terça-feira, 27 de março de 2018

ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E ORELHAS CORTADAS

Há por aí muito cão sem cicatrizes na cabeça, com orelhas e lábios intactos, com um ar intimidador, a coabitar com os donos, sempre limpo, com espaço para andar e à vista de toda a gente que toma esteróides anabolizantes. E toma-os porquê? Obviamente porque lhos dão! E dão-lhos porquê? Para aumentar a massa muscular, para estimular a agressividade ou para as duas coisas. Como acontece no desporto, apesar de não considerar os shows de conformação eventos desportivos, nas exposições de beleza e também em todas as provas de trabalho caninas deveria haver um controlo antidoping como já acontece nas corridas de galgos a sério, coisa só possível quando houver legislação para tal e se disser quais são as substâncias proibidas.
A recorrência aos esteróides anabolizantes nos cães “retornou à base”, porque estas substâncias foram primeiro testadas em animais para depois serem aplicadas nos humanos. Excluindo-se a absoluta necessidade terapêutica, que ocupa pouquíssimo percentual no total do seu consumo, estas substâncias são abusivamente solicitadas por criadores e expositores caninos, que as usam e multiplicam o seu consumo à sombra de falsos rótulos de complexos vitamínicos e de produtos naturais, embuste que até à presente data só tem dado bons lucros. Como estou arredado do mundo equestre há alguns anos, desconheço se o mesmo acontece nos concursos de conformação equestres.
O que espera esta gente dos esteróides anabolizantes? Basicamente que eles dotem os seus cães de melhor apresentação e atitude, um revestimento que consiga dar maior definição muscular aos animais e que em simultâneo tape os seus medos e disfarce as suas fragilidades, vantagens que só alcançariam através de uma melhor selecção dos cães e pelo trabalho que desenvolveriam com eles. Na transacção canina que sucede entre os dois lados do Atlântico Norte, alguns criadores menos escrupulosos já despacham cães provenientes desta indevida “prescrição”.
A maior remessa de esteróides anabolizantes endereçada aos cães é proveniente de duas fontes: dos ginásios de musculação humanos e do convívio proporcionado por algumas provas desportivas caninas, onde são transaccionados “à média luz e como quem não quer a coisa”, de acordo com um pró-forma que mais denuncia do que encobre. Por norma, as substâncias oriundas dos ginásios não se destinam a cães de desporto, mas àqueles que geralmente acompanham os seus donos em serviços de segurança, que mediante a toma comum, em melhores “irmãos de sangue” se transformam (quem rebentará primeiro: o cão ou o dono?).
A procura sistemática dos esteróides anabolizantes destinados aos cães aconteceu primeiro a pedido dos proprietários caninos que se dedicavam à “luta de cães”, animais que se apresentavam cheios de cicatrizes na cabeça, arredados da assistência médico-veterinária, entre os 18 e os 25 kg, escondidos dos olhares alheios, de raça perfeitamente identificável, rodeados de porcaria, presos a pesadas correntes e a poucos centímetros uns dos outros, que desgastados precisavam de uma “ajuda” extra (há que agradecer às forças policiais nacionais terem acabado com as lutas de cães entre nós).
Hoje quem procura estas drogas fá-lo unicamente para aumentar a massa muscular e a agressividade dos seus cães, para que intimidem mais e sejam mais bravos. Há ainda quem vá mais longe e junte a isto o corte da cauda e das orelhas dos animais, para dificultar a leitura das suas expressões mímicas, que ao serem compreendidas aumentariam a sua vulnerabilidade pelas intenções manifestas, não sendo por isso de estranhar que, em algumas raças e certos serviços caninos, o corte das orelhas e da cauda seja quase rente ao focinho e ao tronco.
É evidente que a prática destes cortes é milenar e remonta aos primeiros cães protectores de gado, que invariavelmente eram obrigados a lutar contra os mais diversos predadores. Os cães de arena seguiram-lhes o exemplo e os actuais cães de luta perpetuaram-no. Considerando a salvaguarda de pessoas e cães, no dia em que proibimos os cortes de orelhas e caudas, acabámos por dar um passo decisivo na abolição e extermínio das abomináveis “lutas de cães”.
O consumo dos esteróides anabolizantes, assim como depressa surte efeito, também abrevia o número de dias dos seus consumidores, tanto pela cegueira que transmite como pelo desgaste que provoca e isto para já não se falar na elevada carga das suas contra-indicações, que ao induzirem à morte, atentam decisivamente contra a saúde e bem-estar dos cães. Por todas as razões que até aqui enumerámos, nunca nos agradaram cães de orelhas cortadas e com definições musculares pouco vistas, por suspeitar que por detrás disso possam esconder-se dois assassinos, independentemente de qualquer um deles ser imputável ou inimputável.
Todos os cães a quem cortam as orelhas e a cauda são potenciais assassinos? Claro que não! Contudo, pergunta-se: para que querem ocultar as expressões mímicas de cães domésticos que não são obrigados a enfrentar predadores? Alguém nos responderá que o faz por razões estéticas! Do mesmo modo, vale a pena perguntar: dar anabolizantes aos cães para quê, quando lhes fazem tanto mal? Alguém nos responderá que o faz também por razões estéticas! E como é tudo para o “figurino”, convém que nenhum de nós faça figura de parvo e se constitua em carneiro para o holocausto. A vaidade cega tanto que não consegue soltar-se da morte! Com cães alheios todo o cuidado é pouco e muito mais com aqueles cujas intenções desconhecemos e que parecem ter tudo para nos devorar.

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