terça-feira, 15 de outubro de 2019

ESTAVA A VER QUE NUNCA MAIS!

Naturalmente curioso, nunca fui dado a generalizações, apegado a dogmas ou chegado a verdades absolutas, muito menos a panaceias, nas quais posso incluir a castração e a esterilização de cães hoje muito em voga, rotuladas como o melhor para a saúde dos animais, inclusive como procedimento anticancerígeno, porque a história tem-me ensinado que a verdade de hoje pode amanhã ser mentira. A esterilização dos cães é uma medida que se presta à redução do seu número e serve para nos isentar de maiores cuidados e preocupações – para aliviar a nossa responsabilidade. Será porventura inócua para os animais em questão? Não agravará o seu quadro clínico e atentará assim contra o seu bem-estar e longevidade? Depois de ler o artigo “THE GROWING DEBATE OVER SPAYING AND NEUTERING DOGS” presente no WASHINGTON POST online do dia 11 deste mês, da autoria de Karin Brulliard, duvido que esterilização canina não atente contra a saúde e o bem-estar destes animais.
O artigo começa por citar VALERIE ROBSON, funcionário do Governo no Condado de Conifer, no Colorado, que é dona de dois Golden Retrievers de anatomia intacta (Astro e Rumble), que por causa deste particular acabaram por ver barrado o seu acesso à maioria das creches caninas. Apesar de Valerie não ter qualquer interesse na reprodução dos seus cães, ela recusou esterilizá-los por ter tomado conhecimento de pesquisas que sugerem estar a castração ligada ao cancro e a distúrbios articulares, opondo-se assim a um dogma que perdura nos Estados Unidos desde a década de 70, que defende a remoção de ovários e a extracção dos testículos nos cães de abrigo.
Se é verdade que estas cirurgias simplificam a posse dos animais, impedindo que as cadelas entrem em cio e os cães deixem de marcar território, as melhorias comportamentais que alguns apregoam como benefício da esterilização/castração ainda não foram cientificamente comprovadas. Existem cada vez mais evidências que ligam a esterilização a problemas de saúde nos cães, sendo mais fortes em certas raças e entre os cães grandes, desempenhando a idade na castração um papel importante. A ocorrência destes problemas está a fazer com que alguns veterinários e proprietários de cães questionem o princípio da esterilização. MISSY SIMPSON (na foto seguinte), epidemiologista veterinária da MORRIS ANIMAL FOUNDATION, instituição de caridade que financia pesquisas em saúde animal, disse ao jornal atrás citado que a esterilização não deverá ser recomendada para todos os cães.
Simpson foi a principal autora de um artigo recente sobre cerca de 2.800 Golden Retrievers inscritos num estudo ao longo da vida, descobrindo que os cães castrados ou esterilizados eram mais propensos a estar acima do seu peso ou obesos (até aqui já todos sabíamos!). Este estudo também descobriu que os cães tornados assexuados apresentavam taxas muito mais altas de lesões ortopédicas e que mantê-los magros não impedia o aparecimento dessas lesões (cuidado senhores adestradores na relação entre castrados e exercício físico). A pesquisa desta cientista acabou por gerar polémica nos mundos da veterinária e dos canis de abrigo, para quem a esterilização está a operar um declínio dramático no abate de cães, normalmente entendido como “eutanásia”, restando saber se os cães deram e continuam a dar o seu consentimento. A Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais (ASPCA), face aos 67.000 cães que anualmente são mortos em abrigo, apoia a esterilização “precoce”.
Não se pode negar que tanto a castração como a esterilização trazem alguns benefícios claros para a saúde dos cães, pois há evidências de que a esterilização diminui o risco de cancro mamário e de infecções uterinas. Contudo, os pesquisadores dizem que os hormónios reprodutivos controlados pelos órgãos sexuais removidos têm papéis sistémicos importantes, influenciando directamente no desenvolvimento da massa muscular e na força de tendões e ligamentos, informando os ossos quando devem parar de crescer. Simpson é peremptória: “Sem esses hormónios, o corpo dos cães pode não ser tão robusto”. O recente debate sobre castração e esterilização explodiu em 2013, quando um estudo da UNIVERSIDADE DA CALIFORNIA em DAVIS relatou taxas mais altas de displasia da anca, lesões do ligamento cruzado craniano e certos tipos de câncer entre os golden retrievers assexuados - especialmente aqueles castrados cedo, definidos como antes de 1 ano de idade. O artigo causou "muita controvérsia" e os críticos acusaram os seus autores de “estimularem a superpopulação de animais", segundo fez saber um dos seus autores, BENJAMIN HART, professor emérito da escola veterinária de Davis. Diante destas conclusões poderemos puxar de igual modo por cães intactos e assexuados? É evidente que não, e pode ser até criminoso!
Algum tempo depois, Hart e os seus colegas viriam a encontrar taxas mais altas de distúrbios nas articulações, mas não de cancro, entre Labradores e Pastores Alemães que foram castrados precocemente. Num último estudo ainda por publicar, onde foram examinadas 35 raças caninas e vários cães de raça indefinida, não foram encontradas ligações ente distúrbios articulares e cancro em cães pequenos. Não obstante, foram encontradas taxas muito maiores de distúrbios articulares entre quase todos os cães grandes esterilizados precocemente, segundo fez saber Hart e que disse ainda: “Os cães variam tremendamente na sua fisiologia, anatomia. Não é de surpreender que variem nestas coisas… É complicado. É por isso que as pessoas precisam de conversar com seu veterinário.” Este é também o parecer da AMERICAN VETERINARY MEDICAL ASSOCIATION (AVMA), que defende que as decisões deverão ser tomadas caso a caso. Neste contexto, o Washington Post questionou MICHAEL PETTY, veterinário em Canton, no Michigan, que aconselhava esterilizar ou neutralizar os cães aos seis meses de idade. Depois de ver muitos ligamentos cruzados rasgados entre os cães castrados, ele questionou-se acerca de uma possível ligação. Com base em pesquisas publicadas desde a última década, ele só aconselha a esterilização depois dos cães atingirem a puberdade.
O artigo deste prestigiado jornal norte-americano termina entrevistando vários proprietários caninos que persistiram em não castrar os seus cães ou que os castraram já na idade adulta, realçando o seu bem-estar, saúde, bom comportamento e interacção. Afinal a castração/esterilização não é conveniente para todos os cães e tem hora de ser feita. Já havíamos chegado às mesmas conclusões presentes neste artigo, graças á experiência de décadas a trabalhar com cães. Quando o dissemos chamaram nos loucos e por certo, atendendo á má língua, continuarão a chamar-nos. Para aqueles que desejarem, e oxalá sejam muitos, aqui fica o site do referido artigo: https://www.washingtonpost.com/science/2019/10/11/growing-debate-over-spaying-neutering-dogs/.

Sem comentários:

Enviar um comentário