Como nota introdutória ao
assunto adiantamos que os bons aprumos são mais comuns nos cães landrace que
nos padronizados e que os desaprumos são quase dominantes na maioria das raças
caninas, numas porque foram procurados e noutras como resultado da excessiva
endogamia que tudo desrespeitou, inclusive o bem-estar animal e a sua evolução
natural. O assunto que vamos hoje abordar remete-nos para os beneficiamentos,
quando a posse de uma cadela razoável obriga à procura de um macho que melhore
substancialmente a futura prole comum, ao invés de agravar os defeitos
individuais presentes em cada um deles.
E como nestes casos não é
a genética que nos prega partidas mas a sua ignorância, o alcance de melhores
exemplares deverá levar-nos ao estudo dos seus ascendentes, descendentes e
colaterais, para se poder aquilatar dos benefícios procurados e dos possíveis
riscos de cada beneficiamento, riscos que nunca deverão superiorizar-se às
mais-valias ou virtudes procuradas. Para se ter noção do trabalho a haver,
importa contextualizar e evitar a perpetuação ou
agravamento dum desaprumo que pretendemos minorar ou eliminar. Vamos supor que
a cadela a ser coberta apresenta ligeiramente dois defeitos muito comuns – peito
estreito e mãos divergentes (atiradas para fora).
Ainda antes de nos
debruçarmos sobre a viabilidade do beneficiamento procurado, convém relembrar
alguns princípios gerais a observar na canicultura, questões que nos remetem
para a altura e envergadura dos indivíduos a copular e também para a sua
variedade cromática, se dominante ou recessiva, no caso de trabalharmos numa
política de quadro aberto e procurarmos cães versáteis para diferentes
trabalhos. Ainda que a endogamia seja comum a todas as raças padronizadas, cada
uma delas obedeceu a diferentes critérios de selecção. Assim, para facilitarmos
as coisas, vamos valer-nos para o efeito do Cão de Pastor Alemão.
Nesta popular raça
teutónica, quando trabalhamos conjuntamente variedades recessivas e dominantes,
o segredo dos melhores ou piores aprumos recairá sobre os exemplares lobeiros
usados na construção de cada progenitor, não só porque esta variedade cromática
presidiu à proto-selecção da raça (ter mais peso genético), mas também porque é
aquela, exceptuando a variedade branca, que tem um curva de crescimento mais
alongada e a que mais cresce, sendo por isso mesmo mais selectiva nas dietas, o
que é sério problema quando os indivíduos apresentam fraco impulso ao alimento,
o que normalmente tem como consequência o aparecimento de animais pernaltas.
Por outro lado, quando os
lobeiros presentes na ascendência de um cão são demasiado leves de ossatura
tendem a produzir animais frágeis, ainda que alguns possam ser altos. O
beneficiamento, se assim se puder chamar, entre um exemplar com 4 ou mais
oitavos de lobeiro com um maioritariamente da variedade dominante, sempre
acabará por produzir animais com o peito estreito e mãos atiradas para fora,
devido ao aumento de peso e ao encurtamento da sua curva de crescimento. Assim,
os ascendentes lobeiros de qualquer cão não deverão ser segredo para ninguém e
deverão ser portadores de bons aprumos, caso contrário, como se diz na gíria:
“temos o caldo entornado”.
Se é verdade que a
variedade lobeira pode carregar alguns problemas e carecer de uma selecção mais
apertada, é igualmente verdade que a excelência de um CPA poderá não dispensar
a sua contribuição, porque ela mais do que as outras, carrega a qualidade
laboral que exaltou a raça desde a I Guerra mundial até às nefastas selecções operadas
nas décadas de 70 e 80, que comprometeram respectivamente a sua saúde e
desempenho laboral (funcionalidade e versatilidade). A importância dos lobeiros
nas linhas de trabalho é tal que dificilmente alguma subsistiria sem o seu
contributo, muito embora os modernos sejam maioritariamente preto-afogueados e
negros na sua construção.
Uma vez levantado o véu
acerca da envergadura, é chegado o momento de falarmos sobre a altura dos
progenitores. Apesar do Estalão da Raça permitir beneficiamentos de cães com 65
cm de altura com cadelas de 55 cm, com 10 cm de diferença, tais beneficiamentos
jamais deverão acontecer, porque ainda que alcancemos exemplares com altura
regular, eles apresentarão um défice de envergadura indisfarçável, desarmonia também
responsável por vários desaprumos fornecidos pelo esforço, capazes de
despoletarem bolsas de líquido sinovial nos seus codilhos e mãos.
