Ninguém sabe ao certo para
que foi criado nos Estados Unidos, na década de 80, o Gerberian Shepsky, um
híbrido de Pastor Alemão com Husky também conhecido como German Husky, Siberian
Shepherd e Husky Shepherd, cujo número tem vindo a aumentar e que já é
reconhecido pelo American Canine Hybrid Club e pelo Dog Registry of America. Especula-se
que tenha sido criado por razões estéticas e também para animal de companhia, o
que não nos custa acreditar, porque dificilmente o Husky Siberiano acrescentaria
algo às atribuições laborais do Pastor Alemão, ainda que eventualmente o
melhorasse em termos biomecânicos, o que implicaria numa maior rusticidade e
resistência, abonos dispensáveis face à tremenda carga instintiva que
paralelamente transmitiria.
Assim, não tem qualquer
cabimento que o Gerberian Shepsky tenha sido idealizado ou criado como possível
melhoramento do Cão de Pastor Alemão, porque não faltam nos Estados Unidos e no
Canadá bons Pastores Alemães de trabalho, animais livres das insuficiências
presentes nos seus congéneres de exposição e que os holandeses raramente
transportam para a Europa, porque compram-nos “bom e barato” (barato demais) no
seu próprio continente.
Uma hibridação destas
teria primeiro que escolher qual a variedade cromática do Pastor Alemão a
cruzar com o Husky, para que os erros obtidos na selecção do Pastor de Shiloh
não se repetissem, tanto os relativos ao manto como ao comportamento.
Considerando os extremos da raça, as variedades preta e lobeira, caso
optássemos pela primeira, que seria a mais válida para se encontrar o
equilíbrio entre o travamento e a acção, incorreríamos em cães mais pequenos,
quadrados e leves, porque os pastores alemães negros são precoces e os huskies
têm uma curava de crescimento menor que a encontrada nos Pastores Alemães.
Se a opção recaísse sobre
a variedade lobeira, que por ser serôdia tem uma curva de crescimento maior,
teríamos certamente cães extraordinariamente instintivos, tendentes a autonomia
própria, desconfiados e de difícil controlo, uns “estarolas” ou “cabeças-de-vento”
que, há imitação do que sucede com um cão de caça português, mais depressa
surpreenderiam um ladrão a 500 metros e em casa alheia do que um dentro do seu
próprio quintal. E isto para já não se falar nos atrasos relativos à necessária
cumplicidade, na despigmentação que impediria o seu uso em ecossistemas escuros
e à noite e no encadeamento diurno dos exemplares com olhos claros ou
portadores de heterocromia ocular, dificuldades que por norma resultam no
abandono dos locais de vigia.
A hibridação CPA-Husky,
que resulta num cruzamento entre um cão protector e um caçador, entre um
territorial e outro excursionista, é uma tômbola da sorte mais inclinada para o
azar, considerando os 100 anos de existência do Pastor Alemão (que ainda está a
limar imperfeições) e os 3 000 de existência do Husky, obra dos nómades
Chukchis, (em russo: чукчи (plural) e чукча no singular), caçadores de renas nativos
da Península Chukchi, do litoral do Mar de Chukchi e do Mar de Bering, no
Oceano Árctico. Este pormenor não deve ser esquecido na aquisição destes híbridos,
porque jamais espelharão no seu comportamento partes iguais do temperamento visível
nos seus diferentes progenitores, uma vez que o do Husky tende a sobrepor-se ao
do Pastor.
Por causa disto, ainda que
os seus apaixonados não o queiram admitir, disfarçando os seus deméritos pela
atribuição subjectiva de “cão-alfa”, o Gerberian Shepsky, que daqui em diante
trataremos somente por “Shepsky”, é menos cúmplice, muito mais teimoso, menos
obediente e menos prestativo -que o Cão
de Pastor Alemão, unicamente por ser mais instintivo e rudimentar, o que só por
si não o torna num cão-alfa, mas que mais o aproxima da autonomia reclamada
pelo lobo. Autonomia que reclamará até morrer, porque se não for treinado
adequadamente para contrariar a sua natureza, com o avançar da idade, será cada
vez mais difícil lidar com ele.
O dificilmente o Shepsky será
um verdadeiro cão de alarme, defesa ou guarda, porque ladra menos, tende a
afastar-se, é naturalmente afectuoso e prefere presas mais pequenas do que o
homem, não se inibindo de perseguir e matar ovelhas, coelhos, esquilos, ratos,
pequenos répteis e toda a sorte de aves de capoeira que encontrar, funcionando
como um verdadeiro exterminador. Apesar de ser muito pouco frequente, é
possível que algum Shepsky possa funcionar como guardião, o que não é nada
recomendável, considerando a natureza dos seus ataques e o carácter instintivo
dos mesmos, o que dificulta de sobremaneira o seu travamento ou cessação.
Que razões nos levam a não
recomendar o aproveitamento de um Shepsky para guarda? Como as razões são
muitas, enumeraremos apenas as principais. Os cães instintivos não deverão ser
ensinados a atacar, tal é o caso do Shepsky, para que não se divirtam a fazê-lo
sem ordem expressa e quando lhes der na gana, achando mais do que natural
atacar quem estiver ao seu alcance (familiares inclusive). O ataque de um cão
destes é silencioso, de surpresa, vindo do nada e em intercessão, tendencialmente
superior e pela retaguarda, o que o torna de difícil defesa e altamente doloso,
quando não mortal.
A teimosia deste cão não permite o seu uso em segurança,
porque a demora na cessação dos ataques e uma fracção de segundo a mais poderá
resultar em lesões graves e até fatais. Quando se dá a um cão destes licença
para atacar, porque há tiros que saem pela culatra, é bom que os seus donos
estejam preparados!
Deixemos
o Shepsky para o que foi criado, para Puppy Star, um lobo de brincadeira para
brincadeiras sem abusos, que reclama exercício, é infatigável e que adora o
contacto com a natureza, um caçador inato que invariavelmente se verá preso à
trela.
Dotar um cão meramente
instintivo da inteligência de outro é perder o seu préstimo, dar-lhe vontade
própria, perder a cumplicidade e aguentar a sua revolta, é ter um amigo ausente
apesar de presente, ainda mais quando ambos são lupinos e um deles pertence aos primitivos.
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