Na passada Terça-feira pudemos ver na TVI24 uma pequena reportagem sobre
cães de presumível protecção às vítimas de violência doméstica, que começou com
a defesa de um contentor onde se encontrava uma senhora chamada Sofia e um CPA
bicolor com um nome parecido a “Max” (não podemos garantir o nome exacto do
animal devido à gritaria presente na peça). Depois ficámos a saber que se trata
de uma associação com o nome de “Knine Service”, que intenta implantar um
projecto denominado de “Anúbis”, direccionado para as vítimas de violência
doméstica, a partir do treino de cães adoptados e não-adoptados para esse fim,
treino esse que deverá ser personalizado e que terá como preocupação coadunar o
perfil psicológico das vítimas com o dos cães que necessitam. Para além disto, segundo
se fez saber, o treino terá também uma componente psicológica e serão ainda adiantadas
às vítimas técnicas de defesa pessoal. Entende a associação atrás citada ter
como parceiros estratégicos as associações de apoio e protecção às vítimas de
violência doméstica.
Tivemos oportunidade de ver na peça um dos ataques do CPA sobre um pretenso
agressor, animal tão bem comportado que dispensou a parte inferior do fato de
ataque e foi morder numa das mangas do casaco destinado a esse trabalho. Um dos
intervenientes na reportagem fez questão de dizer que aquele projecto nada tem
a ver com religião, contra-senso face ao nome do projecto – “Anúbis”, que como
é sabido, era o Deus egípcio que guiava as almas dos mortos ao submundo. E, se
isto nada tem a ver com religião, então o projecto parece ser de índole
justiceira. Quem serão os mortos a encaminhar? É possível que sejam os
agressores, mas será esta a justiça preconizada pela nossa Constituição? Por
outro lado, talvez por lapso, em nenhum momento da reportagem foi adiantado
quanto custará o treino e quem o pagará.
O que nos foi dado a observar na peça aponta simples e indubitavelmente
para as atribuições dos cães de defesa pessoal, serviço há muito prestado pelas
escolas caninas dedicadas a esse ofício. A haver alguma diferença, ela
assentará na oportunidade e aproveitamento do tema, na aplicação do
adestramento clássico (ortodoxo) para solucionar um problema simultaneamente antigo
e actual. Infelizmente nenhum cão conseguirá tirar a maldade dos homens, mesmo
através da justiça do “olho por olho; dente por dente”. Num país onde a maioria
das mulheres é assassinada à facada pelos seus companheiros, a sua defesa pelos
cães ainda aumentaria mais a fúria dos seus algozes, que usando de maior
subversão, surpreendê-las-iam de outro modo, quiçá até mais violento e
tragicamente mais eficaz, que nem os cães pouparia.
A protecção às vítimas de violência doméstica, quando bem entendida,
deverá assentar sobre a prevenção advinda da educação, esclarecimento, denúncia
e apoio às vítimas, porque está intimamente ligada a diversos factores
culturais onde se destacam a tradição, a aceitação, a ignorância e diversas patologias.
A nosso ver, e esta não é a nossa praia, a denúncia da violência doméstica
deverá acontecer primeiro no seio familiar e depois nas escolas primárias,
antes da puberdade dos indivíduos e dos namoros que lhe sucedem.
E depois, considerando que um cão assim é uma arma, os acidentes
acontecem, os traumas não desaparecem por édito real e transformar alguém num
líder capaz é tarefa quase impossível, a posse do animal não poderá vir a ser igualmente
perigosa para o próprio e para terceiros? Não resultará em mais vítimas
inocentes? Serão os psicólogos milagreiros ou omnipresentes? Decididamente o
pânico não é bom conselheiro, porque tende a substituir os protocolos
necessários pelas acções automáticas que desperta.
Conscientes disto, quando ministrávamos aptidões para cães de guarda,
sempre rejeitámos aqueles cujos donos se encontrassem transtornados,
debilitados, dominados por sentimentos de vingança, que fossem imaturos, desequilibrados
ou de natureza colérica. O melhor combate contra a violência doméstica não
poderá passar pela sua provocação ou estímulo, reacções que o uso dos cães poderá
despoletar (espicaçar) sem maiores dificuldades. Como o problema não é
individual nem tão pouco esporádico, a sua solução terá que ser de natureza social.
Nós acreditamos na educação que induz à prevenção e à denúncia. E enquanto isso
não suceder (é preciso tempo), não nos resta outro remédio do que apoiar às
vítimas, sem contudo as sujeitar ao vicioso jogo do “toma lá, dá cá”. Cabe aos tribunais
determinar a sua protecção e solicitá-la às polícias. Vivemos ou não num Estado
de Direito? Se sim, então não poderemos calar-nos quando os nossos direitos são desrespeitados, mormente quando alguns de nós perdem o maior deles – o direito
à vida!
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