porque tudo o que é irrecusável deve-se à sua necessidade – “Há sempre um dia em que temos que sair da casa da mamã!”.