Ontem
parecia que finalmente alguém se tinha lembrado do CPA Bohr, porque trabalhou mais do que o habitual, talvez porque o seu dono não veio tão tarde,
porque isto de ser funcionário público não é fácil, nem aqui nem em lado nenhum
(não consigo compreender como gente tão competente e empenhada goza de tão má
fama). O Bohr iniciou o seu trabalho em pequenos percursos de condução nuclear,
com o dono ao centro, que pediam alternadamente “up” e “abaixo”, no intuito de
contrariar as acções automáticas no cão, de dar maior agilidade mental ao seu
condutor e de combater o envelhecimento do binómio como um todo (GIF acima).
Como é nosso hábito, por causa da preocupação que nos liga à sociabilização,
fizemos novos amigos, um casal francês com dois garotos, miúdos inicialmente tímidos,
mas que pouco a pouco se foram soltando graças ao comportamento do Bohr. Um dos
rapazes tinha alguma razão para se mostrar recoso, pois segundo me disse a mãe,
tinha sido mordido por um cão na semana passada. A senhora agradeceu a nossa
boa vontade e nós agradecemos-lhe a colaboração da sua família.
A
política agora vigente durante os treinos semanais é a seguinte: “tudo o que o
Bohr faz, a CPA Gaia é convidada a fazer!” e assim aconteceu ontem mais uma
vez, quando a Gaia ao seguir o exemplo do lobeiro cumpriu com as tarefas
propostas (haverá melhor exemplo para um animal do que outro animal?). Por
força do trabalho conjunto está a estabelecer-se entre os cães uma esperada
unidade, unidade também resultante de serem um casal da mesma raça, o que nos Pastores
Alemães tem um certo peso.
No
final da aula, vinda do nada, aparece uma jovem brasileira branca e sardenta
que educadamente me perguntou se treinávamos sociabilização, porque tinha duas
pequenas cadelas que viravam o diabo na rua. Eu disse-lhe que sim e estranhando
tal alvura na jovem, perguntei-lhe de que lugar tinha vindo do Brasil, ao que
ela me respondeu ter vindo de S. Paulo – Capital. Ao perguntar-lhe de que
distrito ou bairro, disse-me que tinha vindo de Jaçanã. Ao ouvir tal nome, a
saudade bateu fundo, saudades de bairro, da Serra da Cantareira ao seu redor,
das gentes que por lá vi e inevitavelmente do trem. Ainda que muitos
desconheçam, Adoniran Barbosa (já falecido) imortalizou Jaçanã com a canção “TREM DAS ONZE”,
que a determinado momento diz: “Moro em Jaçanã, se eu perder esse trem, Que sai
agora às 11 horas, só amanhã de manhã”. Feliz por me recordar de Jaçanã, pedi à
moça que me trouxesse rapidamente a cadela mais brava, já que morava perto do
local onde nos encontrávamos a treinar. Assim, do pé para a mão, dou comigo a
sociabilizar uma pequena cadela, que ao passar para as minhas mãos nem sequer
piou.
Depois
passei a cadelinha para as mãos da dona e pedi à última que participasse com o
pequeno animal em várias manobras de sociabilização, o que veio a acontecer com
êxito. A jovem paulista nem queria acreditar na transformação operada e disse
que me contactaria para se inscrever na escola, balela em que já não escorrego
mercê de tanto a ouvir. Como na política, em que aquilo que hoje é verdade, amanhã
é mentira, assim acontece também com a maioria dos brasileiros que nos chega.
Curiosamente, esta habilidade de cativar e sair de fininho é muito típica dos
brasileiros, que logo deste tenra idade se comportam assim. Tenho observado no
meu contacto com inúmeras crianças por causa da sociabilização dos cães, que as
crianças europeias, quando abordadas, mostram-se inicialmente tímidas e
envergonhadas, enquanto as brasileiras soltam um sorriso, mandam vir com os
cães e num ápice saltam para o nosso colo – idiossincrasias tropicais!
Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: João/ (?); Jorge/Gaia e Paulo/Bohr. Os trabalhos desenrolaram-se normalmente, o Plano de Aula foi cumprido, a reportagem fotográfica ficou garantida e o tempo correu de feição. O Tommy não veio porque a dona foi laurear a pevide, mas espera-se que compareça hoje aos trabalhos. O calor deixou de ser insuportável e o risco de incêndios parece ter diminuído. As tarefas, apesar da sua dificuldade, foram vencidas e os binómios regressaram a casa sem nenhuma ideia do que é e onde fica Jaçanã.
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