Encontrar
um sem-abrigo alienado ou destituído da realidade não é difícil, agora um que
se apresenta munido de gás pimenta e de faca em punho, parece uma cena tirada
da série televisiva “The Walking Dead”. Lamentavelmente não estou a falar de
ficção, mas do que aconteceu ontem na cidade alemã de Gütersloh, na região administrativa
de Detmold, no estado de Nordrhein-Westfalen, ao início da tarde, junto à Floresta
de Rheda, área de recreio local especialmente dedicada a pessoas com cães,
quando um sem-abrigo de 56 anos iniciou, inesperadamente, uma discussão com um
caminhante que se fazia acompanhar por três cães, vindo a atacá-los com gás
pimenta e a esfaquear o seu dono, só o largando à passagem de um ciclista. A
vítima teve que ser operada no hospital e está a recuperar bem. A polícia
prendeu o sem-abrigo nas proximidades, apreendeu-lhe uma faca e um spray de gás
pimenta, e um juiz emitiu um mandato de prisão. O motivo do incidente ainda não
está claro para a polícia, que procura agora testemunhas do sucedido,
adiantando para isso um nº de contacto telefónico.
Pode
não ter sido este o caso, mas as quezílias entre os cães e os sem-abrigo já são
muito antigas, tão antigas que são capazes de remontar ao surgimento do
primeiro vagamundo, portanto antes da história propriamente dita, provavelmente
quando o homem começou a usar os cães guardar os seus bens. Actualmente, os
cães disputam com os sem-abrigo os mesmos territórios, por norma zonas
arborizadas (parques e jardins), locais onde os cães fazem ordinariamente as
suas necessidades e que consideram seus, não vendo com bons olhos a presença
dos sem-abrigo e dos seus tarecos, particularmente à noite quando são
surpreendidos. Com o decorrer dos dias, a inimizade vai aumentando e tanto cães
como sem-abrigos já não se podem ver uns aos outros, os cães porque querem
expulsar aqueles “intrusos” e os sem-abrigo porque não conseguem descansar ou
pernoitar em paz, ao serem continuamente acossados pelos cães, cuja resiliência
é sobejamente conhecida.
A situação agrava-se quando um pequeno grupo de cães soltos, amatilhado na mesma casa ou escalonado através da convivência no exterior, decide dar caça a um sem-abrigo e um deles acaba por mordê-lo, porque a partir daí o pobre homem sempre terá aqueles cães à perna, fortemente interessados em morder-lhe e de difícil defesa, porque quando se se vira para um, logo tem outro a entrar-lhe pelas costas e quando tenta pontapear um deles, invariavelmente trá-lo um pendurado na perna ou no sapato. Em situações como esta, o melhor que o sem-abrigo tem a fazer é procurar outro lugar para pernoitar, o que é cada vez mais difícil quando não está para se sujeitar às regras das instituições que podem obrigá-lo. Na impossibilidade imediata de encontrar outro lugar, o sem-abrigo defenderá o seu esconderijo e entrará em guerra também com os donos dos cães, a quem pedirá, nem sempre com bons modos, que prendam os cães e que encontrem novos locais para passear os animais. E quando o desespero toma conta de uma das partes e a outra abraça o soberano princípio do “quem está mal, muda-se”, então o caldo fica irremediavelmente entornado e algo inesperado pode acontecer.
PS: No intuito de se defenderem e livrarem dos inoportunos e embirrentos cães que os fustigam, também para terem companhia e maior conforto, estabelecendo com eles uma união para a vida, são cada vez mais os sem-abrigo que arranjaram uma contra-arma para os seus inimigos – outro cão – geralmente um rafeiro grande ou um descendente omisso de um cão de luta, sendo os últimos extraordinariamente rústicos e leais como convém.
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