quinta-feira, 14 de abril de 2016

FIZEMO-LOS TÃO DIFERENTES QUE NÃO SE ENTENDEM

Quem passa a vida a sociabilizar cães entre si, sabe que nalguns casos não é tarefa fácil, particularmente machos adultos de grupos somáticos diferentes, cujo mimetismo sendo também diferente, suscita picardias por incompreensão dos díspares estados emocionais que desperta, erradamente entendidos por uns e por outros como provocatórios, o que alvitra a existência duma possível relação entre o mimetismo dos diversos cães e o seu processo de sociabilização, que será mais fácil ou difícil de acordo com a mútua interpretação das suas expressões mímicas, quando aceites ou rejeitadas, já que brincam uns com os outros imitando posturas por contágio emocional, o que espelha a genuína sociabilização, que jamais deverá ser confundida com a tolerância e a indiferença que muitos cães alcançam por via da obediência. Assim, cães que não conseguem brincar uns com os outros, jamais estarão verdadeiramente sociabilizados, ainda que trabalhem em conjunto, escalonamento que fica a dever-se à acção da liderança e não à empatia entre eles. Contudo, ainda que as brincadeiras entre cães sejam um indício inequívoco da sua sociabilização, não podemos consentir que se sirvam delas para propósitos que possam vir a comprometê-la, pelo que devem ser desenvolvidas debaixo da arbitragem dos donos, uma vez que todos os jogos carecem de regras e limites.
Como se depreende, ao contrário do que nos é dito por muitos, que a vendem a metro, a verdadeira sociabilização canina raramente se alcança, porque não é absoluta (que o diga o ingénuo do César Millan, agora a responder por maus tratos animais), carece de aprimoramento e reciclagem, necessita de passar a rotina (é um processo continuado) e não dura para sempre, condicionalismos ligados à própria natureza dos cães, que sendo predadores inatos e competitivos, carregam instintos e impulsos, também ligados à diferença de género, que os diferem como indivíduos levando-os à rivalidade, nem que seja pela atenção dos donos. Comummente confunde-se sociabilização com a cativação à liderança e com carácter imperativo das suas ordens, o que é falso, porque esses animais dificilmente se agradarão de brincar com outros cães ou de participar das suas brincadeiras, por se encontrarem completamente submissos aos propósitos dos seus proprietários. A somar a isto, como produzimos cães para diferentes fins, potenciamos em cada uma das raças diferentes instintos e impulsos, tornando-as mais ou menos predadoras, mais fratricidas ou fraternais, o que torna mais fácil a sociabilização dos rafeiros entre si, independentemente se se encontrarem castrados ou não, que são castrados para evitar a sua proliferação e não por aspectos ligados a qualquer dificuldade no seu processo de sociabilização.
Os filhos da selecção natural (os rafeiros, “vira-lata” no Brasil) possuem um mimetismo de fácil entendimento para os seus congéneres de raça, não se constituindo aos seus olhos numa ameaça, sendo por isso normalmente melhor aceites, também por serem menos agressivos, desconsiderarem o racismo e constituírem com maior facilidade matilhas espontâneas. O recurso a um rafeiro no processo de sociabilização de um ou mais cães “puros” tem-se revelado uma excelente estratégia, o que torna bem-vindos aos centros de treino caninos, atendendo a essa mais-valia, os cães que são tudo em geral e nada em particular. Sociabilizar cães dentro do mesmo grupo somático é mais fácil do que sociabilizar indivíduos de grupos somáticos díspares pela analogia do seu mimetismo e reacções, que facilitarão a imitação do comportamento desejado. Se eu sou proprietário de Husky instintivo e desnorteado e pretendo adquirir um segundo cão que me ajude a recuperá-lo, a melhor opção passará pela aquisição de um Pastor Alemão, preferencialmente de sexo diferente, que pertencendo ao mesmo grupo somático e tendo um mimetismo próximo ao encontrado no cão siberiano, melhor nos auxiliará na sua recuperação. Alcançaríamos um resultado totalmente inverso, caso nos valêssemos de um molosso grave, sério e pouco dado a explosões, que sem paciência e com o tempo, acabaria por se antagonizar com o Husky (aqui, como em tudo, existem excepções que confirmam a regra).
As diferenças morfológicas presentes nas actuais raças caninas, para além de resultarem em diferentes apresentações, comportamentos e rituais, modos diversos de abordagem, de defesa e de ataque, produto das diversas selecções que sustentam a multi-variedade somática existente, tendem a agravar-se com a idade por serem de difícil compreensão, aceitação, assimilação e imitação por todos. Por estas razões, sempre será mais fácil sociabilizar um cachorro com um cão adulto doutra raça, mesmo de mimetismo e comportamento contrastante ou antagónico ao seu, graças ao concurso da familiarização. E nisto, tanto a disciplina de obediência como as aulas colectivas têm uma importante palavra a dizer, porque os cães são seres sociais, vivem em constante observação, tendem a imitar-se e a constituir-se em matilha, o que torna ambas num subsídio seguro para a mútua compreensão e aceitação, mediante a aquisição de posturas e comportamentos comuns por força de idêntico condicionamento. Por causa disso, também por seguirmos o método da precocidade e termos sempre em pista Pastores Alemães, os Labradores (para além de outros) que treinaram e cresceram com eles, julgando-se idênticos, acabaram por ter a mesma prestação nas áreas relativas à defesa e segurança de pessoas e bens.
Para quem deseja estar informado e alargar horizontes, aconselhamos a leitura do estudo levado a cabo pela Universidade de Pisa/Itália, divulgado em Dezembro do ano transacto na Internet, dedicado ao ”rápido mimetismo e contágio emocional em cães domésticos”, que teve como pesquisadora-chefe a Dr.ª Elisabetta Palagi, especialista em antropologia biológica, biologia evolutiva e neurociência. Sociabilizar cães é ensiná-los a amar-se uns aos outros depois de os termos constituídos em inimigos, um ofício nobre e urgente – uma ocasião para a paz. 

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