quarta-feira, 24 de agosto de 2022

NOYEN-SUR-SARTHE: A REVOLTA DOS GENTIS E AMOROSOS

 

Noyen-sur-Sarthe é uma pequena localidade francesa na região administrativa do País do Loire e no departamento de Sarthe, que no censo de 2010 tinha apena 2 657 habitantes, com uma densidade populacional de 61 habitantes por Km2. Ali, no Sábado passado, dia 20 de agosto, três cães atacaram e morderam uma adolescente de 15 anos e o homem que correu em seu socorro. Devido ao estado grave em que ficou, a jovem teve que ser transportada para um hospital, onde foi sujeita a uma intervenção cirúrgica na noite de sábado para domingo. Logo após o incidente, o proprietário dos cães foi preso pela Gendarmerie, vindo a ser solto no dia seguinte, domingo, conforme anunciou anteontem aquele corpo policial, muito embora as investigações continuem em andamento. Jean-Louis Morice, prefeito de Noyen-sur-Sarthe, que tem estado em contacto com o seu homólogo de Sarthe, pede que os cães sejam abatidos, uns American Bully que já haviam mordido antes e de quem os residentes do local têm medo. Como consequência do historial e do acontecido, as vítimas dos cães irão apresentar queixa.

Perguntarão os meus leitores como é possível que uma raça que é descrita pelos seus criadores como feliz, extrovertida, estável e confiante, para além de gentil e amorosa com as pessoas, possa produzir cães assim tão malvados? Reflectirão estes cães o mau-feitio do dono ou obedecerão cegamente aos seus nefastos propósitos, como tantas vezes ouvimos por aí? Que se desencantem os aldrabões, os milagreiros, os profetas da desgraça e os fatalistas, porque em matéria de ataques caninos, quando não são resultantes de pânico, o que manda mais é a genética e muito pouco o peso ambiental, porque se o cão não nascer com os impulsos herdados para isso, por mais fracos que sejam, jamais um homem transformará um cão manso num bravo. Também aqui não é possível fazer omeletes sem ovos, muito embora o recurso a substâncias alucinogénias ou psicotrópicas possa de maneira descontrolada solicitar agressividade aos cães, que devido às suas contra-indicações, espasmos e convulsões, cedo condenarão a saúde e longevidade do animais, como tem vindo a acontecer nos conflitos a partir da II Guerra Mundial, onde a procura do super-cão sucedeu à do super-soldado, isto depois dos cães terem servido de cobaias para os homens.

A agressividade canina, que através da selecção natural não atinge grandes exageros e tende quase a desaparecer, é levada a extremos e neles se estabelece pela cuidada e rigorosa selecção humana, que não dispensa a tão procurada certificação empírica. Mesmo assim, porque estamos a falar de indivíduos pertencentes a raças com apenas duzentos anos de existência (algumas nem isso), surgimento muito anterior à descoberta do ADN, podem aparecer nas ninhadas cachorros com um comportamento diametralmente oposto ao dos seus irmãos de ninhada, de acordo com as diferentes potenciações dos seus impulsos herdados. Assim se compreende também porque há American Bullies que são uns verdadeiros anjinhos e outros que são uns autênticos demónios, como os de Noyen-sur-Sarthe, uma vez que o pai do American Bully é o Pit Bull. Com isto não estou a incriminar ou a inocentar o dono destes cães, que poderiam ou não ser aproveitados e instigados para serem anti-sociais. De qualquer modo, enquanto adestrador, não alinho a minha opinião com a dos autarcas e vítimas de Noyen-sur-Sarthe, preferindo que os animais fossem primeiro castrados e depois reeducados, o que tornaria mais fácil e segura a sua reeducação. No meu entender, todo o processo pedagógico dos Bullies deveria ser pago pelo seu dono por tê-los fora de controlo, o que não o livraria de responder por outros encargos e obrigações legais. Sou contra o abate de cães porque eles não se fizeram a si mesmos e não conseguem auto educar-se – continuam animais – o que não me impede ser solidário com as vitimas de Noyen-sur Sarthe.

PS: Se porventura se apaixonar por uma raça particular de cães (seja ela considerada perigosa ou não), não saiba muito acerca dela e desconheça como escolher o cão que pretende, o melhor que tem a fazer é procurar alguém conhecedor que o possa ajudar na escolha certa.

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