terça-feira, 21 de novembro de 2017

NEM TANTO AO MAR, NEM TANTO À TERRA

Sempre ouvi dizer aos criadores de Pastores Alemães de linha estética que para os seus congéneres de trabalho qualquer cão serve e alguns dos actuais enchem-nos de razão, mercê da bastardia operada, tanto a intencional como a resultante da ignorância, que mais ninhada menos ninhada, sempre acabarão surpresos e denunciados pela estranheza de alguns cachorros, animais que terão de “despachar pela porta do cavalo” para não serem vistos.
No actual panorama internacional têm sido as companhias cinotécnicas militares e policiais as primeiras a enveredar por este torpe caminho, opção que começa por ser económica, baseia-se na procura da operacionalidade e que desconsidera tanto a proveniência como a ascendência dos indivíduos, não sendo por isso de estranhar que o grosso das suas fileiras provenha de cães de abrigo, doados e apreendidos, mais mestiços que cães de raça definida.
A procura do super-soldado canino, que germinou na I Guerra Mundial, estendeu-se à Segunda e que foi até à queda da União Soviética, pegou de estaca neste novo Milénio e ganha corpo no Ocidente pela mistura das distintas raças alemãs, belgas, britânicas e holandesas, não faltando por aí Pastores Alemães descendentes de Malinois e vice-versa, Rottweilers com ascendência em Pastor Alemão e o diabo a cetra. Com o mundo fraccionado por 3 potências: China, Estados Unidos e Rússia, ainda não vai ser desta que os cães se livrarão da guerra e de arreganhar o dente.
Relançando o tema “cães de beleza e de trabalho”, importa dizer que os últimos encontram a sua razão de ser num maior impulso ao conhecimento e numa melhor biomecânica relativamente aos primeiros. E, se assim não for, não passarão de desprezíveis exemplares da sua raça, inclusive de menor préstimo que os seus congéneres de passerelle! Ao invés, se um cão de beleza apresenta as duas mais-valias atrás mencionadas, ele é também de trabalho, muito embora tal seja raro, mas não tão raro como ver uma vaca a voar!
O que primeiro levou à desnecessária e fatídica separação destas linhas no CPA foi o desprezo sucessivo e progressivo pelas diferentes variedades cromáticas recessivas, que teve como péssima consequência o aumento da consanguinidade e da endogamia até aos nossos dias. Curiosamente este desprezo aconteceu mais na Europa que na América do Norte, de modo mais incisivo depois da II Guerra Mundial, ocasião em que a procura de cães militares diminuiu drasticamente e o número de criadores civis aumentou.
A somar à menor saúde e bem-estar dos Pastores Alemães, fragilidades provocadas pela endogamia e excessiva consanguinidade a que se viram votados, veio juntar-se o exagero estético solicitado pelos “shows de conformação”, exagero este que acabou por atentar contra o propósito que presidiu à formação da raça: o trabalho, já que a actual conformação escaveirada e escaqueirada, visível nas exposições de beleza, obsta à função e é de pouco ou nenhum préstimo.
A “guerra” interna das linhas no CPA, que nalguns casos levou ao extremar de posições, tem oposto os defensores de uma maior tipificação morfológica da raça aos que não dispensam a sua operacionalidade nos diferentes trabalhos onde sempre se destacou, o que contrapõe dois objectivos: o estético e o prático ou se quisermos, a novidade morfológica à história. Uns e outros abominam a bastardia, porque entendem a raça como única e não a imaginam salpicada de atributos que nunca lhe fizeram falta nenhuma.
A mais do que justificada dominância da variedade preto-afogueada não pode dispensar, hoje e no futuro, o contributo das variedades cromáticas recessivas que a erigiram dos pontos de vista físico, psicológico e cognitivo, porquanto corre o risco de gradualmente se descaracterizar e perder qualidade, conforme já hoje podemos observar.
A quase extinção das variedades cromáticas recessivas, conservadas por teimosia e quase por milagre em algumas linhas laborais, tem contribuído para a sua procura um pouco por todo o lado e a preços muito acima dos atribuídos às variedades preto-afogueada e lobeira, o que tem atraído para a sua criação alguns soldados da fortuna, gente que muitas vezes usa e não distingue um CPA de um cruzado de CPA, vendendo mestiços por puros unicamente por causa da cor.
Independentemente da sua cor, todos os Pastores Alemães possuem idênticas características descritas no seu estalão, pelo que se aconselha aos que pretendem adquirir exemplares de variedades recessivas menos comuns (vermelha, fígado e azul) que se façam acompanhar de alguém que seja uma autoridade na matéria, um profundo conhecedor da raça, da sua história e genética, porque doutro modo poderão vir a ser vítimas do “conto do vigário”.
Reafirma-se uma vez mais que o Pastor Alemão não necessita da hibridação para sobreviver como raça e como cão de trabalho, que nele nenhuma cor é melhor do que outra e que o recurso a multivariedade cromática é uma solução ainda viável para a superação dos problemas que afectam este excelente e dedicado cão.  

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