Se
eu quiser um cão resistente, rústico, saudável e atleta, próprio como animal de
terapia, que não requer grandes cuidados e que pode vir a ser um excelente cão
de detecção, poderei encontrar muitos assim entre os rafeiros. Mas se procurar
um menos instintivo, nobre de carácter, combativo, resiliente, impoluto e
deveras interactivo, vou ter que o procurar noutro lugar, entre as raças
seleccionadas e os seus híbridos. Fazer transitar um rafeiro dos seus instintos
para a curiosidade que induz à interacção não é tarefa fácil, por mais que lhe
enchermos a barriga de biscoitos e o focinho de beijos, porque ele agrada-se
das guloseimas, corre para quem lhe dá carinho, mas não nasceu para estar
sozinho, observa pouco e não consegue dissimular-se, desconcentra-se com
facilidade e facilmente se deixa surpreender pelo medo – ele é um cão para se
ter e não para se usar!
Apesar
de saber há muito do fraco impulso ao conhecimento da maioria dos rafeiros,
cedendo como sempre à minha teimosia (um “não” para mim continua a obrigar-me a
ir à procura do “sim”), continuo a pegar em muitos, a torná-los mais seguros, cúmplices
e úteis, a transitá-los da comum adoração para a complementaridade, transformação
que seria praticamente impossível sem a estreita colaboração dos seus donos. E
quando tal transformação acontece, o meu coração alegra-se como o de um menino
que acaba de receber o presente que sempre desejou e as palavras do poeta “tudo
vale a pena quando a alma não é pequena” tinem na minha cabeça como sinos.
No último fim-de-semana, na área mictória canina de um parque, entre uma chusma de rafeiros castrados e apatetados, reconheci um que me foi querido e que entre nós teve sucesso em muito pouco tempo, agora de colete mixa ao invés de estrangulador, entregue a brincadeiras instintivas e um igual aos outros. Não ousei pronunciar o seu nome, temendo fazê-lo sofrer e afeiçoar-me ainda mais ao animal. Segui o meu caminho e lembrei- me do versículo bíblico que diz “a porca lavada voltou ao seu chiqueiro”, mais para me conformar do que por outro motivo qualquer. Depois do sucedido, vou deixar de treinar rafeiros? Não creio, porque ainda ontem, ao final da tarde, convidei uma chinesa a trazer o dela para a escola.
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