Tenho
todas as razões possíveis e imaginárias para detestar o Cão de Pastor Alemão, mas nenhuma delas consegue
levar de vencida a paixão e a admiração que tenho por ele, porque é um cão de fácil
entendimento, próprio para a interacção, dedicado, disponível, inteligente e
versátil, um companheiro extraordinário que veio para ajudar, por isso mesmo
cúmplice e pronto para assumir as tarefas que lhe foram distribuídas. Pelo
menos já foi assim, hoje não tenho tanta certeza, porque são por demais notórias
as diferenças individuais presentes na raça, que vão desde indivíduos
completamente imprestáveis a outros (poucos) de altíssimo préstimo. Penso que
esta discrepância, mercê do que tenho observado ao longo de décadas, se deve em
primeiro instância à existência de dois critérios de selecção mais evidentes
depois da II Guerra Mundial e que mais se antagonizaram a partir das décadas de
70 e 80 do século passado, quando se começa a ouvir falar da distinção entre “linha
de beleza” e “linha de trabalho”, o fenómeno que nunca deveria ter acontecido e
que ficou a dever-se em primeiro lugar à inacção ou à ausência de uma tomada de
posição peremptória por parte da Verein für Deutsche Schäferhunde (SV), a quem
competia reafirmar os critérios de selecção do seu fundador, Max von
Stephanitz, que associavam aos requisitos morfológicos as inerentes capacidades
laborais.
A
disparidade de critérios selectivos está a levar à destruição da raça, porque
se um vai desembocar em animais praticamente sem préstimo, o outro acabará por desembocar
no Malinois, de acordo com o desmembramento de uns e o abastardamento de outros,
não podendo nenhum deles isoladamente fazer ressurgir o valoroso cão de
outrora. Como todos sabemos, a devolução da histórica grandeza da raça, levou
alguns criadores, principalmente norte americanos, à criação e raças
congéneres. Os criadores de cães para shows de morfologia, que reclamam para si
os mais altos índices de pureza dentro da raça, dos quais não podemos desligar a
aberração, precisam de retroceder e beneficiar os seus cães com outros da mesma
raça portadores de uma excelente biomecânica e de uma alta capacidade de
aprendizagem, isto se estiverem interessados em dar à raça aquilo que
inadvertidamente lhe surripiaram. Por sua vez, aqueles que se voltaram para a
raiz comum existente entre o Pastor Alemão, o Belga e o Holandês, na procura de
um cão excelente, prática hoje por demais recorrente entre militares e polícias,
porque os homens aprendem com os seus erros, deverão ter conhecimento e
compreender o que destacou o Pastor Alemão dos seus primos, porque doutro modo irão
experimentar dificuldades desnecessárias que outros no passado já venceram, nomeadamente
a ausência de equilíbrio entre a acção e a inacção, entre o cumprimento das
ordens e a sua cessação, já que um cão descontrolado é de pouco ou nenhum
préstimo – um verdadeiro bandido!
Não sei para onde nos guiará a SV e não sei se estarei cá para ver, muito embora agora tudo aconteça mais depressa, mas espero que ela tome as decisões certas para valer ao bom-nome da raça que representa, apesar de saber que a evolução do Cão de Pastor Alemão acontecerá em paralelo com a de outras raças, de acordo com os valores que entretanto se levantarão e eventualmente pela novidade de processos. Eu conheci, criei e treinei grandes Pastores Alemães, falo do que vi e experimentei, sinto-me grato e jamais os esquecerei nos dias que me restam.
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