quinta-feira, 14 de julho de 2016

CORRER OU MARCHAR COM O SEU CÃO?

Permitam-nos contestar o exercício actualmente mais recomendado para donos e cães: Running with your dog, prática em voga por toda a parte, entendida como must e que pode reverter-se num grandessíssimo disparate. A prática da corrida conjunta irá exigir primeiro que donos e cães visitem os respectivos clínicos, para se aquilatar da saúde de ambos face ao exercício proposto, independentemente da idade de cada um. Cães e donos deverão fazer à priori um check-up anual, que lhes indicará estarem ou não em condições para a corrida. Não havendo riscos e contra-indicações, importa considerar a morfologia e biomecânica do cão, porque nem todos se prestam a correr de modo continuado, aumentando significativamente os seus ritmos vitais e estoirando-se precocemente, como vulgarmente acontece com os obesos, os privados de exercício diário, os portadores das diferentes displasias, os braquicéfalos, os cães miniatura, os bassetóides, os molossos acima dos 45 kg e os mais idosos, porque queiramos ou não, a trela ao ser um incómodo acabará por ser desprezada, perfazendo os cães mais quilómetros que os donos. Em simultâneo há que considerar a Estação do Ano e o horário da corrida, sabendo-se que ela não deverá ser efectuada nos dias e horas de maior calor, o que acontecer poderá perigar a saúde e a vida dos animais.
Nenhum grupo somático canino ou raça em particular se encontram apetrechados naturalmente para galopar distâncias acima de uma légua terrestre (5 km), havendo indivíduos de distintas raças caninas que abandonam o galope em distâncias inferiores aos 100m e outros que apenas o fazem em meia-dúzia de metros. Os cães são biologicamente maratonistas, ficando isso a dever-se ao seu carácter excursionista e territorial. Os domésticos, porque têm a comida à mão e não necessitam de caçar, também porque se encontram confinados, factores que os induzem à obesidade e ao encurtamento dos seus dias, são menos excursionistas que os selvagens, que chegam a defender e a inspeccionar territórios de caça entre os 15 e 50 km2 e a viverem para além dos 16 anos. Contudo, não o fazem a galope mas em marcha, porque doutra forma faltar-lhes-iam as forças para caçar durante o trajecto. Apesar do homem haver seleccionado e criado um grupo de cães próprio para as carreiras (lebréis), animais que facilmente transitam da imobilidade para o galope rápido, nenhum deles passa os seus dias a galopar continuamente e caso o fizessem, cadenciariam o galope e perderiam a requerida velocidade instantânea, pormenor que obriga os galgos a diferentes métodos de treino consoante se destinem a “corridas à pele”, às lebres mecânicas ou às naturais, actividades de alto risco que podem ser-lhes até fatais.
Se o andamento preferencial dos cães saudáveis é a marcha (andamento e velocidade de excursão), algo equivalente ao trote dos cavalos, que os dota da resistência inerente ao seu bem-estar, musculação e longevidade, pergunta-se: correr com eles para quê, uma vez que não desejamos estoirá-los? Há por aí muita gente que tenta erroneamente “rebentá-los” para que não façam disparates em casa ao invés de proceder à sua acertada coabitação e escalonamento social, valendo-se para isso de intermináveis correrias atrás duma bola ou doutro brinquedo, tolice que julga o exercício físico capaz de substituir ou preencher o viver social dos seus cães. E quando assim não fazem, valem-se de passadeiras mecânicas, jogam-nos em grandes espaços ou atrelam-nos a toda a sorte de veículos. A nosso ver, nada justifica correr com o cão a não ser o propósito de o induzir a entrar em marcha, andamento que o animal não pode dispensar a bem da sua saúde e que se compreende diante da incapacidade do dono em fazê-lo a andar ao seu lado, ligada ao seu despreparo físico ou à disparidade de tamanho entre ele ambos, quando o dono não tem “pernas para andar”, a passada do cão ultrapassa 120 cm ou sua cadência de marcha é por demais elevada. Correr com um cão miniatura, para além de desnecessário, é contraproducente, porque o cãozinho para acompanhar o dono terá de o fazer a galope e com facilidade entrará em marcha com o dono a andar sem qualquer esforço.
