quinta-feira, 23 de agosto de 2018

OS URSOS QUE OS FRANCESES QUEREM E AQUELES QUE NÃO QUISEMOS

Ao dar uma olhadela pelas publicações e jornais franceses que têm páginas dedicadas aos animais, fiquei surpreso com uma notícia que falava da reintrodução do urso em terras gaulesas, cujo título dizia: “PYRÉNÉES: UNE MAJORITÉ FAVORABLE À LA RÉINTRODUCTION DE L’OURS SELON UNE CONSULTATION SUR INTERNET” (Pirinéus: Uma maioria favorável à reintrodução do urso de acordo com uma consulta na internet). Dispus-me a ler o artigo e fiquei a saber que a consulta pública feita na Internet foi organizada pela PREFEITURA DOS PIRINÉUS ATLÂNTICOS e pela REGIÃO DA OCCITÂNIA.
De acordo com os resultados publicados ontem acerca desta consulta pública na internet, levada a cabo entre os dias 25 de Junho e 25 de Julho deste ano, 88,9% dos participantes emitiu uma opinião favorável à reintrodução dos ursos e apenas 8,9% se manifestou contra, os restantes votos foram neutros ou em branco. Das 5.970 respostas registadas, 26,5% vieram dos 6 departamentos dos Pirinéus, sendo 71,6% a favor e 25,4% contra, muito embora os resultados sejam outros junto dos habitantes dos municípios da Montanha Bearn onde a introdução dos ursos está prevista, porque ali os votos a favor caíram para 58,6% e os contra subiram para 41,4%. De qualquer modo, UMA CLARA MAIORIA DE CERCA DE 6.000 INTERNAUTAS MANIFESTOU-SE A FAVOR DA INTRODUÇÃO DOS URSOS.
A Prefeitura da Região dos Pirinéus e da Occitânia fez saber através de comunicado que “o argumento para fortalecer a população de ursos é dominado por preocupações ecológicas, patrimoniais, éticas e económicas”. Aqueles que opõem a tal ideia afirmam “a incompatibilidade desta acção com a pastorícia, consideram-na um ataque ao desenvolvimento da região e à sua segurança, uma acção inútil e dispendiosa. Entretanto, O MINISTRO DA TRANSIÇÃO ECOLÓGICA E SOLIDÁRIA, NICOLAS HULOT (na foto seguinte), que é também um jornalista e um activista ambiental, que em 1990 criou uma fundação com propósitos ambientais da qual é presidente, é esperado para breve nos Pirinéus Atlânticos PARA APRESENTAR O SEU PROJECTO DE INTRODUÇÃO DE DOIS URSOS ESLOVENOS.
A maioria dos portugueses desconhece que já tivemos ursos em todo o território continental e que O ÚLTIMO FOI MORTO EM 1843 PELA POPULAÇÃO NO GERÊS. Quem se interessar por este assunto deverá adquirir o livro “URSO PARDO EM PORTUGAL – CRÓNICA DE UMA EXTINÇÃO”, da autoria de PAULO CAETANO e MIGUEL BRANDÃO PIMENTA, editado em Novembro do ano passado pela Editora Bizâncio e que vale a pena ler. Apesar da sua população reprodutora poder ter-se extinguido em meados do Séc. XVII, assistindo-se entretanto a entrada de animais errantes vindos da Galiza, ATÉ À PRIMEIRA METADE DO SÉC.XIX, TIVEMOS URSOS PARDOS NO PAÍS, mas a perca de habitat obrigou-os à subida do território até chegarem ao seu último reduto no Gerês. Hoje ainda subsistem nas regiões espanholas das Astúrias e dos Pirinéus.
Apesar da relação entre os portugueses de outrora com os ursos nunca ter sido pacífica, porque os consideravam animais daninhos a necessitar de destruição, exactamente como os lobos e os linces, O URSO PARDO NÃO DESAPARECEU POR CAUSA DA CAÇA QUE LHE FOI MOVIDA, que foi acessória, “MAS PORQUE O TERRITÓRIO FOI COMPLETAMENTE MODIFICADO AO LONGO DOS SÉCULOS, ACIMA DE TUDO PELA ACÇÃO DO FOGO” – segundo disse Paulo Caetano, um dos autores da obra atrás citada, acrescentando ainda que “ o nosso problema com o fogo, agora tão actual, não é nenhuma novidade, tem mais de tês séculos”. Autores dos Séculos XVII e XVIII referem que naquela época o Gerês estava destruído pelo fogo.
A FLORESTA AUTÓCTONE FOI SUBSTITUÍDA PELA MONOCULTURA DO PINHAL (hoje pela do eucaliptal), ENQUANTO OS URSOS NECESSITAVAM DE BOSQUES RICOS EM FRUTOS SILVESTRES E MEL QUE LHES PROPORCIONASSEM ABRIGO, condições que o pinhal não tinha para lhes oferecer. E, como um mal nunca vem só, a isto juntou-se a caça. Quando um jornalista questionou Paulo Caetano sobre a possibilidade de os ursos regressarem a Portugal, ele foi peremptório ao dizer que iriam morrer à fome, já que não encontrariam um habitat apropriado e, mesmo que essa limitação fosse ultrapassada, “AS AUTORIDADES NÃO SABERIAM LIDAR COM ESSA SITUAÇÃO, COMO NÃO SOUBERAM LIDAR COM A REGRESSÃO DO LINCE, a não ser criando-o em cativeiro e, mesmo assim, seguindo Espanha”.
Em Espanha, o urso também foi regredindo no território e refugiou-se nas altas montanhas, nas Astúrias, onde também esteve ameaçado, mas as autoridades espanholas adoptaram medidas de conservação e os dois grupos populacionais da espécie estabilizaram. Nas Astúrias, "as populações acarinham muito o tema do urso, quer seja na cidade como nas aldeias, e não têm medo, não existindo registos de ataques", descreve o co-autor do livro “URSO PARDO EM PORTUGAL – CRÓNICA DE UMA EXTINÇÃO”. Ao contrário, nas zonas dos Pirenéus onde ainda sobrevive uma população muito residual de ursos, que foi reintroduzida, estes são "constantemente perseguidos e abatidos". É lá, do lado francês, que o Ministro Nicolas Hulot quer reintroduzir os ursos, o que não vai ser nada fácil para eles nos dois lados dos Pirinéus, porque “se de um lado chove, do outro troveja!”
Para que os ursos sejam reintroduzidos, seja lá onde for, o mesmo é válido para lobos e linces, é necessário um bom trabalho de sensibilização junto das populações, para que as pessoas percebam que eles, ao invés de serem uma ameaça, poderão vir a ser uma mais-valia económica como sucede nas Astúrias, onde são uma atracção turística muito procurada. Ao falar do Urso Pardo lembrei-me automaticamente do Galo-Montês (Tetrao Urogallus), também outrora conhecido como “Tetraz” e extinto em Portugal há quase um século, um galináceo muito maior que uma perdiz, de cantar único, que já chegou a habitar no Gerês e que subsiste ainda em pequeno número no Norte de Espanha.
Lamentamos hoje o que destruímos no passado, sem sabermos ao certo o que nos reserva o futuro. Sim, já tivemos Ursos Pardos em Portugal!
PS. Para quem se interessar pelo Galo-Montês, aconselhamos a compra do livro “O GALO-MONTÊS (LINN) – REGRESSO AO GERÊS”, da autoria de MIGUEL DANTAS da GAMA, da EDITORA CANHÕES DE PEDRA (custava 4.75€).

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