Eu gosto de cães, toda a
vida tive cães, sempre vivi com eles dentro de casa e tenho ainda um comigo,
mas não concordo em remeter para o livre arbítrio dos proprietários dos
restaurantes a entrada ou não de cães e gatos nesses estabelecimentos, mesmo
que não tenham acesso às áreas de confecção e maneio de alimentos, conforme
advoga o deputado do PAN. E não concordo porquê? Primeiro, porque não devo pôr
a saúde pública à consideração de qualquer um e depois, porque tenho absoluta
certeza que não estão reunidas as condições para isso, nem sei se algum dia as
teremos. Passo a explicar:
A “ASAE” (Autoridade de
Segurança Alimentar e Económica), a principal entidade que fiscaliza os
restaurantes em Portugal, fechou no ano transacto 297 restaurantes, multou
2.7000 e no primeiro trimestre deste ano já tinha fechado 80, números que
comparados com os de outros países soam a irrisórios, mas que devem merecer a
nossa especial atenção atendendo ao nosso bem-estar e ao “santo” turismo que
nos sustenta. Este montante de restaurantes encerrados e multados tem muito a
ver com a ausência de qualidade nos serviços prestados, lacuna intimamente
ligada à inexistência de formação específica de muita gente ligada à
restauração. É sabido que quem não é trabalhador qualificado ou vai para
segurança ou arranja emprego num restaurante e, caso venha ser bem
bem-sucedido, poderão dar-lhe sociedade e vir a ser patrão (exemplos não
faltam). Fará algum sentido em termos higiénicos e de saúde pública remeter
para o grosso desta gente a aceitação ou não cães nos seus estabelecimentos?
Exceptuando a ignorância
que por aí grassa, muitos dos atropelos cometidos contra a segurança alimentar
não provêm da ganância e do desrespeito pela saúde dos clientes? Quem mais
depressa deixará entrar os cães: os restaurantes mais renomados e concorridos
que os dispensam ou aqueles de qualidade menos recomendável e de escassa
clientela? E depois, será lícito forçar quem não gosta de animais a comer na
sua companhia? Com que à vontade irão os cinófobos comer a restaurantes com
esta abertura? E isto para já não se falar da exiguidade de alguns restaurantes
em zonas históricas muito procuradas, onde os animais, à falta de melhor,
teriam de se apinhar entre presuntos e ananases, fazer do fundo das cadeiras
covis ou “pôr-se a pau” com as brasas caídas dos assadores de sardinhas.
Diante deste panorama
melhor seria fazer restaurantes para cães e gatos, do tipo “Pet Friend
Restaurant”, onde os seus donos poderiam comer agradavelmente na sua companhia
e confraternizar com outras pessoas de igual sensibilidade, que transformar os
existentes em solários para animais. A meu ver, a proposta do deputado do PAN,
para além de populista e de se prestar à caça ao voto, é um atentado à saúde
pública e um entrave para o turismo de qualidade que merecemos e procuramos
ter.
Alvitrando-se a hipótese
da livre entrada de todos os cães em restaurantes (hoje vamos deixar os gatos
de parte, porque a salgalhada com os cães ainda seria maior), duas condições
deveriam ser garantidas à partida considerando a necessária coabitação
harmoniosa entre pessoas e animais nestes locais sociais: a higiene e o bom
comportamento dos cães, já que seria uma insanidade de todo o tamanho permitir
que lá entrassem doentes, sujos,
barulhentos, irrequietos e atiçados, panorama que pode ser observado com
propriedade nas salas de espera das clínicas veterinárias, nas esplanadas dos
cafés e nos espaços públicos destinados aos cães, que em tudo lembram os
mal-amados “tentaderos”.
Quem decide e legisla, a
menos que tenha experiência vivida, dificilmente imaginará como se limpa um cão
e os cuidados que exige para estar ao nosso lado debaixo do mesmo teto,
considerando o bem-estar e saúde mútuos. Também ignorará que a maioria dos cães
acantonados no aconchego dos lares raramente é limpa e por consequência anda
ordinariamente carregada de porcaria, porque não é escovada nem higienizada
diariamente como é exigível, sendo eventualmente objecto de maior cuidado e
tosquia nas ocasiões da muda do pêlo. E como se isso só por si não bastasse,
não são poucos os cães que se vêem privados das indispensáveis desparasitações,
ainda que possam ter em dia as vacinas obrigatórias. Cães assim deverão entrar
nos restaurantes, não se constituirão num sério perigo para a saúde pública?
Necessitará o “Cozido à
Portuguesa” de ser temperado com pêlos de cão ou os novelos de pêlo deixados
por vários cães após cada uma das refeições prestar-se-ão para apanhar moscas?
