A determinada altura,
quando me encontrava a gravar para uma série junto ao Castelo de Sesimbra, numa
pausa das filmagens e a sofrer horrores com o calor, uma senhora
bem-intencionada e avançada na idade acerca-se de mim e diz: “Parabéns. Tem um
cão muito inteligente!” Sem paciência e incomodado pela interpelação, respondi-lhe
que o inteligente era eu e que o animal se encontrava a descansar na carrinha.
O vulgo das pessoas, quando vê algum cão fazer algo de extraordinário, tende a
aplaudir o animal e a esquecer-se do esforço do seu líder, como se o cão não
espelhasse a qualidade do seu mestre. Essa omissão é por vezes intencional e
usada pelos governos, quando importa dar um cunho heróico a determinada acção e
granjear o apoio da opinião pública. Assim se passou mais uma vez no abate de ABU BAKR al-BAGHDADI,
terrorista e líder do DAESH, ocorrido
no passado fim-de-semana, operado pela DELTA
FORCE do 75TH
RANGERS REGIMENT dos Estados Unidos, força da qual
constavam vários cães de guerra, merecendo especial destaque o que encurralou o
terrorista num túnel e fê-lo explodir junto com os seus três filhos.
Torna-se por demais
evidente que o sucesso desta operação ficou a dever-se mais à sua preparação(1) do que à acção do cão, que atendendo a
vários factores, podia até não ser a esperada (falhar). Assim, o mérito deste GOLPE DE MÃO
vai inteirinho para os rangers norte-americanos e se os cães cumpriram o seu
papel, é porque alguém os treinou afincadamente para isso. A exaltação do papel
do cão nesta operação militar é descaradamente estratégica e aponta para vários
destinatários, ainda que Trump queira arranjar-lhe mais um – os emigrantes
vindos da fronteira mexicana. O primeiro destinatário são os terroristas e
extremistas islâmicos, para quem morrer à boca dos cães é algo inimaginável e
repugnante, uma vez que estes animais são por eles considerados impuros, capazes
de contaminar os seguidores do Profeta e impedi-los de alcançar o paraíso. A
ênfase do papel do cão acaba por ser para eles uma clara ameaça – fica quieto
ou vais morrer assim!
O segundo destinatário é
interno e tem a ver com a opinião pública americana, país onde existem para
cima de 75 milhões de cães de companhia, tradicionalmente amigo do cão e apto a
maravilhar-se com as suas façanhas em detrimento de outros factos, como a
invasão de um país soberano e o desespero que levou à morte dos 4 indivíduos,
sendo três deles menores segundo se crê (deverão os filhos pagar pelos crimes
dos pais?). A exaltação da façanha do cão tende a deixar toda a gente feliz e a
possibilidade de feridos ou baixas passa para segundo plano - deixa de ser
questionada (as lições da Guerra do Vietname não foram esquecidas). O terceiro
destinatário abrange os cidadãos dos países aliados dos Estados Unidos e a
opinião pública mundial, que andam fartos de terroristas e ataques à bomba, a
quem importa transmitir uma mensagem de poder, segurança e normalidade,
suavizando uma acção militar com os feitos heróicos de um cão.
O
cão agora elevado ao estatuto de herói é uma cadela chamada CONAN
segundo revelou a NEWSWEEK(2),
uma PASTORA BELGA
MALINOIS que ficou levemente ferida na operação, mas que já se
encontra totalmente recuperada e apta para o serviço. O Pastor Belga Malinois
está a tornar-se num cão de guerra preferencial, por ser rústico, valente,
decidido, leve e ser mais fácil de transportar, rivalizando apenas com o Pastor
Alemão em algumas missões. Quanto à morte do líder do Daesh, enquanto cristão e
homem livre, eu não posso congratular-me com a morte de ninguém, mas acordo
mais alegre e sinto-me muito mais seguro ao saber que há menos um assassino à
solta!
(1)Uma operação destas, que existe precisão,
só é possível mediante informações detalhadas, estudo rigoroso e uma preparação minuciosa, para além de não dispensar a informação de forças no terreno e a colaboração de
países aliados. (2) Segunda maior revista de notícias
norte-americana, publicada em Nova Iorque e distribuída nacional e
internacionalmente.
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