Nas localidades
periféricas fundadas pelos “casais” de outrora, que depois da Reconquista
saciaram as ordens religiosas e em locais que os mouros já tinham alcunhado de
deserto, ao invés de burros, porcos, perus, patos, coelhos e galinhas, vemos
agora canicultores e adestradores dos mais diversos tipos e escolas, no que
lembram os antigos sorvetes, que tinham como pregão a frase: “cada cor seu
paladar”, apesar das suas diferenças resultarem em primeiro instância do feitio
ou mau-feitio de cada um deles, porque todos procuram no empirismo o que
desprezaram na erudição, reafirmando mais uma vez um tipo de esperteza que os
traz atrelados, pormenor que os transforma em monteiros da fortuna e em
garimpeiros caninos.
Monteiros da fortuna e garimpeiros
caninos porquê? Monteiros da fortuna porque, a exemplo de outros já idos que trabalhavam
para os deleites das famílias régias, rodeiam-se de matilhas de qualidade que só
eles reconhecem, tratando-as debaixo da mais severa austeridade, instalando-as
em desusadas e superlotadas capoeiras donde raramente saem, esperando com tamanha
crueza tirar lucro pelo engano da freguesia, como se a barriga “a dar horas”, o
isolamento e o ostracismo fossem fundamentais para o bem-estar dos seus cães.
São até capazes de criar animais de várias raças, apostando nos que estão na
moda e esperando pelos das próximas tendências, num tipo de exploração que internacionalmente
é designada, pejorativamente, por “Puppy Mills” e que começa a ser proibida por
toda a parte.
São em paralelo garimpeiros
caninos, ainda que desafortunados, porque procuram a excelência onde não é
possível encontrá-la, esperando que cães mal aprumados, de biomecânica sofrível
e com defeitos difíceis de esconder, concebam campeões saudáveis, funcionais,
resistentes, longevos e raramente vistos, utopia e toleima que os aproxima dos antigos
alquimistas e que transforma o seu trabalho numa lotaria, muito por influência dos
cães que vão para a guerra e dos que algumas polícias por aí têm, que
geralmente acabam cedo, são jogados fora e abatidos como se fossem descartáveis
(há excepções e hoje vamos até falar de uma). E quando precisam de renovar o
seu plantel, já que com o seu dificilmente chegarão a lado algum, considerando
a relação preço-qualidade, toca de ir comprar cães aos holandeses, que podem
não ser “muito apurados”, mas que mordem até nas estrelas, na mesma Holanda que
vende toda a casta de aves ornamentais e de capoeira!
Subsiste na verdade uma
diferença significativa entre os antigos monteiros e os actuais: os primeiros
eram analfabetos e não deixaram escrito o seu saber, os últimos não param de dizer
asneiras por detrás de pseudónimos. Quando falo sobre a qualidade dos cães
sempre me vem à memória uma velha prática para a escolha e classificação dos
cavalos militares, que desde que tivessem a altura e envergadura necessárias,
independentemente de toda a casta de vícios que carregassem, eram encaminhados
para a remonta e aqueles que entre eles saltassem-se uns míseros 80 cm logo
eram considerados “cavalos de desporto”. Sabem que mais: as feiram já acabaram
mas a ciganagem parece que ainda não! Já não se empandeiram burros cegos e
coxos, mas cães de lastimável qualidade, piores e com menos saúde do que a
esmagadora maioria dos que são dados para a adopção.
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