O canibalismo canino é um
problema incomum em cães que ocorre de vez em quando, mais frequentemente
quando uma cadela parida come um ou mais cachorros da sua própria ninhada,
fenómeno que ocorre nos primeiros dias após o nascimento dos cachorros. Apesar
de não haver muita informação sobre o canibalismo no reino animal e de se
acreditar que seja principalmente despoletado pela escassez de alimento, vamos
adiantar as 7 principais razões, comprovadas por nós e adiantadas pelos
especialistas nesta matéria, que levam as cadelas a comer alguns dos seus
filhotes, sem ser por carência de alimento. São elas: o excessivo nervosismo das
cadelas; o medo e o stress; a ausência de reconhecimento dos cachorros; as mastites;
a presença de cachorros nado-mortos e insalubres; a limpeza excessiva do cordão
umbilical e a ulceração da pele dos cachorros.
1 _ O EXCESSIVO NERVOSISMO.
As cadelas muito nervosas por vezes negligenciam, matam e comem os seus cachorros
logo após terem dado à luz. É mais provável que isso ocorra se tiverem sido negligenciadas,
perturbadas ou assustadas no período pós-natal, coisa facilitada pela imposição
do lugar da maternidade, local que deverão ser elas a escolher. Quando não
existe esta hipótese é melhor acostumar a cadela ao local do parto logo no
início do segundo mês de gestação. 2 _ O
MEDO E O STRESS. Se uma cadela está stressada ou com medo
da sua ninhada, coisa própria das excessivamente medrosas, que na verdade não
deveriam reproduzir-se, estas emoções negativas poderão desencadear a sua
agressividade contra as crias e acabar por comê-las. Cadelas assim só deverão
parir perto dos donos e debaixo da sua supervisão, que deverão administrar-lhes
ocitocina. Só uma necessidade imperiosa justificará a procriação de cadelas assim.
3 _ A AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DOS
CACHORROS. Uma cadela inexperiente pode não reconhecer os cachorros
como sendo seus. Além disso, os cadelas que pariram de cesariana, também podem
deixar de reconhecer a sua prole por causa da falta de harmónios produzidos durante
um parto natural. Como os cachorros recém-nascidos tendem a mover-se de forma
irregular e emitem sons agudos, comportamentos similares aos de presas como
ratos, algumas cadelas, especialmente terriers e cruzadas de terrier, vêem-se
instintivamente obrigadas a matar e a comer os seus cachorros, quando não os
reconhecem como seus. O facto do fenómeno ser mais frequente entre os terriers
não quer dizer que não possa acontecer com qualquer cadela. Para combater este
despropósito é de todo conveniente que os donos se encontrem em casa por altura
dos partos, nomeadamente quando se encontram de férias. Persistindo a rejeição
da cadela, o melhor que há a fazer é arranjar uma “ama-de-leite”, não a havendo, há que separar os cachorros da mãe e amamentá-los com leite de substituição.
4 _ AS MASTITES.
A
mastite é a inflamação das tetas da cadela, que poderão ficar vermelhas,
inchadas, duras e até quentes ao toque. Embora muito grave, a mastite pode ser
facilmente tratada (consulte de imediato o seu veterinário). Quando os cachorros
começam a mamar, a mãe poderá sentir dor suficiente para rejeitá-los. Em certas
ocasiões, poderá inclusive torná-la agressiva ao ponto de matá-los. 5 _ A PRESENÇA DE CACHORROS NADO-MORTOS E
INSALUBRES. Na natureza, quando uma ou mais crias de uma ninhada nasceram
mortas ou são insalubres, elas colocam toda a ninhada em risco. Diante desta
situação e instintivamente, a sua mãe irá removê-los para fora da toca. Na
maioria das vezes, os cães domésticos simplesmente rejeitam os cachorros não
saudáveis, afastando-os da maternidade e de si, podendo inclusive enterrá-los
se tiverem como fazê-lo. Mas se a carga instintiva se apoderar da cadela e os
cachorros forem de tenra idade, ela também poderá comer os cachorros mortos,
doentes, mais fracos e deformados, nomeadamente os que nascem com a fenda
palatina, já que o seu leite é demasiado precioso para desperdiçar.
6 _ A LIMPEZA EXCESSIVA DO CORDÃO
UMBILICAL. A limpeza excessiva do cordão umbilical poderá levar
à mastigação e esta estender-se acidentalmente até à parede abdominal de um ou
mais cachorros, que poderão vir a ser canibalizados. 7 _ ULCERAÇÃO DA PELE.
A
ulceração da pele dos cachorros, que é rara, ocorre e quando a cadela é excessivamente
diligente no lamber sua prole. A presença e o cheiro da lesão podem induzir a
matriarca ao canibalismo. Por regra, quando uma cadela começa a matar ou
negligenciar os seus cachorros, estes deverão ser imediatamente separados dela
e entregues aos cuidados de uma mãe adoptiva (ama-de-leite). Não havendo essa
possibilidade, os cachorros deverão ser criados a biberão com os sucedâneos
artificiais do leite materno. Cadelas que negligenciam, matam e comem os seus
cachorros, deverão ser castradas, porque tendem a comportar-se do mesmo modo quando
tornarem a emprenhar.
