Quando os argentinos
criaram o seu Dogo certamente não sabiam da existência do Rajapalayam, porque
doutro modo tê-lo-iam alcançado mais cedo, evitado muitos contratempos ou
simplesmente abandonado a sua criação, porque o objecto da sua procura já havia
sido encontrado na Índia: um guardião branco e valente, leal, territorial, veloz,
exímio trotador, de boa ossatura, multifacetado, caçador, combativo, resistente
e persistente, um lebrel farejador indicado para a caça grossa (javali
inclusive) e próprio para caçar outros predadores, que nas últimas décadas está
ser usado pelo exército indiano como cão de guarda nas fronteiras de Caxemira.
Assim é o Rajapalayam, também conhecido como Paleiyakaran, e Hound Poligar (Cão
Poligar).
O
nome do Rajapalayam veio-lhe da cidade com o mesmo nome, situada no Sul da Índia,
de cuja região é endémico, no Distrito de Virudhunagar e Estado de Tamil Nadu, onde a
Dinastia Nayakar (Nayaks de Madurai, 1529-1736), constituída por 11 reis, 2
rainhas e 2 vice-reis, o criou e utilizou pela primeira vez, numa altura em que
o comércio externo da região era dominado por portugueses e holandeses antes da
chegada de britânicos e franceses. Foi usado como cão de guerra e com sucesso,
por ser extremamente veloz, contra a cavalaria inglesa nas Guerras Carnatic
(1746-1763) e nas Polygar (1799-1805), conflitos que opuseram indianos e
ingleses, demasiado sangrentos e de pesadas represálias, que terminaram com a
vitória dos últimos, que ali estabeleceram o “Raj” britânico. Segundo a
tradição quatro cães destes conseguiram matar sozinhos um tigre numa floresta daquela
região. Especula-se que é ascendente do Dálmata e que existiu em Portugal desde
o Séc. XVII. Tradicionalmente tem vindo a ser utilizado para guardar habitações,
fazendas e campos de arroz.
Estamos
na presença de uma raça que apresenta dimorfismo sexual e que ainda não foi
reconhecida pela FCI, que oscila entre os 65 e 75 cm de altura, com um peso
médio de 25 kg, de ossatura mais pesada que a visível na maioria dos galgos, apesar
de manter idêntica estrutura e a mesma profundidade de peito, sendo por isso um
lebrel com características de sabujo, o que leva alguns cinófilos a considerá-lo
um “scenthound”, até porque a sua cabeça difere da presente no lebrel,
porquanto se destina à caça do javali. Lembra de certo modo um Light Grand
Danois ou um Leão da Rodésia atendendo à sua forte musculatura. Apesar de ser
veloz e gracioso na marcha e no galope, no que lembra um cavalo isabel,
transita facilmente de andamentos.
Apresenta
cabeça em arco, elevada e destacada, com pele macia, solta e de pêlo curto,
características que se estendem a todo o corpo, contudo sem barbela e pregas.
Os olhos são castanhos, porta uma forte mandíbula em tesoura, as orelhas são
caídas e suaves e a sua cauda encaracola e seca. Apesar de haver Rajapalayans
de várias cores e malhados (castanhos e pretos), a cor preferida e de referência
é o branco-leite. O abate sistemático de exemplares doutras cores levou à
formação de um cão quase albino, totalmente branco com lunares e nariz
cor-de-rosa (ausente de pigmentação). Os cachorros que nascem com olhos claros
ou azuis são por norma surdos e a raça é dada a problemas de pele comuns aos
cães brancos, sendo a sarna um dos que mais afecta, ainda que de fácil
eliminação. No dia em que em que a manipulação genética se generalizar tudo
isso será eliminado. Sem saber como, os Tamil acabaram por produzir uma raça
albina.
Tão
bom a caçar à vista como pelo odor, que avisa em demasia, o Rajapalayam é um
cão caçador por excelência que exige sociabilização com pessoas, cães e outros
animais domésticos deste tenra idade. É amigo e leal ao dono, muito embora nem
sempre o demonstre. Cão de um só dono, não gosta de trocar de treinadores,
apesar de se integrar nas famílias sem dificuldades, detesta ser manipulado e
acariciado por estranhos, que tende a hostilizar e a expulsá-los como intrusos,
não suportando invasores, características que o tem alcunhado ali como “cão-homem”.
Por vezes a sua independência é confundida com distracção, dificuldade que
causa entraves nalguns exemplares, no desfasamento entre a carga instintiva e a
personalidade, pormenor que historicamente o tem obrigado à prisão em correntes
e que no parecer de alguns experts ocidentais
condiciona a sua prestação como guardião. Estamos na presença de um
pseudo-lebrel montanhês ou de um sabujo com
uma morfologia lebrel. Os Rajapalayam modernos tem sido perpetuados por
uma selecção draconiana, só tendo direito à sobrevivência os melhores caçadores
e protectores.
O
Rajapalayam não exige grandes cuidados de higiene (baixo grooming), deve ser
escovado regularmente com uma luva de borracha, no que não difere doutro cão,
as suas unhas deverão ser cortadas de duas em duas semanas e as suas orelhas
fiscalizadas. Não deverá ser sujeito a banhos constantes, para não lhe suprimir
os óleos protectores da pele, promover ausência pêlo nas articulações e calos.
Acostumado a viver do que caça, este cão não come pouco mas exige uma
actividade física média-alta para se manter em perfeitas condições físicas e
anímicas.
Como
estes cães no seu estado puro só são encontrados nas aldeias remotas e
montanhosas de Tamil Nadu e encontram-se em vias de extinção, crê-se que o seu
número oscilasse entre os 150 e 200 exemplares, o Kennel Club da Índia, através de um projecto chamado “Save the
Rajapalayam”, abriu um centro de reprodução em Saidapet, Chennai na início da
década de 80, o que contribuiu para o aumento do interesse, de criadores e cães
desta raça, projecto também votado ao sucesso pela aplicação da restrição relativa
ao número de cães importados. Terão os português algo a ver com o Rajapalayam?
Serão os galgos ibéricos seus ascendentes ou os portugueses descendentes? Não
sabemos, mas que estivemos na Índia e naqueles lugares 456 anos ninguém duvida,
como não se duvida que transportámos cães por toda a parte, mesmo para latitudes
onde não existiam. A história do Rajapalayam é apaixonante, vale a pena ser
lida e foi para nós um privilégio!
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