segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O CASO BRUGNERA

Parem de mentir! Estou farto de ouvir dizer que todas as raças caninas nascem boas e que são os donos que as fazem más, que os indivíduos de determinada raça necessitam de um dono experiente, decidido e disponível, como se todos os donos fossem experientes, disponíveis, seguros e valentes, quando sabemos que sucede exactamente o contrário, como se a liderança, o sangue frio e a coragem fossem uma questão de opção. E mesmo que assim fosse, as possíveis vítimas dos cães teriam essas características, nomeadamente as crianças e os idosos que são os alvos preferenciais dos seus ataques? Há por aí demasiada gente a palrar sobre cães, na sua maioria urbana e provavelmente bem-intencionada, que ao abraçar teorias, coloca em risco a sua vida, a dos seus e a dos outros. Por outro lado, e isto é importante que se diga, há por aí quem procure, deliberadamente, cães “filhos da mãe” para assustar ou fazer mal a outrem, acabando sempre por encontrá-los! E quando o disparate acontece e alguém vai desta para melhor, as razões dos ataques são na sua maioria desconhecidas?!
Em BRUGNERA, comuna italiana da Região de Friuli-Venezia Giulia, Província de Pordenone, no nordeste do país, um homem de 74 anos foi atacado e morto por dois AMSTAFF pertencentes a um parente seu vizinho que os tinha para defesa, quando os foi alimentar. O defunto já conhecia os cães há anos e nunca tinha havido até ali algum mal-entendido entre eles. Quando o septuagenário gritou de dor, a sua esposa veio em seu socorro, acabando também ela mordida, ainda que sem gravidade. Antes da chegada de socorro e vendo a aflição em que os seus pais se encontravam, o filho do casal pegou numa arma e abateu um dos cães. O cão sobrevivente foi confiado a um veterinário até ser decidido o seu futuro, os donos dos cães irão responder a tribunal e o Prefeito de Brugnera, Renzo Dolfi, estendeu as suas condolências à família enlutada.
Apesar de ser possível, não creio que o dono dos cães tenha mandado a vítima alimentá-los face ao serviço a que se destinavam, a menos que fosse por demais ignorante, sofresse de algum delírio súbito ou intentasse livrar-se do septuagenário. O mais provável e nisso deverá basear-se a defesa dos proprietários dos cães, é que o idoso tenha entrado no recinto confiado aos animais de livre e espontânea vontade, provavelmente com restos de comida. E dizemos isto porquê? Porque a vítima e os cães já se conheciam há anos e também devido ao facto da sua esposa ter sido mordida sem gravidade, o que aponta para a comida como causa provável do ataque e não para a territorialidade presente na raça dos animais. É possível, perante a dificuldade em distribuir a comida, que o idoso tenha repreendido ou impedido algum dos cães de alcançá-la, o que seria motivo mais do que suficiente para ser atacado, atendendo à habitual sofreguidão canina por comida confeccionada, carne crua e ossos.
Todavia, pergunta-se: cães menos poderosos e com uma menor potência de mordedura teriam morto aquele homem quase instantaneamente como foi o caso? É evidente que não, como é evidente que há uma vontade latente do dono dos animais em se constituir justiceiro e causar sério dolo a terceiros. No caso dos Amstaff, que receberam uma infusão de territorialidade que os Pitbulls seus primos-irmãos não têm, o que os torna mais propensos para atacar pessoas do que os seus parentes dos ringues, sabe-se ainda que em algumas linhas da raça proliferam indivíduos que se descontrolam quando cheiram sangue, tornando-se praticamente impossível detê-los, pormenor que tem levado alguns a dar-lhes dietas sensíveis à vegetariana.
Este fim-de-semana assisti a uma exibição onde um cão pretensamente ia resgatar uma criança. Atendendo ao tamanho e fragilidade do resgatado, o tratador do cão achou por bem açaimá-lo e agiu correctamente, porque os acidentes acontecem e tanto a procura como a captura de uma pessoa dependem do mesmo instinto canino – o de caça, sendo por isso difícil encontrar um cão que desempenhe cabalmente estes dois distintos serviços (por alguma razão usamos labradores e outros cães de boa índole na detecção de drogas). Se usássemos Amstaffs no resgate de pessoas que não os seus donos, teríamos obrigatoriamente que açaimá-los, particularmente diante de resgatados feridos. Cães com esta potência de mordedura, caso aguentassem, estariam melhor no Alasca do que nas nossas cidades, porque lá seriam úteis para defender os seus donos da gula e dos ataques dos ursos pardos, podendo também dar uma preciosa ajuda aos russos da República da Carélia.
Um cão assim é uma arma e as armas não deverão ter venda livre diante dos direitos humanos, conforme temos visto noutras latitudes, onde as vítimas inocentes não param de aumentar e jamais pararão enquanto qualquer um puder adquirir a arma que pretender. Como a maluqueira da corrida aos cães perigosos não difere da corrida às armas de defesa, vale a pena perguntar: os cães de raça perigosa têm eliminado mais bandidos ou pessoal de casa? Quem mais atacam, quem lhes faz frente ou crianças e idosos? Há em tudo isto muito desrespeito, ignorância, cobardia e maldade. Um cão destes, mesmo que cesse os seus ataques imediatamente à ordem, pode já ter provocado danos irreversíveis numa vítima acidental.

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