Ao contrário de um
ex-Presidente da República Português, um algarvio que dizia nunca se enganar e
raramente ter dúvidas, quiçá pelo peso do seu nome próprio ser tangente à graça
de um deus pagão (Baal), o que eventualmente lhe abonaria um decreto de infalibilidade,
eu tenho dúvidas e muitas, apesar do meu nome poder também ser interpretado
como “agraciado por Deus”. E uma das que tenho é se corridas de mushing como a
de Yukon, que se realizou mais uma vez este ano e cujo trajecto vai de
Fairbanks no Alasca até Whitehorse no Canadá, num total de 1.000 milhas, atravessando
quatro cadeias montanhosas numa área superior à da França, debaixo de 40º
negativos (por vezes menos), não seja uma crueldade para os cães que são obrigados
a competir ali naquelas condições. Se eu fosse um “musher” e adepto deste
tipo de corridas, dificilmente iria protestar contra as touradas à porta da
Praça de Toiros do Campo Pequeno, por me sentir sem moral para tal.
Dir-me-ão que os cães
foram criados e preparados para aquele fim, que o mushing lhes é inato,
justificação em tudo igual à proferida pelos ganadeiros acerca dos seus toiros.
Uns e outros não me convencem. E depois, para que servirá o “chicote de fios”,
para aquecer o lombo gelado dos cães? Penso que eles iriam mais satisfeitos, aconchegados
e cómodos se fossem sentados nos trenós com os seus condutores a puxá-los! Será
que um desporto destes, praticado por gente que se diz gostar de cães, dá corpo
ao brejeiro provérbio popular “ quanto mais prima, mais se lhe arrima”?
Há muito que o especismo
deveria ter sido banido e ser substituído pelo respeito interespécies. Não
subsistirá alguma diferença entre um cão que nos auxilia e outro que é
transformado em besta de carga? A relação dos homens com os animais nunca foi
desinteressada. Lembram-se dos burros? Não havia proprietário que dissesse não
gostar deles! Então, porque se encontram hoje em vias de extinção? Deixaram de
ser quem eram ou perderam o seu interesse?
Consigo até compreender o
uso dos animais como último recurso para a mútua sobrevivência mas nego-me a
aceitar a sua exploração para gáudio dos homens, ainda que isso seja entendido
como desporto, muito embora saiba da importância terapêutica dos cães e doutros
animais para os homens e reconheça as suas múltiplas mais-valias. Exemplo disso
é que se passa todos os anos no Sam Houston Race Park, no Texas/USA, onde para
além de corridas de camelos, se fazem em simultâneo corridas de avestruzes.
Penso que nenhum dos “jockeys” e dos proprietários daquelas aves não-voadoras
teria alguma dificuldade em aderir ou ser signatário da Declaração Universal
dos Direitos dos Animais.
E como quem paga as favas
desta relação hipócrita são sempre os mesmos – os animais, podemos dizer, sem
corrermos o risco de nos enganarmos, que também a cinofilia, a canicultura e a
cinotecnia estão carregadas de crueldade, enquanto actividades que procuram
primeiro o uso e só depois o respeito pelos animais. Por esta mesma razão,
sempre será mais fácil ensinar cães do que produzir alguma alteração nos seus
donos. Apesar de gostar do que faço, sentir-me-ia imensamente mais feliz se
nunca houvesse adestrado cães, porque isso evidenciaria um maior respeito por
eles. Mas como tal é utópico, por cá continuo a adaptá-los para os donos, para
sociedade e para o mundo, tantas e tantas vezes contrariado, porque os maiores
problemas que colocam passam pelas limitações dos seus donos, pela sua ausência
de disponibilidade e meios, factores que não os isentam da companhia destes
animais, cujo valor é-lhes imprescindível para sua auto-estima, saúde e bem-estar.
Sim, ensinar cães é valer aos homens!
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