quinta-feira, 12 de março de 2020

ENTREGUES AOS CÃES

Em Kiev, na Capital da Ucrânia, existe um grande centro médico para veteranos de guerra, soldados afectados por Stress Pós-traumático (PTSD), estigmatizados pelo seu particular mental, que lutaram contra os separatistas apoiados pela Rússia no leste da Ucrânia. Alguns destes veteranos, que a sociedade ucraniana parece ignorar ou desprezar, como se não existissem, participam agora de uma iniciativa com cães de terapia visando a sua difícil recuperação.
Nos seis anos que leva o conflito que opõe Kiev aos separatistas de Donetsk e de Lugansk, já morreram 13.000 pessoas, incluindo 4.000 tropas ucranianas. Com 10.000 soldados feridos no conflito, alguns deles esperam que a terapia canina possa sarar as suas feridas ocultas. Quando a guerra eclodiu na Ucrânia em 2014 (à distância parece que foi ontem), as forças armadas herdadas da União Soviética não estavam preparadas para tão grande número de veteranos atingidos pelo PTSD.
Apesar de 500.000 ucranianos terem servido as forças armadas, a sua saúde mental é desconsiderada e o impacto psicológico da guerra permanece um tabu. Rodion Grigoryan, psicólogo voluntário junto dos veteranos, disse à AFP (Agence France-Presse) que apesar de “existirem medidas positivas por parte do Estado, há uma falta de esforço sistemático”, incluindo o precário financiamento governamental para solucionar o problema. Por seu lado, Oksana Kolyada, ex-Ministra dos Assuntos de Veteranos, disse à mesma agência noticiosa que “as autoridades ucranianas não mantêm os registos relativos ao número de soldados que lutam contra o Stress Pós-traumático.
A ex-Ministra disse ainda que “mais de 10% dos veteranos em todo o mundo sofrem trauma pós-guerra, com sintomas que incluem flashbacks, depressão, comportamentos agressivos e danos pessoais.” Na Ucrânia não existem estatísticas oficiais sobre as taxas de suicídio entre os veteranos, mas Oleksandr Tretyakov, então presidente do comité parlamentar de veteranos, disse em 2018 que pelo menos 1.000 veteranos ucranianos se suicidaram. A somar a isto, muitos ex-soldados relatam sentir-se mal na sociedade graças à percepção geral de que os militares levam uma vida fácil, livres das dificuldades económicas vividas por muitos ucranianos. Como resultado, metade dos veteranos de uma pesquisa recente patrocinada pela UE disse sentir-se discriminada e mais de um terço relatou sentir-se isolado.
Olga Smirnova, coordenadora do programa de terapia canina, diz que mais de mil soldados foram beneficiados desde o seu lançamento com a ajuda de instrutores canadianos em 2015. Os terapeutas caninos usam coletes brilhantes com o nome do programa "amigo do herói" e foram treinados para não "reagir agressivamente", segundo diz Natalia Chuprun, que trabalha como voluntária no programa com seu cachorro Ricky há quatro anos. Chuprun diz que a interacção com os animais torna mais fácil o envolvimento dos veteranos com "pessoas que se preocupam com eles", incluindo aqueles que querem ajudá-los profissionalmente e que os cães também intervêm mos momentos de desespero dos veteranos, acalmando-os quando sofrem ataques de pânico, ao deitar a seu lado.
Victoria, psicóloga do hospital militar de Kiev, diz que notou uma queda na ansiedade e na depressão, assim como um aumento do sono em mais da metade dos pacientes que participam das sessões de terapia com cães. Oleksandr, um veterano de 38 anos que passou um ano na linha de frente, no leste da Ucrânia, diz que a sua "vida mudou" desde que Deep Purple, um Retriever do Labrador, lhe foi entregue no seu apartamento nos arredores de Kiev, que o cão trouxe calma à sua vida e estabilidade aos seus padrões de sono.
Porque ainda há por aí muita gente a sofrer de Stress Pós-traumático, relembramos aqui os seus principais sintomas: recordação involuntária da experiência traumática; pesadelos frequentes; reacções desproporcionais perante pequenas coisas que fazem lembrar o acontecimento; choro fácil sem motivo aparente; dificuldades em adormecer e em manter o sono; recusa persistente de pensamentos, conversas, sentimentos, locais, pessoas e situações que façam lembrar o acontecimento; guardar distância emocional e social de pessoas anteriormente significativas e viver num estado de alerta permanente. Tudo isto flagela os veteranos ucranianos, esquecidos por razões estratégias e entregues aos seus dedicados terapeutas caninos. Com o auxílio destes cães é possível que menos veteranos se suicidem e que mais se reintegrem na sociedade. Apraz-me exclamar: há cães para tudo!

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