Permitam-nos
contestar o exercício actualmente mais recomendado para donos e cães: Running with your dog, prática em voga por
toda a parte, entendida como must e que
pode reverter-se num grandessíssimo disparate. A prática da corrida conjunta
irá exigir primeiro que donos e cães visitem os respectivos clínicos, para se
aquilatar da saúde de ambos face ao exercício proposto, independentemente da
idade de cada um. Cães e donos deverão fazer à priori um check-up anual, que
lhes indicará estarem ou não em condições para a corrida. Não havendo riscos e
contra-indicações, importa considerar a morfologia e biomecânica do cão, porque
nem todos se prestam a correr de modo continuado, aumentando significativamente
os seus ritmos vitais e estoirando-se precocemente, como vulgarmente acontece
com os obesos, os privados de exercício diário, os portadores das diferentes
displasias, os braquicéfalos, os cães miniatura, os bassetóides, os molossos
acima dos 45 kg e os mais idosos, porque queiramos ou não, a trela ao ser um
incómodo acabará por ser desprezada, perfazendo os cães mais quilómetros que os
donos. Em simultâneo há que considerar a Estação do Ano e o horário da corrida,
sabendo-se que ela não deverá ser efectuada nos dias e horas de maior calor, o
que acontecer poderá perigar a saúde e a vida dos animais.
Nenhum grupo
somático canino ou raça em particular se encontram apetrechados naturalmente
para galopar distâncias acima de uma légua terrestre (5 km), havendo indivíduos
de distintas raças caninas que abandonam o galope em distâncias inferiores aos
100m e outros que apenas o fazem em meia-dúzia de metros. Os cães são
biologicamente maratonistas, ficando isso a dever-se ao seu carácter excursionista
e territorial. Os domésticos, porque têm a comida à mão e não necessitam de
caçar, também porque se encontram confinados, factores que os induzem à obesidade
e ao encurtamento dos seus dias, são menos excursionistas que os selvagens, que
chegam a defender e a inspeccionar territórios de caça entre os 15 e 50 km2 e a
viverem para além dos 16 anos. Contudo, não o fazem a galope mas em marcha, porque
doutra forma faltar-lhes-iam as forças para caçar durante o trajecto. Apesar do
homem haver seleccionado e criado um grupo de cães próprio para as carreiras (lebréis),
animais que facilmente transitam da imobilidade para o galope rápido, nenhum
deles passa os seus dias a galopar continuamente e caso o fizessem,
cadenciariam o galope e perderiam a requerida velocidade instantânea, pormenor
que obriga os galgos a diferentes métodos de treino consoante se destinem a “corridas
à pele”, às lebres mecânicas ou às naturais, actividades de alto risco que podem
ser-lhes até fatais.
Se o andamento
preferencial dos cães saudáveis é a marcha (andamento e velocidade de excursão),
algo equivalente ao trote dos cavalos, que os dota da resistência inerente ao
seu bem-estar, musculação e longevidade, pergunta-se: correr com eles para quê,
uma vez que não desejamos estoirá-los? Há por aí muita gente que tenta
erroneamente “rebentá-los” para que não façam disparates em casa ao invés de
proceder à sua acertada coabitação e escalonamento social, valendo-se para isso
de intermináveis correrias atrás duma bola ou doutro brinquedo, tolice que
julga o exercício físico capaz de substituir ou preencher o viver social dos
seus cães. E quando assim não fazem, valem-se de passadeiras mecânicas,
jogam-nos em grandes espaços ou atrelam-nos a toda a sorte de veículos. A nosso
ver, nada justifica correr com o cão a não ser o propósito de o induzir a
entrar em marcha, andamento que o animal não pode dispensar a bem da sua saúde
e que se compreende diante da incapacidade do dono em fazê-lo a andar ao seu
lado, ligada ao seu despreparo físico ou à disparidade de tamanho entre ele ambos,
quando o dono não tem “pernas para andar”, a passada do cão ultrapassa 120 cm
ou sua cadência de marcha é por demais elevada. Correr com um cão miniatura,
para além de desnecessário, é contraproducente, porque o cãozinho para
acompanhar o dono terá de o fazer a galope e com facilidade entrará em marcha
com o dono a andar sem qualquer esforço.
