Todos os dias, religiosamente à mesma
hora, depois de vir do trabalho, tenho um vizinho que sai à rua com o seu
galgo, um sujeito novo, com ar de apagadote (1) e de mal pago, que não se detém em conversas.
O galgo é velho, soturno e bicolor, baço de pêlo, irregular de andamentos, a
denunciar uma lesão que se tornou crónica e provavelmente resgatado há pouco
tempo. Nunca se ouviu ao dono uma palavra de incentivo ou um gesto de carinho
para o lebrel e o cão parece não se importunar ou sentir falta disso (nunca
olham um para o outro). Nos poucos momentos em que os avisto, porque
rapidamente deixo de os ver, lembram-me um binómio fantasma ou uma sombra
chinesa a deslizar pela calçada, quando muito dois bonecos ao mando de um ignoto
controlo remoto. Depois dos cocós e chichis da praxe, regressam a casa do mesmo
modo que saíram, como se ambos fossem surdos-mudos, dispensassem a cumplicidade
e o olhar vago lhes bastasse. O protocolo foi mais um dia cumprido, mas parece que
não agradou a nenhum deles. Várias vezes me apeteceu falar, mas acabo sempre
por ficar calado – há donos que têm em casa ilustres desconhecidos! E sabem porque
é que nunca falo? Porque é mais fácil educar cães do que homens! Que ninguém se
iluda: a felicidade dos cães está na educação dos homens e é por isso que há uns
com mais sorte do que outros!
(1)Indivíduo de quem se diz na gíria ser pouco brilhante, parco de clarividência e de préstimo reduzido.
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