Nesse país de
oportunidades irrecusáveis e de raras loucuras a que convencionámos chamar
América, o impossível foi vencido ontem e hoje já é amanhã, pouco é proibido,
muito é consentido e tudo pode acontecer. Recentemente, no limiar deste
milénio, como se a empreitada fosse fácil, alguns canicultores norte-americanos
decidiram ressuscitar ou recriar o extinto molosso mesopotâmico (Μολοσσὸς)
de há 5.000 anos atrás, somente presente em escassas estátuas e pinturas, aplicando-lhe
o nome de American Molossus.
Para a construção deste
cão, os seus criadores valeram-se do Mastim Napolitano e do Mastiff Inglês,
criando um híbrido que para todos os efeitos é um super Mastim Napolitano, de quem
dizem ser a versão verdadeira do Real Molosso da Antiguidade, uma relíquia do
passado antigo, uma besta, uma gárgula e um excelente protector de pessoas e
bens – um verdadeiro cão de guarda, tendo o cuidado de adiantar que não se
trata de um cão de ataque, mas sim de um cão de observação, o que trocado por
miúdos significa que é um cão mais defensivo, dado ao alarme e que vale pela sua
extraordinária presença ostensiva.
Esta americanice, que para
nós é sinónimo de burla de encher o olho, até porque na América nada é pequeno,
não nos seduz e não nos apanha desprevenidos, porque treinámos vários Mastins
Napolitanos e Ingleses, para além de outros de quem perdemos a conta como o Mastim
Espanhol, o Cane Corso, o Presa Canário, o Dogue de Bordéus, o Dogue Argentino
e por aí adiante, não esquecendo os nacionais. O Mastim inglês é mais versátil
que o Napolitano e é mais saudável, mais longevo, tem uma disponibilidade
atlética maior, é propenso a ataques lançados e recupera o fôlego muito mais rápido
do que o desengonçado Napolitano, podendo ser eficaz numa moradia com um perímetro
até aos 250m2.
O Mastim Napolitano, que
carece de exercício como de pão para a boca e de quem o saiba aplicar e dosear,
para não morrer da cura, é resistente ao trabalho e vale-se ordinariamente de
duas estratégias, ou joga-se no cão ou insurge-se contra as solicitações, como
levantá-lo não é fácil e enfrentá-lo não é recomendável, o melhor que há a
fazer é treiná-lo deste tenra idade em curtas e repetidas sessões de treino,
para que reaprenda a mexer-se e ganhe maior disponibilidade.
Está
muito longe de ser um cão operacional, sendo impróprio como cão de guarda, de
pistagem, de salvamento e resgate, apesar de ser silencioso e rápido no fechar
da boca, operando capturas céleres sobre presas que se puserem a jeito, no que
lembra um crocodilo a descansar pachorrento ao sol, que assim como quem não
quer a coisa, acaba por abocanhar num ápice um sequioso e descuidado mamífero,
particular que o poderá transformar num excelente cão de defesa pessoal, desde
que se mexa, se adapte às diferentes Estações do Ano e não se canse facilmente.
Esta semana, nos jornais
ingleses online e com honras de manchete, é-nos apresentada uma cadela Molosso
Americano, com 9 meses de idade, chamada “Euphrates”, que foi o maior cachorro
da sua ninhada e que custou 500 dólares, que come 8 copos de ração diários, que
mede 182 cm quando se levanta, 80 cm ao garrote e que pesa quase 118 kg, animal
que se julga vir a ser o maior do Mundo.
Esta “menina”, caso não
seja objecto de trabalho específico, porque vai continuar a crescer até aos 18
ou 20 meses, metendo envergadura até aos 36, vai aumentar ainda mais o seu peso
e possivelmente a sua teimosia, o que será cabo dos trabalhos quando não quiser
colaborar com agregado familiar, persistir em não se levantar e resistir a
entrar para o carro, nem que seja para a levar ao veterinário. Agora percebemos
por que razão os criadores da raça atribuíram-lhe o cognome de “Real Molosso”:
um molosso que veio para ser servido. É possível que a cadelinha vá para o
Guiness.
Terá este livro um registo
de vaidades? Se houver, também os criadores da raça lá ficarão registados! Não,
o American Molossus não é igual ao Molosso Mesopotâmico, é somente uma réplica
apressada ou uma ténue imagem do seu antepassado, porque não tem a rusticidade
que lhe permitia acompanhar os donos no campo de batalha e aniquilar os seus
inimigos.
À resistência do seu ancestral, responde o molosso actual com a ingestão diária de 8 copos de ração!
Contudo, atendendo aos tontos que por aí vão, é quase certo que estes cães, se
ainda não são, virão a ser uma excelente e choruda oportunidade de negócio, pelo menos enquanto não descobrirem o cardápio das suas mazelas.
Sem comentários:
Enviar um comentário