Ao
olhar para trás, para as décadas que levo a ensinar cães, não tenho dúvidas
quanto à razão que me levou a fazê-lo, que nada teve a ver com a minha promoção
social, com o alcance de alguma vantagem ou com a procura de um negócio
chorudo, queria simplesmente conseguir falar com eles, conseguir ouvi-los,
entendê-los e fazer com que me entendessem e, nisso sigo até à presente data -
bendita loucura que me traz de pé. Na maioria dos casos fui bem-sucedido e se
não o fui totalmente, foi porque alguns donos me empastelaram, voluntária ou
involuntariamente, a comunicação com os seus cães, que de alguma forma não
foram ouvidos e muito menos respeitados, sendo esta é a única mágoa que levo
desta actividade. Como não foram os desaires que me trouxeram até aqui,
alegro-me de sobremaneira por ter ensinado vários donos a comunicar com os seus
cães surdos através da linguagem gestual.
Por
mero acaso tomei conhecimento de uma linda história contada pela BBC no seu
site no dia 12 de Abril do mês passado, a história da Peggy, uma cadela pastora
Border Collie abandonada depois de ficar surda que, após ter encontrado um novo
lar e uma nova família, aprendeu a compreender os sinais das mãos e a linguagem
corporal dos seus novos donos para voltar à sua actividade preferida – orientar
e reunir rebanhos novamente.
Ao
perder a audição, muito embora fosse uma excelente e eficiente pastora, a Peggy
(na foto seguinte) foi entregue pelo seu dono inicial, um fazendeiro e ovinicultor
inglês, à Royal Society for Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA) de Norfolk
em 2018, no leste de Inglaterra, entidade equivalente à nossa Sociedade
Protectora dos animais - SPA ou à Liga Portuguesa dos Direitos do Animal – LPDA
(não sei bem a qual). Certo é que a Peggy foi adoptada por Chloe Shorten, uma
voluntária local da RSPCA, cujo marido é pastor em Norfolk.
“Sentimos
que a Peggy queria trabalhar e a partir daí começámos um longo processo para ensiná-la
a pastorear e trabalhar com um pastor sem a ajuda de comandos verbais”, disse
Chloe Shorten à BBC. “Começámos por ensiná-la a olhar para nós e ver os sinais
das nossas mãos. Por exemplo, um polegar para cima significava 'boa menina' ”,
acrescentou ela. “A aprendizagem foi reforçada com experiências repetitivas e
positivas e, ao invés de se usar um comando verbal para uma determinada ação,
usámos um gesto de mão”, disse Chloe Shorten à BBC. Com a ajuda de um treinador
de cães pastores, Peggy assimilou e entendeu o significado de muitos sinais das
mãos e certas posturas corporais. A cadela demorou a aprender esta nova
linguagem, mas agora os seus donos já conseguem comunicar com ela facilmente (na
foto abaixo vê-se Chloe Shorten na frente de sua casa, na companhia de um
cordeiro e dos seus três cães pastores, incluindo Peggy, deitada no canto
inferior direito da imagem).
Apesar de ter 10 anos de idade e de estar
oficialmente aposentada, a Peggy não deixa de ir trabalhar com o marido de
Chloe Shorten, acompanhando os outros dois cães pastores. Amada pelos seus
donos, que não querem perdê-la por nada deste mundo, a Peggy uma coleira com
GPS para o caso de se afastar demais, já que não consegue ouvir o chamamento
dos seus donos. “É incrível vê-la reiniciar uma nova vida e dividi-la connosco.
Ela é a prova viva de que conseguimos ensinar coisas novas a um cão,
independentemente da sua idade ou deficiências ”, conclui Chloe Shorten. Aos
Shorten, sem margem para dúvidas, posso chamar de companheiros de jornada,
porque nutro do mesmo sentimento com os cães em geral e particularmente com
aqueles que precisam de ser reabilitámos e ensinados a ultrapassar as suas incapacidades
ou insuficiências – com amor até os surdos ouvem!
PS: Há muito que sei que um centro canino é acima de tudo uma oficina de consertos (de homens e cães).
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