Há por aí muito cão sem
cicatrizes na cabeça, com orelhas e lábios intactos, com um ar intimidador, a
coabitar com os donos, sempre limpo, com espaço para andar e à vista de toda a
gente que toma esteróides anabolizantes. E toma-os porquê? Obviamente porque
lhos dão! E dão-lhos porquê? Para aumentar a massa muscular, para estimular a
agressividade ou para as duas coisas. Como acontece no desporto, apesar de não
considerar os shows de conformação eventos desportivos, nas exposições de
beleza e também em todas as provas de trabalho caninas deveria haver um
controlo antidoping como já acontece nas corridas de galgos a sério, coisa só
possível quando houver legislação para tal e se disser quais são as substâncias
proibidas.
A recorrência aos
esteróides anabolizantes nos cães “retornou à base”, porque estas substâncias
foram primeiro testadas em animais para depois serem aplicadas nos humanos.
Excluindo-se a absoluta necessidade terapêutica, que ocupa pouquíssimo
percentual no total do seu consumo, estas substâncias são abusivamente solicitadas
por criadores e expositores caninos, que as usam e multiplicam o seu consumo à
sombra de falsos rótulos de complexos vitamínicos e de produtos naturais,
embuste que até à presente data só tem dado bons lucros. Como estou arredado do
mundo equestre há alguns anos, desconheço se o mesmo acontece nos concursos de
conformação equestres.
O que espera esta gente
dos esteróides anabolizantes? Basicamente que eles dotem os seus cães de melhor
apresentação e atitude, um revestimento que consiga dar maior definição
muscular aos animais e que em simultâneo tape os seus medos e disfarce as suas
fragilidades, vantagens que só alcançariam através de uma melhor selecção dos
cães e pelo trabalho que desenvolveriam com eles. Na transacção canina que
sucede entre os dois lados do Atlântico Norte, alguns criadores menos
escrupulosos já despacham cães provenientes desta indevida “prescrição”.
A maior remessa de
esteróides anabolizantes endereçada aos cães é proveniente de duas fontes: dos
ginásios de musculação humanos e do convívio proporcionado por algumas provas
desportivas caninas, onde são transaccionados “à média luz e como quem não quer
a coisa”, de acordo com um pró-forma que mais denuncia do que encobre. Por
norma, as substâncias oriundas dos ginásios não se destinam a cães de desporto,
mas àqueles que geralmente acompanham os seus donos em serviços de segurança,
que mediante a toma comum, em melhores “irmãos de sangue” se transformam (quem
rebentará primeiro: o cão ou o dono?).
A procura sistemática dos
esteróides anabolizantes destinados aos cães aconteceu primeiro a pedido dos
proprietários caninos que se dedicavam à “luta de cães”, animais que se
apresentavam cheios de cicatrizes na cabeça, arredados da assistência médico-veterinária,
entre os 18 e os 25 kg, escondidos dos olhares alheios, de raça perfeitamente
identificável, rodeados de porcaria, presos a pesadas correntes e a poucos
centímetros uns dos outros, que desgastados precisavam de uma “ajuda” extra (há
que agradecer às forças policiais nacionais terem acabado com as lutas de cães
entre nós).
Hoje quem procura estas drogas
fá-lo unicamente para aumentar a massa muscular e a agressividade dos seus cães,
para que intimidem mais e sejam mais bravos. Há ainda quem vá mais longe e
junte a isto o corte da cauda e das orelhas dos animais, para dificultar a
leitura das suas expressões mímicas, que ao serem compreendidas aumentariam a sua
vulnerabilidade pelas intenções manifestas, não sendo por isso de estranhar
que, em algumas raças e certos serviços caninos, o corte das orelhas e da cauda seja
quase rente ao focinho e ao tronco.
É evidente que a prática
destes cortes é milenar e remonta aos primeiros cães protectores de gado, que
invariavelmente eram obrigados a lutar contra os mais diversos predadores. Os
cães de arena seguiram-lhes o exemplo e os actuais cães de luta perpetuaram-no.
Considerando a salvaguarda de pessoas e cães, no dia em que proibimos os cortes
de orelhas e caudas, acabámos por dar um passo decisivo na abolição e
extermínio das abomináveis “lutas de cães”.
O consumo dos esteróides
anabolizantes, assim como depressa surte efeito, também abrevia o número de
dias dos seus consumidores, tanto pela cegueira que transmite como pelo
desgaste que provoca e isto para já não se falar na elevada carga das suas
contra-indicações, que ao induzirem à morte, atentam decisivamente contra a
saúde e bem-estar dos cães. Por todas as razões que até aqui enumerámos, nunca
nos agradaram cães de orelhas cortadas e com definições musculares pouco
vistas, por suspeitar que por detrás disso possam esconder-se dois assassinos,
independentemente de qualquer um deles ser imputável ou inimputável.
Todos os cães a quem
cortam as orelhas e a cauda são potenciais assassinos? Claro que não! Contudo,
pergunta-se: para que querem ocultar as expressões mímicas de cães domésticos
que não são obrigados a enfrentar predadores? Alguém nos responderá que o faz
por razões estéticas! Do mesmo modo, vale a pena perguntar: dar anabolizantes
aos cães para quê, quando lhes fazem tanto mal? Alguém nos responderá que o faz
também por razões estéticas! E como é tudo para o “figurino”, convém que nenhum
de nós faça figura de parvo e se constitua em carneiro para o holocausto. A
vaidade cega tanto que não consegue soltar-se da morte! Com cães alheios todo o
cuidado é pouco e muito mais com aqueles cujas intenções desconhecemos e que
parecem ter tudo para nos devorar.
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