sexta-feira, 14 de setembro de 2018

NÓS POR CÁ: CÃES DE PROTECÇÃO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Na passada Terça-feira pudemos ver na TVI24 uma pequena reportagem sobre cães de presumível protecção às vítimas de violência doméstica, que começou com a defesa de um contentor onde se encontrava uma senhora chamada Sofia e um CPA bicolor com um nome parecido a “Max” (não podemos garantir o nome exacto do animal devido à gritaria presente na peça). Depois ficámos a saber que se trata de uma associação com o nome de “Knine Service”, que intenta implantar um projecto denominado de “Anúbis”, direccionado para as vítimas de violência doméstica, a partir do treino de cães adoptados e não-adoptados para esse fim, treino esse que deverá ser personalizado e que terá como preocupação coadunar o perfil psicológico das vítimas com o dos cães que necessitam. Para além disto, segundo se fez saber, o treino terá também uma componente psicológica e serão ainda adiantadas às vítimas técnicas de defesa pessoal. Entende a associação atrás citada ter como parceiros estratégicos as associações de apoio e protecção às vítimas de violência doméstica.
Tivemos oportunidade de ver na peça um dos ataques do CPA sobre um pretenso agressor, animal tão bem comportado que dispensou a parte inferior do fato de ataque e foi morder numa das mangas do casaco destinado a esse trabalho. Um dos intervenientes na reportagem fez questão de dizer que aquele projecto nada tem a ver com religião, contra-senso face ao nome do projecto – “Anúbis”, que como é sabido, era o Deus egípcio que guiava as almas dos mortos ao submundo. E, se isto nada tem a ver com religião, então o projecto parece ser de índole justiceira. Quem serão os mortos a encaminhar? É possível que sejam os agressores, mas será esta a justiça preconizada pela nossa Constituição? Por outro lado, talvez por lapso, em nenhum momento da reportagem foi adiantado quanto custará o treino e quem o pagará.
O que nos foi dado a observar na peça aponta simples e indubitavelmente para as atribuições dos cães de defesa pessoal, serviço há muito prestado pelas escolas caninas dedicadas a esse ofício. A haver alguma diferença, ela assentará na oportunidade e aproveitamento do tema, na aplicação do adestramento clássico (ortodoxo) para solucionar um problema simultaneamente antigo e actual. Infelizmente nenhum cão conseguirá tirar a maldade dos homens, mesmo através da justiça do “olho por olho; dente por dente”. Num país onde a maioria das mulheres é assassinada à facada pelos seus companheiros, a sua defesa pelos cães ainda aumentaria mais a fúria dos seus algozes, que usando de maior subversão, surpreendê-las-iam de outro modo, quiçá até mais violento e tragicamente mais eficaz, que nem os cães pouparia.
A protecção às vítimas de violência doméstica, quando bem entendida, deverá assentar sobre a prevenção advinda da educação, esclarecimento, denúncia e apoio às vítimas, porque está intimamente ligada a diversos factores culturais onde se destacam a tradição, a aceitação, a ignorância e diversas patologias. A nosso ver, e esta não é a nossa praia, a denúncia da violência doméstica deverá acontecer primeiro no seio familiar e depois nas escolas primárias, antes da puberdade dos indivíduos e dos namoros que lhe sucedem.
E depois, considerando que um cão assim é uma arma, os acidentes acontecem, os traumas não desaparecem por édito real e transformar alguém num líder capaz é tarefa quase impossível, a posse do animal não poderá vir a ser igualmente perigosa para o próprio e para terceiros? Não resultará em mais vítimas inocentes? Serão os psicólogos milagreiros ou omnipresentes? Decididamente o pânico não é bom conselheiro, porque tende a substituir os protocolos necessários pelas acções automáticas que desperta.
Conscientes disto, quando ministrávamos aptidões para cães de guarda, sempre rejeitámos aqueles cujos donos se encontrassem transtornados, debilitados, dominados por sentimentos de vingança, que fossem imaturos, desequilibrados ou de natureza colérica. O melhor combate contra a violência doméstica não poderá passar pela sua provocação ou estímulo, reacções que o uso dos cães poderá despoletar (espicaçar) sem maiores dificuldades. Como o problema não é individual nem tão pouco esporádico, a sua solução terá que ser de natureza social. Nós acreditamos na educação que induz à prevenção e à denúncia. E enquanto isso não suceder (é preciso tempo), não nos resta outro remédio do que apoiar às vítimas, sem contudo as sujeitar ao vicioso jogo do “toma lá, dá cá”. Cabe aos tribunais determinar a sua protecção e solicitá-la às polícias. Vivemos ou não num Estado de Direito? Se sim, então não poderemos calar-nos quando os nossos direitos são desrespeitados, mormente quando alguns de nós perdem o maior deles – o direito à vida!

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