Quem adora a canicultura e
ousa produzir cães de trabalho, não deve desinteressar-se pelos seus congéneres
selvagens, animais que de tempos a tempos e de acordo com as necessidades acabam
por beneficiar raças de cães domésticos já existentes ou contribuir para a
formação de novas, como aconteceu com os Cães de Sulimov e com o Volkosoby, respectivamente
descendentes do Chacal e do Lobo. Raças de cães-lobo não faltam por aí, umas
procuradas e outras acidentais, as primeiras resultantes da avidez humana e as
últimas da invasão pelos cães do território dos lobos, como acontece um pouco
por toda a parte e em particular na Etiópia, cujos lobos assentam sobre uma estrutura
matriarcal e onde o número de híbridos já é maior que o seu, o que está a
condenar à extinção o Lobo-Etíope (Canis Simensis), também conhecido por Lobo
Abissínio.
Até à presente data não são
conhecidos nenhuns híbridos operados pelos Cães Selvagens Africano (Lycaon
pictus) e Asiático (Cuon alpinus), conhecidos respectivamente por Mabeco e
Dhole, contrariamente ao sucedido nos Estados Unidos, onde duas espécies caninas
selvagens, lobos cinzentos (Canis Lupus) e coiotes (Canis latrans), se miscigenaram
dando origem a um híbrido identificado como Coywolf, animal que de há alguns
anos a esta parte tem também gerado híbridos com cães domésticos (Canis Lupus Familiaris).
Como dissemos atrás, não
são conhecidos nenhum híbridos resultantes do cruzamento entre Mabecos e cães
domésticos, também não sabemos se tal seria viável e quais seriam as possíveis alterações
psicológicas e sociais nestes canídeos em relação aos cães domésticos. Sem pôr
em causa a necessidade de protecção de que o Mabeco tem sido alvo, hoje a
espécie só tem 6 600 indivíduos em toda a África, estes cães selvagens,
caso fossem compatíveis com os nossos cães para efeitos de reprodução, poderiam
dotá-los de uma maior sociabilização inter pares, o que implicaria num melhor
trabalho em grupo (matilhas), numa autonomia funcional superior, no reforço ou num
maior impulso ao conhecimento, maior êxito nas capturas e uma resistência
deveras superior, já que os Mabecos conseguem deslocar-se a 41 quilómetros
horários atrás das suas presas em períodos até uma hora, facto a que o seu
pouco peso (25 kg) não deve ser alheio. Apesar das vantagens atrás citadas, é
melhor deixar os Mabecos em paz.
Se os Mabecos teriam muito
a acrescentar aos nossos cães de trabalho, o que dizer do Dhole, um formidável
cão selvagem pouco conhecido no Ocidente, com grande esperança de vida, 50 cm
de altura, peso entre 12 e 20 kg, um caçador inveterado e de excelente olfacto,
que come frutas silvestres, insectos, répteis, mamíferos e que em matilha caça
praticamente tudo, desde roedores até cervos, mostrando especial predilecção
por javalis, lebres, cabras selvagens, carneiros e até macacos, e que usa de diferentes
técnicas de caça para capturar a multivariedade das suas presas? Como curiosidade
adianta-se que este cão pode dar saltos no ar ou ficar de pé sobre as patas
traseiras na tentativa de avistar as suas presas, que um animal adulto pode
comer mais de 4kg de carne numa hora e que dois ou três Dholes podem
matar um cervo de 50 Kg e que em menos de 2 minutos começam a comê-lo. O Cão
Selvagem Asiático (Dhole), contrariamente ao seu congénere africano, não se
encontra em vias de extinção, habitando uma vasta área que vai desde as
montanhas Altai na Manchúria (Nordeste da Ásia) até às florestas da Índia,
Burma e o Arquipélago Malaio. Este cão selvagem, e nisto é único, não mata pelo
ataque ao pescoço, come as suas presas vivas, devorando-lhes os intestinos, a
cabeça, o fígado e os olhos.
Voltando aos Mabecos e ao
esforço em preservá-los entre nós, segundo uma notícia divulgada pelo jornal
sul-africano online timeslive.co.za,
uma matilha de Mabecos, constituída por 8 machos e 6 fêmeas, saiu de Phongola,
em KwaZulu-Natal /África do Sul, rumo Parque Nacional da Gorongosa, a noroeste
da Beira, em Moçambique, onde lhe foi oferecido um novo espaço de vida e
reprodução dentro dos 400 000 hectares daquele parque, parque que
anteriormente já havia tido matilhas de Mabecos residentes e que desapareceram
durante a Guerra Civil Moçambicana, ocorrida entre 1977 e 1992. A Gorongosa é
hoje gerida conjuntamente pelo Governo Moçambicano e pela Fundação Carr dos
Estados Unidos (graças a Deus!).
Os Mabecos agora
reintroduzidos na Gorongosa foram capturados na Reserva de Caça uMkhuze em KwaZulu-Natal
(KZN) e na Reserva de Caça Maremani no Limpopo. Chegaram àquele parque
moçambicano transportados por um avião ligeiro, sedados e amordaçados,
equipados com colares de GPS e coleiras VHF para se operar o rastreamento dos
seus movimentos e ser também possível vaciná-los contra a cinomose canina e a
raiva. Antes de serem libertados na reserva principal, considerando a sua
adaptação, passarão de 6 a 8 semanas em áreas mais restritas e com maior
vigilância. Para se ter uma ideia mais aproximada do problema relativo à
sobrevivência dos Mabecos, basta dizer que, apesar de terem sobrevivido durante
400 anos em várias partes da África, em apenas 50 anos foram extintos em 25
países.
A presente transferência
de Mabecos teve o apoio de vários pilotos, que trabalharam gratuitamente, e da Endangered Wildlife Trust, uma
organização ambiental sul-africana para a conservação de espécies e
ecossistemas ameaçados no sul da África, que pôs no terreno o Dr. David
Marneweck para ajudar na transferência destes Cães Selvagens Africanos.
Desejamos aos Mabecos
recém-chegados a Moçambique melhor sorte do que a têm tido alguns empresários
portugueses ali, que em má hora daqui saíram, acabando cadáveres nos sítios
mais impensados ou desaparecendo sem deixar rasto (nem os abutres fariam um
serviço tão limpinho!). Mesmo que o Mabeco e o Dhole nunca venham a reproduzir-se
com os cães domésticos, as virtudes e mais-valias destes cães selvagens, porque
são necessárias, poderão servir de exemplo, constituir-se em novos desafios e indicar
novos objectivos para os criadores de cães de utilidade, não fosse o Homem o maior
agente transformador da natureza.
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