Não vamos aqui
falar da canção romântica “Só Nós Dois” da autoria de Joaquim Pimentel que Tony
de Matos e Francisco José imortalizaram, dando-lhe o primeiro uma interpretação
mais sofrida e o segundo outra mais lânguida, mas duma popular reacção espontânea
sobre os cães alheios que dá corpo às duas primeiras estrofes do segundo verso desta
canção: “Anda abraça-me e beija-me… encosta o teu peito ao meu”, reacção que
nunca nos agradou suportar, apesar das boas intenções dos cinófilos que
connosco se cruzam, gente de todas as idades, sem dúvida sensível e simpática
mas que, no calor da sua paixão, não imagina o dolo que pode causar aos cães
dos outros, porquanto são-lhes desconhecidos e forçam-nos à submissão,
atentando duma só vez contra o sentimento territorial canino, contra o seu
escalonamento social, contra a exigível fixação exclusiva na pessoa do dono,
que é o seu proprietário e primeiro responsável, abusos que poderão colocar em
risco a salvaguarda das pessoas e dos próprios animais. Fernando Pessoa dizia,
no seu poema “Liberdade” que o melhor do mundo são as crianças, parecer do qual
não discordo mas que julgo incompleto, por ser também grande apreciador do
género feminino e caso pudesse “fabricar” um deus, certamente teria o rosto e o
sentir de uma mulher. Porém, jamais andei e andarei indiscriminadamente a
abraçar na rua e de surpresa as senhoras mais apelativas aos meus olhos. E
ainda bem que não, porque doutro modo não saberia em que estado regressaria a
casa!
Pondo de parte o
humor e para além dos prejuízos causados aos cães acima citados, abraçá-los
pode provocar-lhes ansiedade e stresse, porque se sentem desconfortáveis, tendem
a libertar-se e a pôr-se em fuga, podendo alguns até, por desespero, usar os
dentes, conclusões a que chegou o Prof. Dr. Stanley Coren, que as publicou no “Magazine
Psychology Today”, um psicólogo, pesquisador neuropsicológico e escritor
norte-americano, que se tornou conhecido no mundo da cinotecnia por ser o autor
do livro “A Inteligência dos Cães”. Segundo ele, os cães odeiam ser abraçados,
mesmo pelos donos, chegando a essa conclusão através do estudo e análise de 250
fotografias aleatórias onde os donos abraçavam os seus cães. 82% deles
mostravam sinais inequívocos de ansiedade e stress, visíveis no mimetismo do
seu rosto: orelhas abatidas e coladas à cabeça, olhos com a esclerótica parcialmente
visível ou fechados, língua de fora e cabeça virada para evitar o contacto
ocular.
Diante dos
resultados a que chegou, Stanley Coren aconselha os proprietários caninos a
trocarem os abraços por afagos, palavras amáveis e outros mimos. Depois de
tomarmos conhecimento deste estudo e sabendo o que nos espera na rua, porque
não queremos ser desagradáveis, caso pudéssemos, ao invés de sairmos com um cão
de carne e osso, sairíamos com um insuflável ou a pilhas! Há que educar o povo
e ter paciência, a mesma complacência expressa na frase latina “Pater, ignosce
illis, quia nesciunt quid faciunt” (Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que
fazem).
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