quarta-feira, 18 de março de 2020

SEMPRE QUIS TER UM, AGORA JÁ É UM POUCO TARDE!

É verdade, sempre quis ter um e agora já não vale a pena, porque já não estou em idade de aventuras e não seria capaz de acompanhá-lo. Estou a falar do Cão de Ursos da Carélia (Karelian Bear Dog), um camarada cuja disponibilidade e valentia sempre me cativaram. Como o próprio nome indica, trata-se de um cão destinado à caça ao urso, seleccionado e usado na Carélia, região localizada na Europa setentrional, dividida entre a Federação Russa e a Finlândia. A região é pouco habitada e divide-se administrativa em quatro regiões: o Óblast de Leningrado, a República da Carélia na Rússia e as Carélias do Sul e do Norte na Finlândia.
Comecemos por uma breve síntese da história da raça. O Cão de Ursos da Carélia, “Karjalankarhukoira” em finlandês (gostava de saber como se diz?!), começou por ser um cão de camponeses finlandeses e russos, que o usavam como caçador e cão de guarda. Só os cães sobreviventes, os que suportaram a dureza dos combates e as situações adversas das caçadas, perpetuaram a raça, sendo essa a sua proto-selecção. Os primeiros cães eram de pelagem vermelha, cinzenta e preta e branca. O cão que esteve na origem da raça foi o “Komi”, também conhecido por “Cão dos Zirianos”, muito embora outros cães da região tenham contribuído também para a sua formação. A selecção propriamente dita da raça iniciou-se em 1936 com objectivo de criar um cão para sinalizar e caçar ursos e optou-se pela designação de “Cão de Ursos da Carélia” e pela pelagem branca e preta. O primeiro estalão da raça foi estabelecido em 1945 e os primeiros cães da raça foram registados no Finnish Kennel Club em 1946. Hoje a raça é uma das 10 mais comuns na Finlândia. Dizem os especialistas, que apesar de ser um cão de caça por excelência, próprio para caçar ursos, linces, javalis, lobos e alces, o Cão de Ursos da Carélia pode também ser treinado e competir em provas de obediência, de busca e salvamento e até como cão de trenó, como acontece no seu país natal.
Este Spitz, que apresenta dimorfismo sexual, mais na altura do que na envergadura (54 a 60cm para os machos e 49 a 55cm para as fêmeas, oscilando o peso de ambos entre os 20 e os 23kg) e uma esperança média de vida entre os 11 e os 13 anos, apresenta como desvantagens as seguintes características: não é fácil de treinar; não é um cão indicado para principiantes; dificilmente se adapta à vida em apartamento e não é naturalmente sociável com estranhos e outros cães. Convém relembrar que os Cães da Carélia, enquanto caçadores, foram criados para serem naturalmente agressivos. Como são de natureza precoce, muito leais à sua família humana e protectores, deverão logo a partir da “idade da cópia” (4 meses) ser objecto de sociabilização “inter pares”. 
Convém apresentar-lhes os gatinhos dois meses antes. Extremamente energético e carente de exercício constante, o Cão de Ursos não é o cão indicado para quem não gosta ou não pode mexer-se e quando forçado à sedentarização tende a engordar. Cães destes exigem espaço e cercas capazes, porque doutro modo sempre trarão para casa alguma presa, já que tendencialmente vagueiam e perseguem animais.
Este cão silencioso, que não rejeita desafios e que é próprio para a caça grossa, apresenta uma máquina sensorial extraordinária, destacando-se o olfacto como o primeiro dos seus sentidos. A sua pelagem densa assemelha-se à do Husky e do Samoiedo e as suas semelhanças com estes ficam-se por aí. Caçador inato, comunica o tipo de animal que localiza pelos diferentes modos de ladrar. A raça não é considerada de “companhia” por conta do seu apurado instinto caçador e ainda não foram realizados cruzamentos para diminuir esta característica. Apesar dos Cães de Ursos transitarem facilmente para a agressão a outros animais, tendência que pode ser revertida, e de serem territoriais em relação a pessoas estranhas, eles nunca são agressivos para elas, muito embora possam ser reservados.
Eu nunca disse isto, mas ainda cheguei a tempo de dizer: as melhores escolas de adestramento são as que se dedicam ao treino dos cães de caça com sucesso, porque exigem destreza de raciocínio, muito engenho, estudo, constância e arte, atendendo a que muitas raças caninas caçadoras são menos interactivas, mais desconfiadas e pouco subornáveis, bem diferentes doutras que abrem a boca para qualquer um no meio da rua ou que saem a correr atrás de uma bola sem tão pouco se despedirem ou pedirem autorização. Treinar os nossos podengos, para além do seu potencial natural e melhorar assim a sua interacção, é uma escola que nos habilita a treinar todo e qualquer cão, seja ele caçador ou não! Graças a isso, julgo saber como treinar, sociabilizar e aproveitar tudo o que um Cão de Ursos da Carélia tem para dar!
No mais, estamos na presença de um companheiro de aventuras, o melhor para incursões em terra inóspita, do tipo “viver no Alasca”, porque sendo uma força da natureza, é a uma excelente ferramenta para sobreviventes que apenas exige controlo. Nove (9) características definem o Cão de Ursos da Carélia, são elas: caçador inveterado; incansável; independente, leal; persistente; pouco exigente; rústico; valente e capaz de auto-sustentar-se se necessário.
Agora, um tal de Nils Pederson, co-director do Wind River Bear Institute em Florence, Montana/USA, está treinar cães destes para afastar os ursos das áreas residenciais isoladas ou metropolitanas, o que para aquelas bandas tem acontecido com alguma frequência, como foi o caso ocorrido o ano passado, quando um urso negro de 300kg entrou num bairro residencial perto de Los Angeles, entreteve-se a saltar cercas das casas e acabou a tomar banho dentro piscina de um morador durante nove minutos. Tudo acabou bem, o urso foi capturado e posteriormente solto no seu habitat natural. Mas como nem sempre as coisas correm assim e importa evitar o abate dos ursos, chegou à hora deste cão finlandês entrar em acção.
Falar do Cão de Ursos da Carélia foi um privilégio para mim, porque quase sem dar conta, retornei a uma época próxima do cão primitivo, do mesmo que acompanhou o homem pré-histórico nas suas caçadas e que guardou as suas casas e bens quando este se sedentarizou. 
Infelizmente, para grande desgosto meu, nunca tive oportunidade de treinar um cão destes. Será que algum dos meus alunos algum dia o fará e experimentará aquilo que eu gostaria de ter experimentado? Oxalá!   

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