quinta-feira, 26 de abril de 2018

VAMOS LÁ FALAR A SÉRIO!

Como preâmbulo ao assunto importa destacar que vivemos em Democracia e num Estado de Direito. Há quem julgue que basta a um cão morder para ser um bom cão de guarda, como se a captura se sobrepusesse à defesa de pessoas e bens, e todos os intrusos estivessem ao alcance do cão, desarmados e à espera de serem devorados pelo poder das suas mandíbulas. Há também quem erroneamente o confunda com um cão de assalto ou antimotim, classificando-o melhor ou pior de acordo com o tempo em que fica pendurado numa cobaia sem a largar. A potência da sua mordedura garantir-lhe-á, só por si, o bom desempenho e a sua salvaguarda? É óbvio que não! Deverá um cão de guarda arrancar deliberadamente para cima dum oponente humano? Só se o quisermos pôr na “boca do lobo” e contra uma variedade de armas que lhe poderão ser letais!
Porém, mais importante do que dizer o que não é, é dizer aquilo que é um genuíno e autêntico cão de guarda, animal que deve a sua raridade a três razões principais, a saber: a uma selecção imprópria e mais alargada, ao mau trabalho dos seus instrutores e a uma menor procura. Esta última razão, que é de regozijo, deve-se à baixa taxa de criminalidade presente na nossa sociedade. Neste artigo apenas abordarei a segunda razão, a relativa ao mau trabalho dos adestradores, que tropeça numa errónea filosofia de ensino por influência de outros serviços e agentes caninos, gente a quem a lei confere um sem número de acções que não estende ao cidadão comum.
Um cão de guarda é um observador nato que deverá tudo ver e não ser visto, sendo a 1ª linha de defesa de uma propriedade, cujo perímetro mais próximo não deverá abandonar, porque se o fizer enfraquece a defesa da família e aumenta a sua própria vulnerabilidade, pelo que não deverá reagir a provocações e correr à desfilada em direcção a ruídos ou portões, pelo que só deverá efectuar capturas em último caso, ensino deveras importante face à possibilidade de haver mais do que um intruso ou invasor. Uma coisa é ensinar a observar, outra bem diversa é instigar!
Em abono da sua salvaguarda e do que lhe for confiado, não deve ladrar nem mostrar-se para poder contar com as vantagens do efeito surpresa. Eventualmente poderá ficar condicionado a dois procedimentos: a ladrar com os donos em casa e a defendê-la sem alarido na sua ausência. É bom não esquecer que a guarda canina é acessória e por isso mesmo uma tarefa dividida entre donos e cães. Debaixo deste mesmo princípio, o seu canil deverá estar oculto das vistas exteriores para não facilitar o estudo e o consequente plano de assalto à propriedade.
Na vida real e no desempenho das suas funções, o cão de guarda não vence sempre e no dia em que sair derrotado poderá não sobreviver, pelo que importa que conheça as suas limitações para não atacar opositores mais fortes do que ele e aprenda a medi-los e a surpreendê-los, o que significa que não poderá ficar pelo golpe único e só ter um modo de captura. Na procura das vantagens todos os cães de guarda deverão avançar ou recuar de acordo com o ensino experimentado, para que possam resistir tanto à entrada como à saída dos intrusos.
Nesta perspectiva, persistir num ataque lançado sem um contra-ataque digno desse nome, é enganar o animal e condená-lo à morte pelo engano tantas vezes experimentado. Nunca é demais relembrar que se um cão policial ou militar morrer no desempenho das suas funções, apesar do seu tratador nunca estar preparado e a força a que pertence não o desejar, ele é uma baixa mais ou menos calculada, estará você preparado para perder o seu cão?
Como dissemos nenhum cão de guarda estará devidamente apto para a sua missão se não for capaz de enfrentar mais do que um agressor ou intruso, treino que inicialmente deverá ser escolar e depois transportado para a casa e/ou propriedade a guardar. O animal deverá ficar condicionado a atacar o intruso que mais perto se encontrar da habitação a guardar. Contudo, deverá golpeá-lo sem se fixar nele e sem perder os restantes de vista, caso contrário será facilmente eliminado. A defesa da casa exige-lhe uma defesa próxima e não o seu abandono para correr atrás de um pretenso invasor. Certamente não será preciso avivar que na guarda o mais importante é a protecção da casa, dos seus moradores e património, não a captura, porque não estamos a tratar de cães de assalto ou de antimotim, mas sim de cães de dispersão ou varrimento controlados.
Apesar de mais valentes, os machos são dados a um conjunto de veleidades que têm a ver com seu género, preferindo o desafio à cautela, expondo-se inutilmente a perigos que poderiam desprezar, mal que afecta menos as cadelas e que torna algumas em excelentes guardiãs. Para além de tudo isto, o guardião canino carece de ser um companheiro impoluto e incorruptível (é mais fácil encontrar um cão assim do que um político honesto), de estar apto para trabalhar a qualquer hora do dia ou da noite, isolado ou em equipa.
Não é bom referenciar os portões de uma moradia como alvo a guardar, particularmente quando temos vizinhos e há crianças nas redondezas, porque um vizinho pode entrar para pedir um raminho de salsa e voltar para casa com sangue suficiente para o arroz de cabidela. Ter um cão condicionado a guardar um portão é também pôr a vida das crianças em risco, porque o simples apanhar de uma bola pode resultar num tremendo disparate e num susto de morte. E como a vida está cheia de contra-sensos, a ignorância grassa e não faltam tolos, há quem despreze bons cães para guarda e aproveite outros de menor valia só porque mordem. Oportunamente voltaremos a este apaixonante, complexo e delicado assunto.

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