sexta-feira, 20 de abril de 2018

MELHOR SORTE PARA OS MABECOS!

Quem adora a canicultura e ousa produzir cães de trabalho, não deve desinteressar-se pelos seus congéneres selvagens, animais que de tempos a tempos e de acordo com as necessidades acabam por beneficiar raças de cães domésticos já existentes ou contribuir para a formação de novas, como aconteceu com os Cães de Sulimov e com o Volkosoby, respectivamente descendentes do Chacal e do Lobo. Raças de cães-lobo não faltam por aí, umas procuradas e outras acidentais, as primeiras resultantes da avidez humana e as últimas da invasão pelos cães do território dos lobos, como acontece um pouco por toda a parte e em particular na Etiópia, cujos lobos assentam sobre uma estrutura matriarcal e onde o número de híbridos já é maior que o seu, o que está a condenar à extinção o Lobo-Etíope (Canis Simensis), também conhecido por Lobo Abissínio.
Até à presente data não são conhecidos nenhuns híbridos operados pelos Cães Selvagens Africano (Lycaon pictus) e Asiático (Cuon alpinus), conhecidos respectivamente por Mabeco e Dhole, contrariamente ao sucedido nos Estados Unidos, onde duas espécies caninas selvagens, lobos cinzentos (Canis Lupus) e coiotes (Canis latrans), se miscigenaram dando origem a um híbrido identificado como Coywolf, animal que de há alguns anos a esta parte tem também gerado híbridos com cães domésticos (Canis Lupus Familiaris).
Como dissemos atrás, não são conhecidos nenhum híbridos resultantes do cruzamento entre Mabecos e cães domésticos, também não sabemos se tal seria viável e quais seriam as possíveis alterações psicológicas e sociais nestes canídeos em relação aos cães domésticos. Sem pôr em causa a necessidade de protecção de que o Mabeco tem sido alvo, hoje a espécie só tem 6 600 indivíduos em toda a África, estes cães selvagens, caso fossem compatíveis com os nossos cães para efeitos de reprodução, poderiam dotá-los de uma maior sociabilização inter pares, o que implicaria num melhor trabalho em grupo (matilhas), numa autonomia funcional superior, no reforço ou num maior impulso ao conhecimento, maior êxito nas capturas e uma resistência deveras superior, já que os Mabecos conseguem deslocar-se a 41 quilómetros horários atrás das suas presas em períodos até uma hora, facto a que o seu pouco peso (25 kg) não deve ser alheio. Apesar das vantagens atrás citadas, é melhor deixar os Mabecos em paz.
Se os Mabecos teriam muito a acrescentar aos nossos cães de trabalho, o que dizer do Dhole, um formidável cão selvagem pouco conhecido no Ocidente, com grande esperança de vida, 50 cm de altura, peso entre 12 e 20 kg, um caçador inveterado e de excelente olfacto, que come frutas silvestres, insectos, répteis, mamíferos e que em matilha caça praticamente tudo, desde roedores até cervos, mostrando especial predilecção por javalis, lebres, cabras selvagens, carneiros e até macacos, e que usa de diferentes técnicas de caça para capturar a multivariedade das suas presas? Como curiosidade adianta-se que este cão pode dar saltos no ar ou ficar de pé sobre as patas traseiras na tentativa de avistar as suas presas, que um animal adulto pode comer mais de 4kg de carne numa hora e que dois ou três Dholes podem matar um cervo de 50 Kg e que em menos de 2 minutos começam a comê-lo. O Cão Selvagem Asiático (Dhole), contrariamente ao seu congénere africano, não se encontra em vias de extinção, habitando uma vasta área que vai desde as montanhas Altai na Manchúria (Nordeste da Ásia) até às florestas da Índia, Burma e o Arquipélago Malaio. Este cão selvagem, e nisto é único, não mata pelo ataque ao pescoço, come as suas presas vivas, devorando-lhes os intestinos, a cabeça, o fígado e os olhos.
Voltando aos Mabecos e ao esforço em preservá-los entre nós, segundo uma notícia divulgada pelo jornal sul-africano online timeslive.co.za, uma matilha de Mabecos, constituída por 8 machos e 6 fêmeas, saiu de Phongola, em KwaZulu-Natal /África do Sul, rumo Parque Nacional da Gorongosa, a noroeste da Beira, em Moçambique, onde lhe foi oferecido um novo espaço de vida e reprodução dentro dos 400 000 hectares daquele parque, parque que anteriormente já havia tido matilhas de Mabecos residentes e que desapareceram durante a Guerra Civil Moçambicana, ocorrida entre 1977 e 1992. A Gorongosa é hoje gerida conjuntamente pelo Governo Moçambicano e pela Fundação Carr dos Estados Unidos (graças a Deus!).
Os Mabecos agora reintroduzidos na Gorongosa foram capturados na Reserva de Caça uMkhuze em KwaZulu-Natal (KZN) e na Reserva de Caça Maremani no Limpopo. Chegaram àquele parque moçambicano transportados por um avião ligeiro, sedados e amordaçados, equipados com colares de GPS e coleiras VHF para se operar o rastreamento dos seus movimentos e ser também possível vaciná-los contra a cinomose canina e a raiva. Antes de serem libertados na reserva principal, considerando a sua adaptação, passarão de 6 a 8 semanas em áreas mais restritas e com maior vigilância. Para se ter uma ideia mais aproximada do problema relativo à sobrevivência dos Mabecos, basta dizer que, apesar de terem sobrevivido durante 400 anos em várias partes da África, em apenas 50 anos foram extintos em 25 países.
A presente transferência de Mabecos teve o apoio de vários pilotos, que trabalharam gratuitamente, e da Endangered Wildlife Trust, uma organização ambiental sul-africana para a conservação de espécies e ecossistemas ameaçados no sul da África, que pôs no terreno o Dr. David Marneweck para ajudar na transferência destes Cães Selvagens Africanos.
Desejamos aos Mabecos recém-chegados a Moçambique melhor sorte do que a têm tido alguns empresários portugueses ali, que em má hora daqui saíram, acabando cadáveres nos sítios mais impensados ou desaparecendo sem deixar rasto (nem os abutres fariam um serviço tão limpinho!). Mesmo que o Mabeco e o Dhole nunca venham a reproduzir-se com os cães domésticos, as virtudes e mais-valias destes cães selvagens, porque são necessárias, poderão servir de exemplo, constituir-se em novos desafios e indicar novos objectivos para os criadores de cães de utilidade, não fosse o Homem o maior agente transformador da natureza.

Sem comentários:

Enviar um comentário