quarta-feira, 27 de junho de 2018

KUCKUCKS LEKTION

Antes de me dedicar à canicultura e à cinotecnia, fui um ornitólogo interessado e acabei por apaixonar-me pela canaricultura, criando canários de canto, cor e posição, para depois me dedicar com sucesso à criação de diferentes híbridos de chamarizes, lugres, pintassilgos, pintarroxos, verdilhões e outros. Tudo começou quando me veio parar às mãos um velho livro com o título “MANUAL DO PRÁTICO DO PASSARINHEIRO”, da autoria de um tal Dr. J.W. Edrich, de quem pouco ainda sei.
Os criadores de animais, muitas vezes à revelia da ciência, têm convicções que transformam em regras e palpites que tomam como verdades, mitos que em grupos isolados podem transformar-se em dogmas e como tal inquestionáveis. Um dos que ouvi entre os criadores de pássaros e passarinheiros diz respeito ao Cuco-canoro (CUCULUS-CANORUS), ave migratória pertencente à ordem dos Cuculiformes e à família Cuculidae, que chega até nós na Primavera, aqui se reproduz e que passa o inverno em África.
Segundo a tradição, que carece de comprovação científica, o dito Cuco, reproduzido de modo gracioso nalguns relógios de sala europeus, após nascer num ninho alheio, escorraçar dele os outros residentes e ser alimentado pela madrasta (até aqui é verdade), acaba por comer a mãe que o adoptou antes do seu primeiro voo (acto ainda por comprovar).
Estranhamente, porque me encontro a viver no meio duma cidade, onde os passarinhos são cada vez mais raros, ouvi um cuco a cantar, lembrei-me da sua “proeza” e relacionei-a com um pormenor importante na capacitação dos cães de guarda.
Vamos supor como verdade que o Cuco come a madrasta e servir-nos disso como lição. Todos sabemos que a esmagadora maioria dos cães de guarda é adestrada para o efeito por profissionais ou debaixo da sua supervisão, mestres a quem reconhecerão autoridade e se subordinarão, apesar de não serem os seus proprietários, não sendo por isso de estranhar que “trabalhem” melhor com os seus adestradores do que com os seus próprios donos, facto que facilmente se compreende, mas que é indesejável em matéria de segurança por criar pressupostos dispensáveis e entraves à autoridade dos donos.
Por causa disto, os cães sempre resistirão a atacar quem os ensinou, podendo fazê-lo por hábito, mercê da experiência feliz que ficou armazenada na sua memória afectiva, tal qual um jogo, mas nunca com o mesmo ímpeto que dedicariam a um intruso desconhecido, a quem não reconheceriam qualquer autoridade. Assim, sempre será mais fácil para o adestrador “atiçar” o cão contra o dono do que o inverso, o que nos leva a perguntar de quem é o cão afinal!
E quando assim sucede, lamento dizer que os cães não estão devidamente preparados por se encontrarem afectivamente divididos, funcionando os seus donos apenas como “pais biológicos” e não como pedagógicos, o que realça a importância de serem os donos a treinar os seus próprios cães, com o mínimo de intromissão possível por parte dos adestradores, que deverão funcionar essencialmente como cobaias e inimigos preferenciais (quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele).
Como esta opção nem sempre é possível, a despeito de ser a mais indicada, exactamente como se diz suceder com o cuco, que na ponta final come a madrasta, também o cão guardião deverá atacar decididamente e sem reservas o adestrador que o ensinou por ordem do dono, em favor da sua salvaguarda e do serviço a que se destina. Os adestradores nacionais não têm por hábito assaltar casas, muito embora levem vantagem sobre os demais naquelas que têm cães, mas já não é a primeira vez, e a coisa até é antiga, que acabam por raptar os seus instruendos de 4 patas, quiçá movidos de amores. Ouvi o cuco esta manhã e sem saber porquê, lembrei-me de uns quantos papagaios.

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