Sempre ouvi dizer aos
criadores de Pastores Alemães de linha estética que para os seus congéneres de
trabalho qualquer cão serve e alguns dos actuais enchem-nos de razão, mercê da
bastardia operada, tanto a intencional como a resultante da ignorância, que
mais ninhada menos ninhada, sempre acabarão surpresos e denunciados pela
estranheza de alguns cachorros, animais que terão de “despachar pela porta do
cavalo” para não serem vistos.
No actual panorama
internacional têm sido as companhias cinotécnicas militares e policiais as
primeiras a enveredar por este torpe caminho, opção que começa por ser
económica, baseia-se na procura da operacionalidade e que desconsidera tanto a
proveniência como a ascendência dos indivíduos, não sendo por isso de estranhar
que o grosso das suas fileiras provenha de cães de abrigo, doados e apreendidos,
mais mestiços que cães de raça definida.
A procura do super-soldado
canino, que germinou na I Guerra Mundial, estendeu-se à Segunda e que foi até à
queda da União Soviética, pegou de estaca neste novo Milénio e ganha corpo no
Ocidente pela mistura das distintas raças alemãs, belgas, britânicas e
holandesas, não faltando por aí Pastores Alemães descendentes de Malinois e
vice-versa, Rottweilers com ascendência em Pastor Alemão e o diabo a cetra. Com
o mundo fraccionado por 3 potências: China, Estados Unidos e Rússia, ainda não
vai ser desta que os cães se livrarão da guerra e de arreganhar o dente.
Relançando o tema “cães de
beleza e de trabalho”, importa dizer que os últimos encontram a sua razão de
ser num maior impulso ao conhecimento e numa melhor biomecânica relativamente
aos primeiros. E, se assim não for, não passarão de desprezíveis exemplares da
sua raça, inclusive de menor préstimo que os seus congéneres de passerelle! Ao
invés, se um cão de beleza apresenta as duas mais-valias atrás mencionadas, ele
é também de trabalho, muito embora tal seja raro, mas não tão raro como ver uma
vaca a voar!
O que primeiro levou à desnecessária
e fatídica separação destas linhas no CPA foi o desprezo sucessivo e
progressivo pelas diferentes variedades cromáticas recessivas, que teve como
péssima consequência o aumento da consanguinidade e da endogamia até aos nossos
dias. Curiosamente este desprezo aconteceu mais na Europa que na América do
Norte, de modo mais incisivo depois da II Guerra Mundial, ocasião em que a
procura de cães militares diminuiu drasticamente e o número de criadores civis
aumentou.
A somar à menor saúde e
bem-estar dos Pastores Alemães, fragilidades provocadas pela endogamia e
excessiva consanguinidade a que se viram votados, veio juntar-se o exagero
estético solicitado pelos “shows de conformação”, exagero
este que acabou por atentar contra o propósito que presidiu à formação da raça:
o trabalho, já que a actual conformação escaveirada e escaqueirada, visível nas
exposições de beleza, obsta à função e é de pouco ou nenhum préstimo.
A “guerra” interna das
linhas no CPA, que nalguns casos levou ao extremar de posições, tem oposto os
defensores de uma maior tipificação morfológica da raça aos que não dispensam a
sua operacionalidade nos diferentes trabalhos onde sempre se destacou, o que
contrapõe dois objectivos: o estético e o prático ou se quisermos, a novidade
morfológica à história. Uns e outros abominam a bastardia, porque entendem a
raça como única e não a imaginam salpicada de atributos que nunca lhe fizeram
falta nenhuma.
A mais do que justificada
dominância da variedade preto-afogueada não pode dispensar, hoje e no futuro, o
contributo das variedades cromáticas recessivas que a erigiram dos pontos de
vista físico, psicológico e cognitivo, porquanto corre o risco de gradualmente
se descaracterizar e perder qualidade, conforme já hoje podemos observar.
A quase extinção das
variedades cromáticas recessivas, conservadas por teimosia e quase por milagre
em algumas linhas laborais, tem contribuído para a sua procura um pouco por
todo o lado e a preços muito acima dos atribuídos às variedades preto-afogueada
e lobeira, o que tem atraído para a sua criação alguns soldados da fortuna,
gente que muitas vezes usa e não distingue um CPA de um cruzado de CPA,
vendendo mestiços por puros unicamente por causa da cor.
Independentemente da sua
cor, todos os Pastores Alemães possuem idênticas características descritas no
seu estalão, pelo que se aconselha aos que pretendem adquirir exemplares de
variedades recessivas menos comuns (vermelha, fígado e azul)
que se façam acompanhar de alguém que seja uma autoridade na matéria, um profundo
conhecedor da raça, da sua história e genética, porque doutro modo poderão vir
a ser vítimas do “conto do vigário”.
Reafirma-se uma vez mais
que o Pastor Alemão não necessita da hibridação para sobreviver como raça e como cão
de trabalho, que nele nenhuma cor é melhor do que outra e que o recurso a
multivariedade cromática é uma solução ainda viável para a superação dos
problemas que afectam este excelente e dedicado cão.
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