A experiência demonstrou-nos que uma jovem senhora de 1.55m, em boas condições físicas e disposição para isso, pode manter constante a capacidade de marcha de um Cão de Pastoral Alemão com 70cm de altura, pelo que qualquer indivíduo saudável poderá também fazê-lo! É salutar correr com o cão? É, desde que não se obrigue o animal ao galope constante e este tenha condições de acompanhar o seu dono em marcha. Isto significa que não devo consentir que o meu cão galope? De maneira nenhuma, porque este andamento é um dos andamentos naturais presentes nos cães que o usam quando necessário ou quando se sentem particularmente alegres. Quando o convidarei para o galope? Depois de convenientemente aquecido na marcha. A que velocidade média terei que andar para garantir a constância de marcha do meu cão? Se ele não ultrapassar os 75cm de altura basta deslocar-se a uma velocidade de 5 a 6 km/h (os cães miniatura exigem uma velocidade de 3km/h e por vezes até menos). Que distância deverei marchar com o meu cão diariamente para mantê-lo saudável? 5km diários para os cães médios e grandes, de 1.5 a 2km para os mais pequenos. Posso dividir essa distância em 2 percursos a horas diferentes? Pode e nalguns casos até é aconselhável.
Debaixo de que temperaturas deverei sair em excursão do meu cão? A temperatura ideal para isso deverá oscilar entre os 11 e os 23 graus celsius. Os cães acostumados aos climas mais frios podem fazê-lo entre os -2 e os 5º celsius e os acostumados aos climas setentrionais entre os 20 e os 28º celsius. Poderemos fazer a légua diária com temperaturas acima ou abaixo dos valores atrás indicados? Podemos, desde que os cães nasçam em ecossistemas com essas amplitudes térmicas ou tenham sido gradualmente preparados para isso. A partir de que idade encetarei a légua diária com o meu cão? Gradualmente, depois dele ter atingido a maturidade sexual (depois de fazer 7 meses de idade). Até lá, que distância deverei andar com ele diariamente? Dos 4 aos 7 meses vão de 1.5 a 3km, devendo os percursos ser subdivididos. Até que idade do cão deverei manter a légua diária? Basicamente até que o animal o faça sem esforço e mostre vontade para isso. Por norma, a partir dos 8 anos (nalguns casos a partir dos 6) reduz-se para metade a distância dos trajectos diários, mercê do estágio etário atravessado ou por força doutras debilidades (estamos a referir-nos aos cães “puros”, os filhos da selecção natural/rafeiros são mais longevos).
Garantindo a marcha do cão, o que será melhor: correr ou marchar com ele? Atendendo ao bem-estar do animal não subsiste nenhuma diferença que obste a qualquer das opções. Poderei fazer com ele mais do que uma légua diária? Poder, pode, mas não há necessidade disso, porque um cão acostumado à rotina da légua diária pode vir a bater distâncias esporádicas superiores aos 30km sem grande esforço. Normalmente quando se ultrapassa a légua diária assiste-se ao desinteresse do cão pela excursão, o que no caso dos mais submissos transforma-os inusitadamente em autómatos e menos solícitos. Porque devemos caminhar com ele uma légua diária? Porque abaixo dessa distância o cão dificilmente manterá a sua forma ou melhorá-la-á, não sofrendo por isso qualquer alteração benéfica. O que mais importa: pô-lo isoladamente a fazer a légua diária ou acompanhá-lo na excursão? O cão é um ser social e não dispensa o grupo, quando isolado tende à letargia e ao desinteresse, sentindo-se tal qual um escorraçado, pelo que adora partir à descoberta acompanhado e enquadrado, cabendo ao dono caminhar a seu lado para que se sinta útil e feliz.
Deverei mudar os trajectos de excursão? Sem dúvida! Mas nunca antes do animal ter sido aprovado nos anteriores. Quanto maior for a sua variabilidade, maior será também o interesse do cão pela excursão, desenvolverá e potenciará novas habilidades, tornar-se-á mais seguro e fortalecer-se-á no apego ao dono, seu líder e companheiro de jornada. Porque preferimos ordinariamente marchar ao invés de correr com os cães? Porque nos importa a sua salvaguarda, não queremos pôr em risco a integridade de terceiros, queremo-lo sempre o mais encostado a nós e apostamos na sua autonomia condicionada. À parte disto, ao marcharmos com o cão, poderemos fazê-lo por mais tempo e ganhamos saúde, temo-lo mais à mão, protegemo-lo e somos protegidos, desenvolvendo e ratificando a postura side by side que mais fortalece os vínculos binomiais e que leva à unidade por maior que seja o desafio.
Correr com os cães é óptimo pela evasão que transmite, mas marchar a seu lado ainda é melhor, porque o acompanhamento a par e passo fortalece quem marcha alinhado.

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