Como preâmbulo ao assunto
importa destacar que vivemos em Democracia e num Estado de Direito. Há quem
julgue que basta a um cão morder para ser um bom cão de guarda, como se a
captura se sobrepusesse à defesa de pessoas e bens, e todos os intrusos
estivessem ao alcance do cão, desarmados e à espera de serem devorados pelo
poder das suas mandíbulas. Há também quem erroneamente o confunda com um cão de
assalto ou antimotim, classificando-o melhor ou pior de acordo com o tempo em
que fica pendurado numa cobaia sem a largar. A potência da sua mordedura
garantir-lhe-á, só por si, o bom desempenho e a sua salvaguarda? É óbvio que
não! Deverá um cão de guarda arrancar deliberadamente para cima dum oponente
humano? Só se o quisermos pôr na “boca do lobo” e contra uma variedade de armas
que lhe poderão ser letais!
Porém, mais importante do
que dizer o que não é, é dizer aquilo que é um genuíno e autêntico cão de guarda,
animal que deve a sua raridade a três razões principais, a saber: a uma
selecção imprópria e mais alargada, ao mau trabalho dos seus instrutores e a
uma menor procura. Esta última razão, que é de regozijo, deve-se à baixa taxa
de criminalidade presente na nossa sociedade. Neste artigo apenas abordarei a
segunda razão, a relativa ao mau trabalho dos adestradores, que tropeça numa
errónea filosofia de ensino por influência de outros serviços e agentes caninos,
gente a quem a lei confere um sem número de acções que não estende ao cidadão
comum.
Um cão de guarda é um
observador nato que deverá tudo ver e não ser visto, sendo a 1ª linha de defesa
de uma propriedade, cujo perímetro mais próximo não deverá abandonar, porque se
o fizer enfraquece a defesa da família e aumenta a sua própria vulnerabilidade,
pelo que não deverá reagir a provocações e correr à desfilada em direcção a
ruídos ou portões, pelo que só deverá efectuar capturas em último caso, ensino
deveras importante face à possibilidade de haver mais do que um intruso ou
invasor. Uma coisa é ensinar a observar, outra bem diversa é instigar!
Em abono da sua
salvaguarda e do que lhe for confiado, não deve ladrar nem mostrar-se para
poder contar com as vantagens do efeito surpresa. Eventualmente poderá ficar
condicionado a dois procedimentos: a ladrar com os donos em casa e a defendê-la
sem alarido na sua ausência. É bom não esquecer que a guarda canina é acessória
e por isso mesmo uma tarefa dividida entre donos e cães. Debaixo deste mesmo
princípio, o seu canil deverá estar oculto das vistas exteriores para não
facilitar o estudo e o consequente plano de assalto à propriedade.
Na vida real e no
desempenho das suas funções, o cão de guarda não vence sempre e no dia em que
sair derrotado poderá não sobreviver, pelo que importa que conheça as suas
limitações para não atacar opositores mais fortes do que ele e aprenda a
medi-los e a surpreendê-los, o que significa que não poderá ficar pelo golpe
único e só ter um modo de captura. Na procura das vantagens todos os cães de
guarda deverão avançar ou recuar de acordo com o ensino experimentado, para que
possam resistir tanto à entrada como à saída dos intrusos.
Nesta perspectiva, persistir
num ataque lançado sem um contra-ataque digno desse nome, é enganar o animal e
condená-lo à morte pelo engano tantas vezes experimentado. Nunca é demais relembrar
que se um cão policial ou militar morrer no desempenho das suas funções, apesar
do seu tratador nunca estar preparado e a força a que pertence não o desejar,
ele é uma baixa mais ou menos calculada, estará você preparado para perder o
seu cão?
Como dissemos nenhum cão
de guarda estará devidamente apto para a sua missão se não for capaz de enfrentar
mais do que um agressor ou intruso, treino que inicialmente deverá ser escolar
e depois transportado para a casa e/ou propriedade a guardar. O animal deverá
ficar condicionado a atacar o intruso que mais perto se encontrar da habitação
a guardar. Contudo, deverá golpeá-lo sem se fixar nele e sem perder os
restantes de vista, caso contrário será facilmente eliminado. A defesa da casa
exige-lhe uma defesa próxima e não o seu abandono para correr atrás de um
pretenso invasor. Certamente não será preciso avivar que na guarda o mais importante
é a protecção da casa, dos seus moradores e património, não a captura, porque
não estamos a tratar de cães de assalto ou de antimotim, mas sim de cães de
dispersão ou varrimento controlados.
Apesar de mais valentes,
os machos são dados a um conjunto de veleidades que têm a ver com seu género,
preferindo o desafio à cautela, expondo-se inutilmente a perigos que poderiam desprezar,
mal que afecta menos as cadelas e que torna algumas em excelentes guardiãs.
Para além de tudo isto, o guardião canino carece de ser um companheiro impoluto
e incorruptível (é mais fácil encontrar um cão assim do que um político
honesto), de estar apto para trabalhar a qualquer hora do dia ou da noite,
isolado ou em equipa.
Não é bom referenciar os
portões de uma moradia como alvo a guardar, particularmente quando temos
vizinhos e há crianças nas redondezas, porque um vizinho pode entrar para pedir
um raminho de salsa e voltar para casa com sangue suficiente para o arroz de cabidela.
Ter um cão condicionado a guardar um portão é também pôr a vida das crianças em
risco, porque o simples apanhar de uma bola pode resultar num tremendo
disparate e num susto de morte. E como a vida está cheia de contra-sensos, a
ignorância grassa e não faltam tolos, há quem despreze bons cães para guarda e
aproveite outros de menor valia só porque mordem. Oportunamente voltaremos a
este apaixonante, complexo e delicado assunto.
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