segunda-feira, 18 de abril de 2016

QUANTOS CÃES VÃO PARA REEDUCAÇÃO NO LUGAR DOS DONOS?

Nunca tantos cães foram enviados para a reeducação e nunca tantos têm sido “reeducados”! Será caso para darmos os parabéns aos nossos adestradores pelo seu saber e sucesso ou os pêsames aos donos por serem impróprios, desleixados e ignorantes? Como temos alguma experiência nesta matéria e somos conhecedores das razões que levam os donos a procurar este serviço extraordinário, inclinamo-nos decididamente para a segunda opção, muito do agrado dos adestradores, que se fazem entendidos e vêem assim um dinheirinho extra que tanta falta lhes faz, havendo inclusive alguns que nada fazem e que recebem como se muito tivessem feito.
E como importa denunciar e desambiguar esta situação, há que dizer primeiro o que é a reeducação e a quem se destina, para que não se estenda a quem não deve e não se confunda um vulgar aprendiz de sapateiro rabecão com um reeducador canino. A reeducação canina é um processo pedagógico, mais ou menos demorado, que visa a reinserção social dos cães no seu grupo e na sociedade, sendo própria para os cães manifestamente agressivos e para aqueles cujo medo atenta contra o seu bem-estar, impedindo-os de se relacionarem satisfatoriamente com os seus donos e demais cidadãos, de quem normalmente fogem tal qual “bicho-do-mato” ou reagem de modo impróprio. Enquanto processo de descodificação, ela destina-se também aos cães que forem objecto de induções atentatórias, propositais, forçadas ou negligenciadas, contra os direitos universais de cidadania ou contra um grupo em particular, que ao tornarem-se incontroláveis pelos donos, carecem de ser reeducados por uma terceira pessoa – um profissional. Assim sendo, a primeira tarefa da reeducação é descobrir se o comportamento a alterar ou a transformar é de origem genética, ambiental ou resultou do seu somatório. Este processo pedagógico extraordinário, apesar de estar sujeito a algumas confrontações e retrocessos, assenta maioritariamente sobre dois pilares: persuasão e recompensa (regra e prémio).
Ora, a maioria dos cães actualmente recambiados para a reeducação não obedece a estas condições nem manifesta em pleno os comportamentos que a reclamam, mas são-lhes sujeitos pela inexistência de qualquer tipo de treino anterior por ausência de disponibilidade ou vontade dos donos, que em determinado momento mudam de opinião e querem ver os seus cães educados, não hesitando em pagar avultadas quantias para verem satisfeito o seu desejo, porque o ensino dum cão em regime interno operado por terceiros é em média 30 vezes mais caro que o ensino convencional feito pelo dono, opção muito do agrado para quem ensina por esperar avidamente clientes destes – donos papalvos e cães soft, já que com meia dúzia de lambidelas acertam os cães, fazem render o peixe, deixam-nos esquecidos nos canis, fazem-se pagar bem e ainda por cima são tratadores como encantadores, magos de dons pouco vistos. Diante deste panorama quem deveria ser reeducado?
A lei relativa aos cães perigosos têm-se constituído numa excelente oportunidade para gente pouco escrupulosa, que abusando dela, intencionalmente dramatiza comportamentos caninos que nada têm de perigoso, marginal ou extraordinário, desejando com isso sacar proventos. Mas ainda há quem faça pior, que ao invés de reeducar os cães, porque os donos carecem de um papel que prove a sua reeducação, acabe por passá-lo a troco de alguns milhares de euros sem nunca ter visto os animais, irresponsabilidade que a breve trecho poderá reverter-se num tremendo disparate e causar vítimas.
Conclui-se assim que o medo advindo da ignorância é o primeiro recrutador para a reeducação canina, seguido do comodismo dos donos que leva ao desleixo pelos animais, que não querendo ser incomodados, deixam para mais tarde ou desprezam em absoluto a sua educação. Contrariando o Padre Américo, que dizia não haver rapazes maus, existem cães problemáticos e até maus, mesmo sem serem instigados ou levados a isso, carga genética que pode isentar os donos mas que não desculpa os seus criadores. Ainda que a maioria das pessoas não seja cinófoba, grande parte dela teme os cães rotulados de perigosos, por desconhecimento da realidade canina e influenciada pelo que lê, ouve e vê nos noticiários, casos esporádicos que passam vezes sem conta ao longo do dia, por norma mais panfletários do que rigorosos, o que torna a saga do cão perigoso sucedânea à do Lobo-Mau, porque todos temos medo e por ele todos nos mantemos vivos. Torna-se urgente reeducar os donos, despertá-los para a realidade canina, para a diversidade do seu comportamento e para o que exigem, porque doutro modo jamais conseguiremos travar o seu holocausto, que como qualquer outro, é farto em vítimas inocentes. Para descansar os mais temerosos, adiantamos que o número dos cães verdadeiramente perigosos não chegou a 1% do total dos cães que ensinámos e que actualmente a sua ocorrência é substancialmente menor, apesar da ignorância dos seus proprietários crescer assustadoramente. Não há outro caminho: há que reeducar quanto antes os donos!

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