terça-feira, 6 de março de 2018

OLHAR DE CIMA ABAIXO E PARA OS LADOS TAMBÉM

Como nota introdutória ao assunto adiantamos que os bons aprumos são mais comuns nos cães landrace que nos padronizados e que os desaprumos são quase dominantes na maioria das raças caninas, numas porque foram procurados e noutras como resultado da excessiva endogamia que tudo desrespeitou, inclusive o bem-estar animal e a sua evolução natural. O assunto que vamos hoje abordar remete-nos para os beneficiamentos, quando a posse de uma cadela razoável obriga à procura de um macho que melhore substancialmente a futura prole comum, ao invés de agravar os defeitos individuais presentes em cada um deles.
E como nestes casos não é a genética que nos prega partidas mas a sua ignorância, o alcance de melhores exemplares deverá levar-nos ao estudo dos seus ascendentes, descendentes e colaterais, para se poder aquilatar dos benefícios procurados e dos possíveis riscos de cada beneficiamento, riscos que nunca deverão superiorizar-se às mais-valias ou virtudes procuradas. Para se ter noção do trabalho a haver, importa contextualizar e evitar a perpetuação ou agravamento dum desaprumo que pretendemos minorar ou eliminar. Vamos supor que a cadela a ser coberta apresenta ligeiramente dois defeitos muito comuns – peito estreito e mãos divergentes (atiradas para fora).
Ainda antes de nos debruçarmos sobre a viabilidade do beneficiamento procurado, convém relembrar alguns princípios gerais a observar na canicultura, questões que nos remetem para a altura e envergadura dos indivíduos a copular e também para a sua variedade cromática, se dominante ou recessiva, no caso de trabalharmos numa política de quadro aberto e procurarmos cães versáteis para diferentes trabalhos. Ainda que a endogamia seja comum a todas as raças padronizadas, cada uma delas obedeceu a diferentes critérios de selecção. Assim, para facilitarmos as coisas, vamos valer-nos para o efeito do Cão de Pastor Alemão.
Nesta popular raça teutónica, quando trabalhamos conjuntamente variedades recessivas e dominantes, o segredo dos melhores ou piores aprumos recairá sobre os exemplares lobeiros usados na construção de cada progenitor, não só porque esta variedade cromática presidiu à proto-selecção da raça (ter mais peso genético), mas também porque é aquela, exceptuando a variedade branca, que tem um curva de crescimento mais alongada e a que mais cresce, sendo por isso mesmo mais selectiva nas dietas, o que é sério problema quando os indivíduos apresentam fraco impulso ao alimento, o que normalmente tem como consequência o aparecimento de animais pernaltas.
Por outro lado, quando os lobeiros presentes na ascendência de um cão são demasiado leves de ossatura tendem a produzir animais frágeis, ainda que alguns possam ser altos. O beneficiamento, se assim se puder chamar, entre um exemplar com 4 ou mais oitavos de lobeiro com um maioritariamente da variedade dominante, sempre acabará por produzir animais com o peito estreito e mãos atiradas para fora, devido ao aumento de peso e ao encurtamento da sua curva de crescimento. Assim, os ascendentes lobeiros de qualquer cão não deverão ser segredo para ninguém e deverão ser portadores de bons aprumos, caso contrário, como se diz na gíria: “temos o caldo entornado”.
Se é verdade que a variedade lobeira pode carregar alguns problemas e carecer de uma selecção mais apertada, é igualmente verdade que a excelência de um CPA poderá não dispensar a sua contribuição, porque ela mais do que as outras, carrega a qualidade laboral que exaltou a raça desde a I Guerra mundial até às nefastas selecções operadas nas décadas de 70 e 80, que comprometeram respectivamente a sua saúde e desempenho laboral (funcionalidade e versatilidade). A importância dos lobeiros nas linhas de trabalho é tal que dificilmente alguma subsistiria sem o seu contributo, muito embora os modernos sejam maioritariamente preto-afogueados e negros na sua construção.
Uma vez levantado o véu acerca da envergadura, é chegado o momento de falarmos sobre a altura dos progenitores. Apesar do Estalão da Raça permitir beneficiamentos de cães com 65 cm de altura com cadelas de 55 cm, com 10 cm de diferença, tais beneficiamentos jamais deverão acontecer, porque ainda que alcancemos exemplares com altura regular, eles apresentarão um défice de envergadura indisfarçável, desarmonia também responsável por vários desaprumos fornecidos pelo esforço, capazes de despoletarem bolsas de líquido sinovial nos seus codilhos e mãos.
