Em matéria de pompa e
circunstância não há quem bata os ingleses (é possível que os alemães não lhe
fiquem muito atrás), porque dão ao que fazem um carácter solene, unitário, atemporal
e único, sendo muito admirados por isso, contrariamente a alguns latinos cujas
solenidades tendem a descambar na maledicência, no bronco e na chacota, quiçá
por serem menos unidos, mais dados ao improviso, sedentos doutras paixões e
mais independentes, plebe que permanece “a pé firme” mas que tem o coração
noutro lugar e que sempre espera ver se “o rei vai nu”. Mas não é de pompa e circunstância
que vamos tratar, mas das circunstâncias que têm levado alguns britânicos a ser
toureiros à força, mais precisamente aqueles incautos proprietários caninos,
que junto com os seus cães, invadem os campos ingleses e os prados onde o gado
se encontra solto e não gosta de ser incomodado, particular que ignoram por
força do seu viver citadino.
Segundo uma recente
investigação levada a cabo e divulgada pela Universidade de Liverpool, 2/3 dos
ataques a pessoas pelo gado deve-se ao seu acompanhamento por cães,
particularmente quando as vacas têm bezerros e se encontram a amamentá-los, que
entendendo os cães como predadores e potenciais inimigos das suas crias,
investem sobre eles, acabando muitas vezes por colher também os seus
proprietários na confusão das suas investidas. E como ali, em Inglaterra,
ninguém brinca com coisas sérias, a dita faculdade pretende, ao revelar este
estudo e projecto, avaliar os detalhes das interacções negativas entre o
público e o gado, identificar quais os factores risco para a ocorrência de
ataques bovinos e adiantar procedimentos para que sejam evitados. Como
consequência, os proprietários caninos são agora alertados para o perigo de
levarem os seus cães para o meio do gado, uma vez que entre 1993 e 2013 aconteceram
no Reino Unido 54 ataques bovinos envolvendo cães.
Para mim, que nasci no
campo e com os animais ao lado, o presente estudo não constitui qualquer
novidade, mas é de extrema importância para aqueles que não tiveram essa
felicidade e que julgam que as vaquinhas são mansinhas, que só marram em quem
lhes faz mal e que não defendem as suas crias. O facto de eu possuir um cão
próprio para o pastoreio não garante que qualquer boi ou vaca o aceite como
tal, particularmente quando estranho àquele gado (o mais natural é que acabe
vítima dos seus ataques). Ainda que o meu cão esteja sociabilizado com todo o tipo
de animais, isso não significa que todos os animais se sociabilizem fácil e
automaticamente com ele, porque a mútua sociabilização interespécies carece de
regras e de tempo.
Transportando o assunto
para a nossa realidade e conhecendo o gado que normalmente aqui encontramos
solto e a céu aberto, cujo número é bastante diminuto, por razões ligadas à
pobreza dos solos e ao reduzido tamanho das propriedades destinadas à pecuária,
só no Ribatejo e Alentejo encontraremos maior quantidade de gado à solta. A
fama dos toiros no Ribatejo tende a afastar aventureiros e medrosos, porque
nunca se sabe que gado andará pelas lezírias, apesar de haver gado bravo por
outras paragens. No Alentejo com maior facilidade se verá toda a sorte de gado
à solta, nomeadamente de raça Alentejana, Limousin e Mertolengo, cujas vacas
são ariscas e não hesitam em varrer à cornada quem se aproximar dos seus
bezerros antes do desmame (fica o aviso).
Visando a sua salvaguarda,
a do seu cão e a do próprio gado, não o solte dentro de áreas destinadas à
exploração pecuária, a menos que queira fazer dele um “forcado da cara” e
transformar-se a si mesmo num toureiro de circunstância, em tudo igual aos
colhidos e improvisados “matadores” britânicos.
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