O número dos nossos
leitores egípcios tem-se mantido constante ao longo dos anos, nunca ultrapassando
a meia-dúzia semanalmente, o que não nos desalenta ou entristece – pelo contrário
– porque sabemos quão difícil é alcançar leitores de países muçulmanos quando o
assunto diz respeito a cães, como é o nosso caso. Não sabemos se os egípcios
que nos visitam regularmente são muçulmanos, cristãos-coptas ou doutro credo, o
que para o caso pouco importa porque todos são bem-vindos.
À sombra da bandeira com a
águia dourada de Saladino1 abriga-se um povo, nem sempre quisto ou
bem visto que, quer queiramos ou não, tem muito a ver connosco enquanto ibero-cristãos,
tendo em conta a “Espanha Muçulmana” e a religião do Antigo Egipto, a primeira
porque criou laços histórico-sanguíneos e a segunda porque acreditava numa vida
para além da morte, crença mais próxima do cristianismo do que do judaísmo. Eça
de Queiroz2,
na visita que empreendeu ao Egipto em 1869, disse a este respeito que “os
egípcios fazem casas de barro e túmulos de granito”, aludindo à sua preocupação
com a eternidade.
Não estamos em crer que
tanto a canicultura como a cinotecnia venham a ter um forte incremento no
Egipto, pelo menos nos tempos próximos e enquanto o radicalismo islâmico
influenciar alguns sectores da sua sociedade. Não obstante, vale a pena falar
da sua maior riqueza – o Rio Nilo, rio que segundo alguns egiptólogos esteve
por detrás da crença numa segunda vida e no paraíso, porquanto os egípcios já o
haviam experimentado aqui na terra e ao longo das suas margens.
Perguntar-nos-ão o que
terá este rio mais do que outros, ao que nós responderemos: tudo! Tal como o
nosso Sado, ele corre de Sul para Norte, é muito abundante em peixe e ao
contrário de outros rios, que têm cheias no Inverno, o Nilo tem-nas no Verão e
quando há mais calor, graças às grandes chuvadas da África Negra e ao facto de
passar pela Etiópia, cujas neves derretem no Verão e vão alimentar ainda mais o
seu caudal. A partir de Outubro, Novembro, as águas recolhem ao leito e deixam
nas suas margens uma lama negra, esponjosa e riquíssima em nutrientes, capaz de
suportar duas sementeiras anuais.
A melhor época do ano para se fazer um
cruzeiro no Nilo é entre Outubro e Abril, porque há menos calor. São muitas as
opções de embarque, cerca de 280 navios atracados entre Luxor e Aswan, mas a
maneira mais fácil e segura de navegar no Nilo é através de cruzeiros, que
normalmente têm uma duração de 3 dias e 3 noites e que possibilitam visitas aos
monumentos mais bem preservados do país, aos templos e túmulos presentes em Luxor,
Karnak, Kom Ombo, Edfu, Dendera, Vale das Rainhas e Vale dos Reis. No meio de
tanta cultura rodeada de água, quase que nos esquecíamos dos nossos leitores
egípcios, amigos a quem endereçamos o nosso bem-vindo e esperamos manter o seu
interesse. Quiçá ainda os encontrarei por lá no dia em que voltar ao Egipto. É
bom ir a Viena, a Praga, à Croácia, a Veneza e a São Petersburgo, mas se nunca
descermos o Nilo, perderemos a mais idílica viagem da nossa vida, isto se não houver espanhóis por perto, porque nunca se calam e passam a vida aos berros por todo o lado.
1 _ Nácer Salá Adim Iúçufe ibne Aiube (c. 1138
— 4 de Março de 1193), mais conhecido como
Saladino (em latim: Saladinus), foi um chefe militar curdo muçulmano que se tornou sultão do Egipto e da Síria e liderou a oposição islâmica aos cruzados europeus no
Levante. No auge do seu poder, o seu domínio estendia-se pelo Egipto,
Palestina, Síria, Iraque, Iémen e pelo Hejaz. Foi responsável por reconquistar
Jerusalém das mãos do Reino de Jerusalém, após a sua vitória na Batalha de Hattin
e por causa disso tornou-se uma figura emblemática nas cultura curda, árabe,
persa, turca e islâmica em geral. 2 _ José Maria
de Eça de Queiroz (Póvoa de Varzim, 25 de Novembro de 1845 — Neuilly-sur-Seine,
16 de agosto de 1900) foi um dos mais importantes escritores portugueses de
todos os tempos e também um diplomata, sendo autor de romances de reconhecida
importância como “Os Maias” e “O Crime do Padre Amaro” (o primeiro é
considerado por muitos o melhor romance realista português do século XIX).
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