Ao longo de quase 60 anos,
a raposa vermelha tem elucidado os cientistas acerca do comportamento animal,
mediante um experimento de longo prazo onde as raposas foram seleccionadas pela
sua tolerância ou agressão, para recriar em tempo real o processo de
domesticação do lobo para os cães modernos. A partir de ontem, com a primeira
publicação do genoma da raposa, os cientistas começarão a entender as bases
genéticas por detrás dos comportamentos mansos e agressivos, que poderão também
dar pistas sobre o comportamento humano.
ANNA
KUKEKOVA (foto seguinte), professora assistente do Departamento
de Ciências Animais da UNIVERSIDADE
de ILLINOIS e
principal autora do artigo, disse acerca da publicação do genoma da raposa: “Há
muito, muito tempo que estávamos à espera desta ferramenta”. KUKEKOVA, que estuda as famosas raposas russas desde
2002, disse que anteriormente tentava-se identificar as regiões do genoma da
raposa pelo seu comportamento manso ou agressivo, o que exigia um genoma
referencial e o melhor que se podia fazer era usar o genoma do cão. Agora, o
genoma da raposa oferece um recurso muito melhor para a análise genética do
comportamento.
Depois de sequenciar e
montar o genoma da raposa, a equipa voltou-se para as famosas raposas russas na
procura de regiões genéticas que diferenciassem as populações domesticadas, as agressivas e as
convencionais, animais criados desde longa data em cativeiro, mas não
seleccionadas a partir de um comportamento específico. Os investigadores
sequenciaram os genomas de 10 indivíduos de cada população e compararam-nos com
o genoma completo da raposa. As 3 populações diferiram entre si em 103 regiões
genómicas, algumas das quais responsáveis pelos comportamentos mansos e
agressivos. “Encontrar regiões genómicas com tal resolução estava além de
qualquer expectativa com nossas ferramentas anteriores. Agora, pela primeira
vez, não só podemos identificar parte de um cromossoma que torna as raposas
mais mansas ou agressivas, mas também identificar os genes específicos
responsáveis por isso" – disse Kukekova.
Seguidamente a equipa
comparou as 103 regiões genómicas com as de outros mamíferos sequenciados e
encontrou algumas semelhanças convincentes, identificando correspondências
entre regiões de comportamento nas raposas com regiões importantes na
domesticação dos cães e com uma região associada à síndrome de Williams-Beuren
em humanos, uma desordem genética caracterizada por um comportamento
extremamente extrovertido e amigável. E o mais incrível de tudo é que encontrou
a região Williams-Beuren nas raposas agressivas e não nas mansas, quando
esperava o contrário!
Esta descoberta inesperada
e misteriosa ressalta a necessidade de mais pesquisas para que as regiões sejam
completamente compreendidas. Dispostos a ir mais além, os pesquisadores
concentraram-se num único gene, conhecido por SorCS1,
que está envolvido na formação, funcionamento e plasticidade das sinapses(1),
para além de outras funções adicionais. Este gene, cuja contribuição para o
comportamento social era desconhecida, foi definitivamente associado a um comportamento
específico nas raposas, o de as tornar mais tranquilas. Cautelosa, Kukekova
disse a esse respeito: “Acreditamos que este gene torna as raposas mais
tranquilas, mas não queremos exagerar - a dor não está só associada a um único
gene. A imagem é definitivamente mais complexa".
O
artigo "Montagem do genoma da raposa vermelha identifica regiões genómicas
associadas a comportamentos mansos e agressivos" foi publicado na revista
Nature Ecology & Evolution . A lista completa dos seus autores inclui Anna
Kukekova, Jennifer Johnson, Xueyan Xiang, Shaohong Feng, Shiping Liu, Halie
Rando, Anastasiya Kharlamova, Yury Herbeck, Natalya Serdyukova, Zijun Xiong,
Violetta Beklemischeva, Klaus-Peter Koepfli, Rimma Gulevich, Anastasia
Vladimirova, Jessica Hekman, Polina Perelman, Aleksander Graphodatsky, Stephen
O'Brien, Wang Xu, Andrew Clark, Gregory Acland, Lyudmila Trut e Guojie Zhang.
(1)SINAPSE: Zona de contacto entre o axónio de
um neurónio e os dendritos de outro neurónio, na qual ocorre a transmissão do
influxo nervoso.
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