Para que haja a necessária harmonia entre a altura e a envergadura nos futuros cães, convém que a diferença de altura entre os seus progenitores não ultrapasse os 4 cm, porque os desaprumos resultam maioritariamente das disparidades havidas entre os seus progenitores, que nalguns casos chegam a incompatibilidades, quando a estrutura óssea não aguenta o peso corporal e os andamentos naturais são comprometidos. Não se trata aqui de abolir o dimorfismo sexual presente na raça, o que comprometeria a sua prontidão, morfologia e desempenho, mas de evitar o aparecimento de exemplares incaracterísticos, díspares entre si e menos válidos.
Deixando de parte “A Questão Lobeira”, que é fulcral para a perpetuação dos CPA’s ditos de trabalho, passemos à análise detalhada do reprodutor escolhido através da sua herança genética, descendência e parentesco, para se poder compreender a razão ou razões das suas mais-valias e a possível transmissão de menos valias, porque um cão pode apresentar-se excelente, ser a excepção que confirma regra, e ser portador de um sem número de defeitos que transmitirá à sua prole, podendo ainda ter uma apresentação irrecusável graças a tratamentos específicos e correctivos, bem como à administração de drogas durante a fase de maior plasticidade do seu crescimento, o que não é tão raro assim. Obviamente que os benefícios das drogas não se estenderão aos seus filhos.
Como ao aproveitamento dos cães fizemos suceder a sua transformação e continuamos a fazê-lo há milhares de anos, é natural que essa excessiva manipulação atente contra o seu bem-estar, biomecânica, saúde e longevidade, e de tal maneira a temos feito, que neles os defeitos se sobrepõem às virtudes, mesmo que a presença dos primeiros seja manifestamente minoritária nos ascendentes de um cão, pormenor que nos obrigará a reduzir a zero, ao completo despiste, dos defeitos ou desaprumos a eliminar, que no caso presente são o peito estreito e as mãos atiradas para fora. Visando o mesmo objectivo, para além dos ascendentes do cão, também os seus descendentes e colaterais deverão ser objecto de estudo pormenorizado, até porque os pedigrees que por vezes nos são apresentados, por várias razões (mormente a económica), nada têm a ver com o cão que temos na nossa frente, problema já antigo e que pode ser ultrapassado pela certificação do ADN.
Em todas as linhas e particularmente com maior incidência em algumas, há que despistar o criptorquidismo e os diferentes prognatismos, para não recebermos por troca outro defeito que não tínhamos e ainda por cima mais grave. Também a altura e peso dos familiares do cão para beneficiamento deverão ser considerados, para que tanto o gigantismo como o nanismo não entrem na ninhada que pretendemos criar. Também a tendência para a obesidade infantil deverá ser considerada, porque a sua ocorrência tende a desaprumar precocemente os cães e a torná-los indolentes para sempre. Há ainda que despistar as diferentes displasias, as doenças cardíacas, os diversos problemas articulares, a mielopatia degenerativa, a Diabetes e a Insuficiência Pancreática Exócrina (insuficiência praticamente inexistente nas clássicas linhas de trabalho e que se vulgarizou nas actuais por indevida intromissão de cães de linha estética).
Como cão de trabalho, qualquer Cão de Pastor Alemão carece de ser também avaliado em movimento e nos diferentes andamentos naturais, particularmente na marcha (trote) que é o seu andamento preferencial e mais forte, já que a sua biomecânica não deverá ser desconsiderada. Todos os despistes que atrás mencionámos deverão ser extensivos ao cão escolhido para copular e aos seus familiares, ainda que por vezes tenhamos que fazer fé naquilo que nos é dito ao invés daquilo que gostaríamos de ter observado. Escusado será dizer que os seis principais impulsos herdados deverão ser considerados (ao alimento, ao movimento, à defesa, à luta, ao poder e ao conhecimento).
Como a cadela a copular é de uma variedade recessiva que tende a despigmentar e a perder a máscara precocemente, convém que o cão beneficiador tenha no máximo 3/8 da variedade negra uniforme e no mínimo 1/8 na sua construção. Em síntese, a palavra de ordem nos beneficiamentos é despistar, despiste que deverá abranger os ascendentes, os descendentes e os colaterais dos cães a beneficiar. Como acerca deste assunto não dissemos tudo, retomaremos o tema logo que nos seja possível.

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