segunda-feira, 4 de abril de 2016

TENHO DÚVIDAS

Ao contrário de um ex-Presidente da República Português, um algarvio que dizia nunca se enganar e raramente ter dúvidas, quiçá pelo peso do seu nome próprio ser tangente à graça de um deus pagão (Baal), o que eventualmente lhe abonaria um decreto de infalibilidade, eu tenho dúvidas e muitas, apesar do meu nome poder também ser interpretado como “agraciado por Deus”. E uma das que tenho é se corridas de mushing como a de Yukon, que se realizou mais uma vez este ano e cujo trajecto vai de Fairbanks no Alasca até Whitehorse no Canadá, num total de 1.000 milhas, atravessando quatro cadeias montanhosas numa área superior à da França, debaixo de 40º negativos (por vezes menos), não seja uma crueldade para os cães que são obrigados a competir ali naquelas condições. Se eu fosse um “musher” e adepto deste tipo de corridas, dificilmente iria protestar contra as touradas à porta da Praça de Toiros do Campo Pequeno, por me sentir sem moral para tal.
Dir-me-ão que os cães foram criados e preparados para aquele fim, que o mushing lhes é inato, justificação em tudo igual à proferida pelos ganadeiros acerca dos seus toiros. Uns e outros não me convencem. E depois, para que servirá o “chicote de fios”, para aquecer o lombo gelado dos cães? Penso que eles iriam mais satisfeitos, aconchegados e cómodos se fossem sentados nos trenós com os seus condutores a puxá-los! Será que um desporto destes, praticado por gente que se diz gostar de cães, dá corpo ao brejeiro provérbio popular “ quanto mais prima, mais se lhe arrima”?
Há muito que o especismo deveria ter sido banido e ser substituído pelo respeito interespécies. Não subsistirá alguma diferença entre um cão que nos auxilia e outro que é transformado em besta de carga? A relação dos homens com os animais nunca foi desinteressada. Lembram-se dos burros? Não havia proprietário que dissesse não gostar deles! Então, porque se encontram hoje em vias de extinção? Deixaram de ser quem eram ou perderam o seu interesse?
Consigo até compreender o uso dos animais como último recurso para a mútua sobrevivência mas nego-me a aceitar a sua exploração para gáudio dos homens, ainda que isso seja entendido como desporto, muito embora saiba da importância terapêutica dos cães e doutros animais para os homens e reconheça as suas múltiplas mais-valias. Exemplo disso é que se passa todos os anos no Sam Houston Race Park, no Texas/USA, onde para além de corridas de camelos, se fazem em simultâneo corridas de avestruzes. Penso que nenhum dos “jockeys” e dos proprietários daquelas aves não-voadoras teria alguma dificuldade em aderir ou ser signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais.
E como quem paga as favas desta relação hipócrita são sempre os mesmos – os animais, podemos dizer, sem corrermos o risco de nos enganarmos, que também a cinofilia, a canicultura e a cinotecnia estão carregadas de crueldade, enquanto actividades que procuram primeiro o uso e só depois o respeito pelos animais. Por esta mesma razão, sempre será mais fácil ensinar cães do que produzir alguma alteração nos seus donos. Apesar de gostar do que faço, sentir-me-ia imensamente mais feliz se nunca houvesse adestrado cães, porque isso evidenciaria um maior respeito por eles. Mas como tal é utópico, por cá continuo a adaptá-los para os donos, para sociedade e para o mundo, tantas e tantas vezes contrariado, porque os maiores problemas que colocam passam pelas limitações dos seus donos, pela sua ausência de disponibilidade e meios, factores que não os isentam da companhia destes animais, cujo valor é-lhes imprescindível para sua auto-estima, saúde e bem-estar. Sim, ensinar cães é valer aos homens!

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