Naturalmente curioso, nunca
fui dado a generalizações, apegado a dogmas ou chegado a verdades absolutas,
muito menos a panaceias, nas quais posso incluir a castração e a esterilização de
cães hoje muito em voga, rotuladas como o melhor para a saúde dos animais,
inclusive como procedimento anticancerígeno, porque a história tem-me ensinado que
a verdade de hoje pode amanhã ser mentira. A esterilização dos cães é uma
medida que se presta à redução do seu número e serve para nos isentar de
maiores cuidados e preocupações – para aliviar a nossa responsabilidade. Será porventura
inócua para os animais em questão? Não agravará o seu quadro clínico e atentará
assim contra o seu bem-estar e longevidade? Depois de ler o artigo “THE GROWING DEBATE OVER SPAYING
AND NEUTERING DOGS” presente no WASHINGTON
POST
online do dia 11 deste mês, da autoria de Karin Brulliard, duvido que
esterilização canina não atente contra a saúde e o bem-estar destes animais.
O artigo começa por citar VALERIE ROBSON,
funcionário do Governo no Condado de Conifer, no Colorado, que é dona de dois
Golden Retrievers de anatomia intacta (Astro e Rumble), que por causa deste
particular acabaram por ver barrado o seu acesso à maioria das creches caninas.
Apesar de Valerie não ter qualquer interesse na reprodução dos seus cães, ela
recusou esterilizá-los por ter tomado conhecimento de pesquisas que sugerem estar
a castração ligada ao cancro e a distúrbios articulares, opondo-se assim a um
dogma que perdura nos Estados Unidos desde a década de 70, que defende a
remoção de ovários e a extracção dos testículos nos cães de abrigo.
Se é verdade que estas
cirurgias simplificam a posse dos animais, impedindo que as cadelas entrem em
cio e os cães deixem de marcar território, as melhorias comportamentais que
alguns apregoam como benefício da esterilização/castração ainda não foram cientificamente
comprovadas. Existem cada vez mais evidências que ligam a esterilização a
problemas de saúde nos cães, sendo mais fortes em certas raças e entre os cães
grandes, desempenhando a idade na castração um papel importante. A ocorrência
destes problemas está a fazer com que alguns veterinários e proprietários de
cães questionem o princípio da esterilização. MISSY
SIMPSON (na foto seguinte), epidemiologista veterinária da MORRIS ANIMAL FOUNDATION,
instituição de caridade que financia pesquisas em saúde animal, disse ao jornal
atrás citado que a esterilização não deverá ser recomendada para todos os cães.
Simpson foi a principal
autora de um artigo recente sobre cerca de 2.800 Golden Retrievers inscritos
num estudo ao longo da vida, descobrindo que os cães castrados ou esterilizados
eram mais propensos a estar acima do seu peso ou obesos (até aqui já todos
sabíamos!). Este estudo também descobriu que os cães tornados assexuados
apresentavam taxas muito mais altas de lesões ortopédicas e que mantê-los
magros não impedia o aparecimento dessas lesões (cuidado senhores adestradores
na relação entre castrados e exercício físico). A pesquisa desta cientista
acabou por gerar polémica nos mundos da veterinária e dos canis de abrigo, para
quem a esterilização está a operar um declínio dramático no abate de cães,
normalmente entendido como “eutanásia”, restando saber se os cães deram e
continuam a dar o seu consentimento. A Sociedade Americana para a Prevenção da
Crueldade contra Animais (ASPCA),
face aos 67.000 cães que anualmente são mortos em abrigo, apoia a esterilização
“precoce”.
Não se pode negar que
tanto a castração como a esterilização trazem alguns benefícios claros para a
saúde dos cães, pois há evidências de que a esterilização diminui o risco de
cancro mamário e de infecções uterinas. Contudo, os pesquisadores dizem que os
hormónios reprodutivos controlados pelos órgãos sexuais removidos têm papéis
sistémicos importantes, influenciando directamente no desenvolvimento da massa
muscular e na força de tendões e ligamentos, informando os ossos quando devem
parar de crescer. Simpson é peremptória: “Sem esses hormónios, o corpo dos cães
pode não ser tão robusto”. O recente debate sobre castração e esterilização
explodiu em 2013, quando um estudo da UNIVERSIDADE
DA CALIFORNIA em DAVIS relatou taxas mais altas de
displasia da anca, lesões do ligamento cruzado craniano e certos tipos de
câncer entre os golden retrievers assexuados - especialmente aqueles
castrados cedo, definidos como antes de 1 ano de idade. O artigo causou
"muita controvérsia" e os críticos acusaram os seus autores de “estimularem
a superpopulação de animais", segundo fez saber um dos seus autores, BENJAMIN HART,
professor emérito da escola veterinária de Davis. Diante destas conclusões
poderemos puxar de igual modo por cães intactos e assexuados? É evidente que
não, e pode ser até criminoso!
Algum tempo depois, Hart
e os seus colegas viriam a encontrar taxas mais altas de distúrbios nas
articulações, mas não de cancro, entre Labradores e Pastores Alemães que foram
castrados precocemente. Num último estudo ainda por publicar, onde foram
examinadas 35 raças caninas e vários cães de raça indefinida, não foram
encontradas ligações ente distúrbios articulares e cancro em cães pequenos. Não
obstante, foram encontradas taxas muito maiores de distúrbios articulares
entre quase todos os cães grandes esterilizados precocemente, segundo fez
saber Hart e que disse ainda: “Os cães variam tremendamente na sua fisiologia,
anatomia. Não é de surpreender que variem nestas coisas… É complicado. É por
isso que as pessoas precisam de conversar com seu veterinário.” Este é também o
parecer da AMERICAN
VETERINARY MEDICAL ASSOCIATION (AVMA),
que defende que as decisões deverão ser tomadas caso a caso. Neste contexto, o
Washington Post questionou MICHAEL
PETTY, veterinário em Canton, no Michigan, que aconselhava
esterilizar ou neutralizar os cães aos seis meses de idade. Depois de ver
muitos ligamentos cruzados rasgados entre os cães castrados, ele questionou-se
acerca de uma possível ligação. Com base em pesquisas publicadas desde a
última década, ele só aconselha a esterilização depois dos cães atingirem a
puberdade.
O artigo deste prestigiado
jornal norte-americano termina entrevistando vários proprietários caninos que
persistiram em não castrar os seus cães ou que os castraram já na idade adulta,
realçando o seu bem-estar, saúde, bom comportamento e interacção. Afinal a
castração/esterilização não é conveniente para todos os cães e tem hora de ser
feita. Já havíamos chegado às mesmas conclusões presentes neste artigo, graças
á experiência de décadas a trabalhar com cães. Quando o dissemos chamaram nos
loucos e por certo, atendendo á má língua, continuarão a chamar-nos. Para
aqueles que desejarem, e oxalá sejam muitos, aqui fica o site do referido
artigo: https://www.washingtonpost.com/science/2019/10/11/growing-debate-over-spaying-neutering-dogs/.
Sem comentários:
Enviar um comentário