Nunca tantos cães foram
enviados para a reeducação e nunca tantos têm sido “reeducados”! Será caso para
darmos os parabéns aos nossos adestradores pelo seu saber e sucesso ou os
pêsames aos donos por serem impróprios, desleixados e ignorantes? Como temos
alguma experiência nesta matéria e somos conhecedores das razões que levam os
donos a procurar este serviço extraordinário, inclinamo-nos decididamente para
a segunda opção, muito do agrado dos adestradores, que se fazem entendidos e
vêem assim um dinheirinho extra que tanta falta lhes faz, havendo inclusive
alguns que nada fazem e que recebem como se muito tivessem feito.
E como importa denunciar e
desambiguar esta situação, há que dizer primeiro o que é a reeducação e a quem
se destina, para que não se estenda a quem não deve e não se confunda um vulgar
aprendiz de sapateiro rabecão com um reeducador canino. A reeducação canina é
um processo pedagógico, mais ou menos demorado, que visa a reinserção social
dos cães no seu grupo e na sociedade, sendo própria para os cães manifestamente
agressivos e para aqueles cujo medo atenta contra o seu bem-estar, impedindo-os
de se relacionarem satisfatoriamente com os seus donos e demais cidadãos, de
quem normalmente fogem tal qual “bicho-do-mato” ou reagem de modo impróprio.
Enquanto processo de descodificação, ela destina-se também aos cães que forem
objecto de induções atentatórias, propositais, forçadas ou negligenciadas,
contra os direitos universais de cidadania ou contra um grupo em particular,
que ao tornarem-se incontroláveis pelos donos, carecem de ser reeducados por
uma terceira pessoa – um profissional. Assim sendo, a primeira tarefa da
reeducação é descobrir se o comportamento a alterar ou a transformar é de
origem genética, ambiental ou resultou do seu somatório. Este processo
pedagógico extraordinário, apesar de estar sujeito a algumas confrontações e
retrocessos, assenta maioritariamente sobre dois pilares: persuasão e
recompensa (regra e prémio).
Ora, a maioria dos cães
actualmente recambiados para a reeducação não obedece a estas condições nem manifesta
em pleno os comportamentos que a reclamam, mas são-lhes sujeitos pela
inexistência de qualquer tipo de treino anterior por ausência de disponibilidade
ou vontade dos donos, que em determinado momento mudam de opinião e querem ver
os seus cães educados, não hesitando em pagar avultadas quantias para verem
satisfeito o seu desejo, porque o ensino dum cão em regime interno operado por
terceiros é em média 30 vezes mais caro que o ensino convencional feito pelo
dono, opção muito do agrado para quem ensina por esperar avidamente clientes
destes – donos papalvos e cães soft, já que com meia dúzia de lambidelas
acertam os cães, fazem render o peixe, deixam-nos esquecidos nos canis,
fazem-se pagar bem e ainda por cima são tratadores como encantadores, magos de
dons pouco vistos. Diante deste panorama quem deveria ser reeducado?
A lei relativa aos cães
perigosos têm-se constituído numa excelente oportunidade para gente pouco
escrupulosa, que abusando dela, intencionalmente dramatiza comportamentos
caninos que nada têm de perigoso, marginal ou extraordinário, desejando com
isso sacar proventos. Mas ainda há quem faça pior, que ao invés de reeducar os
cães, porque os donos carecem de um papel que prove a sua reeducação, acabe por
passá-lo a troco de alguns milhares de euros sem nunca ter visto os animais, irresponsabilidade
que a breve trecho poderá reverter-se num tremendo disparate e causar vítimas.
Conclui-se assim que o
medo advindo da ignorância é o primeiro recrutador para a reeducação canina,
seguido do comodismo dos donos que leva ao desleixo pelos animais, que não querendo
ser incomodados, deixam para mais tarde ou desprezam em absoluto a sua educação.
Contrariando o Padre Américo, que dizia não haver rapazes maus, existem cães
problemáticos e até maus, mesmo sem serem instigados ou levados a isso, carga
genética que pode isentar os donos mas que não desculpa os seus criadores.
Ainda que a maioria das pessoas não seja cinófoba, grande parte dela teme os
cães rotulados de perigosos, por desconhecimento da realidade canina e
influenciada pelo que lê, ouve e vê nos noticiários, casos esporádicos que
passam vezes sem conta ao longo do dia, por norma mais panfletários do que
rigorosos, o que torna a saga do cão perigoso sucedânea à do Lobo-Mau, porque
todos temos medo e por ele todos nos mantemos vivos. Torna-se urgente reeducar
os donos, despertá-los para a realidade canina, para a diversidade do seu
comportamento e para o que exigem, porque doutro modo jamais conseguiremos
travar o seu holocausto, que como qualquer outro, é farto em vítimas inocentes.
Para descansar os mais temerosos, adiantamos que o número dos cães
verdadeiramente perigosos não chegou a 1% do total dos cães que ensinámos e que
actualmente a sua ocorrência é substancialmente menor, apesar da ignorância dos
seus proprietários crescer assustadoramente. Não há outro caminho: há que
reeducar quanto antes os donos!
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