Para que haja a necessária
harmonia entre a altura e a envergadura nos futuros cães, convém que a
diferença de altura entre os seus progenitores não ultrapasse os 4 cm, porque
os desaprumos resultam maioritariamente das disparidades havidas entre os seus
progenitores, que nalguns casos chegam a incompatibilidades, quando a estrutura
óssea não aguenta o peso corporal e os andamentos naturais são comprometidos.
Não se trata aqui de abolir o dimorfismo sexual presente na raça, o que
comprometeria a sua prontidão, morfologia e desempenho, mas de evitar o
aparecimento de exemplares incaracterísticos, díspares entre si e menos
válidos.
Deixando de parte “A
Questão Lobeira”, que é fulcral para a perpetuação dos CPA’s ditos de trabalho,
passemos à análise detalhada do reprodutor escolhido através da sua herança
genética, descendência e parentesco, para se poder compreender a razão ou
razões das suas mais-valias e a possível transmissão de menos valias, porque um
cão pode apresentar-se excelente, ser a excepção que confirma regra, e ser
portador de um sem número de defeitos que transmitirá à sua prole, podendo
ainda ter uma apresentação irrecusável graças a tratamentos específicos e
correctivos, bem como à administração de drogas durante a fase de maior
plasticidade do seu crescimento, o que não é tão raro assim. Obviamente que os
benefícios das drogas não se estenderão aos seus filhos.
Como ao aproveitamento dos
cães fizemos suceder a sua transformação e continuamos a fazê-lo há milhares de
anos, é natural que essa excessiva manipulação atente contra o seu bem-estar,
biomecânica, saúde e longevidade, e de tal maneira a temos feito, que neles os
defeitos se sobrepõem às virtudes, mesmo que a presença dos primeiros seja
manifestamente minoritária nos ascendentes de um cão, pormenor que nos obrigará
a reduzir a zero, ao completo despiste, dos defeitos ou desaprumos a eliminar,
que no caso presente são o peito estreito e as mãos atiradas para fora. Visando
o mesmo objectivo, para além dos ascendentes do cão, também os seus
descendentes e colaterais deverão ser objecto de estudo pormenorizado, até
porque os pedigrees que por vezes nos são apresentados, por várias razões
(mormente a económica), nada têm a ver com o cão que temos na nossa frente,
problema já antigo e que pode ser ultrapassado pela certificação do ADN.
Em todas as linhas e particularmente
com maior incidência em algumas, há que despistar o criptorquidismo e os
diferentes prognatismos, para não recebermos por troca outro defeito que não
tínhamos e ainda por cima mais grave. Também a altura e peso dos familiares do
cão para beneficiamento deverão ser considerados, para que tanto o gigantismo
como o nanismo não entrem na ninhada que pretendemos criar. Também a tendência
para a obesidade infantil deverá ser considerada, porque a sua ocorrência tende
a desaprumar precocemente os cães e a torná-los indolentes para sempre. Há
ainda que despistar as diferentes displasias, as doenças cardíacas, os diversos
problemas articulares, a mielopatia degenerativa, a Diabetes e a Insuficiência
Pancreática Exócrina (insuficiência praticamente inexistente nas clássicas
linhas de trabalho e que se vulgarizou nas actuais por indevida intromissão de
cães de linha estética).
Como cão de trabalho,
qualquer Cão de Pastor Alemão carece de ser também avaliado em movimento e nos
diferentes andamentos naturais, particularmente na marcha (trote) que é o seu andamento
preferencial e mais forte, já que a sua biomecânica não deverá ser
desconsiderada. Todos os despistes que atrás mencionámos deverão ser extensivos
ao cão escolhido para copular e aos seus familiares, ainda que por vezes tenhamos
que fazer fé naquilo que nos é dito ao invés daquilo que gostaríamos de ter
observado. Escusado será dizer que os seis principais impulsos herdados deverão
ser considerados (ao alimento, ao movimento, à defesa, à luta, ao poder e ao conhecimento).
Como a cadela a copular é
de uma variedade recessiva que tende a despigmentar e a perder a máscara
precocemente, convém que o cão beneficiador tenha no máximo 3/8 da variedade
negra uniforme e no mínimo 1/8 na sua construção. Em síntese, a palavra de
ordem nos beneficiamentos é despistar, despiste que deverá abranger os
ascendentes, os descendentes e os colaterais dos cães a beneficiar. Como acerca
deste assunto não dissemos tudo, retomaremos o tema logo que nos seja possível.
Sem comentários:
Enviar um comentário