Certamente que o contágio por “Echinococcus granulosus” nestas circunstâncias
aumentará exponencialmente e que a ocorrência de quistos hidáticos será maior,
particularmente entre as crianças que invariavelmente acabam lambidas pelos
cães, tanto por se porem a geito como pela curiosidade que lhes suscitam. Uma
mãe ou um pai responsável não farão tudo para afastar os seus bebés da boca
de cães desconhecidos? Entrarão com facilidade num restaurante aqui e ali
adornado por cães? Na existência doutra hipótese talvez, doutro modo não e com
toda a razão! Condenam-se os chineses por comerem cães (eu também), mas
deveremos deixar-nos consumir pelas suas doenças?
Face ao bem-estar de
pessoas e animais, todos os cães deveriam ser acompanhados de um boletim de
sanidade para poderem permanecer nos recintos públicos e vir a entrar nos
restaurantes, coisa que hoje não acontece e boletim de sanidade que foi também
dispensado aos empregados da restauração, cujo controlo sanitário passou a ser
feito, mal ou bem, pela medicina no trabalho, de acordo com o artigo 3º da
Portaria n.º 77/2012, de 10 de Julho que veio revogar a Portaria n.º 74/88, de
18 de Outubro e proceder à abolição do Boletim de Sanidade. Acontece que a
maioria dos cãezinhos só vê o veterinário uma vez por ano, por alturas da
vacinação anti-rábica que possibilita o seu licenciamento, o que é muito pouco
para um animal que se pretende em contacto permanente com o público. E nem
sequer falei da “Escabiose Sarcóptica”
(tipo de sarna) que se sabe hoje ser zoonótica.
Pondo de parte as questões
relacionadas com a saúde, aqui tratadas de modo superficial para evitar maiores
nojos e alarmes, consentir na presença indistinta e generalizada de cães em
restaurantes irá exigir dos animais um comportamento irrepreensível, porque
doutro modo, por falta do sossego que torna agradáveis as refeições e que apraz
ao apetite, todos teremos que comer apressados, ter o pé ligeiro, agarrar-nos às cadeiras e olhar pelo nosso bocado.
Neste momento, exceptuando
os cães indexados à lista dos cães perigosos, os de serviço e os destinados ao
desporto, que são uma minoria, raros são aqueles que frequentam alguma escola
que lhes garanta um comportamento social satisfatório nos locais públicos,
socorro pedagógico amplamente substituído pela actual prática da castração, que
não garante só por si um comportamento adequado e que mais tem afastado os
donos das suas obrigações. O que acabámos de dizer aponta para uma lacuna grave
presente nos cães de muitos portugueses: a tripla ausência de sociabilização
que a lei exige e que aponta para a sociabilização entre iguais, com outros
animais e pessoas, condição indispensável para que os cães possam amanhã entrar
nos restaurantes dentro da maior ordem e sem qualquer ocorrência desagradável.
Podem os parlamentares em
São Bento legislar o que quiserem e estabelecer as coimas mais duras acerca dos
cães nos restaurantes que sempre haverá abusos, porque também determinaram que
todos os cães deverão circular à trela na via pública e a maioria deles anda
por aí à solta. Há muito que sabemos quão inválida é a disciplina diante da
afeição, facto que induz ao incumprimento dos donos e à anuência dos polícias,
que sendo também donos são afectados pelo mesmo incómodo, agindo unicamente
quando forçados.
As crianças educam-se em
casa para saírem à rua, os cães também. Apesar dos cães serem cada vez mais
tratados como crianças, raramente são objecto de educação, sendo ao invés
adorados, tolerados os seus arrufos e satisfeitos todos os seus desejos,
tornando-se por isso impertinentes, maçadores, teimosos e persistentes,
difíceis de satisfazer e prepotentes, “predicados” que socialmente nada abonam
a seu favor e que só dificultam a sua presença nos lugares de mútua
convivência, porque acostumados ao que lhes dá na gana, não obedecem a reparos
e não aceitam correcções, o que torna utópica neste momento a sua presença em
restaurantes sob estas condições.
Torna-se evidente que para
além de um “atestado de saúde” irão também precisar de algo tangente ao COB
(Certificado de Obediência Básica), dum certificado que lhes permita e nos
garanta que podem estar entre nós e em recintos que não os deles, condições que
a maioria dos cães actuais não tem e que minimizariam substancialmente os
riscos para a nossa saúde e os seus desacertos nos restaurantes e restantes
lugares sociais. Mas mesmo que todos eles tivessem ou viessem a ter um
comportamento exemplar, ainda ficava por resolver a convivência forçada com
quem dispensa a sua companhia, que jamais verá com bons olhos uma coabitação destas,
nem que seja por breves instantes. Por tudo isto e por outras razões que não
adiantei para não me delongar, sou contra a presença de cães nos restaurantes e
acho estranho que alguns cães comam em casa frango com quinoa e grãos de trigo
provenientes das pirâmides, como já acontece por esse mundo fora,
quando há tanta criança a morrer à fome perante a indiferença generalizada.
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