A experiência
demonstrou-nos que uma jovem senhora de 1.55m, em boas condições físicas e
disposição para isso, pode manter constante a capacidade de marcha de um Cão de
Pastoral Alemão com 70cm de altura, pelo que qualquer indivíduo saudável poderá
também fazê-lo! É salutar correr com o cão? É, desde que não se obrigue o
animal ao galope constante e este tenha condições de acompanhar o seu dono em
marcha. Isto significa que não devo consentir que o meu cão galope? De maneira
nenhuma, porque este andamento é um dos andamentos naturais presentes nos cães
que o usam quando necessário ou quando se sentem particularmente alegres. Quando
o convidarei para o galope? Depois de convenientemente aquecido na marcha. A
que velocidade média terei que andar para garantir a constância de marcha do
meu cão? Se ele não ultrapassar os 75cm de altura basta deslocar-se a uma
velocidade de 5 a 6 km/h (os cães miniatura exigem uma velocidade de 3km/h e
por vezes até menos). Que distância deverei marchar com o meu cão diariamente
para mantê-lo saudável? 5km diários para os cães médios e grandes, de 1.5 a 2km
para os mais pequenos. Posso dividir essa distância em 2 percursos a horas
diferentes? Pode e nalguns casos até é aconselhável.
Debaixo de que
temperaturas deverei sair em excursão do meu cão? A temperatura ideal para isso
deverá oscilar entre os 11 e os 23 graus celsius. Os cães acostumados aos
climas mais frios podem fazê-lo entre os -2 e os 5º celsius e os acostumados aos
climas setentrionais entre os 20 e os 28º celsius. Poderemos fazer a légua
diária com temperaturas acima ou abaixo dos valores atrás indicados? Podemos, desde
que os cães nasçam em ecossistemas com essas amplitudes térmicas ou tenham sido
gradualmente preparados para isso. A partir de que idade encetarei a légua
diária com o meu cão? Gradualmente, depois dele ter atingido a maturidade
sexual (depois de fazer 7 meses de idade). Até lá, que distância deverei andar
com ele diariamente? Dos 4 aos 7 meses vão de 1.5 a 3km, devendo os percursos
ser subdivididos. Até que idade do cão deverei manter a légua diária?
Basicamente até que o animal o faça sem esforço e mostre vontade para isso. Por
norma, a partir dos 8 anos (nalguns casos a partir dos 6) reduz-se para metade
a distância dos trajectos diários, mercê do estágio etário atravessado ou por
força doutras debilidades (estamos a referir-nos aos cães “puros”, os filhos da
selecção natural/rafeiros são mais longevos).
Garantindo a marcha
do cão, o que será melhor: correr ou marchar com ele? Atendendo ao bem-estar do
animal não subsiste nenhuma diferença que obste a qualquer das opções. Poderei
fazer com ele mais do que uma légua diária? Poder, pode, mas não há necessidade
disso, porque um cão acostumado à rotina da légua diária pode vir a bater distâncias
esporádicas superiores aos 30km sem grande esforço. Normalmente quando se
ultrapassa a légua diária assiste-se ao desinteresse do cão pela excursão, o que
no caso dos mais submissos transforma-os inusitadamente em autómatos e menos
solícitos. Porque devemos caminhar com ele uma légua diária? Porque abaixo
dessa distância o cão dificilmente manterá a sua forma ou melhorá-la-á, não
sofrendo por isso qualquer alteração benéfica. O que mais importa: pô-lo
isoladamente a fazer a légua diária ou acompanhá-lo na excursão? O cão é um ser
social e não dispensa o grupo, quando isolado tende à letargia e ao
desinteresse, sentindo-se tal qual um escorraçado, pelo que adora partir à
descoberta acompanhado e enquadrado, cabendo ao dono caminhar a seu lado para
que se sinta útil e feliz.
Deverei mudar os
trajectos de excursão? Sem dúvida! Mas nunca antes do animal ter sido aprovado
nos anteriores. Quanto maior for a sua variabilidade, maior será também o
interesse do cão pela excursão, desenvolverá e potenciará novas habilidades,
tornar-se-á mais seguro e fortalecer-se-á no apego ao dono, seu líder e
companheiro de jornada. Porque preferimos ordinariamente marchar ao invés de
correr com os cães? Porque nos importa a sua salvaguarda, não queremos pôr em
risco a integridade de terceiros, queremo-lo sempre o mais encostado a nós e
apostamos na sua autonomia condicionada. À parte disto, ao marcharmos com o
cão, poderemos fazê-lo por mais tempo e ganhamos saúde, temo-lo mais à mão,
protegemo-lo e somos protegidos, desenvolvendo e ratificando a postura side by side que mais fortalece os
vínculos binomiais e que leva à unidade por maior que seja o desafio.
Correr com os cães
é óptimo pela evasão que transmite, mas marchar a seu lado ainda é melhor,
porque o acompanhamento a par e passo fortalece quem marcha alinhado.
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