sexta-feira, 25 de agosto de 2023

O GALGO TRISTE DO MEU VIZINHO APAGADOTE

 

Todos os dias, religiosamente à mesma hora, depois de vir do trabalho, tenho um vizinho que sai à rua com o seu galgo, um sujeito novo, com ar de apagadote (1) e de mal pago, que não se detém em conversas. O galgo é velho, soturno e bicolor, baço de pêlo, irregular de andamentos, a denunciar uma lesão que se tornou crónica e provavelmente resgatado há pouco tempo. Nunca se ouviu ao dono uma palavra de incentivo ou um gesto de carinho para o lebrel e o cão parece não se importunar ou sentir falta disso (nunca olham um para o outro). Nos poucos momentos em que os avisto, porque rapidamente deixo de os ver, lembram-me um binómio fantasma ou uma sombra chinesa a deslizar pela calçada, quando muito dois bonecos ao mando de um ignoto controlo remoto. Depois dos cocós e chichis da praxe, regressam a casa do mesmo modo que saíram, como se ambos fossem surdos-mudos, dispensassem a cumplicidade e o olhar vago lhes bastasse. O protocolo foi mais um dia cumprido, mas parece que não agradou a nenhum deles. Várias vezes me apeteceu falar, mas acabo sempre por ficar calado – há donos que têm em casa ilustres desconhecidos! E sabem porque é que nunca falo? Porque é mais fácil educar cães do que homens! Que ninguém se iluda: a felicidade dos cães está na educação dos homens e é por isso que há uns com mais sorte do que outros!

(1)Indivíduo de quem se diz na gíria ser pouco brilhante, parco de clarividência e de préstimo reduzido.

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