Infelizmente o canibalismo
canino não se restringe apenas às matriarcas, pode detonar-se em diferentes
circunstâncias e pode até acontecer durante períodos de abundância de comida, conforme
já foi observado e filmado entre os dingos, o que vem destruir a antiga crença
de que os cães só o fariam quando obrigados pela fome, mas que casa perfeitamente com a
sua natureza predadora e oportunista. A prová-lo está também um estudo
realizado em 2016 pela Associação Americana de Psicologia através da PsyCINFO, onde
nos foi adiantado que entre 11 cães que foram convidados a comer carne de cão, 2
deles negaram-se peremptoriamente a comê-la, 8 comeram-na crua em mais de
metade dos testes, 5 deles aceitaram-na o tempo todo e que todos a comeram depois
de cozida (crê-se que o olfacto tenha tido nisso influência). Os autores deste
estudo adiantaram ainda que a fome moderada não teve qualquer efeito sobre a
aversão à carne e que a fome intensa apenas levou 1 cão a vencer
permanentemente a aversão.
Ainda que a fome não seja causa
única para a prática do canibalismo canino, a fome extrema, a superlotação de
cães e a impossibilidade de procurar comida propiciam o seu aparecimento, como ocasionalmente
acontece em canis esquecidos, superlotados com cães de diversos tamanhos,
idades e estados de saúde, onde a formação de matilhas tende ao abate dos mais
fracos e à sua ingestão, o que reforça a ideia de que elas (as matilhas)
procuram mais o canibalismo do que os indivíduos isolados, como se tal prática
não dispensasse a sua componente social, o que aponta para uma razão atávica
ligada ao instinto de sobrevivência. Exemplo disso foi o que aconteceu na
Malásia em 2009, quando os moradores de uma vila piscatória transportaram para
uma pequena ilha 300 cães vadios, por não quererem ver mais nenhuma criança mordida
e fezes espalhadas pelas ruas. Um mês depois, não tendo ali o que comer, os
cães abraçaram o canibalismo.
Depois disto, uma pergunta
paira no ar: quanto aguentará um cão sem comer, mas com água à disposição? Se
estiver em boas condições físicas e acostumado à austeridade é possível que
aguente até 3 semanas, exactamente o tempo do cio das cadelas, entre o final do
Proestrus
e a duração do Estrus, podendo perder nestas circunstâncias
entre 7 e 8% do seu peso normal. Para além deste período será obrigado a saciar
a sua fome, comendo inclusive, à falta de melhor, dietas que à partida não comeria.
Haverá algum grupo somático canino mais propenso ao canibalismo? Existem dois,
aquele que se encontra mais próximo dos lobos e o que abrange os cães de
combate às pragas
Poderão os cães comer
cadáveres humanos? Sem dúvida. Em Abril de 2011, sob o título “Post-mortem
decapitation by domestic dogs: three case reports and review of the literature,
cientistas forenses do Centro Médico Universitário Charité/Universidade de
Berlim e do Instituto de Medicina legal e Ciências Forenses, fizeram saber: “A
depredação post-mortem de animais não é um fenómeno incomum em autópsias
forenses de rotina. Apresentamos três casos de decapitação post-mortem completa
por cães pastores alemães. Em dois casos, a cabeça havia sido mordida, deflectida
e deixada deitada perto do corpo, enquanto noutro caso havia sido completamente
devorada por dois cães; apenas pequenos fragmentos de crânio e dentes coroados foram
encontrados. Dois dos três corpos estavam em putrefacção; todas as lesões por dentadas
de cão foram infligidas após a morte. A causa da morte foi a toxicidade dos
medicamentos em dois casos e o outro caso ficou a dever-se a uma hemorragia fatal advinda
do rompimento das varizes esofágicas. Estas lesões raras devido à depredação de
animais post-mortem são discutidas à luz de estudos anteriores e relatos de
casos”. Penso que a pergunta dispensa mais explicações!
O estudo acima relatado
adiantou ainda que os cães tinham comida à sua disposição quando os cadáveres
foram descobertos. Porque prefeririam a carne humana? Os cães mordem e lambem
instintivamente e notam quando as pessoas estão mortas pelo cheiro e pela
ausência de reacção. Na tentativa de reanimar as pessoas, lambem as áreas do
nosso corpo que se encontram despidas. Não obtendo reacção, passam ao nível
seguinte – de lamber para morder. Não é uma questão de fome, é apenas um
comportamento animal normal. Convém não esquecer que estamos a falar de cães, que
são animais, ainda que muitos ingloriamente tentem humanizá-los. Perto por
perto, estão mais perto dos lobos e é sabido que adoram comer rostos humanos!
Reafirmamos mais uma vez que o canibalismo canino é incomum e agradou-nos explicá-lo
para os nossos leitores. Terminamos alertando para o facto do nosso
relacionamento com os cães não dispensar as regras que o tornam possível.
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