sexta-feira, 16 de março de 2018

ONDE ACABA UM E COMEÇA O OUTRO?

Depois de décadas a estudar, a criar e a treinar Pastores Alemães, não sei hoje com absoluta certeza onde acaba o Pastor Alemão de trabalho e começa o Malinois, porque é tanta a bastardia que anda por aí, que é quase impossível afirmar quem é um e quem é outro. Desde os anos 80 que oiço, da boca dos criadores de Pastores Alemães de exposição, que para o trabalho qualquer me… de cão serve, profecia que está a acontecer nos dias de hoje, muito por culpa dos seus vaticinadores, por haverem dispensado da selecção dos seus cães o desempenho laboral, patetice que teve como consequência a proliferação de “pastores” sem préstimo algum, sem dúvida animais altamente estilizados, mas que se apresentam estremunhados como se houvessem sido atropelados, sendo um verdadeiro desperdício e até suplício perder tempo com eles! Com cães assim não se vai a lado nenhum, muito menos para a guerra, para as forças antimotim e para as patrulhas policiais urbanas.
Mudando de ares, ao chegar a um centro canino de trabalho, seja ele militar, policial ou civil, que Pastores Alemães ali vemos? Na maioria dos casos aqueles que não queríamos ver e que não conseguimos identificar como tal, o que nos leva a uma falsa conclusão: um Pastor Alemão para ser bom, precisa de “uma pitada” de Malinois! E os que resistem a este “condimento”, com o Malinois entrincheirado como modelo na cabeça dos seus instrutores, vêem-se obrigados a esfaimar os seus fiéis companheiros, que chilreantes e esganados, correm desalmados pelo agrado que lhes garante a vida - pela sua sobrevivência. Razão têm os ingleses, que nestas coisas da tradição são irrepreensíveis, quando tratam por alsacianos os híbridos de Pastor Alemão como Malinois, aludindo a um estágio anterior de aprimoramento do cão alemão. A designação “Shepinois” é arbitrária, militar e mais americana, podendo ter como alternativas “Malinois X”, “Mix” e “German Malinois”.
Escusado será dizer que foram os militares, por razões económicas e operacionais, quem primeiro fez uso desta bastardia, cruzando os Pastores que ainda tinham com os Malinois que foram chegando, tiro que deram na escuridão e que acertou na muche, porquanto dotaram o Malinois de melhor controlo e o Pastor de mais energia, ainda que eventualmente tenham tido prévias e boas experiências com os bastardos que levaram para as guerras do Afeganistão e do Iraque. É lícito acusar esta gente? Não teria ela o direito de melhor proteger a sua pele? É evidente que não podemos condenar os militares pelo abuso, porque viram-se obrigados a isso, já que não tinham à sua disposição um cão melhor para determinadas missões, que fosse ao mesmo tempo pequeno e poderoso, mas podemos condenar os canicultores civis que inventam guerras, fogem delas e perpetuam a venda de gato por lebre.
Em piores lençóis está a SV (que grande barafunda deve ir por lá), a quem cabe penitenciar-se dos exageros cometidos nos shows de conformação, que são um verdadeiro atentado à raça que representa e cabe defender, que de um momento para o outro viu-se ultrapassada por um subproduto seu. O ressurgimento do Pastor Alemão será impossível sem um retrocesso às suas origens e mais-valias, retrocesso que outros fizeram fraudulentamente mais célere pela raíz comum que une os Pastores Alemães aos Belgas e Holandeses. Em simultâneo, deverá exigir aos clubes nacionais seus associados que obriguem todos criadores a fazer o exame de ADN aos seus cães, para expurgar da raça a bastardia parasita que hoje seriamente a atormenta.
Retornar às origens aqui, significa dar a primazia aos reprodutores de linha antiga e valer-se também das variedades recessivas até aqui desprezadas unicamente por razões de estética, de cor ou de gosto, porque só com o seu contributo a raça ganhará a biodiversidade que há muito reclama para combater a endogamia que apoquenta e condena. Depois disto feito, que obrigatoriamente levará a alterações do Estalão, provavelmente ao retorno de um já aprovado no passado, podemos finalmente pensar no regresso do Cão de Pastor Alemão tal qual Stephanitz o imaginou e que os seus amantes reclamam. Doutra forma, dificilmente o Cão de Pastor Alemão se manterá de pé e refulgirá mais uma vez.
O exemplo mais descarado de bastardia no Pastor Alemão está a acontecer nos exemplares lobeiros e é visível a olho nu, quando a esmagadora maioria deles apresenta um afogueado bem vermelho, os antebraços negros e são menos angulados de traseira, animais arregaçados de rim com grandes cabeças, que já nascem com a distribuição das cores definitiva, ao contrário do que acontece com os genuínos lobeiros de trabalho, cuja cor evolui do alto do dorso para as costelas. Sem a ajuda da variedade lobeira, que tende a ser dominante e a abrir todas as cores, muitos dos bastardos assim encapotados seriam de imediato denunciados. Por outro lado, quando estamos na presença de exemplares oriundos dos beneficiamentos entre cães de linha de beleza e de trabalho, a pigmentação e a distribuição das cores podem ser iguais aos dos mestiços, porém, são plantígrados, têm o peito mais estreito e profundo, costelas planas, o dorso mais longo, são mais angulados de traseira e têm a cauda mais comprida.
O Pastor Alemão, nomeadamente a variedade dominante, aquela que vai ao Crufts e que apenas espera duas badaladas, um padre-nosso e duas avés-marias, chegou ao ponto “do agora ou nunca” e deverá ser agora, enquanto estrebucha. Quanto aos mestiços presentes nas classes de trabalho, há que chamá-los pelo nome e afastá-los da reprodução ou então entregá-los aos procedimentos-tipo de um abrigo, que é exactamente a mesma coisa, só que é irreversível!  

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