É muito difícil fazer
compreender as diferenças a quem julga a parte pelo todo e que ainda por cima
não faz questão de mudar. Generalizar não requer grande conhecimento e é bitola
quanto baste para quem vive na ignorância. Uma cachorra Border Collie, agora
com 7 meses, foi abandonada numa auto-estrada pela companheira do seu dono, sem
conhecimento dele, quando tinha apenas 4 meses de idade. Como o animal
intentava voltar para o carro, a mulher desferiu-lhe uns quantos pontapés e
pôs-se em fuga. Felizmente a cachorra veio a ser recolhida por um homem que é
proprietário de um café-esplanada, que a acolheu como sua e a tem criado com
muito carinho. Dentro da quinta que possui, a cadelinha é feliz, extrovertida e
segura mas na rua treme que nem varas verdes e foge das senhoras que com ela se
cruzam, porquanto ficou traumatizada. O novo dono, que ignorava o trauma da
cadela, decidiu pedir ajuda a um profissional, que fazendo uso amiúde da
recompensa, pacientemente e segundo as pequenas vitórias que vai alcançando, lá
vai a duras penas equilibrando a cachorra, que pouco a pouco (por vezes com
alguns reveses) se vai libertando do trauma que a tem acompanhado.
Fixada na recompensa, a
cachorra vai fazendo o “junto” de modo acertado, muito embora trema quando
sente alguém atrás de si e quando alguma senhora fala mais alto ou é demasiado
exuberante no seu gesticular, tremendo também diante de carrinhos de bebé, gente
a correr, bengalas, bicicletas e roídos inesperados. Como se depreende, não tem
sido fácil ensinar-lhe o “fica” (quieto) à distância na via pública, porque não
se sente à vontade e põe-se em fuga, muito embora já consiga ficar quieta, por
tempo indeterminado, junto do treinador quando este se encontra ao seu lado,
sentado numa das mesas da dita esplanada, mostrando-se ali relaxada e
indiferente àquilo que a rodeia, avanço que alvitra a sua possível recuperação.
Contudo, o medo da cachorra salta à vista de todos quando é solta por breves
instantes, porque se intimida perante os olhares alheios, contorna quem dela se
aproximar e foge de quem intenta acariciá-la, procurando refúgio junto do treinador
nessas ocasiões. E porque ainda não se encontra preparada para tal, o adestrador
tem optado por mantê-la atrelada e junto de si, só a soltando quando o volume
de transeuntes é menor, estratégia que se tem revelado acertada pelos resultados
alcançados.
A animais com traumas
destes não se pode forçar a amizade, há que dar tempo ao tempo e esperar que a
cadela se sinta cómoda, que seja ela a tomar a iniciativa de se dirigir às
pessoas e não o contrário, pormenor de suma importância que o vulgo ignora. Num
destes dias, quando a cachorra se encontrava deitada ao lado de quem a ensina,
uma senhora volumosa, de grandes braços flácidos e linguagem aguda e
estridente, decidiu partir para cima do animal no intuito de lhe fazer festas,
acto que fez por iniciativa própria e sem consultar ninguém. A cachorra acabou
por apanhar um susto tremendo e regrediu no que até ali havia alcançado,
mostrando-se agora ainda mais receosa das senhoras. Educadamente e com voz
suave, o adestrador explicou àquela senhora a causa daquele comportamento, o
acto reflexo da cadela e a impropriedade do seu acto arbitrário, merecendo daquela
bem-intencionada criatura a seguinte e inesperada resposta: “Já vi que consigo
não se pode falar!”
E mais não disse e nada mais há para dizer, a não ser que de boas-intenções estão o Céu e o Inferno cheios!
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