Recolher cães é uma coisa,
reinstalá-los ou levá-los à adopção é outra bem diferente e mais difícil. A
maioria das associações que se dedicam à recolha de cães, por múltiplas razões,
entre elas por ser incapaz de reconhecer o potencial de cada animal e a sua
utilidade, acaba por ficar por tempo indeterminado com grande número deles, o
que quase invalida a sua actividade pela superlotação, por apelar somente à
sensibilidade dos cinófilos, estratégia que nem sempre resulta com os cães menos
apelativos, mais velhos, deficientes e com os portadores de alguma incapacidade,
que dificilmente virão a ser adoptados, ainda que válidos para diferentes
trabalhos e parcerias. Urge que esta gente de grande coração abrace quanto antes
o mundo da cinotecnia, formação que mais a ajudaria na recolocação dos seus
protegidos pela exposição das suas mais-valias, tantas vezes ocultas à primeira
vista.
O caso do “Ruger” é
exemplo disso, um cão negro, de raça indefinida, agressivo e parcialmente cego,
recolhido na Reserva Blackfeet em Montana/USA, catalogado inicialmente como “bad”
(inadaptável), que acabou na Zâmbia (África Austral) a dar caça e a identificar
caçadores furtivos pela “South Luangwa Conservation Society” (sociedade
zambiana responsável pela protecção da vida selvagem), onde até ao momento já
colocou fora de actividade 150 caçadores de elefantes ligados ao tráfico de
marfim, por ser um excelente pisteiro e ter sido aproveitado e adaptado por
Megan Parker, uma veterinária, etóloga e bióloga norte-americana especializada
na marcação de odores e territorialidade caninas, que desde a sua infância se
dedicou à cinotecnia (obediência, busca e salvamento), obrigada a enfrentar o
cepticismo inicial dos guardas africanos e a provar a utilidade do “Ruger”, no
que foi bem-sucedida e os méritos do cão reconhecidos.
Quantos “Rugers” teremos
por cá, ainda que não tenhamos muitas Megan Parker? Como o mundo em que vivemos
é uma aldeia global, um cão de pouco préstimo num lado pode ser de extrema
utilidade noutro. Todos os cães, enquanto indivíduos, carregam diferentes mais-valias
individuais que importa identificar e aproveitar. Quantos cães como o “Ruger”
já abatemos? Os mesmos que a nossa ignorância permitiu! Resta dizer que a Dr.ª
Megan reeducou o cão por substituição de alvos, usando o instinto de presa do
animal para o transporte e identificação de objectos. De que estarão à espera as
nossas associações de recolha de cães para melhor lhes valer: da inspiração de
um clique ou da ruína da sua actividade? Cães abandonados há-os por todo o lado
mas nem em todos os lugares são compreendidos.
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